quinta-feira, 28 de julho de 2011

E que tal de livros?

Rostos (154)

"La Lechera", por Manuel García Linares, em Oviedo (colaboração de Quaresma Rosa)

domingo, 24 de julho de 2011

Memória: Maria Lúcia Lepecki (1940-2011)

Não fui aluno de Maria Lúcia Lepecki, mas fui seu leitor de vários ensaios e artigos. Ouvi-a em diversas situações ligadas à literatura, com o seu jeito singular de dizer e de comentar, transformando a crítica literária numa outra arte. Aproximou a literatura de muita gente através de uma familiaridade no dizer, no apreciar, no contar histórias.
A pessoa que primeiro me chamou a atenção para o valor de Maria Lúcia Lepecki, pelo seu conhecimento profundo da literatura portuguesa e pelo seu espantoso poder de comunicação, foi, no início dos anos 80, Severino Costa, jornalista vianense e pai de Carlos Eurico da Costa. Hoje, ao saber do falecimento de Maria Lúcia, recordei Severino Costa e a ternura com que ele me falou dela.
Para todos, fica a obra e a ponte que Lepecki conseguiu construir em benefício da cultura e da língua portuguesas, um testemunho a não esquecer.

sábado, 16 de julho de 2011

Rostos (153)

Peça escultórica, em Constância, na Casa de Camões

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Dos resultados no exame de Língua Portuguesa de 9º ano

A notícia foi divulgada pela LUSA e constituirá prato forte para serem tecidas mil e uma críticas ao ensino. Pelos meus alunos que participaram nos exames de Língua Portuguesa de 9º ano, estou satisfeito, pois a média dos seus resultados foi bem superior à média nacional deste ano e mesmo à média nacional do ano passado. Os parabéns são para eles, obviamente!
No entanto, devo dizer que, sabendo do que eles são capazes, imaginei, num primeiro momento, que iriam ter resultados ainda mais elevados; todavia, quando vi os critérios de correcção destas provas, fiquei sem saber que resultados apareceriam.
Participei na correcção de exames de Língua Portuguesa de 9º ano e há critérios de correcção que não compreendo e que nunca pratiquei enquanto professor na correcção dos trabalhos dos meus alunos. Duvido mesmo que haja quem os pratique… mas só posso responder por mim.
Exemplos?
A pergunta que pedia um texto expositivo a propósito da estrofe 84 do canto IV d’Os Lusíadas orientava o aluno para sete tópicos que deveriam constar na sua resposta, cotada com 10 pontos. O aluno tinha à sua disposição um espaço entre 70 e 120 palavras para responder, mas ignorava o que lhe podia acontecer se não respondesse aos dois primeiros tópicos – é que, no caso de falhar um desses dois tópicos (por erro ou por omissão), mesmo que os outros cinco estivessem excelentemente apresentados, a resposta era cotada com zero! E houve casos destes. Mais: se o aluno apenas mencionasse esses dois tópicos, tinha apenas dois pontos. E quais eram os tópicos? Indicar o episódio referido na estrofe e identificar o narrador. Repare-se que, pelo menos o primeiro, nem sequer era determinante para o resto da resposta, porquanto o aluno teria de tratar tópicos como os grupos de personagens envolvidos, o momento da acção, a apresentação de um elemento relativo ao espaço, o estado de espírito das personagens e indicar uma semelhança deste episódio com o do Adamastor. Ora, alguns dos tais cinco tópicos serviam perfeitamente para se perceber se o aluno sabia localizar o episódio ou não…
Outro exemplo: na classificação de uma forma verbal que estava no pretérito perfeito, se o aluno esquecesse o acento na palavra “pretérito” era o suficiente para que o tempo verbal fosse considerado incorrecto. Ora, a pergunta pretendia testar o conhecimento dos tempos verbais ou as formas de grafia? Compreendo que a falta do acento pudesse originar um desconto na resposta, mas daí a ser considerada sem pontuação...
A sensação com que fiquei, depois de ser confrontado com estes critérios, é que aquilo que aprendi e aquilo que tenho exercido – bem como muitos colegas – foi contrariado. Isto é: a perspectiva da avaliação dos saberes deve ser por aquilo que o aluno sabe e não por aquilo que o aluno não sabe.
Os critérios de correcção da prova de Língua Portuguesa de 9º ano da 1ª chamada terão, assim, uma parte da responsabilidade nos resultados. Provavelmente, com critérios semelhantes aos que são praticados pelos professores no quotidiano das escolas, muitos dos resultados na margem dos 40 e pouco por cento chegariam aos 50 e pouco por cento… sem que os níveis de exigência e de rigor fossem postos em causa.
Do meu ponto de vista, a prova da 1ª chamada de Língua Portuguesa viu o equilíbrio da sua concepção e orientação posto em causa por alguns dos critérios de correcção apresentados.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Rostos (152)

Pescador, em painel de Azulejo, em Alcácer do Sal, por Rute Soares e Inês Coimbra.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Rostos (151)

"Solidariedade", Monumento aos Bombeiros, de Armando Ferreira (1999), em Alpiarça

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O melhor Moscatel do mundo é o de Setúbal

«O Concurso Muscats du Monde, que se realiza em França, avalia e premeia os melhores vinhos de todo o mundo que são elaborados exclusivamente com a casta “Muscat” e que em Portugal se expressa também no conhecido Moscatel de Setúbal.
Os Vinhos Venâncio da Costa Lima concorrem desde 2008, tendo no ano passado o seu Moscatel sido colocado no Ranking TOP 10 (único vinho português). Este ano, o Moscatel de Setúbal Reserva 2006 arrebatou o primeiro lugar.
A 11.ª edição do Concurso Muscats du Monde realizou-se em Montpellier, contando com 23 países concorrentes que apresentaram um total de 210 vinhos.
Os segundo e terceiro lugares da competição foram ocupados por muscats franceses, o quarto lugar por uma representação brasileira e o quinto pela África do Sul.»
A notícia vem aqui, no DN - Economia.
A criação da Região Demarcada do Moscatel de Setúbal data já de 1907. É de José A. Salvador o texto que segue, elucidativo da importância do Moscatel de Setúbal: "O prestígio deste vinho generoso foi consagrado por Luís XIV, o 'Rei Sol' (1638-1715), que segundo consta não o dispensava nas festas de Versalhes, quando de Setúbal se exportava o sal, a fruta (laranja) e o vinho (...). Em boa verdade, este vinho generoso é o Príncipe dos Moscatéis, graças à sua qualidade ímpar. É um Moscatel único entre os seus pares, pela sua delicadeza e perfume, pela sua subtileza e longevidade, pela sua elegância e modernidade, fruto do terroir moldado pela Serra da Arrábida, pelos rios Tejo e Sado, pelo Oceano Atlântico e pelo saber dos homens e mulheres que no século XXI o vinificam e cuidam das suas vinhas." (in Moscatel de Setúbal - O Príncipe dos Moscatéis. Col. "Guias de Enoturismo". Porto: Edições Afrontamento, 2010).

Aditamento em 13.Julho.2011
Descobri, entretanto, este video no Youtube, alusivo ao Moscatel produzido na Quinta do Anjo pela firma Venâncio da Costa Lima. A única diferença é que ainda não refere o prémio de 2011...

Manel Bola, aliás, Carlos Rodrigues, no teatro da vida

Manel Bola, actor do Teatro Animação de Setúbal (TAS), participante em variadas séries de televisão, setubalense, poeta e bem disposto, tem entrevista publicada na edição de O Setubalense de hoje, conduzida por Teodoro João.

domingo, 10 de julho de 2011

André Brun e o "Sumário de Várias Crónicas"


Dedicado a João Chagas, Sumário de Várias Crónicas (Lisboa: Guimarães & Cª Editores, 1923), de André Brun, é constituído por quatro partes, todas reunindo uma centena de crónicas publicadas nos jornais entre Setembro de 1907 e Março de 1922 – “A Menina dos Meus Olhos”, com 15 textos, dedicada “a minha filha, Dona Aninhas”; “Factos e Momentos”, consagrada “à memória de Paulo Barreto”, coligindo 31 crónicas; “Homens de Letras e Aves de Pena”, dirigido a Gualdino Gomes, reunindo 25 memórias; “Alfaciadas”, oferecido a Alfredo Mesquita, juntando 30 composições.
O que levou André Brun a reunir estes textos em livro di-lo ele no texto introdutório: “pareceu-me curioso ressuscitá-las do natural olvido em que estavam sepultadas, por isso que, à míngua de um valor literário que as recomende à posteridade, me interessam particularmente, ou pelo momento em que foram escritas, ou pelo que nelas pus do meu coração ou do meu espírito ou, ainda, porque fixam uma atitude da minha vida e contribuem assim para desenhar a minha fisionomia moral”. O tempo, os afectos e as atitudes constituem, assim, as três motivações fortes que levaram Brun a esta antologia, três ingredientes que têm muito de pessoal, de tal maneira que, umas linhas adiante, escreverá que as crónicas aqui reunidas constituirão “o primeiro volume das [suas] Memórias”.
Na primeira parte, os textos acompanham a evolução e crescimento de Dona Aninhas, a filha, desde o nascimento, dando conta de cada nova manifestação – quando se sentou, o nascimento do primeiro dente, o reconhecimento da imagem no espelho, a ida ao teatro, a ida ao colégio. Surpreendido pelas diversas manifestações, alguns dos momentos constituem ocasião para uma missiva destinada à herdeira, quase em jeito de ensinamento a legar para a posteridade, como sucede no texto “O Relógio”, de Janeiro de 1916, motivado pelo facto de a criança ter encostado o ouvido ao mostrador: “À medida que fores crescendo, verás que te não pertences. Pertences ao relógio. Ele te dirá a que horas te deves levantar, quando te deves deitar, o momento em que deves comer, o instante em que chegarão as tuas alegrias e aquele em que despontarão as tuas amarguras. (…) Acabarás por te acostumar e deixar-te-ás conduzir, na impossibilidade de te resgatares dessa prisão, dessa galera. Vai-te entretendo com ela agora. Outros dias chegarão em que deixarás parar o teu relógio na doce intenção de o não ouvir, para afinal lhe dares corda, poucos momentos volvidos, ao reconheceres a tua insignificância perante o Tempo, que a todos nós governa.” São crónicas de ternura paternal e de descoberta, onde nem falta uma “Carta das Trincheiras” a explicar à filha o porquê da sua ausência, a participar na Grande Guerra – “Bem vês, ó meu bem, ó minha Aninhas linda, que, sendo eu um soldado, entre os soldados tinha obrigação de estar e na primeira linha”. A explicação poderá não ser suficiente para a criança destinatária, mas fica a promessa de mais coisas serem contadas “um dia, no regresso”.
A Primeira Grande Guerra constitui, de resto, o eixo central das crónicas da segunda parte, seja para elogiar combatentes de Naulila, seja para ir comentando os acontecimentos na Europa – enaltecimento da coragem belga e do rei Alberto, a batalha de Verdun (em que “a fera quebrou os seus melhores dentes contra a mole de aço da resistência francesa”), o sentimento de solidariedade devida pelos portugueses (“Nenhum português tem o direito, seja qual for a latitude política em que se encontra, de se manifestar insensível ao momento que vivemos. (…) Estamos em guerra e estamos todos em guerra. Daqui não há que sair.”), a impressão causada pelo relato de um marinheiro francês participante na defesa de França, tristeza pelo abandono a que o Corpo Expedicionário Português foi votado pelo governo português, sofrimento perante a destruição da catedral de Reims, a alegria perante o desfile dos vencedores em Paris, o sacrifício dos soldados mortos e a sua entrada na memória. Ainda que algumas crónicas tenham data anterior à partida de Brun para a Flandres (em Abril de 1917), elas demonstram o espírito que animou muitos adeptos da participação de Portugal no conflito, designadamente André Brun, apelando para uma consciência do que nessa região europeia acontecia.
A sua obra maior, em termos de memorialismo da sua participação na guerra, publicara-a André Brun em 1918, A Malta das Trincheiras (que já ia na 3ª edição em 1923). Além desta obrigação de partir para a Flandres por ser militar, Brun cumprira também uma promessa feita a seu pai, André Regis Brun, combatente francês em 1870, quando a França perdeu território a favor da Alemanha – se voltasse a guerra, o filho entraria para dar continuidade à desforra desejada pelo progenitor…
A terceira parte do livro contém capítulos memorialísticos e notas de leitura sobre Mercedes Blasco, Teófilo Braga, Bulhão Pato, António Bandeira, D. João da Câmara, Augusto Gil, Fialho de Almeida, Olavo Bilac, Rafael Pinheiro, Henrique Trindade Coelho, Gabriel d’Annunzio, Júlia Lopes de Almeida, Camões, Manuel de Arriaga, Coelho Neto, Paulo Barreto (João do Rio), José Queirós, Mário Pederneiras, João Chagas, Campos Monteiro, Eduardo Schwalbach, José Duro, Augusto de Castro, Eugénio Vieira, Chagas Franco (a propósito de um romance relacionado com a Grande Guerra) e Henri Bataille. Por estas crónicas passa a leitura atenta e sensível, a apreciação fundada, o testemunho de momentos únicos e o cruzamento da cultura portuguesa com o Brasil.
Na quarta parte, surgem as crónicas sobre costumes, sobre a Lisboa de bairro, de onde não estão ausentes as festas, os dizeres, a graça, a ironia, podendo o leitor de hoje encontrar ali motivo de boa gargalhada, quer pela forma de dizer, quer pela parecença com situações que ainda hoje vivemos.
Esta obra de André Brun faz jus àquela verdade que sobre si mesmo escreveu quando, um dia, alguém lhe observou que ele andava sempre sorridente e bem disposto: “A vida não me poupa e o meu quinhão de aborrecimentos não é menor que o dos outros. Porém, em vez de o contar ou comentar de lágrima na voz e rancor na boca, relato-o ou analiso-o com o sorriso nos lábios e a serenidade no coração.” (in Os Meus Domingos). Além desta razão, a visita a este livro justifica-se pela qualidade dos textos, pela abertura com o leitor, pelo estilo praticado, pelo tom de mestre que Brun reflecte na estrutura das crónicas.

sábado, 9 de julho de 2011

Rostos (150)

"O Senhor Poeta" (Fernando Pessoa), de Francisco Simões, na Póvoa de Varzim

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pintar a paisagem

"O paisagista pinta tranquilo porque a paisagem à sua frente não pode vir para ao pé dele a ver se saiu parecida no quadro."
Ramón Gómez de la Serna. Greguerías. Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.

Pintor na Batalha (Junho.2011)

Pintor no Jardim do Príncipe Real, em Lisboa (Maio.2011)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Rostos (149)

Monumento a D. Sancho I, de Moisés Preto Paulo, em Sesimbra

Vender países a preço de saldo

Cada notícia que chega dos "ratings" e das respectivas agências é pior do que a anterior. Com tantas interpretações que por aí tem havido, de políticos incluídos, porque tem tardado uma agência congénere de índole europeia? Estamos ou não perante uma afronta à moeda que é o euro? Estaremos ou não a assistir à venda dos países a retalho?
Todos estes indicadores são cada vez mais virtuais, para nada contando as pessoas, independentemente de quantas compõem um país, uma história, uma identidade, um contributo para a sociedade ocidental. De tanta insistência pode ser que as ditas agências venham a ser descredibilizadas!... De tão perspicazes que são, não conseguiram prever a catástrofe que surgiu a partir dos Estados Unidos há uns anos atrás, quando a crise se assumiu... e, agora, resolvem transformar em "lixo" países, sociedades, pessoas! É o poder da economia ou é a estupidez?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

António Manuel Couto Viana - "Tens Visto o Antão? (Contos Pícaros e Outros Não)"

O primeiro livro póstumo de António Manuel Couto Viana não foi de poesia, mas de contos, arte e escrita a que se dedicou com afinco no último período da sua vida, tendo publicado três títulos que lhe granjearam elogios merecidos, além de terem constituído surpresa na sua ficha bibliográfica, sobretudo ocupada com poesia, teatro e memorialismo.
Tens Visto o Antão? – Contos Pícaros e Outros Não (Lisboa: Quetzal Editores, 2011), em edição preparada por Ricardo de Saavedra, prossegue a narrativa picaresca com que Couto Viana tinha brindado os seus leitores, enredada em dezena e meia de histórias de onde não estão ausentes a paródia de costumes, o retrato impiedoso das situações mais caricatas de uma determinada sociedade, a montra das fraquezas e das pequenas vaidades humanas.
Os narradores dos vários contos vão variando no nome e na sua caracterização, mas conservam sempre algo de uma memória que lhes é comum, construída nas vivências da “cidadezinha” que o leitor desde cedo percebe ser Viana do Castelo, terra de infância e raiz do próprio Couto Viana.
As histórias deste livro partem das memórias distantes do seu autor, cruzadas com o fazer narrativo, com a obra de arte, havendo lembranças de sítios, de pessoas, de hábitos e costumes, de saberes, da paisagem, sendo ainda possível ver tratados assuntos de todos os tempos, como a questão da identidade (em “Onde, o Natal?”) ou um elogio à paternidade (como em “Pai Incógnito”).
O leitor chega ao final de cada conto e tem vontade de sorrir, tais são o espírito certeiro com que as personagens são esculpidas ou a vivacidade posta na narração de situações caricatas que todos podemos facilmente imaginar por verosímeis. Mas o primeiro a usufruir desse prazer é o próprio narrador, como o demonstra no final da história de Elisete Fernandes, personagem do conto que fecha o livro e que lhe dá título: “Eu arrebatei a papelada, atirei para a mesa as moedas do café e do bagaço e corri para a esplanada, a soltar uma gargalhada colossal!”
Fim da história, conclusão do livro e a gargalhada da satisfação, depois de uma representação em que, pelo menos, outras tantas personagens quantos os contos desfilaram, mostrando-se e… talvez mostrando-nos.
Para mim, que conheci António Manuel Couto Viana e de quem ouvi a leitura de alguns dos contos aqui inseridos, acabadinhos de fazer (privilégio, eu sei), torna-se difícil ler estes contos sem ver passar a figura do seu autor, gargalhando e revivendo as histórias que estiveram na origem destes textos, ainda que ele se tenha disfarçado na escrita usando a personagem de outros tantos narradores.

Rostos (148) - Eça de Queirós




Eça de Queirós, em painel de azulejos de Nando (Fernando da Silva Gonçalves),
na Póvoa de Varzim

terça-feira, 5 de julho de 2011

A "História dos Comboios" contada por Agostinho da Silva

No início da década de 1940, Agostinho da Silva era editor e autor da colecção designada “À Volta do Mundo”, que tinha por segunda indicação “Textos para a Juventude”, deixando antever que o propósito de tal série, em cadernos de cerca de três dezenas de páginas, era alimentar a curiosidade e o saber juvenil, trazendo à mistura a ciência, as descobertas, a história, etc.
De 1943 é uma História dos Comboios, que surpreende o leitor logo no início, falando-lhe da exploração mineira – “Sabes talvez que, já desde tempos muito antigos, a Inglaterra extraía carvão de pedra das suas minas e o utilizava no consumo interno ou o exportava para o exterior; havia muita gente empregada na exploração e é do que há de mais horrível na história do trabalho humano a vida de pobres crianças de 4 e 5 anos que estavam 14 horas na mina conduzindo os cavalos que puxavam as vagonetas do carvão ou abrindo e fechando as portas que isolavam as secções da galeria.” A forma de tratamento por “tu”, como se de uma palestra ou conversa se tratasse, e a invocação de um momento histórico em que as personagens são crianças de uma sociedade em que se conjugam a miséria e a dureza no trabalho, para impressionar o seu leitor e o chamar para a dificuldade do mundo real, são ingredientes que prendem o leitor (ou o ouvinte), que despertam a proximidade, a curiosidade e a emoção. Da vida dos mineiros falará Agostinho da Silva nos parágrafos seguintes, chamando a atenção para a dificuldade de transporte dos materiais no subsolo, razão para o invento do transporte sobre carris.
O leitor descobre depois que foram inventados os carris, que assentaram sobre madeira, primeiro, e sobre pedra, depois, e que, só duas décadas após o invento dos carris, se chegou a uma forma que protegesse contra os descarrilamentos. Paralelamente, vamos seguindo a evolução da máquina a vapor desde Watt, passando por Robinson, Cugnot, Evans, Trewithick e Vivian, que foram adaptando o engenho mecânico ao antepassado do automóvel ou do comboio, até se chegar a Stephenson, construtor de uma locomotiva que “rebocava trinta toneladas, a uma velocidade de quase sete quilómetros” por hora, por meados da década de 1810.
Agostinho da Silva vai mostrando que os inventos e a técnica vão evoluindo e que as máquinas não surgiram de repente com a perfeição com que as conhecemos – a título de exemplo, a locomotiva “Foguete” (“The Rocket”), de Stephenson, pesando 4500 quilos e rebocando um comboio de 13 toneladas a 30 quilómetros à hora só surgiu por 1829. A lentidão dos progressos, sendo estes fruto do trabalho e do investimento, é marca que o jovem leitor vai assimilando, também não ficando de fora um olhar sobre as mentalidades e sobre o espanto e temores que tais máquinas causaram nas pessoas, fosse pela desconfiança perante a novidade, fosse pela adaptação necessária a novas formas de viver, fosse mesmo por razões económicas. Para lá da necessidade de cultivar o saber, destes escritos de Agostinho da Silva não está ausente a preocupação cívica e a formação humanista, pois, mesmo numa história do comboio, há uma veiculação de valores como a paz ou o relacionamento entre os povos – “Os primeiros construtores de caminhos de ferro tinham uma fé imensa nas possibilidades deste meio de locomoção e só assim lhes foi possível vencer as dificuldades técnicas e as que lhe opôs o ambiente; achavam que a causa era de uma importância essencial para a humanidade e por ela se bateram com uma inteligência e uma tenacidade admiráveis; um dos pontos que mais os entusiasmava era o pensarem que os comboios, pelas relações fáceis que estabeleceriam entre os homens de vários países, poderiam ser um meio de assegurar a paz universal que sempre desejaram os espíritos generosos”. E, depois de uma tal defesa, Agostinho da Silva não esquece o seu tom crítico relativamente ao andamento do mundo, rematando: “enganavam-se, claro, porque os motivos da guerra não vêm propriamente da falta de relações entre os homens: como te hei-de explicar um dia, são sobretudo causas económicas que provocam as lutas armadas”. E o leitor de hoje não esquecerá que se estava, nesta altura, a desenrolar a segunda guerra mundial…
O livro termina com datas e algumas curiosidades sobre o início dos caminhos de ferro em diversas nações, concluindo o historial com nota sobre a situação em Portugal, desde que, em 1844, foi projectada uma linha da margem do Tejo até à fronteira, passando pela inauguração do troço entre Lisboa e Carregado em 1856, chegando a 1943 com 3500 quilómetros de linha férrea. Escrita acessível, informada, despertadora da curiosidade, defendendo valores humanistas, alicerçada na história e no poder da inteligência e da criatividade humanas, esta História dos Comboios é marca de um tempo e de uma certa forma de educar (para) a sociedade, sob a intensidade de um poder de comunicação espantoso entre o autor (ou o narrador?) e os seus leitores (ou os ouvintes?), num ambiente quase familiar em que a vontade de divulgar despertava a vontade de saber…

"O fim das humanidades e o início da crise humanitária", de Inês Silva

"O fim das humanidades e o início da crise humanitária" é o título de um artigo de opinião, assinado por Inês Silva, docente na Escola Superior de Educação de Santarém, publicado no Correio da Educação, que põe o dedo na ferida dos tempos que correm. Provavelmente, muitos leitores assinariam o teor deste artigo... tanta é a verdade que nele jorra, infelizmente para os tempos de hoje!
O texto pode ser lido na íntegra se vier até aqui.

«(...) A que se deve este desinvestimento e este desinteresse (quase repúdio) pelas humanidades?
Em primeiro lugar, pelas várias ideias estereotipadas que se foram criando (e confirmando, de certa forma) de que as humanidades, por si só, não dão emprego a ninguém. Em segundo lugar, pelo sentimento de «perda de tempo» no trabalho gasto com um romance, um ensaio, uma antologia de poemas, um achado arqueológico, um facto linguístico, uma forma diferente de ver o mundo. Finalmente, pelo enorme prestígio social que certas profissões hoje em dia têm, como a de médico (porque escasseiam) ou a de gestor de uma multinacional (porque ganham muito), que contrastam, e bastante, com a de historiador ou a de professor, por exemplo. (...)
Postas as humanidades nas prateleiras das bibliotecas mais antigas, dá-se o início inevitável de uma crise humanitária. Sem a leitura, sem a reflexão, sem o pensamento associado ao que fomos, para onde vamos, quem somos, o que queremos, o que é a paz, a guerra, o amor, a vontade, a esperança… transformamo-nos em autómatos. Isto é, desprezando o conhecimento histórico, filosófico, literário, social, o homem deixa de ser criativo, deixa de ser empreendedor, deixa de querer ser independente do Estado, deixa de ser solidário, deixa de conhecer o mundo onde vive, deixa de pensar, deixa de ser competente a ler o que os outros escrevem, a ouvir o que os outros lhe dizem, a escrever as suas opiniões…
Deixa de se amar a si, deixa de amar os outros… deixa de ser homem.»
Inês Silva. Correio da Educação: nº 382, 30.Jun.2011