Hoje, no Público, Miguel Gaspar alimenta ainda a questão do famigerado último debate do "Prós e Contras" que abordou o tema da educação. E, pelo meio, perpassam as diferenças entre a autoridade e o autoritarismo, entre a autonomia e a sua falta, entre a coerência e o que a prejudica, entre a democracia e a cegueira. Chama-se "O princípio da autoridade" e diz:
"O planeta da educação está outra vez de pernas para o ar. Quem viu o Prós e Contras e o crescendo de mobilização dos professores não tem dúvidas de que as pontes entre o Governo e os docentes já arderam todas. Não se pode negar que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues é corajosa na defesa das suas ideias - isso ficou provado quando enfrentou sozinha uma audiência de professores no programa de segunda-feira da RTP1. Mas se a coragem e a determinação são virtudes políticas, não chegam para resgatar causas erradas. Sobretudo quando estas causas questionam alguns princípios básicos da vivência em democracia, que, por maioria de razão, devem ser aplicados na escola. E não é preciso muito para essas virtudes se transformarem em pilares de uma postura autoritária. Todos os governos sabem que lidar com os professores não é pêra doce e que os sindicatos tendem desde há muito a entrincheirar-se em posições corporativas. Foi isso que tornou os docentes vulneráveis quando este ministério começou a atacá-los através dos media, por exemplo divulgando informações sobre o volume das faltas ou ao número de professores destacados para a actividade sindical. Escolhendo esse caminho, o Governo começou a cavar o nível de ruptura a que se chegou hoje. Mais grave, desprestigiar os professores equivaleu a desprestigiar todo o sistema de ensino perante os alunos e perante as famílias. Não se dá melhor álibi a quem não quer assumir responsabilidades pela educação dos filhos do que servir--lhe a cabeça dos docentes numa bandeja. Chegou-se, portanto, ao grau zero do diálogo. A culpa não é certamente só do Governo. Mas quem governa tem que ter habilidade política para construir esse diálogo. Se Correia de Campos foi demitido (em linguagem oficial, "pediu para sair") por inabilidade para explicar as suas políticas, então não há qualquer explicação para a actual equipa da Educação continuar em funções. Até porque, ao contrário do que acontecia na Saúde, não sabe muito bem o que anda a fazer.É natural que um Governo que impõe sem ouvir tenha imposto um novo modelo de gestão das escolas que reflecte ele próprio uma concepção ideológica autoritária e funcionalista. "Liderança" é a palavra-chave para a ministra e um engodo fácil para os que acreditam na "autoridade" como resposta para os problemas do ensino. Criar as "condições para o aparecimento de boas lideranças e mais eficazes, com a autoridade necessária para desenvolver os projectos educativos", é a forma através da qual o Governo justifica a introdução de um director de escola não eleito, em substituição dos órgãos colegiais de decisão. Essa figura do director está no centro da polémica, até porque terá um peso decisivo na questão das avaliações, o outro tema quente da batalha política entre professores e executivo, para a qual este último parte fragilizado. O próprio discurso de defesa da figura do director, que a ministra retomou na RTP, mostra como a autoridade e a liderança são preferidas em detrimento da democracia interna e da autonomia, que são obrigatoriamente os princípios de uma escola pública democrática. Sim, precisaremos eventualmente de lideranças, na escola e na vida do país. Mas difícil é liderar em democracia; e o que o Governo quer é que a instituição mais estruturante do regime democrático passe a ter por base a negação da própria democracia. A mesma incapacidade de distinguir autoridade de autoridade democrática permitirá aos sindicatos resistir à sua óbvia tendência para rejeitar a avaliação; e a mesma cegueira administrativa deixará a ministra satisfeita por existirem aulas de substituição, sem perguntar para que é que servem. Mas não é necessária uma aula para compreender a utilidade da substituição da ministra."
"O planeta da educação está outra vez de pernas para o ar. Quem viu o Prós e Contras e o crescendo de mobilização dos professores não tem dúvidas de que as pontes entre o Governo e os docentes já arderam todas. Não se pode negar que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues é corajosa na defesa das suas ideias - isso ficou provado quando enfrentou sozinha uma audiência de professores no programa de segunda-feira da RTP1. Mas se a coragem e a determinação são virtudes políticas, não chegam para resgatar causas erradas. Sobretudo quando estas causas questionam alguns princípios básicos da vivência em democracia, que, por maioria de razão, devem ser aplicados na escola. E não é preciso muito para essas virtudes se transformarem em pilares de uma postura autoritária. Todos os governos sabem que lidar com os professores não é pêra doce e que os sindicatos tendem desde há muito a entrincheirar-se em posições corporativas. Foi isso que tornou os docentes vulneráveis quando este ministério começou a atacá-los através dos media, por exemplo divulgando informações sobre o volume das faltas ou ao número de professores destacados para a actividade sindical. Escolhendo esse caminho, o Governo começou a cavar o nível de ruptura a que se chegou hoje. Mais grave, desprestigiar os professores equivaleu a desprestigiar todo o sistema de ensino perante os alunos e perante as famílias. Não se dá melhor álibi a quem não quer assumir responsabilidades pela educação dos filhos do que servir--lhe a cabeça dos docentes numa bandeja. Chegou-se, portanto, ao grau zero do diálogo. A culpa não é certamente só do Governo. Mas quem governa tem que ter habilidade política para construir esse diálogo. Se Correia de Campos foi demitido (em linguagem oficial, "pediu para sair") por inabilidade para explicar as suas políticas, então não há qualquer explicação para a actual equipa da Educação continuar em funções. Até porque, ao contrário do que acontecia na Saúde, não sabe muito bem o que anda a fazer.É natural que um Governo que impõe sem ouvir tenha imposto um novo modelo de gestão das escolas que reflecte ele próprio uma concepção ideológica autoritária e funcionalista. "Liderança" é a palavra-chave para a ministra e um engodo fácil para os que acreditam na "autoridade" como resposta para os problemas do ensino. Criar as "condições para o aparecimento de boas lideranças e mais eficazes, com a autoridade necessária para desenvolver os projectos educativos", é a forma através da qual o Governo justifica a introdução de um director de escola não eleito, em substituição dos órgãos colegiais de decisão. Essa figura do director está no centro da polémica, até porque terá um peso decisivo na questão das avaliações, o outro tema quente da batalha política entre professores e executivo, para a qual este último parte fragilizado. O próprio discurso de defesa da figura do director, que a ministra retomou na RTP, mostra como a autoridade e a liderança são preferidas em detrimento da democracia interna e da autonomia, que são obrigatoriamente os princípios de uma escola pública democrática. Sim, precisaremos eventualmente de lideranças, na escola e na vida do país. Mas difícil é liderar em democracia; e o que o Governo quer é que a instituição mais estruturante do regime democrático passe a ter por base a negação da própria democracia. A mesma incapacidade de distinguir autoridade de autoridade democrática permitirá aos sindicatos resistir à sua óbvia tendência para rejeitar a avaliação; e a mesma cegueira administrativa deixará a ministra satisfeita por existirem aulas de substituição, sem perguntar para que é que servem. Mas não é necessária uma aula para compreender a utilidade da substituição da ministra."
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