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segunda-feira, 31 de julho de 2023

A proibição do primeiro livro de Romeu Correia



Sábado sem sol em 1.ª edição (1947), em 2.ª edição (1975); recorte de O Setubalense, de 13.Agosto.1975


No número 51 do jornal Mundo Literário, de 26 de Abril de 1947, o crítico Nataniel Costa (1924-1995) escrevia sobre “um jovem auto-didata cuja experiência da arte de escrever era quase nula e cuja cultura tem sido adquirida, em grande parte, nas bibliotecas populares da sua terra”, que tinha publicado “um volume de contos, sob vários aspectos, digno da maior atenção.” O autor apreciado era Romeu Correia (1917-1996), almadense, que acabara de publicar o seu primeiro livro, Sábado sem sol, constituído por oito contos.

O Mundo Literário, em cuja direcção pontificaram nomes como Jaime Cortesão Casimiro e Adolfo Casais Monteiro, iniciado em Maio de 1946, teria apenas mais dois números na sua vida - um, em Maio de 1947, e outro em Maio de 1948. A publicação acabou devido a pressões várias, a que não foi estranha a influência do poder político. E, coincidência das coincidências, o livro, publicado cerca de dois meses antes desta crítica (em 5 de Fevereiro), seria proibido em 10 de Maio (duas semanas depois do escrito de Nataniel Costa) pela Direcção dos Serviços de Censura.

Na crítica saída neste periódico cultural, eram avançadas algumas linhas que podem ajudar a compreender o destino desta obra, considerada “prova clara de que estamos perante um jovem escritor que soube encontrar na vida do povo os motivos e a razão dos seus contos; que conhece e sente os ambientes que descreve”, sendo perceptível “uma identificação do autor com essas vidas - o sentir seus, também, os dramas e as esperanças dessa gente - o que nos parece constituir uma das mais importantes condições para a realização de uma literatura sincera e humana.” Apesar de indicar algumas fragilidades na construção das narrativas e no “poder artístico”, a avaliação de Nataniel Costa deixou-se cativar por aspectos como a vivacidade e naturalidade dos diálogos, o poder de observação e o conhecimento da realidade, factores que levaram o crítico a concluir que aquelas histórias eram mais “coisa vista do que imaginada”. Obviamente, uma escrita que ia ao encontro da estética neo-realista e que, como tal, mereceria a desconfiança da censura...

 

Os “critérios” do censor

Quando o capitão José da Silva Pais, em 10 de Maio de 1947, se dirigiu ao director da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), rogando-lhe que mandasse “proceder à apreensão do livro intitulado Sábado sem sol da autoria de Romeu Correia”, fê-lo com base no relatório subscrito pelo capitão Borges Ferreira, em que eram apontadas as faltas cometidas pelo autor: “este livro de contos é, de um modo geral, bastante mau, porque aproveita a mais pequena oportunidade para focar a questão social.” O desprezo a que a obra era votada neste relatório não tem qualquer relação com a estética ou com a criação, antes se preocupa com o retrato social traçado, chegando ao ponto de pôr condições para que “talvez o livro possa ser publicado”: a primeira, no sentido de os contos “Chegou o carvoeiro”, “Sempre Menino” e “Novela interrompida” (na sua terceira e quinta partes) serem suprimidos; a segunda, exigindo que fossem eliminadas “várias frases mal sonantes, de uma moral bastante duvidosa”, encontradas em dezena e meia de páginas do livro, devidamente indicadas. Curiosamente, o crítico Nataniel Costa considerara que os contos “Chegou o carvoeiro” e “Novela interrompida” eram experiências que provavam que “o seu autor pode, se souber superar-se por um trabalho sério e constante, vir a escrever obra de valor”...

O espírito de censor de Borges Ferreira permitia-se concluir o relatório de uma maneira que aviltava a obra apreciada: “São contos sem moral, sempre a puxar para a questão social e, portanto, não sei a quem possa interessar semelhante livro.” No entanto, o leitor perceberá o porquê das palavras de Borges Ferreira, se ler os textos punidos, que fizeram com que este título de Romeu Correia entrasse para o rol dos títulos proibidos, tal como consta referido nas obras Livros proibidos no regime fascista (1981) ou em Obras proibidas e censuradas no Estado Novo (2023).

 

Os pruridos do censor

“Chegou o carvoeiro” é o conto que abre a obra, contando o momento da descarga de um cargueiro inglês que transportava carvão, acção passada em Almada, “onde está a Companhia de Pesca”, e deixando perpassar as condições sub-humanas, as dificuldades e a dureza da vida dos descarregadores, pessoas contratadas para aquele serviço, de escassos dias, que levam uma personagem, o Ruivo, a combinar um acidente que o atinge e lhe deixa o pé “em pasta de sangue” para assim obter “sessenta dias de reforma”, enquanto os seus companheiros finalizavam a tarefa e deixavam de ter outra subsistência. A imagem do tratamento dado aos homens ou das condições de vida perpassam por excertos como: “o encarregado percorre com o olhar zeloso os homens perfilados, como marchante a ver bois de carga em feira aberta” ou “a luta do trabalho recomeça, violenta, brusca, raivosa, contra o destino inelutável dos que mourejam” ou ainda “há três dias que dura a descarga - três dias de pesadelo!”

“Sempre menino” relata o encontro de um jovem de 18 anos, Paulo, que vive com uns tios que lhe garantem o quotidiano mais ou menos aburguesado, com a namorada, Lídia, costureira, filha de um casal em que o pai alcoólico exercia a violência doméstica. A barraca em que viviam a mãe de Lídia e os quatro filhos (tinham fugido da casa de família) é pretexto para a descrição das condições de vida - uma cama servia para os cinco e, perante as dificuldades, Paulo levara mesmo um cobertor de sua casa para deixar com a família. Pelo conto perpassam ainda algumas situações de fantasia sexual do rapaz, que, chegado a casa, adormece, sonhando com uma tia, em imagem que sobrepõe com a da irmã da namorada.

“Novela interrompida”, narrativa em vários capítulos, aborda as condições de vida das mulheres no mundo fabril (corticeiras) e a reivindicação que apresentaram para um aumento de salário, situação que originou uma manifestação e o confronto com a força policial. Aspectos fortes são o momento em que um elemento da força de segurança esbofeteia a sua mulher, que era uma das manifestantes, ou o da dactilógrafa que goza com os aumentos que as trabalhadoras da fábrica pretendiam ou as insinuações e ameaças feitas a Valério, o ajudante de guarda-livros, que, por se ter solidarizado com um jovem trabalhador exausto, foi acusado de ser “homem de ideias perigosas”, conspirador e “inimigo da civilização cristã”.

Das dezasseis referências a páginas em que fragmentos do texto deveriam ser alterados, uma dúzia diz respeito ao conto “Mestra”, por aí passando as tensões sociais entre a empregadora dona da casa de costura e as costureiras (“os olhos das operárias cobiçam todo aquele recheio” do mobiliário da casa da Mestra; a desconfiança da mestra, que marcava tudo em casa para impedir a tentação de desvio das coisas pelas empregadas, considerações da ex-operária sobre a “exploração infame” na casa da Mestra, o trabalho em série e sem direitos, o canto das raparigas durante a ausência da mestra - “se somos pela igualdade, / temos direitos iguais” -, as visões sobre a sexualidade - a “sorte” da rapariga com casa posta pelo amante, o consentimento do pai quanto aos devaneios do filho porque este estava “na idade de gozar”, a gravidez clandestina escondida). Referência também importante é a que consta em página do conto “Rumo”, em que o leitor assiste ao cansaço de Ernesto, personagem que se sente explorada “a alombar e a ouvir ralhos” e que, no final do conto, se escapa, deitando-se num canavial de onde vê os operários que vão chegando e ouve os apitos da fábrica e decide que lhe “não hão de comer os ossos”, tendo em mente a fuga para a América...

 

28 anos passados, a 2.ª edição

Só em 1975 surgiu a segunda edição de Sábado sem sol (aumentada com dois contos), altura em que Romeu Correia revelou que a venda dos exemplares da edição inaugural dera um lucro de 3900$00, verba que foi canalizada para “as bibliotecas da Incrível e da Academia Almadense”, conforme era referido na contracapa de 1947. Na introdução feita para a edição de 1975, o autor explicava: “Testemunhar os problemas sociais, os conflitos de classe, os dramas humanos, revelando e condenando o mundo injusto e contraditório que nos rodeia e oprime, é a função primeira do contador de histórias.” E o leitor percebe que as observações feitas por Nataniel Costa em 1947 tinham toda a razão de ser - estas histórias eram mais fiéis ao “ver” do que ao “imaginar”.

Nesse mesmo ano de 1975, na sua edição de 13 de Agosto, o jornal O Setubalense publicava excertos do conto “Chegou o carvoeiro” e, assinado por M. Gonçalves Martins, havia um rápido texto de apresentação sobre o livro: “são pedaços sangrentos arrancados à vida dura dos homens humildes que labutavam duramente na região de Almada.”

A pressão que a censura exerceu sobre a criação literária, como o escritor almadense recordava no Diário do Alentejo, em 20 de janeiro de 1987, levou a que os autores se autocensurassem e não tivessem liberdade criativa: “Aqui há uns anos, estávamos a escrever e às tantas dizíamos: isto não passa na Censura. E eliminávamos grandes passagens do que escrevíamos. Em vez de um livro fazíamos abortos. (...) O pior censor não era o que estava lá fora à nossa espera. O pior censor era o censor que cada escritor tinha dentro de si. Era um acto de coragem escrever um livro.” Quanto à proibição de “Sábado sem sol”, reconhecia não ser “um grande livro”, ao mesmo tempo que explicava: “um livro para ser apreendido pela PIDE não precisava de ser grande coisa, podia não valer nada; a PIDE é que tornou esse livro conhecido.”

Recentemente, o livro teve direito a edição fac-similada sobre a primeira edição, incluído na colecção “Biblioteca da Censura”, forma interessante de trazer este autor para a actualidade depois de anos de esquecimento para lá dos limites do local. Por estes contos perpassam os momentos de fragilidade e exploração, de miséria e exclusão, mas também marcas de ironia e de uma certa atitude de denúncia, aspectos que conferem a esta obra, como Maria Graciete Besse referiu no diário Público (23 de junho de 2023), o estatuto de “interessante documento histórico-social sobre a Outra Banda na primeira metade do séc. XX.”

João Reis Ribeiro. "500 (e mais) palavras". O Setubalense: nº 1127, 2023-07-31, pp. 174-175.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Livros amordaçados (2)


Poemas de Egito Gonçalves, in A Viagem com o teu Rosto - proibido em 1959

Em 1970, no sexto volume de Páginas, Ruben A. (1920-1975) confessava: “O que sinto mais terrível de tudo é o eu próprio fazer a primeira censura, quando escrevo já estou a fazer-me censuras, a ver se passa, equilibrar a prosa, falar nas entrelinhas, mentir. Esta censura mental, esta rede que coloco no pensamento é que é o verdadeiro drama.” Um quarto de século antes, ao Diário de Lisboa (17 de Novembro de 1945), Ferreira de Castro (1898-1974) dava longa entrevista sobre o tema da censura, puxada para a primeira página sob o título “O momento político: ‘O mal não está apenas no que a Censura proíbe mas também no receio do que ela pode proibir’ - diz-nos o escritor Ferreira de Castro”.

Ambos os escritores estavam a referir-se à mesma coisa - a auto-censura e o papel que os serviços de censura desempenhavam na criação artística. E Ferreira de Castro ia mais longe, ao afirmar: “O que se tem estado a fazer em Portugal é desfalcar o futuro do legado espiritual que lhe podíamos deixar. (...) Os livros nacionais publicados na última década estão, geralmente, deformados pelos seu próprios autores, receosos da censura.”

Ao percorrermos as justificações para interdição ou recomendações de alteração reproduzidas em Obras proibidas e censuradas no Estado Novo, não restam dúvidas sobre a forma como esta influência se exercia. Joaquim Lagoeiro (1918-2011) viu a decisão final para o romance Os Fraldas, em despacho de Junho de 1950 - “autorizado com cortes”, baseado no parecer que argumentava ser o livro “profundamente mau”, questionando se o autor “poderá refundir o livro, de modo a fazer desaparecer a feição comunista que actualmente apresenta” e admitindo: “atendendo  às condições presentes, julgo que será de autorizar com os cortes que fiz a azul.” De igual modo, a obra Romances do mar, de Bernardo Santareno (1920-1980), impressa em 1955, repositório de “versos maus, doentios, irreligiosos, associais e imorais, numa palavra, deseducativos”, levou o director a despachar: “Poderá ser publicado, desde que seja suprimida a poesia ‘Romance do Pescador Velho’”.

Não havendo dúvidas sobre o papel que a  censura queria exercer sobre a consciência dos escritores, também perpassa, em situações variadas, uma sensação de hipocrisia por parte dos decisores, sobretudo relacionada com as inconveniências que pudessem resultar das interdições, como foi o caso da obra Bichos, de Miguel Torga (1907-1995), que, em 1951, teve o seguinte despacho: “Este livro (...), embora inconveniente, não foi autorizado nem proibido, por razões óbvias”, pois o autor é “escritor de forte poder de aceitação por leitores de deficientes recursos espirituais”, que “procura motivos sugestivos, em prol da descrença, da aversão ao dirigente ou ao afortunado, fomentando o desrespeito social.”

Caricata, pelos motivos invocados, se torna a razão da proposta de proibição da  Antologia de poesia portuguesa erótica e satírica, organizada em 1966 por Natália Correia (1923-1993): “não é possível admitir que seja viável a circulação deste livro em Portugal, dado o seu carácter pornográfico.  (...) Fica-nos a impressão de que esta obra pretende ser a contribuição comunista para as comemorações bocageanas que estão em realização.”

É evidente que a prática da censura durante o Estado Novo quis construir normas para controlar mentalidades. Mas as consequências foram brutais - como Álvaro Seiça recorda, elas foram “físicas, materiais e psicológicas”, com escritores exilados e violentados, numa prática que permitiu mesmo que alguns fossem publicados “para não levantar ‘publicidade’ inoportuna após vários anos de circulação, sendo negadas recensões ou citações nominais em jornais”. Em suma: uma morte que pretendeu ir muito além daquilo que seria o acto de escrever, visando a limitação na criatividade, na opinião e na denúncia. No fundo, o amordaçar do livro e do pensamento, prática que este catálogo Obras proibidas e censuradas no Estado Novo pretende não se repita!

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1009, 2023-02-08, pg. 10.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Livros amordaçados (1)



Em 26 de Abril de 1974, o edifício-sede dos Serviços de Censura, na Rua da Misericórdia, em Lisboa, foi invadido e parte significativa dos haveres em arquivo foi atirada pelas janelas ou furtada. Salvaram-se, no entanto, cerca de mil e duzentos títulos, graças ao pedido que A. H. Oliveira Marques (1933-2007) fez  a um seu colaborador no sentido de ser feita a recuperação dos livros que ainda estariam naquele serviço, acervo que passou a integrar a Biblioteca Nacional.

A coincidir com a publicação da colecção “Biblioteca da Censura” (que o jornal Público tem vindo a distribuir nos dias 25, num projecto que irá até Abril de 2024), a Biblioteca Nacional de Portugal acaba de publicar o seu catálogo Obras proibidas e censuradas no Estado Novo, com estudos introdutórios de Álvaro Seiça e de José Pedro Castanheira, compreendendo a descrição dos títulos da Biblioteca dos Serviços de Censura e a lista das obras proibidas que existiam na Biblioteca Nacional e não podiam vir a público, além de excertos de relatórios dos leitores que serviam para fundamentar a autorização ou a proibição das obras.

Sobre as origens dos títulos proibidos pouco se sabe - oriundos de bibliotecas particulares ou de associações recreativas, de livrarias, de editoras, por certo, mas sem haver indicação precisa desse ponto de recolha. Livros em português ou noutras línguas, provenientes de diversos países, muitos deles proibidos, outros autorizados apenas em língua estrangeira ou porque a proibição poderia dar nas vistas - enfim, um  mundo de decisões onde parece campear a arbitrariedade ou o gosto discutível. Proibidos eram temas como a Rússia ou URSS (chegando-se ao ponto de proibir títulos como uma Histoire de la Littérature Russe, de Hofmann, ou guias linguísticos como Le Russe: Manuel de langue russe pour les français, de Potapova, ou Elementary Russian Conversation, de Kany e Kaun), a China, a sexualidade, o retrato de questões sociais delicadas, o pensamento contra a religião. Fosse como fosse, está o leitor perante aquilo que Maria Inês Cordeiro, na apresentação desta obra, escreveu: “a memória de uma biblioteca  para não ser lida, um testemunho do que é contrário à própria ideia de Biblioteca.”

As justificações para as propostas de interdição assentam sempre em argumentos que pretendem ser moralizadores - por exemplo quem leu um título como Harmonia e  desarmonia conjugais, de A. César Anjo (colecção “Saber”, 1950), opinou: “Trata-se de uma porcaria desmoralizadora e desmoralizante, encapada no disfarce dum pseudo cientismo técnico que só pode enganar primários ou muito incautos. Julgo de proibir rigorosa e urgentissimamente, por se estar a vender na Feira do Livro com toda a força, numa sementeira maléfica de  todas as horas.”

O almadense Romeu Correia (1917-1996) viu o seu livro Sábado sem sol proibido em 1947, decisão assim justificada pelo censor: “Este livro de contos é, de um modo geral bastante mau, porque aproveita a mais pequena oportunidade para focar a questão social. (...) São contos sem moral, sempre a puxar para a questão social e, portanto, não sei a quem possa interessar semelhante livro.”

A hesitação da censura quanto à proibição ou não de um livro surge a propósito de um título como La peau, de Curzio Malaparte (1898-1957), proibido em 1960 com o seguinte argumento: “um livro (...) que apesar de bem escrito, o é por um comunista”. Uma década depois, outro relatório dizia para o mesmo título: “Autorizado o original e qualquer versão em língua estrangeira, mas vedada a autorização para qualquer tradução para língua portuguesa, seja qual for a sua origem.” Assim, a leitura era permitida ao grupo restrito dos que soubessem falar outra língua...

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1004, 2023-02-01, pg. 9.


quinta-feira, 19 de março de 2015

Para a agenda: Natália Correia em Setúbal 50 anos depois



Uma peça com meio século, O Homúnculo, de Natália Correia, sobe ao palco em Setúbal, com as caras do Teatro Estúdio Fontenova. A peça que terá irritado Oliveira Salazar e que teve o carimbo da proibição logo que nasceu. Entre 20 e 22 de Março, em Setúbal. Para a agenda.
Segundo referiu Fernando Dacosta, em artigo divulgado no diário Público, em 14 de Maio de 2014, «o caso mais surpreendente ocorrido com Natália Correia no tempo da ditadura deu-se (…) com o Homúnculo, arrasadora peça (nunca representada) sobre Salazar — que a leu num serão, não conseguindo, impressionadíssimo, dormir nessa noite. No dia seguinte Silva Pais procurou-o para lhe comunicar a apreensão da obra e a (iminente) prisão da autora. Depois de prolongado silêncio, o presidente do Conselho de Ministros respondeu: “Fizeram bem em retirar o livro mas não toquem em Natália Correia porque é uma pessoa muito, muitíssimo inteligente!”»
Para a agenda!

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Alves Redol inicia "Livros Proibidos" no "Público"



Com a edição do Público de hoje começou a ser publicada a colecção “Livros Proibidos”, de autores portugueses, em edições facsimiladas, cada uma delas inserindo o relatório do censor em que a proibição é justificada. Obras com primeira edição surgida entre a década de 1930 e a de 1960, todas demonstram até onde iam os argumentos da censura, que zelava pela manutenção da ordem e dos bons costumes.
A lista compreende treze títulos, com saída a ritmo semanal, e foi iniciada com Gaibéus, de Alves Redol, impresso no final de 1939. Considerado hoje um dos títulos mais importantes do Neo-Realismo, este romance de Redol foi proibido por despacho de 26 de Abril de 1940, dizendo o censor estar-se perante “um autor de forte poder de análise”, com um livro que, “além de juntar a cores fortes um quadro de miséria dolorosa, foca também o aspecto social do drama dos humildes ceifeiros”. Como resultado, não se está perante “um livro revolucionário porque os personagens são humildes mesmo perante a brutalidade dos capatazes”, mas… o último parágrafo do parecer justifica a proibição: é que “há páginas neste livro que chocam pelo realismo, que nalgumas se transforma em pornografia e prejudiam o seu incontestável valor.”
Os outros doze títulos que compõem a série são: Histórias de Amor (1952), de José Cardoso Pires (em 17 de Abril); Fátima: Cartas ao Cardeal Cerejeira (1955), de Tomás da Fonseca (em 24 de Abril); Povo (1947), de Afonso Ribeiro (em 1 de Maio); Quando os Lobos uivam (1958), de Aquilino Ribeiro (em 8 de Maio); O Encoberto (1969), de Natália Correia (em 15 de Maio); Vagão J (1946), de Vergílio Ferreira (em 22 de Maio); Rã no Pântano (1959), de António de Almeida Santos (em 29 de Maio); Minha Cruzada Pró-Portugal: Santa Maria (1961), de Henrique Galvão (em 5 de Junho); Um Auto para Jerusalém (1964), de Mário Cesariny de Vasconcelos (em 12 de Junho); Diário VIII (1959), de Miguel Torga (em 19 de Junho); Refúgio Perdido (1950), de Soeiro Pereira Gomes (em 26 de Junho); Escritos Políticos (1969), de Mário Soares (em 3 de Julho).

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 100
Gomes Sanches I – Muitas vezes nos encontrámos. Invariavelmente, na Culsete, em Setúbal, à volta de livros e de conversa, motivados pelo seu quê de tertúlia com o Manuel Medeiros. Sempre com uma pasta ou com livros. De poesia. Entremeados com umas folhas manuscritas. De poemas. Por vezes, fez de mim primeiro leitor. E, braços abertos, declamava, que as palavras, quando ditas, podem ser mais próprias e mais intensas do que quando escritas. Gosta? Eram poemas da (sua) vida. Nas sessões culturais animadas pelo Medeiros, na mesma Culsete, ele estava sempre presente. E intervinha. Normalmente com poema. Nem sempre de sua lavra, que Pessoa era um dos seus favoritos. No dia 2 de Maio, soube da sua morte, ia eu a caminho de uns livros. Logo ali me atacou a saudade e me inundou a memória. E, ao chegar a casa, tive que espreitar alguns dos seus poemas.
Gomes Sanches II – José dos Reis Gomes Sanches nasceu em Aldeia Velha, no Sabugal, em Janeiro de 1936. Na juventude, estudou em Vila Nova de Gaia. Cursou Direito, tendo estudado em Coimbra mas concluindo a licenciatura em Lisboa. Vivia em Setúbal desde 1977. Deixou publicadas as obras Percurso de circunstâncias (Setúbal: 2002) e Espaço de memórias (Setúbal: 2006), ambas em edição de autor.
Censura – Continuo sem perceber o que pode levar uma cadeia de supermercados a recusar vender um livro de João Ubaldo Ribeiro, que foi Prémio Camões. Já não bastava a ditadura dos gostos no consumo, ainda faltava a censura literária! Deve o sapateiro…?
Setúbal – Não tenho compromisso para as eleições autárquicas com ninguém. Espero ver as propostas que os candidatos vão apresentar, mas já há coisas estranhas: o que pode trazer de útil uma candidatura que se anunciou com o objectivo de contestar a actual Presidente de Câmara, não tendo esse anúncio uma palavra que fosse para Setúbal, antes denotando uma guerra pessoal? Na verdade, o concelho de Setúbal não merecia tão pouco ou tão nada...
Cem – É isso. Esta é a centésima página do “Diário da Auto-Estima”, que aqui se vai escrevendo desde 15 de Outubro de 2004. Com as marcas da efemeridade, claro. E com os (des)gostos que tecem os dias. Vale a pena, leitor?

sábado, 9 de maio de 2009

O livro de Ubaldo Ribeiro, a censura de um supermercado e a opinião de Pedro Mexia

A bunda e a ameaça
«Que maçada, mais um artigo sobre a liberdade de expressão, como se a liberdade de expressão estivesse em causa, mais um texto sobre a censura, como se houvesse alguma censura. Isso não são assuntos reais, assuntos importantes, assuntos que interessem aos portugueses, é apenas entretenimento de intelectual, de desocupado, de burguês.
Gostava que o parágrafo anterior fosse uma caricatura, mas cada vez mais corresponde ao que ouço em conversas sempre que alguém defende à mesa a liberdade de expressão. Cada vez mais as opiniões restritivas das liberdades vão sendo mais aprovadas. Não se pode desenhar um Papa com um preservativo no nariz. Não se pode mostrar um Che de bigode hitleriano. Não se pode fazer piadas com as amantes de Salazar. Não se pode publicar cartoons de Maomé. Não se pode ter linguagem preconceituosa. Não se pode. Há nessa matéria uma grande aliança, uma das mais importantes do nosso tempo, entre os reaccionários conservadores e os reaccionários progressistas. Gente que "até concorda" com a circulação livre de palavras, imagens e ideias, "mas com limites". Os limites deles, bem entendido.
É por isso que tudo o que seja atentado à liberdade de expressão deve ser denunciado, criticado, satirizado. Há muito lixo, muita coisa duvidosa, questionável? É possível e provável, mas entrar nessa discussão é já entrar num jogo viciado. Quando a liberdade de expressão é atacada, não se discutem minudências. Há muitas coisas de que eu não gosto, mas não quero viver num mundo em que só exista aquilo de que gosto ou com que concordo. Somos todos crescidinhos, vivemos em sociedades conflituais e complicadas, há que aceitar o conflito e a complicação, encaixar os ataques, as opiniões ofensivas, fazer boa cara à indispensável selva que é viver com os outros.
Por isso, quando uma cadeia de supermercados recusa, pela segunda vez, pôr à venda um romance que considera "pornográfico", convém não encolher os ombros. A Casa dos Budas Ditosos (1999) é uma confissão sexual de uma sexagenária, culta e desabrida, e que cultiva um pansexualismo desenfreado. De "tomar nas coxas" até "comer os amigos", o texto é uma festa pagã de "puxa roupa, tira roupa, aperta pau, dá chupão, chupa peito, lambe xoxota". Daí não vem mal ao mundo. O autor, João Ubaldo Ribeiro, Prémio Camões e um dos grandes escritores brasileiros, é surpreendentemente generoso connosco, e a protagonista até diz: "Aliás, fode-se muito bem em Portugal, ao contrário do que eu suponho ser a opinião generalizada. (...) Vi muitas belas bundas em Portugal, que lá não são chamadas de bundas, mas de cu mesmo, que lá nem é palavrão, veja como são as coisas, grande país subestimado. Bundas de homens e mulheres. Toda mulher portuguesa dá a bunda, ou pelo menos dava, para manter a santa virgindade vaginal, como aqui. Hoje, com a entrada na Comunidade Europeia (...) não sei mais como estão as coisas." É destas passagens que vêm os inomináveis perigos de que nos querem de novo proteger, como antes se protegia a santa virgindade?
É uma infantilidade que gera infantilidades. A recusa da venda de um livro por ser considerado pornográfico tem três abordagens possíveis. Há quem se entretenha a discutir se a obra é realmente pornográfica, como se a literatura não estivesse cheia de sexo explícito, e como se a pornografia, de Sade a Houellebecq, não tivesse uma tradição estabelecida. Há quem se dedique a defender o direito dos supermercados em recusarem vender o que bem entendam, como se não houvesse nenhum problema em que um cavalheiro que lida com stocks de iogurte possa decidir os livros que devemos comprar. Escreveu João Ubaldo, quando soube da notícia: "Viva o Povo Brasileiro [outro dos seus romances] ainda está sendo examinado para ver se pode ser vendido na rigorosa rede. Pôde ser adotado duas vezes (o máximo que a lei permite) pelo Ministério da Educação da França como o livro-texto para o Exame de Agregação de língua portuguesa, mas tem que ser examinado por vendedores de supermercado, para ver se é leitura permissível aos portugueses." E ele que até tinha elogiado as nossas bundas.
Há um terceiro modo de ver esta questão, que me parece o mais adequado: discutir se é admissível que não se venda um livro por causa de pichotas e coninhas, coisas que todos mais ou menos vamos tendo, que inundam uma cidade, que caíram na banalidade. Uma loja tem margem de liberdade para escolher aquilo que vende, de acordo com juízos comerciais. Mas quando uma cadeia de estabelecimentos comerciais faz juízos morais sobre obras de ficção, aí já ultrapassámos uma fronteira perigosa, a fronteira que daria também carta branca a um administrador de condomínio ou a uma empresa de telecomunicações para fazerem escolhas sobre a nossa vida.
Se eu quiser comprar A Casa dos Budas Ditosos, não aceito que me respondam que não vendem o livro porque acham que a protagonista é uma badalhoca. Algumas pessoas cujo amor à liberdade é reconhecidamente diminuto enchem a boca com a liberdade de comércio nestas circunstâncias. Mas a liberdade dos comerciantes não se opõe à liberdade das pessoas. Se eu quiser ler um romance lúbrico, escrito por um grande escritor da língua portuguesa, ou pequeno que fosse, tenho todo o direito a isso, e não reconheço a ninguém o direito a fazer juízos morais que me impeçam o acesso a esse romance. Dirão que quem proíbe não causa grande dano, porque há sempre quem permita. Mas pensem: uma pessoa que proíbe deseja que toda a gente proíba. Essa é que é a grande ameaça.»
Pedro Mexia. "A bunda e a ameaça". Público ("P2"): 09.Maio.2009

domingo, 3 de maio de 2009

Já tínhamos percebido que havia gostos duvidosos na escolha de livros para venda em alguns locais

Ubaldo Ribeiro "chateado" com proibição de livro
«O Grupo Auchan (Jumbo) decidiu proibir, pela segunda vez em dez anos, a venda do romance A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, nos seus hipermercados. O fundamento desta medida é o carácter pretensamente pornográfico da obra, repudiado pelo seu autor."Amigo Nelson, lá vamos nós outra vez", comenta o escritor brasileiro numa mensagem enviada ao seu editor português, Nelson de Matos.
"Não há razão nenhuma para essa censura", diz Ubaldo Ribeiro. "Imagino que eles também não vendam Henry Miller ou outros autores desse tipo". Pedindo ao editor que "não se incomode nem se aborreça", o escritor declara-se "chateado" com "este acto censório", que qualifica como "irónico" e quase "suspeito": "Parece uma jogada sua de marketing para poder aumentar as vendas do livro, coisa que sucedeu da primeira vez".
João Ubaldo Ribeiro lembra que a obra foi adoptada em exames de acesso por universidades brasileiras e francesas. Refere-se ao êxito da edição do livro na Alemanha, país onde é leitura recomendada aos diplomatas que são destacados para o Brasil.O escritor afirma ainda que "está a ficar velho de mais" para se "incomodar com estas coisas". E assegura, a concluir: "Por nada disto é afectado o meu amor por Portugal. Posso dizer a esses portugueses que, por mais que eles queiram o contrário, Portugal também é meu".
A primeira proibição de A Casa dos Budas Ditosos foi há dez anos, quando Nelson de Matos era editor das Publicações Dom Quixote. Uma nova edição, lançada agora pelas Edições Nelson de Matos, volta a ter a mesma sorte. "O Grupo Auchan não vende produtos do foro pornográfico. O referido livro enquadra-se neste conjunto de artigos", explicou na semana passada ao semanário Expresso a agência de comunicação que representa o grupo. Uma segunda obra do mesmo escritor, Viva o Povo Brasileiro, está também retida para apreciação.
"Tudo isto é lamentável", disse Nelson de Matos ao PÚBLICO. "Considerar o livro pornográfico é um acto de gaguez de espírito". O editor lembra que João Ubaldo Ribeiro foi galardoado em 2008 com o Prémio Camões, o mais importante em língua portuguesa, pelo conjunto da sua obra. E que, este ano, o Brasil é o país convidado da Feira do Livro de Lisboa. Por isso, não tem dúvidas em considerar "um acto inamistoso" a proibição de livre circulação da obra por parte do Grupo Auchan:"Indigno-me contra isso, mesmo que a empresa deixe de adquirir os meus livros.
"As manifestações de apoio e solidariedade continuam a chegar, tanto da parte de figuras públicas como de gente anónima, diz o editor. Muitas das reacções vêm do Brasil, onde o caso teve várias referências nos media.»
Carlos Pessoa. Público: 03.Maio.2009

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 95
Carnaval – Os festejos carnavalescos deste ano tiveram animações inusitadas, que conseguiram ser uma paródia ao Carnaval ele mesmo: a primeira foi em Torres Vedras, com a proibição de um quadro satírico alusivo ao “Magalhães” em que apareciam sugeridas figuras femininas desnudadas, um pouco à semelhança das janelas que se abrem na busca na net; a segunda foi em Braga, com a apreensão de livros, numa feira de saldos, em cujas capas constava a reprodução do (ainda agora, pelos vistos) polémico quadro L’Origine du Monde, de Courbet, peça de 1866. Uma e outra interdições surgiram em nome da luta contra a pornografia. Momentos depois de uma e outra acontecerem, as decisões voltaram atrás – em Torres Vedras, o “Magalhães” pôde desfilar mostrando as ditas senhoras; em Braga, os livros foram devolvidos aos seus proprietários. Há duas questões que saltam à vista: a primeira relaciona-se com a liberdade de expressão; a segunda, com a vulnerabilidade de actos do género e com a fragilidade das decisões. O sentido de humor português anda pelas ruas da amargura, parece. Mas não faltam candidatos à caricatura. Houve consequências destes dois actos: ao que consta, o Carnaval de Torres teve muito curioso para ver a origem da proibição depois desfeita; o quadro de Courbet foi reproduzido a esmo, sem cintas censórias.
Futebol – Depois de ver algumas cenas em torno do mundo do futebol, tenho que citar Romeu Correia, o autor almadense que, em 1955, abriu o seu livro Desporto Rei com a seguinte afirmação: “Em desporto, o desenvolvimento físico dos indivíduos importa acima de tudo. Mas, se ao aperfeiçoamento do corpo se alia o domínio dos nervos, a decisão e o espírito de equipa, que se forjam na harmonia e no ritmo dos jogos, o Homem atinge o seu apogeu físico e espiritual.” Isto é bonito. Mas também deve servir para as claques e para o público em geral. A propósito: nesse romance de Romeu Correia, perpassa muito do que é hoje o mundo do futebol. Pena não haver edição recente!
Joaquina Soares – Um livro de poemas com a chancela do Centro de Estudos Bocageanos, Corpo de Palavras. Apresentado em Setúbal na noite desta última sexta-feira de Fevereiro. Um pequeno poema intitulado “Milagre com rosas”: “Defronte da ponte de aço, / Isabel / retirou / pão do regaço. / - Flores? / - Não, meu senhor, / panos de linho, / para sarar cansaços.” A ler.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Ainda a história dos livros em Braga, à mistura com uma tela de Courbet

Eis a capa do livro da magna questão que em Braga se levantou neste Carnaval. Trata-se de Pornocracia, de Catherine Breillat (Lisboa: Teorema, 2003). Entretanto, os exemplares apreendidos vão ser devolvidos e já houve quem reconhecesse o erro motivado pelo zelo. E, na edição do Público de hoje, Rogério Alves, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, diz que, quando confrontada com queixas de cidadãos, a PSP “deveria limitar-se a advertir os mais sensíveis que, na ausência de uma norma expressa a proibir a exibição deste tipo de imagens, teriam de se conformar e não se aproximar”. E acrescenta: “a exposição do nu artístico não é ilegal e não pode ser reprimida”. Por seu turno, o deputado António Filipe comentou: "Onde é que já se viu? A PSP apreender livros, porque alguém não gostou da capa? Parece que a PSP presume que é um ilícito. Para além do ridículo que representa do ponto de vista cultural, porque se trata de um quadro mundialmente célebre, há aqui um problema grave de liberdades em que há uma actuação da PSP, que é fiadora de direitos fundamentais".
E por aqui andamos a discutir uma atitude pressurosa em torno de cinco exemplares de um livro que foram apreendidos na Bracara Augusta!... Mesmo que tivesse sido apenas um exemplar, a questão devia ser discutida. Mas manda o bom senso que nem por um exemplar o caso devia ter acontecido!...
Pobre Courbet! Pobre arte! Pobre espírito! Afinal, a saga dos livros proibidos continua. Preocupante é que aconteça hoje!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Imagem de Courbet leva à apreensão de livros

A agência LUSA noticiou e a edição online do Público reproduziu: “PSP apreende livros por considerar pornográfica capa com quadro de Courbet”. A história: numa feira de livros de saldo, em Braga, um livro sobre pintura reproduz na capa o quadro “L’origine du monde” (1866), de Courbet (1819-1877); a PSP vê e apreende alguns exemplares; segundo o livreiro, no auto terá constado que os livros continham “imagens pornográficas expostas publicamente”.
Muito pudico anda o país: há dias, foi uma história semelhante ligada ao Carnaval de Torres Vedras; hoje, foi a capa de um livro. Recordo-me de, há uns anos, na montra de uma livraria de Setúbal, ter estado o livro O amor é fodido (Lisboa: Assírio & Alvim, 1994), de Miguel Esteves Cardoso, com o título cuidadosamente escondido por um papel que anunciava tratar-se de um título eventualmente chocante… algo que já não se via desde as tarjas que rotulavam os filmes como contendo “cenas eventualmente chocantes”!...
Chocado fiquei eu com a atitude censória na altura. Mas, agora, não sei se chega a ser choque: é estranho, muito estranho, todo este pudor, todo este excesso de pudor. Quem ficou verdadeiramente incomodado com as imagens?
Provavelmente, o modelo de Courbet deveria ser vestido com as “EU panties” como Tanja Ostojic apresentou no poster de 2005!... Só que aí já não seria uma história da pintura o pretexto, mas uma história das políticas… e, na altura, como se sabe, também a censura agiu.
[foto: "Musée d'Orsay - l'Origine du monde - Courbet", a partir de www.reymond.com]