A apresentação pública de Viva la Poesia!, reunindo uma dúzia de textos do Papa Francisco (entre encíclicas, prefácios e entrevistas) sobre a necessidade dessa arte que a poesia é, ocorreu no mês de Março, quando ele estava internado no hospital Gemmeli, em Roma. Ao longo das várias intervenções recolhidas, o leitor fica perante formulações que valem um programa pedagógico de âmbito universal.
No primeiro texto papal, entrevista dada a Antonio Spadaro (o responsável por esta obra) publicada em 2013, Francisco recorda um episódio do seu tempo de professor, quando tinha de leccionar El Cid aos seus alunos — perante o descontentamento dos jovens quanto à matéria, desafiou-os a lerem a obra em casa para, nas aulas, serem tratados autores como García Lorca ou outros, contemporâneos, mais estimulantes. “Para mim, foi uma grande experiência”, admite Francisco, pois “concluí o programa, mas de forma não estruturada, organizado não conforme o que era esperado, mas sim segundo uma ordem que surgiu naturalmente na leitura dos autores.” E pergunta Spadaro: “Então, Santo Padre, para a vida de uma pessoa, é importante a criatividade?” A resposta, embrulhada em riso: “Para um jesuíta é extremamente importante! Um jesuíta deve ser criativo!” Uma criatividade que levou o então professor Jorge Bergoglio a apresentar contos escritos pelos seus alunos a Jorge Luis Borges, que prefaciou uma recolha dessas narrativas...
Este texto poder-se-á ligar ao último, que reproduz uma entrevista de Spadaro a Jorge Milia, aluno de Bergoglio em Santa Fé, na escola jesuíta da Imaculada Conceição, no início da década de 1960, e autor de um dos contos incluídos na referida antologia, lembrando as aulas do professor e o contributo legado para o conhecimento da literatura, para a escrita criativa e para a divulgação do teatro entre os alunos — “Com Bergoglio, o teatro levou os alunos a considerarem as obras como um trabalho de equipa e a aprenderem a descobrir a verdadeira mensagem dos autores.”
A atenção à leitura da poesia é a preocupação que ressalta neste livro, associada à forma de estar no mundo e de agir humanamente. Quando Luca Milanese (n. 1992) publicou em 2020 o livro Rime a sorpresa, o prefaciador foi Francisco, numa tarefa que lhe agradou (como revela nesse texto) e que acabou por ser um pequeno manifesto em favor do acto poético: “Não haveria poesia se não houvesse alguém disposto a ouvi-la. Se o nosso tempo é pobre em poesia, não é porque não exista a beleza, mas porque temos dificuldade em ouvir”, pois “a poesia é um exercício livre de escuta, um caminho com duas direções: para quem a escreve e para quem a ouve.”
Desse mesmo ano é a carta papal Querida Amazónia, obra em que as referências a poetas avultam, como são os casos da equatoriana Yana Lucila Lema, do colombiano Juan Carlos Galeano, do peruano Javier Yglesias, do chileno Pablo Neruda, do boliviano Jorge Vega Márquez ou dos brasileiros Vinícius de Moraes e Pedro Casaldáliga. As preocupações com o mundo, expõe-nas Francisco com um permanente recurso à poesia, como também ficou evidente na mensagem para o IV Encontro Mundial dos Movimentos Populares (em Outubro de 2021), designando-os como “samaritanos colectivos” e desafiando os interlocutores a serem “poetas sociais”, uma vez que têm “a capacidade e a coragem de criar esperança onde só há desperdício e exclusão”, por isso se lhes aplicando a designação — é que “poesia é criatividade, e vós criais esperança.”
A preocupação com a Inteligência Artificial e com uma educação marcada pela humanidade encontram também eco em Francisco e na sua defesa dos sentimentos e da poesia da vida, como o deixou patente no discurso à academia da Universidade Pontifícia Gregoriana, em Novembro de 2024: “Nenhum algoritmo pode substituir a poesia, a ironia e o amor, e os alunos precisam de descobrir o poder da imaginação, ver a inspiração germinar, entrar em contacto com suas emoções e ser capazes de expressar seus sentimentos.” A propósito da expressão das emoções e da ironia, valerá a pena lembrar que, meses antes, em Junho, ocorreu o encontro de Francisco com uma centena de humoristas de todo o mundo (em que estiveram os portugueses Ricardo Araújo Pereira, Joana Marques e Maria Rueff), tendo valorizado esta arte de uma forma surpreendente, quase descobrindo a poesia do riso: “quando vocês fazem alguém sorrir, Deus também sorri.”
* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1524, 2025-05-07, pg. 10.