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quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Rui Garcia: O "charroquês" e o Mestre Toine



O “charroque” existe em livro desde 2010, ano em que Rui Garcia publicou Charroque da Prrofundurra - O Livrro. No ano seguinte, saía Charroque da Prrofundurra... volta à purrsefíce (que inclui um “Dicionárrio Charroque”) e as histórias e as máximas de Mestre Toine, animador da loja e da ideia “charroque da prrofundurra”, prolongaram-se por títulos como Apá Sóce... deslárrgame da mão! (2014) e Frráses Sádinas - Erra prra sairr uma frase fofinha mas saiu esta mérrda (2018). Recentemente, as narrativas em que Mestre Toine e os seus amigos são intervenientes reapareceram antologiadas sob o título Charroque da Prrofundurra - As melhórres histórrias (edição da marca Charroque da Prrofundurra).

Vale a pena retomar a apresentação feita no primeiro título: “Este livre é o suprrasúme do garrgalharr com Setúbal e em Charroquês”. A obra surgia na sequência de páginas nas redes sociais, de criação da marca e de loja (primeiro, virtual e, depois, real). E o prefaciador Charroque explicava ainda a origem do blogue: “nasceu duma grrande necessidade de acrreditarr que a nossa cidade vai sairr da obscurridão das desgrráças”, pois “há 20-30 anes nã acontcia nada e ia tudo prra Lisboa currtirr. Agorra acontece e fica tude em casa. Perrtante tames aqui com um prrublema.”

Já percebe o leitor que o Charroque usa uma linguagem própria que o leva a escrever de acordo com regras gramaticais e ortográficas relacionadas com a oralidade e com as marcas da pronúncia mais forte dos “r” (mais associada à zona setubalense de Troino, sem que se conheça a origem desta variante) ou do final das palavras (anulando o som “u”, à semelhança de algumas regiões algarvias), uma e outra consequências de cruzamentos culturais e de migrações, por certo.

O título agora aparecido, reunindo “as melhórres histórrias”, apoia-se nos textos publicados nos três primeiros volumes: 21 crónicas do livro inaugural; 12, do segundo; 17 do título editado em 2014. Este aspecto deve interferir com a leitura, na medida em que algumas referências terão de considerar o tempo em que foram feitas, muito embora estas crónicas possam (e devam) ser lidas pelo sublinhado do tom humorístico (por vezes, satírico - “garrgalharr com Setúbal”, lembremos) e da afirmação de algumas marcas identitárias.

Povoadas por “Méstrre Toine”, pescador, dono do barco “Marrgarrida do Sáde” (“a melhorr embarcação quiá”), vitoriano (“clube mai linde”), apreciador de choco frito e de umas “mines”, as histórias, com cunho de fantástico, trazem também os amigos Russe, Xique, Manel e Ptinga, todos integrando a companha do “Marrgarrida do Sáde”, e as irmãs Charroquinha e Charroquinhita, as duas filhas “caninas”. Pela cidade onde circulam o Fiat 127 “vermelhinhe” do Charroco e o “mata-velhos” do primo Chico Zarroulhe, estas personagens, que também calcorreiam a urbe, alimentam os dizeres de crítica social e de costumes, de análise de situações de dificuldade ou de abuso do poder, de cenas do quotidiano, de olhar algo cáustico sobre novas modas, sempre à mistura com muito sentido de humor, pormenor que vai amaciando a indignação quanto a indecisões ou quanto a situações ou problemas de mais difícil resolução.

Há alguns momentos fortes de narração, com vocabulário bem oportuno, cheio de graça e captação do movimento, como no episódio em que o Charroco e a família vão a um espectáculo de ballet, porque a filha era praticante da arte, e a dança impressiona fortemente o observador: “saltinhe prráqui, pirruêta prráli, biquinhes de pés prrácolá, salte desemcarrpade prró outrre láde, voltinhas a dárr cum pau” e, depois, os aplausos (“a cada fim de cena o Charroque e família semprre a bater as palminhas qué prra parrcerr bem”).

Rui Garcia não deixou de lado o factor da esperança e da confiança na cidade, um pouco a apelar à lucidez e responsabilidade do “Mestre” - por isso, no momento em que é relatado um episódio num hotel da cidade, o leitor pode acompanhar o compromisso da personagem: “eu cá vou acrreditarr em mim, vou levarr tude à frrente, mas esta cidade vai serr munta grrande, vames terr órrgulhe nêla porrque é nossa e os nósses tão cá e os nósses filhes poderrão porr cá ficarr.”

Trata-se de um livro em que impera a boa disposição, a enriquecer um mundo feito de personagens que vêem a vida na perspectiva mais prática, cruzando a realidade, mostrada na sua forma mais simplista e imediata, que se lê com prazer.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1215, 2024-01-10, pg. 9.

 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O Charroque chegou a "O Setubalense"

O “Charroque da Prrofundurra” chegou ao jornal O Setubalense. A primeira crónica com a personagem sadina saiu na edição de hoje e intitula-se “O Chique Zarroulhe”, suposto primo do narrador.
Crónica com humor, imitando o falar setubalense, o seu espírito vem no seguimento do que aconteceu no livro O Charroque da Prrofundurra e do que tem sido o blogue com o mesmo nome.
Prometida está colaboração semanal do Charroque, com vistas e leituras sobre Setúbal, num quase auto-retrato que dispõe bem.
Ora veja-se o início da crónica de hoje: “O mê prrime Chique quié zarroulhe é um ganda maluque por esse famouse tipo de transporte quié os matavélhes, aquelas motas trricicles que só há em países do terrceirre mundo e aqui em Porrtugal.”

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"Charroque da Prrofundurra", escrever setubalense

Começou por ser nome de blogue, eminentemente dedicado a Setúbal. Agora, virou livro, reunindo alguns postais publicados no blogue e também no mensário sadino O Farol. Chama-se Charroque da Prrofundurra – O Livrro (Setúbal: ed. Autor, 2010).
Logo pelo título, o leitor percebe que o título se relaciona com o falar setubalense, do “r” gutural, assim algo que, na pronúncia, soa entre o “r” e o “g”, muito característico dos setubalenses autóctones, talvez derivado de influência francesa do tempo em que os industriais gauleses por aqui andaram… Depois, no conteúdo, o leitor vê que, de facto, não se tinha enganado e embarca na companhia de cinco parceiros que costumam pescar a bordo do “Marrgarrida do Sáde”: o Toine (que se apresenta como o autor dos dizeres), o Chique, o Manel, o Ptinga e o Russe. Paixões, para além do mar (na faina): o Vitórria (com hino transcrito, acentuando os “rr”), o “polve seque”, as “mines”, o Fiat 127 “vermelhinhe”, o choco frito. Razão de ser dos textos (e do blogue e do livro): “uma grrande necessidade de acrreditarr que a nossa cidade vai sairr da obscurridão das desgrráças”, porque “há 20-30 anes nã acontcia nada e ia tudo prra Lisboa currtirr” e “agorra acontece e fica tude em casa”, o que anuncia que “tames aqui com um prrublema”.
O livro fala do Vitória (momentos bons e menos bons) e da Arrábida, de figuras e personalidades locais (Zé dos Gatos, Maurício Abreu, Finura), de questões sociais (a crise – “ê cá gostava que em prrimêrre lugarr me dêxassem mandarr a crrise à merrda: Crrise vai à merrda!”; os assaltos; a política), de questões locais (obras do Forum Luísa Todi; a luta contra o fecho das urgências pediátricas – “Os Setubalensses conseguirrem prruvarr que têm munta forrça e que podem ganharr batalhas futurras!”), de hábitos (pulseira do equilíbrio, viagem à Disney). A escrita, que tenta reproduzir as sonoridades de um determinado falar setubalense (em declínio), confere humor aos textos, ainda aumentado por algumas situações hilariantes que são relatadas e pelos retratos fornecidos das próprias personagens envolvidas.
Em paralelo, uma outra leitura vai sendo feita, surgida no rodapé de cada página, onde são reproduzidas frases características, em que abunda o tom provocatório, mas em que vale a riqueza das imagens, muitas vezes hiperbólicas – “levas um murre pus bêces q’até ficas a fazêrre dóminó pós dôs lades”, “à pá sóce… nã vêje nada com estes sapátes!”, “já tas mazé a porr muita mante’ga do pão!”
O leitor passeia por uma centena de páginas de bom humor e vê que há muitas verdades sobre Setúbal, ao mesmo tempo que é cumprido o preceito estipulado no prefácio: “este livrre é o suprassúme do garrgalharr com Setúbal e em Charroquês”.