Mostrar mensagens com a etiqueta Sem Mais Jornal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sem Mais Jornal. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Luísa Todi: ler e ouvir a diva de Setúbal



“Há vozes fluidas como veios de água que vão abrindo sulcos no coração, logo ribeiros esguios onde apetece mergulhar os pés, depois correntes caudalosas que arrastam tudo pelo caminho. A voz daquela menina, por acaso minha irmã, provinha de uma nascente encorpada, depressa se transformava num rio que galgava margens e deixava um lastro fértil para semear emoções. ‘É um tesouro fora do comum’, dizia o empresário João Gomes Varela, contente pela aquisição... ‘um achado muito raro’, comentava Giuseppe Scolari, cravista, compositor e então maestro da orquestra, de cada vez que ela ensaiava.”

Quem assim vai contando é Isabel de Aguiar, dois anos mais velha do que a irmã, Luísa. O testemunho não existe, na verdade, pois a Isabel que isto diz é uma personagem de ficção, criada por Maria Helena Ventura para ser a narradora de Minha Irmã Luísa Todi, romance histórico em torno da biografia da diva setubalense de Setecentos (Edições Saída de Emergência, 2019), livro que, segundo a autora, mais não pretende ser do que “uns grãos de areia, para lembrar a erosão do tempo”, como afirma na dedicatória.

O leitor pode hoje mergulhar nesse romance sobre Luísa Todi (1753-1833), que só ganhará no conhecimento das circunstâncias e nas emoções. E, para recriar mais um pouco o ambiente, vale a pena ouvir o notável trabalho que é o cd As árias de Luísa Todi, devido à soprano Joana Seara e ao grupo “Os Músicos do Tejo”, editado em 2010, onde constam excertos de composições de Perez (1711-1779), Piccinni (1728-1800), Gassman (1729-1774), Sachinni (1731-1786), Ottani (1736-1827) e Paisiello (1740-1816). O que une estes nomes é o facto de serem contemporâneos da cantora setubalense e de ela mesma lhes ter dado voz em palcos tão diversos quanto Lisboa (1770), Porto (1772), Londres e Paris (1778), Turim (1781), Bérgamo (1791) e Nápoles (1797). O ouvinte sentirá, assim, um pouco do que seria a magia que Luísa Todi derramava naquela conjugação de canto e de representação que arrastou multidões (em 1794, ao despedir-se do público madrileno, com a lotação do Teatro de Los Caños esgotada, as portas tiveram de ser abertas porque o público que estava fora do Teatro exigiu ouvir a celebridade). 

 

Entre o êxito e o sofrimento

Nascida em 9 de Janeiro de 1753, na Rua de Coina (actual Rua da Brasileira), em Setúbal, Luísa Rosa de Aguiar foi baptizada em 30 desse mês na paróquia da Anunciada e, ainda criança, foi viver para Lisboa com a família, participando aos 15 anos numa representação de Molière, no Bairro Alto, embora a sua estreia como cantora tenha ocorrido em 1770 (um ano depois de ter casado com o violinista Francesco Todi) na ópera Il Viaggiattore Ridicolo, de Scolari, em que actuavam também as suas irmãs Cecília e Isabel. O seu fulgurante trajecto a partir de 1775 levou-a a uma carreira internacional, com actuações nos mais cotados palcos - além dos já indicados, em Berlim, Turim, Varsóvia, Veneza, Viena, Sampetersburgo e Madrid, entre outros - e convivência com as cortes europeias, chegando a ser mestre de música das princesas da Rússia por iniciativa de Catarina II.

A vida longa de Luísa Todi, se teve um considerável período de glória, teve também não menos longo tempo de intenso sofrimento. Com a entrada do novo século, a cantora enviuvou (1803) e, vivendo no Porto, ao fugir da invasão napoleónica de 1809, na travessia do Douro, perdeu todos os bens de valor que conseguira transportar. A viver em Lisboa desde 1811, começaria a cegar em 1813, perdendo completamente a visão por 1822. Em 1833, em 1 de Outubro, desaparecia, no dizer de Mário Moreau (1926-2020), um dos seus mais brilhantes estudiosos, a “maior cantora de todo o século XVIII”. Por coincidência, o primeiro de Outubro passou, a partir de 1975, por iniciativa do International Music Council, a ser o Dia Mundial da Música...

 

Ler a vida de Luísa Todi

De 1872 é a primeira biografia sobre Luísa Todi, subscrita por José Ribeiro Guimarães, publicada com carácter de beneficência, pois o produto da venda revertia “a favor das bisnetas da cantora, filhas de Francisco Xavier Todi”. No ano seguinte, seria Joaquim de Vasconcelos a assinar Luísa Todi - Estudo crítico (reeditado em 1929), investigação que percorreu muitos dos jornais estrangeiros que se referiram à cantora. Em 1943, Mário de Sampaio Ribeiro biografava-a também, tema em que voltou a pegar quando, em 9 de Janeiro de 1957, palestrou em Setúbal a propósito do 204º aniversário da cantora. O ano de 1967 trouxe A vida fascinante de Luísa Todi pela mão de Maria Isabel Mendonça Soares, que, em 2007, voltaria a contar a vida da diva na obra 10 Grandes Portugueses. De 2002 é, talvez o mais completo estudo, Luísa Todi, assinado por Mário Moreau, assunto que já abordara em Cantores de ópera portugueses, publicado em 1981. Aquando do 250º aniversário da cantora, em 2003, Victor Luís Eleutério aumentou a bibliografia todiana com a obra Luiza Todi - A voz que vem de longe, com vasta documentação iconográfica. Em 2011, na colecção juvenil “Chamo-me”, apareceu o livro dedicado a Luísa Todi, redigido por Nuno Quintas, uma biografia contada na primeira pessoa.

* João Reis Ribeiro. In Sem Mais: nº 1110, 2021-01-15, p. 10.


sábado, 29 de agosto de 2009

Hoje, na página "Correio de Setúbal", do "Jornal Sem Mais"

Diário da Auto-Estima – 103
Agosto – Habitualmente, a resposta que ouvimos é a de que “está tudo para férias”. Se (já) não fecham empresas para esse efeito, minimizam pelo menos alguns serviços, há sempre alguém que era fundamental para resolver um problema e que está de férias… Com frequência se ouve na loja a desculpa equivalente: “Sabe, agora está tudo de férias, é um mês para esquecer, só podemos contar com esse artigo lá para Setembro, para meados, talvez…” E Agosto vai-se rebolando em banhos de calor, com o céu por vezes acinzentado. E as férias vão passando, na tentativa de se pôr em dia coisas que se foram atrasando… Talvez, quem sabe?, talvez fique tudo organizado…
Algarve – O que aconteceu na praia Maria Luísa, em Albufeira, foi uma tragédia. Mas a reacção do país foi escassa. O que diferencia, em termos de envolvimento social, este acidente do que há anos ocorreu com a ponte de Entre-os-Rios? O número de vítimas? A época do ano? A sociedade que temos? Fiquei incrédulo com as mil e uma explicações que ouvi nos “media” para justificar o sucedido: desde as afirmações de responsáveis no sentido de que o risco não era elevado (pelo menos o suficiente para uma intervenção que deveria ter acontecido), até ao passar a ideia de que ninguém tinha responsabilidade no assunto, passando pela justificação de um sismo sentido dias antes na costa algarvia e até pela falta de cuidado dos veraneantes… Tudo serviu como desculpa, nada serviu para assumir a responsabilidade em termos de segurança ou de precaução. Por razões não tão fortes como a insegurança de uma arriba do género da que naquela praia vitimou cinco pessoas (e que, soube-se depois, já tinha suscitado chamadas de atenção de locais e de concessionários), têm sido encerradas ou condicionadas praias. O que faltou para que ali não tivesse havido acção mais exigente? E ainda outro argumento que ouvi: não se pode assumir a responsabilidade por cada metro de costa onde pode acontecer um acidente natural. Espantoso! Então, para alijar responsabilidades, a força da Natureza já pode ser invocada, enquanto para os actos urbanísticos que têm contrariado a mesma Natureza idêntico argumento não tem servido!... Afinal, há tantas instituições com responsabilidades sobre a costa e nenhuma conseguiu prever melhores condições de segurança para ali?

sábado, 13 de junho de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal" ("Sem Mais Jornal")

Diário da Auto-Estima – 101
Europa I – Será lugar-comum o que vou dizer, mas corro o risco: a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu ludibriou-nos quanto à Europa. Bem se podia procurar pela Europa… pela Europa… pela Europa… Nada. No fundo, perpetua-se o que tem acontecido: a distância relativamente à causa europeia é superior à distância geográfica que separa Portugal de Bruxelas…
Europa II – Vamos imaginar que na campanha eleitoral para o Parlamento Europeu se falou apenas da Europa, excepto na circunstância de fazer jeito para justificar o acto. Poderia ter sido de outra maneira?
Europa III – Será que este esquecimento de assumir a Europa como tema de campanha se deveu ao facto de nos sentirmos tão europeus que já nem vale a pena chamar a atenção para isso?
Europa IV – O que significa um político, mesmo que português, dizer que “assume as responsabilidades políticas”, a título individual, em exclusivo, por um resultado que lhe foi desfavorável e que foi também desfavorável ao partido que representa? Será uma fórmula politicamente correcta apenas, que fica bem e é heróica num tal momento?
Escola – Está a terminar o ano lectivo. Saudades de momentos bons, vividos com alunos, que deram vida à Escola. A lembrança de tempos menos bons, quando a irreverência dos alunos prejudicou o trabalho e a atenção dos outros. A vertigem do tempo – “ó professor, o ano já está a acabar?” A sensação de que este ano lectivo foi mais desgastante do que outros, sem que isso tivesse capitalizado a favor dos estudantes ou de uma escola mais feliz.
Cavalas – Uma exposição sobre Setúbal e o “Polis” está nas instalações que foram do Banco de Portugal. Acompanham-na vários roteiros, editados em fascículos, cada um correspondente a uma dada área da cidade. De onde terá vindo a ideia, registada no primeiro fascículo, a propósito da lenda da Senhora da Anunciada, de que “uma peixeira pobre estava a assar cavalas quando uma delas saltou do fogo”? Será para dar mais substância à lenda ou porque… quem conta um conto acrescenta um ponto? Diga-se que as cavalinhas, neste caso, não eram necessárias…
[OBS: O Correio de Setúbal passou a integrar, a partir da edição de hoje, a paginação do Sem Mais Jornal,
que é distribuído com o semanário Expresso na região de Setúbal.]