segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Vidas de professores

Manuela Salvador Cunha, professora do ensino secundário e articulista de O Primeiro de Janeiro, escreve hoje sobre os professores. A história que perpassa por esta crónica é simples, é verdadeira (infelizmente), encontra razões e espelha o que se sente em muitas escolas. É caso para perguntar se o ambiente escolar está a contribuir para ajudar o tão propalado "sucesso" e se está a resultar do respeito pelo trabalho, pela educação e pela profissão?
"Os professores estão a viver nestes últimos meses numa bolsa de angústia, misto de revolta, espanto, incredulidade, dúvidas. Toda a legislação que tem saído sobre a avaliação do professor, precedido da proclamação do estatuto do aluno, deixam os professores perplexos, muito zangados. Os erros, as incongruências, a inexequibilidade de muitas orientações imanadas do ministério, a burocracia que transpira por todos os poros das novas legislações são tantas que tudo o que apetece é fugir e deixar tudo para trás. E depois, a legislação que o ministério da educação manda cá para fora em catadupas é tanta que nem dá tempo de ser convenientemente assimilada.
Ninguém acredita já que este ritmo resulte de um trabalho intenso que mereça todo o apreço dos portugueses. Não é que não haja trabalho da senhora ministra e dos seus colaboradores. Agora, uma revolução de fundo como a que ela está a tentar fazer exige maturação, muita reflexão, muito diálogo com as partes que têm formação e conhecimentos na área. Ora isto é impossível acontecer no tempo recorde em que a senhora ministra manda cá para fora despachos e decretos. Que está ela a pretender com isto? Concretizar uma reforma antes do governo entrar no estado de graça que precede as eleições? Deve ser isso.
Mas sobretudo os professores estão saturados de tanta reunião, (uma colega disse-me há pouco que só nas reuniões intercalares do primeiro período esteve 24 horas a mais na escola (prolongamentos, repetições etc). Direi que isto é demais. Os professores estão fartos de tanto papel, de tanta burocracia, de tantos parâmetros, de tanto tempo mal aproveitado que não lhes deixa tempo útil para a sua função primordial: preparar e dar aulas; estudar para ser mais capaz e melhor professor.
Não sei o que vai acontecer aos professores novos - se vão aceitar ser funcionários do ensino: escrevinhadores de papelada; acumuladores de reuniões; ensinantes nas horas que sobram – mas sei que os mais velhos estão a bater em retirada. Deram a vida pela educação e pelo ensino, estudaram, procuraram melhorar o seu desempenho, muitos deram algum do seu tempo livre para promover acções de valorização dos alunos, visitas de estudo etc e a maioria desempenhou, a gosto ou a contra-gosto, cargos na escola. E agora sentem-se injustiçados. Retiraram-lhes a autoridade que é fundamental em quem se pretende educador; desacreditaram-nos perante alunos e público em geral; fazem-lhe propostas de trabalho desinteressantes; propostas de avaliação completamente insensatas.
Dirá talvez a senhora ministra que vão-se os velhos, haverá sempre gente nova. E quem sabe, talvez pense que se poupa, assim, algum dinheiro.
Só que…. há sempre um mas. Sem tirar o mérito à energia e à criatividade da juventude, há uma verdade que todos com certeza reconhecem: é que o conhecimento e a sabedoria se vão acrescentando com a idade. Por isso nem só professores novos, nem só professores velhos. Mas parece que estes estão decididos, numa grande maioria, a bater com a porta. É pena, mas é compreensível.
"

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