domingo, 31 de maio de 2009

A manifestação dos professores e a "revolução" na educação segundo Luís Afonso

Luís Afonso. Público: 31.Maio.2009.

Sobre as reacções à manifestação de professores de ontem, num tempo em que os discursos não deviam recorrer à demagogia

«A uma semana do voto nas eleições para o Parlamento Europeu, é muito difícil dissociar a manifestação de ontem, que voltou a trazer à rua muitos milhares de professores (80 mil, segundo os sindicatos, 50 a 55 mil segundo a PSP), das disputas políticas próprias do momento. E foi o que fez, aliás, José Sócrates, quando, ao discursar em Braga, num comício do PS, ao mesmo tempo que os professores marchavam em Lisboa, afirmou que viu por lá (nas imagens que a televisão mostrou) "vários dirigentes partidários". A conclusão, óbvia, é a de que os professores se terão posto ao serviço da oposição ou, invertendo a lógica, que a oposição se tinha colado ao seu descontentamento. Quem acompanhou este desgastante processo desde o início, ou seja, desde Janeiro de 2008, saberá que a alegada instrumentalização partidária dos professores, embora conveniente ao discurso governamental em tempo de voto, não passa de demagogia. A manifestação dos 120 mil, a 8 de Novembro do ano passado, não tinha nenhumas eleições por perto e teve uma participação-recorde. Esta, fique-se pelos 60 ou 80 mil participantes reais, é, ainda assim, reveladora de um mal-estar que não sarou e que contaminou, nestes longos e difíceis meses, o ambiente nas escolas, a relação entre a tutela e os professores e entre estes últimos e os alunos. O número de reformas antecipadas (cinco mil, num ano) e, sobretudo, a caracterização dessas baixas (estão a sair muitos professores de entre os mais qualificados, como tem sido noticiado) mostram que só por visão estreita ou descaramento político se pode afirmar que temos, hoje, "uma melhor educação". (...)»
Nuno Pacheco. "A marcha de Maio e o voto de Junho". Público: 31.05.2009.

A "roubalheira" de que falou Vital Moreira como cúmulo da demagogia num tempo em que os discursos deviam ser mais inteligentes

«O candidato Vital Moreira tem feito uma campanha oscilante. Ora para se afirmar à esquerda (contra o Bloco), ora para se afirmar à direita (contra o PSD). Para a esquerda inventou, por exemplo, o voto contra Barroso (o cúmplice de Bush). Para a direita, quando as sondagens começaram a mudar, resolveu sair com o escândalo BPN: um acto de outra seriedade e natureza. Vital Moreira é um candidato gaffeur (ponto em que de resto está bem acompanhado). Desde o princípio que passa o tempo a dizer que não disse exactamente o que disse ou a explicar que, se por acaso disse, o que disse não queria dizer o que parecia. Toda a gente via com complacência a irremediável confusão daquela cabeça coimbrã e o zelo sempre extravagante do convertido. Coitado, não era. Mas, no caso do BPN, as coisas não se podem tomar com tanta ligeireza. Vital Moreira ligou expressamente a "roubalheira" do BPN a "figuras gradas" do PSD e pediu a Manuela Ferreira Leite "explicações" sobre o assunto. O tom "heróico" deste despropósito - "A mim (Ferreira Leite) não me intimida, nem me amordaça" - seria só ridículo, se não fosse inadmissível. O que fica implícito nesta posição de Vital Moreira é que o PSD como partido (e não o sr. A. ou sr. B., que a ele acidentalmente pertencem) incitou, facilitou ou escondeu a enorme fraude do BPN e que, por consequência, o PSD deve condenar pública e politicamente o sr. A. e o sr. B., como directo responsável pelos crimes que eles cometeram, se na verdade os cometeram. Nunca ninguém se atreveu a ir tão longe na demagogia eleitoral.
No próprio PS houve quem se espantasse com este delírio, que, tratando o PSD como uma associação criminosa, ignora militantemente as regras básicas da democracia. Maria de Belém (presidente da comissão parlamentar de inquérito ao BPN) protestou. E, como se calculará, José Lello correu a criticar Belém e a confortar Vital. É agora decisivo que se saiba - e se saiba com muita clareza - para que lado Sócrates se vai inclinar. Manuela Ferreira Leite já lhe exigiu, como é óbvio, uma declaração inequívoca. Inequívoca e, convém acrescentar, indispensável, porque se o secretário-geral do PS (e, além disso, primeiro-ministro) aprova, ou tolera, os métodos de Vital Moreira por uns votos numa eleição secundária, tudo é de facto permitido - e tudo inevitavelmente se pagará mais tarde.»
Vasco Pulido Valente. "Vital Moreira". Público: 31.Maio.2009.

sábado, 30 de maio de 2009

Uma sessão sobre Sebastião da Gama

Na tarde de quinta, estive em Azeitão, no Museu Sebastião da Gama (que completa, em 1 de Junho, os 10 anos de vida) para promover uma sessão sobre o poeta patrono do Museu, natural de Azeitão (freguesia de S. Lourenço), destinada a um grupo da Universidade Sénior de Setúbal (Uniseti).
Foi uma hora e tal de passeio pela vida, pelo tempo e pela obra de Sebastião da Gama, numa tarde quente, com as atenções presas, embaladas no interesse de mais contactar com o poeta. Antes, a visita ao pequeno núcleo sobre Sebastião da Gama fora guiada por Joana Luísa, a viúva do poeta, e por Nicolau da Claudina, um dos seus alunos de Setúbal.
Depois desta navegação, notei o prazer das pessoas em mais saberem sobre o poeta e o pedagogo, sensação que não me é nova, pois a tenho experimentado em várias outras sessões a propósito do poeta.
Que fascínio podem as pessoas encontrar numa visita a Sebastião da Gama? A poesia, claro; a mensagem educativa, também; a história de uma vida de 27 anos que muito deixou para contar, evidente; a fusão do poeta, do homem e do professor num sentir único, impossível de segmentar, talvez; um trajecto de alegria pela e com a vida, apesar da rapidez com que passou… Talvez um pouco de tudo isto seja verdade ou molde essa verdade, talvez. Mas tem-me sensibilizado que a história deste poeta tanto comova jovens como adultos, mais novos como mais velhos.
E, depois, vêm os testemunhos. Há sempre alguém que se cruzou com Sebastião da Gama. Num poema, numa citação, numa lembrança. Na tarde de quinta, havia a característica comum de quase todo o público ser sadino, com interesse pela poesia e com empenho cultural assinalável, trazido pela animação de uma oficina de poesia orientada por Alexandrina Pereira e por Fernando Paulino, ambos poetas, com obra publicada e prémios obtidos. E houve ainda a presença de Julieta Ferreira, que foi professora, que é escritora, leitora e emigrante na Austrália há quase três décadas, que se emocionou com a história e pareceu encontrar-se com uma das suas referências enquanto pedagogo e poeta. Coincidências. E momentos felizes. A Julieta testemunhou, lendo um excerto de um dos seus livros, num passo autobiográfico em que, a propósito de um olhar sobre o monumento a Camões, em Lisboa, regista: “O poeta cujos sonetos me encantavam e eram motivo de suplício para os meus alunos dedicados aos estudos das matemáticas ou ciências, para quem era um desperdício o estudo da nossa língua e literatura. Nunca desistia nas minhas tentativas de incutir neles o apreço pelas letras, o que resultava em tarefa bem árdua, na maior parte das vezes. Contudo, sempre munida de um entusiasmo redobrado, enfrentava a classe todos os dias, lembrando-me das palavras de Sebastião da Gama que tanto me inspirava e com quem partilhava a mesma paixão. A aula de Português acontece… Acontece na sala… Não sou, junto de vós, mais do que um camarada… Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensinar, não: falar delas. E eu falava com os meus alunos acerca da minha paixão pela língua portuguesa e pelos escritores que a trabalharam e enobreceram.” (Julieta Ferreira. Regresso a Lisboa – Confissões proibidas. Linda-a-Velha: DG edições, 2006, pp. 62-63).
Foi uma das coisas boas na tarde de quinta, só agora escrita, mas desde logo inscrita.
[fotos: na direita, Joana Luísa da Gama e Nicolau da Claudina; na esquerda, Julieta Ferreira]

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Uma colectiva de fotografias em livro

Chama-se Essência e Memória e indica em subtítulo ser o primeiro volume de uma Antologia de fotografia contemporânea (Chiado Editora, 2009), obra colectiva em que participam quase quatro dezenas de autores, cabendo a cada um o espaço de três fotos. Oriundos dos pontos mais diversos do país (com as ilhas incluídas), estes fotógrafos reúnem algumas características comuns: quase todos são amadores de fotografia, revelam curiosidade pelo mundo da imagem desde cedo, participam em galerias na net, têm trabalhos publicados em obras colectivas.
Registo os nomes e as justificações dos que estão relacionados com a região de Setúbal: Álvaro Manuel Mendes Cordeiro, empresário, de Grândola, para quem “a fotografia é uma forma de terapia, pois alimenta-o, dá-lhe forças e permite-lhe registar momentos inesquecíveis”; Cristina Mestre, alentejana ligada a Setúbal, que encara a fotografia como “um encantamento, um vício, uma paixão”; José Rasquinho, de Montemor-o-Novo e a viver em Setúbal, que “gosta de fotografar a vida e tem na Natureza e na fotografia documental os seus temas preferidos”; Tiago Figueiroa, arquitecto do Montijo, assumido “fotógrafo de momentos arquitectónicos”.
Por 170 páginas perpassam os mais variados temas e ângulos – figura humana, estatuária, gestos, natureza, património, animais, inovações, pormenores, recantos, momentos e afectos; passa o p/b e a cor; oscila o longe e o perto. São momentos de paz e de encantamento, porque, como regista Cristina Mestre, “melhor do que falar de mim é falar do que sinto”!
Dois pormenores sobre este livro, ainda: o primeiro, sobre o texto introdutório, um poema de Alberto Caeiro, para quem “ser real quer dizer não estar dentro de mim”; o segundo, a informar que os direitos de autor revertem a favor da associação “Ajuda de Berço”.
OBS: Esta obra vai ter apresentação pública no Espaço Fortuna,
em Quinta do Anjo, em 30 de Maio, pelas 17 horas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A partir de "A porta", de José Fanha

1. “Que o mundo está todo do avesso já sabemos. Às vezes está do avesso para bem e outras para mal. Mas se resolvêssemos aparafusá-lo, deixava de rodar e isso é que não tinha graça nenhuma.”
2. “Uma pessoa só se perde se não souber para onde quer ir.”
3. “Não há que ter vergonha por chorar. Às vezes até é bom. Faz falta quando sentimos saudades de alguém, ou ouvimos uma música especial, ou estamos simplesmente tristes. Toda a gente chora ou já chorou. Mesmo os mais fortes, os mais valentes.”
4. “Há tantas coisas que nós fazemos porque sim ou porque não. Bem… Lá no fundo temos sempre uma razão, mesmo quando não sabemos qual é.”
5. “É bom que as paredes dos castelos sejam, por vezes, bem reais e sólidas, metade de pedra, metade de sonho.”
José Fanha. A porta. Alfragide: Gailivro, 2009.

domingo, 24 de maio de 2009

Rostos (118)

Elemento escultórico na "Fonte do Sapal", Setúbal (1697)

Barack Obama em dez discursos

Entre 2 de Outubro de 2002 e 20 de Janeiro de 2009, são dez as intervenções públicas de Barack Obama reunidas em Dez Discursos Históricos (Fio da Palavra Editores: 2009), a maior parte das quais teve lugar a partir do momento em que Obama anunciou a sua entrada na campanha presidencial para os Estados Unidos (10 de Fevereiro de 2007, em Springfield, no Illinois).
O que entusiasma nestes discursos é a capacidade de envolvimento do público num projecto comum, quase como uma espécie de convite ao sonho, que é um desafio para a participação no trabalho de construção de uma outra América. O protagonista é sempre um colectivo “nós”, numa tentativa de irmanar todos em torno de convicções, sendo forte o uso da metáfora, o cruzamento com os momentos históricos do país, o acentuar da história pessoal e familiar, a identidade e o papel do outro.
E dali não surge apenas literatura ou retórica. Há objectivos, há ideias, há linhas mestras. Talvez tudo a explicar a adesão que Obama conseguiu, quer por parte dos americanos, quer dos outros povos. Talvez tudo a explicar uma forma de fazer política, pelo menos nas intenções, diferente, participada, a retornar à ideia da causa e do bem comum. Por lá perpassam as ideias sobre a escola, a política, a guerra e o terrorismo, a democracia, a Europa, o trabalho, o ambiente, o mundo, a América, a história… Por lá passam as ideias que arrebataram e que levaram este filho de negro queniano e de branca americana à cadeira da presidência dos Estados Unidos.
Agora, que se inicia a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, temendo os políticos que a abstenção atinja elevados índices (valerá a pena perguntar porquê e saber se algo tem sido feito para levar os cidadãos a acreditarem e a apropriarem-se de uma ideia de Europa), talvez valha a pena ver como o envolvimento não tem nada a ver com zangas, arrogâncias, distâncias e outros tiques que por aí vamos vendo...


Frases que ficam:
1. “A minha actividade levou-me a algumas das zonas mais pobres de Chicago. Trabalhei com pastores e leigos na resolução de problemas de comunidades devastadas pelo encerramento de fábricas. Percebi que os problemas que aquelas pessoas tinham pela frente não eram de natureza meramente local; que a decisão de encerrar uma fundição fora tomada por executivos distantes; que era possível seguir o rasto da falta de manuais escolares e computadores nas escolas até às decisões dúbias dos políticos a milhares de quilómetros de distância; e que, quando uma criança recorre à violência, é porque tem um buraco no coração que nenhum governo, sozinho, consegue preencher.” (Springfield, 10.Fev.2007)
2. “Esta campanha não poder ser apenas sobre mim. Tem de ser sobre nós: tem de ser sobre o que podemos fazer juntos. Esta campanha tem de ser a oportunidade, o veículo das vossas esperanças e dos vossos sonhos. O vosso tempo, a vossa energia e os vossos conselhos vão ser necessários para nos empurrar para a frente quando estivermos no bom caminho e para nos avisar quando nos desviarmos. Esta campanha tem de servir para recuperarmos o sentido da cidadania, para restaurarmos o sentido de um desígnio comum e percebermos que há poucos obstáculos que possam suster a força de milhões de vozes que clamam por mudança.” (Springfield, 10.Fev.2007)
3. “A esperança é a rocha sobre a qual esta nação foi edificada, a crença de que o nosso destino não será escrito para nós, mas por nós, por todos aqueles homens e mulheres que não se contentam com o mundo tal como está, mas que têm a coragem de transformar o mundo naquilo que devia ser.” (Des Moines, 3.Jan.2008)
4. “Não iremos aproveitar nunca o 11 de Setembro para conquistar votos pelo medo, porque não é uma táctica aceitável para ganhar eleições; é um desafio que devia servir para unir a América e o mundo contra as ameaças do século XXI: o terrorismo e as armas nucleares; as alterações climáticas e a pobreza; o genocídio e a doença.” (Nashua, 8.Jan.2008)
5. “Precisamos de nos unir para resolvermos um conjunto de problemas monumentais: duas guerras, uma ameaça terrorista, uma economia em queda, uma crise crónica nos cuidados de saúde e alterações climáticas potencialmente devastadoras; problemas que não são negros nem brancos, latinos ou asiáticos, mas antes problemas que nos ameaçam a todos. (…) Exprimi já uma convicção firme – uma convicção enraizada na minha fé em Deus e no povo americano: se trabalharmos juntos, podemos ultrapassar algumas das nossas velhas feridas raciais; e, na verdade, não temos outra alternativa, se quisermos continuar na senda de uma união mais perfeita.” (Filadélfia, 18.Mar.2008)
6. “Implica assumirmos plena responsabilidade pelas nossas vidas – exigindo mais dos nossos pais e passando mais tempo com os nossos filhos, lendo-lhes e ensinando-lhes que, apesar de poderem ter de enfrentar desafios e discriminações ao longo da vida, não devem sucumbir nunca ao desespero e ao cinismo; devem acreditar sempre que podem escrever o seu próprio destino.” (Filadélfia, 18.Mar.2008)
7. “A maioria dos americanos já percebeu que a discordância não faz de ninguém um anti-patriota e que não há nada de especialmente inteligente ou sofisticado no desrespeito cínico pelas tradições e instituições da América. (…) Será possível chegarmos a uma definição de patriotismo que, por mais tosca e imperfeita que seja, consiga captar o melhor do espírito comum da América. Como seria essa definição? Para mim, como para a maioria dos americanos, o patriotismo começa por ser um instinto visceral, uma lealdade e um amor pelo país enraizados nas minhas primeiras memórias. (…) Importa recordar, contudo, que o verdadeiro patriotismo não pode ser forçado, nem imposto por lei como um simples conjunto de programas governamentais. Em vez disso, terá de habitar nos corações do nosso povo, terá de ser cultivado no coração da nossa cultura e educado nos corações dos nossos filhos. (…) A perda de uma educação cívica de qualidade em tantas das nossas salas de aula deixou demasiados jovens americanos sem o mais elementar conhecimento de quem são os nossos antepassados, do que fizeram e do significado dos documentos fundadores onde constam os seus nomes. (…) Cabe-nos ensinar aos nossos filhos uma lição que nós, os que estamos na política, esquecemos com demasiada frequência: que o patriotismo não implica apenas defender este país contra ameaças externas, mas consiste também no trabalho constante para fazer da América um lugar melhor para as gerações vindouras. ” (Independence, 30.Jun.2008)
8. “Neste novo mundo, as correntes perigosas tornaram-se mais fortes do que os nossos esforços para contê-las. É por isso que não podemos dar-nos ao luxo de nos mantermos divididos. Nenhuma nação, por grande ou poderosa que seja, pode enfrentar sozinha esses desafios. (…) Os muros entre velhos aliados de ambos os lados do Atlântico não podem continuar de pé. Os muros entre países com mais e países com menos não podem continuar de pé. Os muros entre raças e tribos, nativos e imigrantes, cristãos, muçulmanos e judeus não podem continuar de pé. São estes os muros que agora temos de derrubar. (…) Este é o momento em que temos de nos unir para salvarmos este planeta. Assumamos o propósito de não deixarmos aos nossos filhos um mundo no qual os oceanos subam, a fome alastre e as nossas terras sejam devastadas por tempestades terríveis. Que todas as nações – incluindo a minha – assumam o propósito de agir com a mesma seriedade de intenções com que a vossa tem agido, e de reduzir as emissões de carbono que enviamos para a atmosfera. Chegou a hora de devolvermos o futuro aos nossos filhos. Este é o momento de o mundo falar a uma só voz.” (Berlim, 24.Jul.2008)
9. “Muitos não concordarão com todas as decisões que vou tomar e com todas as políticas que vou traçar como presidente, e todos sabemos que o Governo não consegue resolver todos os problemas. Mas serei sempre honesto convosco a respeito dos desafios que iremos enfrentar. Escutar-vos-ei, principalmente quando discordarmos. E, acima de tudo, irei pedir-vos que vos junteis à tarefa de reconstrução desta nação da forma que sempre se fez na América ao longo de duzentos e vinte e um anos: quarteirão a quarteirão, tijolo a tijolo, mão calejada a mão calejada.” (Chicago, 4.Nov.2008)
10. “A nossa herança de diversidade é uma força, não uma fraqueza. Somos uma nação de cristãos e muçulmanos, de judeus e hindus – e de não crentes. Somos modelados por todas as línguas e culturas, oriundas de todos os cantos desta Terra; e, porque provámos o fel da guerra civil e da segregação e emergimos desse capítulo sombrio mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que os velhos ódios hão-de acabar um dia; que as divisões tribais se hão-de em breve dissolver; que, à medida que o mundo se vai tornando mais pequeno, a nossa humanidade comum se há-de revelar, e que a América tem de desempenhar o seu papel no advento de uma nova era de paz.” (Washington, 20.Jan.2009)

António Barreto faz o balanço de um ano lectivo da escola

Aplicadores
«A publicação, pelo Ministério da Educação, do Manual de Aplicadores não passou despercebida. Vários comentadores se referiram já a essa tão insigne peça de gestão escolar e de fino sentido pedagógico. Trata-se de um compêndio de regras que os professores devem aplicar nas salas onde se desenrolam as provas de aferição de Português e Matemática. Mais precisos e pormenorizados do que o manual de instruções de uma máquina de lavar a roupa. Mais rígidos do que o regimento de disciplina militar, estes manuais não são novidade. Podem consultar-se os dos últimos quatro anos. São essencialmente iguais e revelam a mesma paranóia controladora: a pretensão de regulamentar minuciosamente o que se diz e faz na sala durante as provas.
Alguns exemplos denotam a qualidade deste manual: "Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste manual." "Continue a leitura em voz alta: Passo agora a ler os cuidados a terem ao longo da prova. (...) Estou a ser claro(a)? Querem fazer alguma pergunta?" "Leia em voz alta: Agora vou distribuir as provas. Deixem as provas com as capas para baixo, até que eu diga que as voltem." "Leia em voz alta: A primeira parte da prova termina quando encontrarem uma página a dizer PÁRA AQUI! Quando chegarem a esta página, não podem voltar a folha; durante a segunda parte, não podem responder a perguntas a que não responderam na primeira parte. Querem perguntar alguma coisa? Fui claro(a)?" Além destas preciosas recomendações, há dezenas de observações repetidas sobre os apara-lápis, as canetas, o papel de rascunho, as janelas e as portas da sala. Tal como um GPS ("Saia na saída"), o manual do aplicador não se esquece de recomendar ao professor que leia em voz alta: "Escrevam o vosso nome no espaço dedicado ao nome." Finalmente: "Mande sair os alunos, lendo em voz alta: Podem sair. Obrigado(a) pela vossa colaboração"!
A leitura destes manuais não deixa espaço para muitas conclusões. Talvez só duas. A primeira: os professores são atrasados mentais e incompetentes. Por isso deve o esclarecido ministério prever todos os passos, escrever o guião do que se diz, reduzir a zero quaisquer iniciativas dos professores, normalizar os procedimentos e evitar que profissionais tão incapazes tenham ideias. A segunda: a linha geral do ministério, a sua política e a sua estratégia estão inteiras e explícitas nestes manuais. Trata os professores como se fossem imaturos e aldrabões. Pretende reduzi-los a agentes automáticos. Não admite a autonomia. Abomina a iniciativa e a responsabilidade. Cria um clima de suspeição. Obriga os professores a comportarem-se como robôs.
A ser verdadeira a primeira hipótese, não se percebe por que razão aquelas pessoas são professores. Deveriam exercer outras profissões. Mesmo com cinco, dez ou 20 anos de experiência, estes professores são pessoas de baixa moral, de reduzidas capacidades intelectuais e de nula aptidão profissional. O ministério, que os contratou, é responsável por uma selecção desastrada. Não tem desculpa.
Se a segunda for verdade, o ministério revela a sua real natureza. Tem uma concepção centralizadora e dirigista da educação e da sociedade. Entende sem hesitação gerir directamente milhares de escolas. Considera os professores imbecis e simulados. Pretende que os professores sejam funcionários obedientes e destituídos de personalidade. Está disposto a tudo para estabelecer uma norma burocrática, mais ou menos "taylorista", mais ou menos militarizada, que dite os comportamentos dos docentes.
O ano lectivo chega ao fim. Ouvem-se gritos e suspiros. Do lado, do ministério, festeja-se a "vitória". Parece que, segundo Walter Lemos, 75 por cento dos professores cumpriram as directivas sobre a avaliação. Outras fontes oficiais dizem que foram 57. Ainda pelas bandas da 5 de Outubro, comemora-se o grande "êxito": as notas em Matemática e Português nunca foram tão boas. Do lado dos professores, celebra-se também a "vitória". Nunca se viram manifestações tão grandes. Nunca a mobilização dos professores foi tão impressionante como este ano. Cá fora, na vida e na sociedade, perguntamo-nos: "vitória" de quem? Sobre quê? Contra quem? Esta ideia de que a educação está em guerra e há lugar para vitórias entristece e desmoraliza. Chegou-se a um ponto em que já quase não interessa saber quem tem razão. Todos têm uma parte e todos têm falta de alguma. A situação criada é a de um desastre ecológico. Serão precisos anos ou décadas para reparar os estragos. Só uma nova geração poderá sentir-se em paz consigo, com os outros e com as escolas.
Olhemos para as imagens na televisão e nos jornais. Visitemos algumas escolas. Ouçamos os professores. Conversemos com os pais. Falemos com os estudantes. Toda a gente está cansada. A ministra e os dirigentes do ministério também. Os responsáveis governamentais já só têm uma ideia em mente: persistir, mesmo que seja no erro, e esperar sofridamente pelas eleições. Os professores procuram soluções para a desmoralização. Uns pedem a reforma ou tentam mudar de profissão. Outros solicitam transferência para novas escolas, na esperança de que uma mudança qualquer engane a angústia. Há muitos professores para quem o início de um dia de aulas é um momento de pura ansiedade. Foram milhares de horas perdidas em reuniões. Quilómetros de caminho para as manifestações. Dias passados a preencher formulários absurdos. Foram semanas ocupadas a ler directivas e despachos redigidos por déspotas loucos. Pais inquietos, mas sem meios de intervenção, lêem todos os dias notícias sobre as escolas transformadas em terrenos de batalha. Há alunos que ameaçam ou agridem os professores. E há docentes que batem em alunos. Como existem estudantes que gravam ou fotografam as aulas para poderem denunciar o que lá se passa. O ministério fez tudo o que podia para virar a opinião pública contra os professores. Os administradores regionais de Educação não distinguem as suas funções das dos informadores. As autarquias deixaram de se preocupar com as escolas dos seus munícipes porque são impotentes: não sabem e não têm meios. Todos estão exaustos. Todos sentem que o ano foi em grande parte perdido. Pior: todos sabem que a escola está, hoje, pior do que há um ano.»
António Barreto. "Retrato da Semana - Aplicadores". Público: 24.Maio.2009

sábado, 23 de maio de 2009

Miguel de Castro: Testemunho da Memória

Daniel Nobre Mendes viveu em Setúbal e foi amigo de Miguel de Castro, o poeta falecido na semana passada. A residir em Castelo Branco, Nobre Mendes fez chegar este texto evocativo da sua amizade com Miguel de Castro, que publico, desde já com um agradecimento.
«É mesmo doloroso escrever sobre o que as entranhas arrecadaram à moda de tesouro e que de repente se sente que uma violação veio, de algum modo, como intrusa, meter-se com a gente para no-lo roubar e empobrecer, mas... o cadinho da recordação, mais estreito na sua malha do que um frasco de vidro transparente e mais poderoso do que a frieza cega da própria morte não permite que se suma para sempre tudo aquilo que nos foi caro e continua a ser objecto da nossa própria afectividade e de que damos e passamos o testemunho.
O meu poeta, amigo de Sebastião da Gama, amigo de Couto Viana, amigo de David Mourão Ferreira e de muitos mais que confeccionaram a Távola Redonda, ao jeito do Rei Artur, e que hoje têm um destacado lugar na literatura do país, o meu alegre poeta, brincalhão, que sorria e dizia coisas sérias a sorrir, que falava da vida e da liberdade como de autênticos bens malbaratados e reveles na e daqueles tempos em que pontificavam o ódio político e a negridão salazarista, o meu poeta do "Chapéu de Chuva" – conheci-o um dia no café Esperança, aí pelos meados da maltrapida década de 60 do século que ainda há pouco se escapou da prisão do calendário, e tornámo-nos amigos!
Foi uma amizade linda, toda cheia de flores, daquelas flores tão mimosamente rescendentes que embriagam os sentidos e ferem subtilmente a sensibilidade como se de maviosa música se ouvissem os acordes mais bem timbrados, envoltos em túnicas quaisquer, não sei bem o quê, quais, de maravilhas inventadas constantemente, ao sabor de encontros nunca combinados. Que amizade, que ternura santas se escapavam da nossa relação fraterna, solidária, saudável quando entrava no Esperança e se sentava à minha mesa de tristeza nos tempos dos pides e bufos mas também de gente boa e bem formada. Que saudades, meu poeta. De ti. De ti. De mais pessoas extremosas que preenchiam os meus dias de solidão, tão longos...
Quando entravas ou sempre que já lá estavas havia no ar rolos de fumo de cachimbo inconfundíveis como se de uma espiral interminável se tratasse – esse sem-fim da vida que rola, desenrola, rebola e se prolonga para além de nós, deixando pelo caminho uma presença, um sinal, um gesto que se não extingue como o fanal da memória que permite que os navios atravessem as borrascas alterosas e aportem ao cais seguro do nosso sentimento. O meu poeta amava a vida, os seus amigos, a poesia, as mulheres, as crianças e os livros. O meu poeta foi sincero, autêntico, verdadeiro, não era fabricado nos hipermercados nem tinha etiqueta de validade porque a vida dele fez um ser natural como as tempestades que assolam e deixam na atmosfera esse nimbo mágico de tragédia que se transcende pela emoção estética de teimar vivo, persistindo, resistindo e insistindo na construção de uma obra que é a nossa herança!
E no Ateneu, uma casa de fortes tradições de cultura, esteve ligado ao teatro amador, de Carlos Ferreira, outro saudoso que também pela minha vida passou. No Ateneu Setubalense amou a mulher com que se casou e foi lindo tudo!

Ilusões de Vida
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu.

Miguel de Castro – Jasmim Rodrigues da Silva continua a vir na praia mar do meu sentir e permanece ancorado ao cabo de amarra que acarinha vivências de outros tempos!»
Daniel Nobre Mendes,
com poema do brasileiro Francisco Octaviano
[foto do setubalense Américo Ribeiro (Um Tesouro Guardado - Setúbal d'outros tempos. Setúbal: 1992), retratando o momento em que Miguel de Castro recebia das mãos do Prof. Doutor Hernâni Cidade o prémio dos Jogos Florais do II Centenário do Nascimento de Bocage, em 1965]

E mais um retrato de escola, ainda hoje

Há dias, grande grupo de professores da minha escola reuniu-se num jantar para despedida de sete outros professores que deixaram de o ser por motivos de aposentação. Uma colega tinha uma mensagem preparada para transmitir a todos. Mas as condições da sala em que a reunião ocorreu não permitiram a leitura. Por outro lado, o facto de serem sete os homenageados terá também pesado na decisão de não ler a missiva, porque era pessoal. No entanto, posteriormente, distribuiu a mensagem por uns tantos amigos mais próximos, entre os quais fui incluído.
Pedi-lhe autorização para aqui transcrever alguns passos, por me parecer que, também aqui, além de um retrato de professor (que pouco ou nada tem a ver com os estereótipos que a sociedade e a política mais recentes têm vindo a fazer), há um outro retrato de escola, que deve ser um espaço feliz, sem demagogias e sem ser campo de batalha (como, infelizmente, tem vindo a suceder!). Reproduzo, pois, alguns excertos. De uma mensagem que tem o saber e o fazer de 30 anos de escola…

«(…) Foram mais de 30 anos. Tanto e tão pouco! Desde as tardes que passava a brincar às professoras com as minhas bonecas, ainda não sabia bem o que era a escola, até ao último dia de Abril de 2008, passou a maior parte da minha vida … um instante … e eu não dei por isso?! Mas, como?!
Talvez porque a nossa seja a mais bela profissão!
Digo-o, não porque esteja a pensar nos tantos e magistrais saberes e competências que é suposto possuirmos. Digo-o, porque estou sinceramente convencida de que, no acto de ensinar, se processa algo de único entre aquele que ensina e aquele que aprende, sendo que o que se aprende não é só o que se ensina, outras aprendizagens vão no “quando” e no “como” de o fazer.
(…) Digo-o, logo, porque acho que viverei para além dos meus dias em tudo o que deixei junto daqueles com quem trabalhei e convivi e em tudo o que estes a outros deixem.
Sei que falo numa altura em que estas reflexões foram adiadas porque o dia-a-dia das escolas perturba a dedicação ao saber, às competências, à cultura, à partilha.
Mas, por muito que isto custe a alguns, outros dias virão. As travessias dos desertos, esta nossa feita de desrespeitos e de ignorâncias, chegam sempre ao seu fim. A razão vence sempre, só que não vence logo. O momento virá em que, reduzidos ao quanto, alguém perguntará pelo como.
Como Philippe Meirieu ainda há pouco tempo dizia numa conferência em Lisboa, a pedagogia não é um dom, nem uma ciência, nem uma arte. Será antes uma «arte de fazer», arte de bricolage entre dois pólos antagónicos: o princípio da educabilidade (todos podem aprender e crescer) e o princípio da liberdade (ninguém pode obrigar ninguém a aprender e a crescer). Charneira entre estes dois pólos, o professor pode, pelo acto de transmissão de cultura, transformá-los em pólos de atracção. E cumprir-se!
Este tempo da minha vida passou depressa porque acreditei nisto que vos digo. Digo-o não para vos “consolar”, mas para vos incentivar … à resistência pela razão que nos assiste, pela dignidade de que nunca poderemos prescindir.
Confesso que fui feliz com o meu trabalho porque fiz dele um desafio para a vida. Sinto-me como que tenha aplicado o pensamento com que me deparei, há pouco tempo, e cuja autoria não era referida: «todos querem o cimo da montanha, mas a felicidade está durante a subida». Eu … apreciei cada passo da minha subida!
(…) Termino com um voto. Que a nossa razão vença porque feita de saber, de dignidade e de respeito pelo outro.
(…) Será sonho? Sim, e porque não? Já um poeta que muito admiro dizia que pelo sonho é que vamos e dele nos sustentaremos! (…)»

Outro retrato de escola, hoje

A dor de ser professor
«A legislatura aproxima-se do termo. É digno de nota que a titular do Ministério da Educação (ME) a tenha cumprido do princípio ao fim. É tempo de balanço, que devia ser positivo. A escola está melhor? É um espaço de trabalho, respeito e disciplina? Os alunos aprendem mais? A sociedade revê-se na escola? Os pais sentem-se representados nela? E podem escolher a escola para os seus filhos? Os alunos mais pobres têm as mesmas oportunidades dos alunos mais favorecidos? A escola é um local seguro? Já nem se pergunta se os professores se sentem motivados e compensados, anímica e profissionalmente...
Os arautos da política ministerial argumentam com a extensão do ensino do Inglês ao primário, a expansão do ensino dito profissional, os cursos de educação e formação de adultos, a massificação do uso das tecnologias de informação por alunos e professores, as obras de beneficiação do parque escolar e o alargamento da escolaridade obrigatória até ao décimo segundo ano. Todos devíamos estar satisfeitos. E confiantes de que tais melhorias hão-de resultar num futuro próximo. Será assim? Basta visitar as escolas, indagar junto dos alunos ou sondar o cidadão comum para perceber que "as coisas não batem certo".
Bastos e infalíveis opinion makers apoiaram as investidas contra os professores, responsabilizando-os pelo desastre que tem sido o ensino nas últimas três décadas. Acusados de incompetentes, relapsos e faltosos, os docentes sofreram, às mãos da hierarquia e pela fúria social, a humilhação da culpa explícita, expressa não raro em agressões físicas protagonizadas por alunos e pais com escandalosa indiferença dos poderes, à excepção do senhor procurador-geral da República. Feridos e desamparados, restou a muitos e bons professores a fuga antecipada para a reforma, ficando a escola mais desguarnecida em qualidade e exemplo... Quanto tempo durarão as mazelas é difícil saber...
E algumas alterações introduzidas pelo ME causam espanto pelo atabalhoamento e pela inconsciência das consequências inevitáveis. Um exemplo: o sistema de avaliação de professores não só era inexequível,como era e é cruamente artificial e arbitrário. Outro exemplo: o estatuto do aluno estava tão mal redigido, e com normas tão absurdas, que foi penoso ver o ME empurrar para os professores a culpa da sua má aplicação! Outro exemplo: a divisão da carreira em professores e professores titulares, impedindo aqueles de desempenhar cargos de direcção, é tão extraordinária que, a ser taxativamente aplicada, deixaria algumas escolas sem conselhos executivos, pois alguns havia que não contavam com nenhum professor titular. De resto, entre os directores entretanto eleitos figuram os mesmos professores não-titulares, pois eram os que detinham a experiência requerida para se candidatar ao cargo. De que valeu então aquela divisão entre os professores?
Por que será que ninguém quer ver que a estrutura e as hierarquias intermédias do ME são dispensáveis e que a direcção das escolas deve responder segundo a lei, perante as inspecções e a comunidade que serve? Para quê grandes cadeias hierárquicas, com adjacências que ampliam o número de lugares que desviam do trabalho com alunos? E onde a responsabilização individual é uma miragem...
Mas o que dói é chegarem alunos ao ensino secundário incapazes de fazer operações numéricas básicas, de ler e escrever escorreitamente e de entender os professores, oralmente ou por escrito. Planos, estratégias, tecnologias, estímulos e apoios servem para quê? Quem são os responsáveis?»
José Batista da Ascenção. "A dor de ser professor". Público: 23.Maio.2009
(secção "Cartas ao Director")

Um retrato da escola, hoje

Delação na sala de aula
«Numa semana, os professores recebem um manual de instruções para conduzir as provas de aferição que os coloca uns furos abaixo da indigência mental; na outra, ficam a saber que uma aluna pode gravar clandestinamente o que se passa na sala de aula e usar o material ilegalmente obtido como prova de inaptidão para o exercício das suas funções. Depois de dois anos de uma terrível guerra de nervos iniciada com o estatuto e aprofundada pela avaliação, os professores, principalmente do ensino público, têm cada vez mais estímulos para a descrença e a desmotivação. Por muita razão que a ministra tenha em algumas das suas reformas, e tem-na, pelo menos, ao nível da urgência e do conceito de avaliação, a soma de grandes afrontas e de pequenos ataques de que têm sido alvo os docentes ameaça desfazer o que resta de empenho e sentido de serviço público na classe.
Por uma vez, era bom que o caso de Espinho pudesse ser visto de uma forma global e não se resumisse à análise dos devaneios de uma professora que, manifestamente, merece ser punida pelo que disse na aula ou pelo que aí insinuou sobre matérias do foro privado das suas alunas. Encerrado, e bem, este caso com um processo disciplinar, esperava-se que o Ministério da Educação se preocupasse com o outro lado da questão: o método usado pelas alunas e assumido pelas suas encarregadas de educação. Ora, que se saiba, não haverá ao nível da escola nem da direcção regional qualquer diligência, o mínimo gesto, a mínima palavra de censura pelo acto. O que, para os cidadãos e, principalmente, para os professores, quer apenas dizer uma coisa: que a espionagem clandestina do que se passa na aula, o recurso a tecnologias para instigar a delação é um método que não causa o mínimo arrepio à tutela.
Haverá certamente quem se apoie no nexo de causalidade para justificar o emprego de gravadores digitais ocultos nas mochilas. Afinal, os resultados estão à vista: sem as declarações gravadas, jamais alguém poderia acreditar que uma professora, aquela professora, fosse capaz de proferir tantos disparates e tantos insultos à dignidade dos alunos. Mas, resolvida a situação a favor dos pais revoltados e das alunas insultadas, o problema principal que agora se coloca tem a ver com o futuro. Doravante, o recurso a gravações clandestinas que não têm qualquer valor probatório em sede de processo na justiça ordinária (exigem autorização de um juiz), passa a ser legitimado nas salas de aula. Os momentos de descontracção, de diálogo franco e aberto, de proximidade entre professor e aluno estarão condenados a desaparecer das nossas escolas. Nenhum professor deixará de ter medo ao pensar no fantasma da gravação oculta sempre que arriscar sair da matéria oficial para fazer o que lhe compete: abrir horizontes aos seus alunos.
Pode parecer um cenário excessivo, mas o facto é que o episódio de Espinho é mais uma peça de um puzzle que gradual e paulatinamente vai corroendo o amor-próprio e a personalidade da docência. A menos que queiramos professores-funcionários, apenas autorizados a ditar sebentas ou a transmitir sumários, não se pode estar de acordo com as instruções do ministério que os transformam em aprendizes ou a legitimação por falta de censura de gravações ocultas nas salas de aula. Se não for pelo clima de intimidação e medo que pode gerar nos docentes, ao menos haja o bom senso de as condenar por estimularem os alunos a cultivar práticas pidescas. Querer resumir o incidente à condenação da professora é por isso um insulto a todos os que consideram a bufaria um daqueles vírus que a escola tem o dever de extirpar dos hábitos dos jovens.»
Manuel Carvalho. "Delação na sala de aula". Público: 23.Maio.2009.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Memória: Bénard da Costa (1935-2009)

De João Bénard da Costa guardarei na memória a sua intensa ligação ao cinema; a sua escrita de histórias encadeadas, em tom de cavaqueira e de memórias (dos livros, das revistas e das crónicas jornalísticas - no Público, escreveu algumas evocativas histórias da Arrábida, por exemplo); a forte perspectiva cultural que pelos seus textos perpassa. Mas o que mais me fica na memória é o discurso que proferiu a propósito da história, da cultura e das memórias de Setúbal em 10 de Junho de 2007, quando a data era assinalada na cidade do Sado, um texto intenso que passou em retrospectiva a história sadina e que pretendeu chamar a atenção para o papel da cidade, desta cidade, enquanto pólo com identidade acentuada mas frequentemente esquecida. Foi uma excelente mensagem que ficou para os setubalenses, um cru testemunho de um viajante na história, de um frequentador de Setúbal e da Arrábida. Não será um testamento, mas é, pelo menos, um texto que justificaria a evocação de Bénard da Costa neste dia para a comunidade setubalense...
[foto: Bénard da Costa, em Azeitão, na inauguração do monumento a Sebastião da Gama, em 9 de Junho de 2007]

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Intervalo (15) - Última actualização do dicionário de Língua Portuguesa

Ignoro a autoria da criação. Foi-me enviado sem esses dados, que julgo não serem conhecidos. Tem a sua graça e merece ser partilhado. Brincadeira com o léxico, por certo. Com piada...
Abismado: Sujeito que caiu de um abismo.
Aspirado: Carta de baralho completamente maluca.
Assaltante: Um 'A' que salta.
Barracão: Proíbe a entrada de caninos.
Biscoito: Fazer sexo duas vezes.
Cleptomaníaco: Mania por Eric Clapton.
Coitado: Pessoa vítima de coito.
Contribuir: Ir para algum lugar com vários índios.
Conversão: Conversa prolongada.
Coordenada: Que não tem cor.
Democracia: Sistema de governo do inferno.
Destilado: do lado contrário.
Detergente: Acto de prender seres humanos.
Determine: Prender a namorada do Mickey Mouse.
Eficiência: Estudo das propriedades da letra F.
Estouro: Boi que sofreu operação de mudança de sexo.
Expedidor: Mendigo que mudou de classe social.
Halogéneo: Forma de cumprimentar pessoas muito inteligentes.
Homossexual: Sabão em pó para lavar as partes íntimas.
Luz solar: Sapato que emite luz por baixo.
Ministério: Aparelho de som de dimensões muito reduzidas.
Ortográfico: Horta feita com letras.
Padrão: Padre muito alto.
Pornográfico: O mesmo que colocar no desenho.
Presidiário: Aquele que é preso diariamente.
Pressupor: Colocar preço em alguma coisa.
Ratificar: Tornar-se um rato.
Testículo: Texto pequeno.
Tripulante: Especialista em salto tripl.
Violentamente: Viu com lentidão.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Rostos (117)

Monumento a Serrão Martins (2002), em Mértola

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Política caseira (15) - Teresa Almeida (PS) e a Setúbal "de bairros"

O Setubalense: 18.Maio.2009

Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama – notas do fim-de-semana

A entrega do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama ocorreu em Azeitão, nas instalações da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, na noite de sábado.
Gostaria de deixar três notas a propósito: a primeira, de congratulação com o espectáculo que o grupo “ArsLuce” proporcionou, apresentando danças renascentistas, cheias de subtileza e de poesia, com guarda-roupa simpático a ajudar nesse transporte para tempos bem distantes; a segunda, de igual congratulação pelo concerto que a Banda da Sociedade Perpétua Azeitonense ofereceu, sob a batuta do maestro Carlos Medinas, bem capaz de arrancar muitos aplausos, cheio de criatividade e dedicação; a terceira, a propósito do contemplado com o prémio, José Carlos Barros, e da sua simplicidade para o acto de falar de poesia, bem expressos nos exemplos para justificar o orgulho e vaidade que sentia por o seu texto ter agradado – o de seu pai, alfaiate de ofício, e o do agricultor Linhares, um e outro sempre vaidosos do trabalho que conseguiam: o fato, num caso, e a perfeição do acto de podar, no outro.
Na minha intervenção, enquanto responsável da Associação Cultural Sebastião da Gama, saudei este evento, partilhando outras três razões: a primeira, porque naquele mesmo dia, tinha partido um poeta, Miguel de Castro, descoberto para a poesia por Sebastião da Gama, compositor na senda do lirismo como fora o próprio Sebastião da Gama, partida que o terá levado, provavelmente, a um encontro com o mestre para falarem de poesia, francesa quase de certeza, que era também a poesia francesa que os ajudava; a segunda, porque neste ano ocorrem os 60 anos do início da escrita do Diário, obra máxima na pedagogia de Sebastião da Gama, a necessitar de ser concretizada, texto também poético que bem merece ser meditado e considerado fonte de inspiração, que poderia levar os educadores (pais ou professores), os políticos e a sociedade a encarar a educação de outra maneira, talvez a encontrar soluções para vários problemas que se põem hoje no acto educativo, sobretudo no que se prende com a relação pedagógica, com os laços, com os afectos (e a falta de tudo isto); finalmente, a terceira, com a oportunidade justificada pelo facto de este Prémio, ao longo das doze edições, além de prolongar a memória do seu patrono, ter aberto caminho a poetas e ter consagrado outros, mencionando os casos de Maria do Rosário Pedreira (a primeira vencedora, em 1988, sob o pseudónimo de Maria Helena Salgado), Maria Graciete Besse, Amadeu Baptista e José Carlos Barros, “repetente” nestas andanças, uma vez que já ganhara este Prémio em 1990.
Agora, resta aos leitores uma espera no sentido de que o texto de José Carlos Barros seja publicado. E, a avaliar pelo testemunho deixado pelo poeta Ruy Ventura, em nome dos membros do júri, boas razões (literárias) haverá para se esperar a publicação, assim o poeta lhe dê corpo, tal como fez com o texto que, em 1990, lhe trouxe o galardão (Uma abstracção inútil. Évora: Declives, 1991)!

sábado, 16 de maio de 2009

Memória: Miguel de Castro, aliás, Jasmim Rodrigues da Silva (1925-2009)

Acabo de receber a notícia da morte do meu amigo Jasmim, aliás, Miguel de Castro, poeta, apreciador do mundo, grande leitor, "descoberto" por Sebastião da Gama. Sabia que estava hospitalizado em Setúbal há cerca de duas semanas, mas, quando ainda há menos de uma semana falei com ele ao telefone, deixámos um encontro marcado para logo que regressasse a casa. Coisas... Sinto ainda a comoção da surpresa, porque o Jasmim, aliás, o Miguel quis ser meu amigo. Foi graças a ele que conheci Luiz Pacheco, com ele muito viajei na poesia, com o seu humor me diverti. E a visita ficou subitamente suspensa. Abaixo reproduzo o texto que postei aquando do seu aniversário no ano passado, um pouco em jeito de memória.Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925.
[foto: Guia de Eventos, Câmara Municipal de Setúbal]

Dos bordados de Viana do Castelo

Hoje, no quiosque, ao ver a capa de uma revista com bordados de Viana do Castelo, senti o tempo a recuar sob a pressão da memória. Recordo as toalhas e almofadas bordadas por familiares que se usavam na casa de infância, relembro a habilidade da mãe a decorar a vermelho e a azul pedaços de linho...
Trouxe a revista Belas Ideias (nº 2, Abril-Maio.2009), satisfeito, por esse reencontro. Introduz a história dos bordados vianenses e dá corpo a um lote de propostas de "designers" contemporâneos que jogam com os motivos e com os pontos usados no bordado de Viana do Castelo - toalhas, almofadas, abat-jours, quadros, malas, vestuário, etc. Lindas ideias! E, no final, ainda há uma reportagem fotográfica de algo que me é muito querido: o cortejo etnográfico das Festas da Agonia, que se realizam em Agosto.
Reproduzo um excerto do texto que abre a revista: "Bordar é uma arte antiga das gentes do Minho. Desde o gosto pela decoração da casa, ao traje alegre ou cerimonioso, cuidadosamente trabalhado, até à comunicação mais intimista e amorosa dos lenços de namorados, onde contam, bordando, o que lhes vai na alma. Assim é o Minho, cheio de cores, de formas, de brilhos, de encantos (...)."

Intervalo (14)

Uma aluna enviou-me o texto que segue, já recebido de outro emissor. A informação que acompanha este texto tenta garantir que ele foi realmente produzido e constituiu trabalho apresentado por um aluno numa escola portuguesa. Temos direito às nossas reservas, mas podemos admitir que sim... Não interessam os considerandos nem outras considerações (como diria Gedeão). O texto aí fica... para um intervalo.

O PIPOL E A ESCOLA
Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso ver q á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.
Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?
E ópois os setores ainda xutam preguntas parvas tipo cuantos cantos tem 'os Lesiades''s, q é u m livro xato e q n foi escrevido c/ palavras normais mas q no aspequeto é como outro qq e só pode ter 4 cantos comós outros, daaaah.
Ás veses o pipol ainda tenta tar cos abanos em on, mas os bitaites dos profes até dam gomitos e a Malta re-sentesse, outro dia um arrotou q os jovens n tem abitos de leitura e q a Malta n sabemos ler nem escrever e a sorte do gimbras foi q ele h-xoce bué da rapido e só o 'garra de lin-chao' é q conceguiu assertar lhe com um sapato. Atão agora aviamos de ler tudo qt é livro desde o Camóes até á idade média e por aí fora, qués ver???
O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço de otelaria e a Malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganhar

Política caseira (14) - PSD, o optimismo e a segurança


O Setubalense: 15.Maio.2009

Correio de Setúbal: 15Mai2009.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 100
Gomes Sanches I – Muitas vezes nos encontrámos. Invariavelmente, na Culsete, em Setúbal, à volta de livros e de conversa, motivados pelo seu quê de tertúlia com o Manuel Medeiros. Sempre com uma pasta ou com livros. De poesia. Entremeados com umas folhas manuscritas. De poemas. Por vezes, fez de mim primeiro leitor. E, braços abertos, declamava, que as palavras, quando ditas, podem ser mais próprias e mais intensas do que quando escritas. Gosta? Eram poemas da (sua) vida. Nas sessões culturais animadas pelo Medeiros, na mesma Culsete, ele estava sempre presente. E intervinha. Normalmente com poema. Nem sempre de sua lavra, que Pessoa era um dos seus favoritos. No dia 2 de Maio, soube da sua morte, ia eu a caminho de uns livros. Logo ali me atacou a saudade e me inundou a memória. E, ao chegar a casa, tive que espreitar alguns dos seus poemas.
Gomes Sanches II – José dos Reis Gomes Sanches nasceu em Aldeia Velha, no Sabugal, em Janeiro de 1936. Na juventude, estudou em Vila Nova de Gaia. Cursou Direito, tendo estudado em Coimbra mas concluindo a licenciatura em Lisboa. Vivia em Setúbal desde 1977. Deixou publicadas as obras Percurso de circunstâncias (Setúbal: 2002) e Espaço de memórias (Setúbal: 2006), ambas em edição de autor.
Censura – Continuo sem perceber o que pode levar uma cadeia de supermercados a recusar vender um livro de João Ubaldo Ribeiro, que foi Prémio Camões. Já não bastava a ditadura dos gostos no consumo, ainda faltava a censura literária! Deve o sapateiro…?
Setúbal – Não tenho compromisso para as eleições autárquicas com ninguém. Espero ver as propostas que os candidatos vão apresentar, mas já há coisas estranhas: o que pode trazer de útil uma candidatura que se anunciou com o objectivo de contestar a actual Presidente de Câmara, não tendo esse anúncio uma palavra que fosse para Setúbal, antes denotando uma guerra pessoal? Na verdade, o concelho de Setúbal não merecia tão pouco ou tão nada...
Cem – É isso. Esta é a centésima página do “Diário da Auto-Estima”, que aqui se vai escrevendo desde 15 de Outubro de 2004. Com as marcas da efemeridade, claro. E com os (des)gostos que tecem os dias. Vale a pena, leitor?

Um outro olhar sobre a Bela Vista (Setúbal)

Somos alguém
«Podemos ser pobres, mas somos alguém. A Dulce, do café, a Carla do CCA, a Felismina da Associação Cabo-verdiana, a Mena do Supermercado, são alguém. O Tony e o Toninho mortos pela polícia, apesar de já não estarem entre nós, também eram alguém.
O Bairro da Bela Vista, em Setúbal, é muito mais que a violência relatada na imprensa, por estes dias. Esta ideia de que a Bela Vista e outros bairros pobres são uma ameaça social é, justamente, construída pela forma como são veiculadas as notícias relativamente aos mesmos, o que contribui, sem dúvida, para o aumento da sua estigmatização.
É preciso lembrar que no meio daquele caos urbanístico moram homens, mulheres e crianças que vivem com dificuldades a vários níveis - social, educativo, laboral - e estão limitados nos seus direitos políticos. Estas pessoas esforçam-se, diariamente, por uma vida melhor e não necessitam da tolerância dos outros, mas sim da garantia dos seus direitos.
Porém, estes não fazem as primeiras páginas de jornais. O que as faz são as rusgas, os bloqueios policiais e a violência.Não é fácil conviver com estes cenários. Por mais que as pessoas do bairro estejam habituadas, é sempre uma profunda humilhação ser-se recorrentemente revistado na rua, viver com recolheres obrigatórios e perímetros de segurança, proibido de ir trabalhar, de ir estudar, como se não bastasse a carência e a exclusão.
O problema da Bela Vista não se resolve com rusgas e bloqueios policiais, mas sim através de políticas públicas transversais que resultem de uma profunda articulação entre os vários actores sociais: a população do bairro, a autarquia, as associações, as escolas, a segurança pública, etc. A Bela Vista sofre de problemas sociais estruturais que vêm de anos de invisibilidade, isolamento e discriminação, para além de padecer de uma enorme falta de auto-estima.Perante esta realidade é urgente requalificar o bairro, garantir mais respostas sociais, novas infra-estruturas e coisas simples como melhorar a iluminação, a recolha do lixo, a limpeza, etc.
É preciso quebrar o ciclo de pobreza, apostar na formação e diminuir a precariedade laboral e o desemprego. Ao invés de demonizar, ainda mais, o bairro, espero que estes episódios sirvam para reflectir sobre os problemas da Bela Vista, criando respostas e soluções que contribuam para melhorar a vida dos seus habitantes, aqueles que não fazem as primeiras páginas dos jornais. Quando o reverendo Jesse Jackson escreveu o poema I am somebody fê-lo com a intenção de promover o respeito e o diálogo intercultural. As pessoas da Bela Vista são alguém, não podem ser rejeitadas, discriminadas e têm direitos. É só isso que os moradores da Bela Vista querem.»
Mónica Frechaut. "Somos alguém". Público: 14.Maio.2009

Vénus de muitos milénios

Sete mil anos separam a produção destas esculturas representando Vénus; um século separa as suas descobertas, o tempo necessário para que a Vénus de Willendorf fosse destronada como a mais idosa Vénus...
Vénus de Hohle Fels, 35 mil anos (descoberta na Alemanha em 2008)


Vénus de Willendorf, 28 mil anos (descoberta na Áustria em 1908)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Prémio Literário Bocage deixa cair o ensaio

O Concurso Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage foi instituído pela Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (LASA) em 1999. Nessa primeira edição, que só abrangia a poesia, o júri foi constituído por Fernando Cristóvão, Manuel Gusmão e Helena Carvalhão Buescu. Em 2002, aquando da quarta edição do certame, a LASA passou a publicar os textos premiados, ideia de Maurício Costa, então Presidente da Direcção. Ainda nesse ano, às duas modalidades de poesia foi acrescentada a de ensaio, que foi ganha por Artur Vaz, com um texto biográfico sobre o patrono do prémio.
Esta modalidade de ensaio manteve-se até 2008, tendo sido ganha por autores brasileiros e portugueses, que revelaram Bocage em vários pormenores biográficos, haja em vista o ensaio de Jorge Morais, em 2006, intitulado Um maçon chamado Bocage, que, posteriormente, chegou a ter edição comercial.
Obviamente, a modalidade ensaística não é a mais fácil. Exige estudo, muito trabalho e muita reflexão. A quantidade de provas aparecidas para essa modalidade era escassa e, em 2003 e 2007, o prémio de ensaio nem sequer foi atribuído.
O Setubalense noticia hoje que a Direcção da LASA, ao anunciar a 11ª edição (para 2009), informou também sobre o fim da modalidade Ensaio, com os argumentos de que “a participação é escassa” e de que “é muito difícil para os autores arquitectarem histórias sobre Bocage e fazerem um trabalho de ensaio”.
Estes argumentos valem o que valem, mas não deveriam constituir razão para acabar a modalidade, antes deveria este prémio incentivar os estudos sobre a cultura e a identidade de Setúbal. Por outro lado, nada obrigaria a que essa modalidade existisse todos os anos, bem podendo ter realização bienal, por exemplo… mesmo porque o estudo e a reflexão não funcionam com pressão de tempo!
Obviamente, a Direcção da LASA, enquanto promotora da ideia, tem autonomia para tomar as decisões que quiser neste capítulo. Mas é pena que esta decisão deixe de valorizar os estudos locais também, sobretudo que deixe de valorizar o estudo e a investigação.
É útil que faça a minha declaração de ligação a este prémio: integrei o júri nas edições de 2002 a 2006, colaborei na preparação de algumas das edições das obras premiadas (2002 a 2007) e, por razões pessoais e profissionais, deixei a colaboração a partir dessas datas; nunca fui concorrente a nenhuma das modalidades.

O Setubalense: 13.Maio.2009

domingo, 10 de maio de 2009

A Bela Vista (Setúbal) lida por Vasco Pulido Valente

Um aviso
«No Bairro da Bela Vista, em Setúbal, construído em 1976, vivem à volta de 7000 pessoas. É, segundo o Diário de Notícias, a "zona mais multirracial" da cidade (africanos, ciganos, timorenses). Certamente por isso é também a zona com mais desemprego: no último trimestre o desemprego no distrito andava pelos 10,5 por cento (um número inquietante) e na Bela Vista por mais do dobro - 23,5 por cento. Como seria de esperar, também a taxa de escolaridade está muito abaixo do normal, porque ninguém estuda sem esperança de trabalho. O presidente da junta de freguesia também se queixa da falta de "equipamentos lúdicos", de "equipamentos de lazer" e do mau estado do "parque habitacional". Apesar de tudo, a criminalidade está "muito abaixo" da de outros bairros de Setúbal e as relações entre a população e a polícia têm sido normalmente "boas".
Mas já houve um caso de violência grave, em 2002, quando um agente matou a tiro um jovem e quinta-feira à noite, depois do enterro de outro jovem local também morto a tiro (desta vez no Alvor, pela GNR do Algarve), um grupo atacou a esquadra da polícia à pedrada e com cocktails molotov. Pior ainda: sexta-feira, a meio da tarde, um homem (com capuz) voltou a atacar a esquadra com uma caçadeira de dentro de um carro "em alta velocidade". A PSP não acha - e aparentemente com razão - que se trate de um gang organizado. Acha que o episódio, embora dramático, foi um acto da mesma natureza dos tumultos da véspera: um gesto de revolta contra a ausência de futuro e a miséria de uma geração.
O "Bispo Vermelho", ou seja, o bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, concorda. Numa declaração solene, avisou que um "incidente" desta natureza pode com facilidade "encontrar" uma "fogueira", "preparada para incendiar o país". D. Manuel não pensava, evidentemente, numa conspiração. Pensava na fome. "Sem pão", disse ele, "ou mato ou me mato". Não custa a imaginar que se comece por matar. O bispo emérito não é o primeiro a profetizar uma explosão brutal e generalizada, sem qualquer objectivo político e fora de qualquer partido. Sucedeu em França e sucedeu na Grécia; e Mário Soares não pára de prevenir que nada impede - e muita coisa indica - que venha a suceder aqui. Se o sistema de representação legal - o Parlamento, o Governo, o Presidente - deixa de facto de representar o povo ou parte dele (e não uso aqui a palavra demagogicamente), o que fica é, como de costume, a acção directa.»
Vasco Pulido Valente. "Um aviso". Público: 10.Maio.2009

sábado, 9 de maio de 2009

O livro de Ubaldo Ribeiro, a censura de um supermercado e a opinião de Pedro Mexia

A bunda e a ameaça
«Que maçada, mais um artigo sobre a liberdade de expressão, como se a liberdade de expressão estivesse em causa, mais um texto sobre a censura, como se houvesse alguma censura. Isso não são assuntos reais, assuntos importantes, assuntos que interessem aos portugueses, é apenas entretenimento de intelectual, de desocupado, de burguês.
Gostava que o parágrafo anterior fosse uma caricatura, mas cada vez mais corresponde ao que ouço em conversas sempre que alguém defende à mesa a liberdade de expressão. Cada vez mais as opiniões restritivas das liberdades vão sendo mais aprovadas. Não se pode desenhar um Papa com um preservativo no nariz. Não se pode mostrar um Che de bigode hitleriano. Não se pode fazer piadas com as amantes de Salazar. Não se pode publicar cartoons de Maomé. Não se pode ter linguagem preconceituosa. Não se pode. Há nessa matéria uma grande aliança, uma das mais importantes do nosso tempo, entre os reaccionários conservadores e os reaccionários progressistas. Gente que "até concorda" com a circulação livre de palavras, imagens e ideias, "mas com limites". Os limites deles, bem entendido.
É por isso que tudo o que seja atentado à liberdade de expressão deve ser denunciado, criticado, satirizado. Há muito lixo, muita coisa duvidosa, questionável? É possível e provável, mas entrar nessa discussão é já entrar num jogo viciado. Quando a liberdade de expressão é atacada, não se discutem minudências. Há muitas coisas de que eu não gosto, mas não quero viver num mundo em que só exista aquilo de que gosto ou com que concordo. Somos todos crescidinhos, vivemos em sociedades conflituais e complicadas, há que aceitar o conflito e a complicação, encaixar os ataques, as opiniões ofensivas, fazer boa cara à indispensável selva que é viver com os outros.
Por isso, quando uma cadeia de supermercados recusa, pela segunda vez, pôr à venda um romance que considera "pornográfico", convém não encolher os ombros. A Casa dos Budas Ditosos (1999) é uma confissão sexual de uma sexagenária, culta e desabrida, e que cultiva um pansexualismo desenfreado. De "tomar nas coxas" até "comer os amigos", o texto é uma festa pagã de "puxa roupa, tira roupa, aperta pau, dá chupão, chupa peito, lambe xoxota". Daí não vem mal ao mundo. O autor, João Ubaldo Ribeiro, Prémio Camões e um dos grandes escritores brasileiros, é surpreendentemente generoso connosco, e a protagonista até diz: "Aliás, fode-se muito bem em Portugal, ao contrário do que eu suponho ser a opinião generalizada. (...) Vi muitas belas bundas em Portugal, que lá não são chamadas de bundas, mas de cu mesmo, que lá nem é palavrão, veja como são as coisas, grande país subestimado. Bundas de homens e mulheres. Toda mulher portuguesa dá a bunda, ou pelo menos dava, para manter a santa virgindade vaginal, como aqui. Hoje, com a entrada na Comunidade Europeia (...) não sei mais como estão as coisas." É destas passagens que vêm os inomináveis perigos de que nos querem de novo proteger, como antes se protegia a santa virgindade?
É uma infantilidade que gera infantilidades. A recusa da venda de um livro por ser considerado pornográfico tem três abordagens possíveis. Há quem se entretenha a discutir se a obra é realmente pornográfica, como se a literatura não estivesse cheia de sexo explícito, e como se a pornografia, de Sade a Houellebecq, não tivesse uma tradição estabelecida. Há quem se dedique a defender o direito dos supermercados em recusarem vender o que bem entendam, como se não houvesse nenhum problema em que um cavalheiro que lida com stocks de iogurte possa decidir os livros que devemos comprar. Escreveu João Ubaldo, quando soube da notícia: "Viva o Povo Brasileiro [outro dos seus romances] ainda está sendo examinado para ver se pode ser vendido na rigorosa rede. Pôde ser adotado duas vezes (o máximo que a lei permite) pelo Ministério da Educação da França como o livro-texto para o Exame de Agregação de língua portuguesa, mas tem que ser examinado por vendedores de supermercado, para ver se é leitura permissível aos portugueses." E ele que até tinha elogiado as nossas bundas.
Há um terceiro modo de ver esta questão, que me parece o mais adequado: discutir se é admissível que não se venda um livro por causa de pichotas e coninhas, coisas que todos mais ou menos vamos tendo, que inundam uma cidade, que caíram na banalidade. Uma loja tem margem de liberdade para escolher aquilo que vende, de acordo com juízos comerciais. Mas quando uma cadeia de estabelecimentos comerciais faz juízos morais sobre obras de ficção, aí já ultrapassámos uma fronteira perigosa, a fronteira que daria também carta branca a um administrador de condomínio ou a uma empresa de telecomunicações para fazerem escolhas sobre a nossa vida.
Se eu quiser comprar A Casa dos Budas Ditosos, não aceito que me respondam que não vendem o livro porque acham que a protagonista é uma badalhoca. Algumas pessoas cujo amor à liberdade é reconhecidamente diminuto enchem a boca com a liberdade de comércio nestas circunstâncias. Mas a liberdade dos comerciantes não se opõe à liberdade das pessoas. Se eu quiser ler um romance lúbrico, escrito por um grande escritor da língua portuguesa, ou pequeno que fosse, tenho todo o direito a isso, e não reconheço a ninguém o direito a fazer juízos morais que me impeçam o acesso a esse romance. Dirão que quem proíbe não causa grande dano, porque há sempre quem permita. Mas pensem: uma pessoa que proíbe deseja que toda a gente proíba. Essa é que é a grande ameaça.»
Pedro Mexia. "A bunda e a ameaça". Público ("P2"): 09.Maio.2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A farinha agradece...

Há dias, foi a frase-bomba de Manuel Pinho a aconselhar um deputado a fazer-se grande com farinha "Maizena". E o produto passou a andar nas bocas do mundo, com reportagens a contar a sua história, com indicações sobre o seu uso culinário, com espantos sobre a capacidade anunciante do ministro. Hoje, a edição do Público dá mais uma achega: página inteira de publicidade sobre a farinha "Maizena".
Não sei há quanto tempo não via um anúncio a este produto. Mas a simultaneidade surpreendeu-me. E lá temos mais um governante a vender uma coisa! Não há como incentivar as marcas e as empresas!... Abençoado! Só é pena que tenha sido da maneira que foi - a menos elegante, a menos própria, a mais demagógica, a menos educada!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Política caseira (11) - Pedro Namora "monarquiza-se" para a Câmara de Setúbal

«Pedro Namora é o candidato monárquico à câmara de Setúbal - O ex-aluno da Casa Pia, Pedro Namora, é o candidato do Partido Popular Monárquico (PPM) à câmara de Setúbal nas eleições autárquicas deste Outono, disse ao PÚBLICO o presidente do partido.
Pedro Namora, que foi militante do PCP no início da juventude, era até há alguns meses director dos Recursos Humanos do município sadino. Mas acabou por sair em conflito com a presidente Dores Meira depois de se ter colocado publicamente ao lado dos trabalhadores num processo de contestação à presidência.Há algumas semanas, o ex-aluno casapiano chegou mesmo a classificar o comportamento de Dores Meira de “prepotente, ditatorial e pidesco” numa conferência de imprensa que realizou à porta dos Paços do Concelho. Namora insurgiu-se contra alguns procedimentos da presidência, que alegadamente mandaria mudar de cargo e local os trabalhadores que criticavam a sua governação, e que queria vigiar, por exemplo, os e-mails dos trabalhadores. Confirmando esta mudança do partido comunista para as hostes monárquicas, Nuno da Câmara Pereira limita-se a afirmar, entre sorrisos, que “são ambos partidos de grandes causas e fortes convicções”.»
Público online
[foto: Pedro Namora, por Miguel Silva, Público]