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quarta-feira, 27 de maio de 2020

E, de repente... pensar o futuro



E, de repente... ela abateu-se sobre nós. Num tempo em que todos acreditávamos que estaríamos defendidos de pestes, eis que, vinda do lado nascente, sem se anunciar, paulatinamente, ela surgiu, a pandemia, criando desequilíbrios, morte, apreensão, mudanças. Arrastados, transformámos o nosso estar, o nosso olhar, o nosso sentir, a nossa linguagem. E agarrámo-nos ao sonho de que “tudo vai ficar bem”. Mas, no fundo, o medo acompanha-nos. Isso, o medo. É novidade para nós mas não para a Humanidade, que já conhece narrações como a de Boccaccio (em Florença) ou a de Camus (em Oran)...
Há uns anos, noutra crise, essa de cariz económico, Rui Zink escreveu um texto notável sobre o nosso sentir, A instalação do medo (Teodolito, 2012), referindo: “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.” É este medo que nos leva a idealizar que, no futuro, “tudo vai ficar bem”. Assim como quem diz que, por agora, não sabemos o que pode acontecer. Assim como quem diz que esse sonho aniquila o presente sofrido, angustiado. Assim como também escreveu Afonso Cruz nesse romance curioso intitulado Jesus Cristo bebia cerveja (2012): “Conhecer o futuro dá cabo do presente.” Contudo, conseguimos equilibrar a dose de angústia e de curiosidade, de realização e de idealização, neste oscilar entre tempos, através de algumas saídas que preenchem o nosso quotidiano, pois, “embora nos pese toda a indefinição ou os maus prognósticos, conservamos em relação ao futuro uma expectativa que nunca é completamente fechada. Quem sabe? – insistimos nós.” Quem isto escreveu foi José Tolentino Mendonça numa crónica depois reunida no livro Que coisa são as nuvens (Expresso, 2015). O “quem sabe?” é a frincha por onde almejamos que o futuro seja a realidade que agora imaginamos, pelo menos um esgar dessa imaginação...
Daí que, verdade lapaliciana, vale a pena acreditar no futuro. Sobretudo porque sabemos que este presente a que nos habituámos e que temos continuamente feito tem tido muito do que o futuro vai ter e tem tido falta de coisas que o futuro vai trazer. As primeiríssimas questões estarão relacionadas com um diferente olhar sobre nós e sobre o outro e sobre a maneira como nos integramos no mundo e o transformamos. E estas serão questões de vida, que permitirão transformar o conflito em coisas positivas. Como pôs Baptista-Bastos, em As bicicletas em Setembro (2007), “todos os dias constituem o abismo quotidiano do futuro.”
O presente, que todos estamos a entender como um tempo de aprendizagem e desafio nunca experimentado (porque nunca passámos por isto, apesar de os nossos antepassados já o terem sofrido), tem de nos dar pistas para o que há a vir. Somos importantes, muito importantes, num espaço partilhado que nos permite sentir, respirar, trabalhar, viver... a nossa “casa comum”, como tão bem o definiu o Papa Francisco. Se há lição para o futuro é a deste questionar que nos temos de fazer quanto ao nosso contributo para o destino desta “casa” que é o espaço da Humanidade, mesmo que isso tenha de passar por uma outra visão do que seja o nosso “bem-estar”, absolutamente necessário, mas diferente, outro. Um futuro consentâneo connosco. E seja-me permitido usar o humor de António Manuel Ribeiro, o músico que, em Todas as faces de um rosto (2002), escreveu, a propósito das intenções para o devir e por causa de uma situação totalmente diversa: “Meu Deus, porque me hão de perguntar, no fim de cada entrevista, quais os meus planos para o futuro? Haverá, porventura, planos para o passado? E se o novo disco saiu agora que me interessa planear já outro futuro? Que cartilha é esta onde todos foram beber a arte de entrevistar? Planos para o futuro? Olhe, continuar a respirar, mudar as cordas da guitarra e brincar com o meu cão. Chega?”
Simples? Não, complexo. Mas o desafio passa por esta selecção sobre o que é essencial para que o humano o seja.
* Magazine Synapsis: nº 14, Primavera.2020, pp. 30-31.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Para a agenda: "Fuga" em Setúbal - entre o TAS e Rui Zink



A estreia é hoje, pelas 21h30, no Teatro de Bolso de Setúbal. O TAS (Teatro Animação de Setúbal) inaugura a produção Fuga, de Rui Zink, com encenação de Carlos Curto e as interpretações de Célia David, Duarte Victor, Miguel Assis, Sónia Martins, Susana Brito e André Moniz. Haverá ainda sessões em 25, 26 e 27 de Março, iniciativa com que o TAS se associa ao Dia Mundial do Teatro. Para a agenda!

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Para a agenda: Rui Zink em Setúbal



A programação "Muito cá de casa", levada a cabo pelo José Teófilo Duarte, inicia o ano na Casa da Cultura com a presença de Rui Zink, professor, escritor, pensador e leitor do mundo. Dia 3, pelas 22h00. Para a agenda!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Máximas em mínimas (100) - Rui Zink


Depois de ler A instalação do medo, de Rui Zink (Lisboa: Teodolito, 2012), alguns sublinhados, mesmo porque se prende com uma desconstrução (mais ou menos parodística) do que tem sido o discurso político que nos tem embalado (ou que nos tem sido inoculado), apresentadas por ordem alfabética do tema.

Crise – “A ‘crise’ é sempre ‘económica’. As ‘reformas’ são sempre ‘estruturais’. O ‘futuro’ é sempre ‘melhor’. Ou ‘para os nossos filhos’. As ‘medidas’ são sempre ‘necessárias’. Se não fossem necessárias não seriam medidas. Não há alternativa. (…) Os outros fazem política. Nós não fazemos política. A nossa política é a virtude. A nossa política é o trabalho. A nossa política é o medo.”
Espectáculo – “Todo o espectáculo, por melhor que seja, tem um prazo de validade e não devemos fatigar o auditório com encores. O artista que sai de cena deixando a plateia a implorar só mais uma, só mais uma é sensato, ao contrário do que se deixa levar pela ilusão do aplauso e acaba a saturar os ouvidos das pessoas que, minutos antes, pareciam enlouquecidas pelo desejo.”
Ignorância – “A ignorância por vezes pode ser uma excelente camada protectora.”
Medo – “Um dos muitos efeitos do medo é deixarmos de controlar os intestinos, é por aí que o medo primeiro nos apanha.”
Mundo (em mudança) – “O mundo mudou e as pessoas não percebem isso. Já não há pessoas nem há mundo e as pessoas (talvez por já não existirem) não percebem isso. E quem tentar compreender o mundo é idiota. Qual o sentido de tentar entender uma coisa que já não existe? O mundo mudou. Mas como pode o mundo mudar se as pessoas não mudam? Ou como pode o mundo mudar se as pessoas não o sentem? O certo é que factos são factos e contra factos não há mundo ou pessoas que resistam.”

Suplício – “Até o mais breve dos suplícios dura uma eternidade.”

domingo, 2 de outubro de 2011

Verdades de Rui Zink

A propósito da publicação do seu mais recente romance, O amante é sempre o último a saber, Rui Zink é entrevistado na edição deste mês de Os Meus Livros (Antanhol: CELivrarias, nº 103), em conversa conduzida por João Morales. É daí que reproduzo os seguintes excertos:
Espaço Virtual e Misticismo – “Quantas pessoas há na igreja e quantas estão online? Outro inquietante sinal dos tempos: começo a ver mais taxistas ao telemóvel do que com emblemas do Benfica.”
Vida e Realidade Virtual – “Cada vez mais, cabeças e corações vão estar mais separados do corpo, como não se via desde a corte de Henrique VIII. O lado bom é que o índice de doenças venéreas vai diminuir entre os jovens. O lado mau é que os vírus de computador vão passar a provocar herpes.”
Futuro – “Somos uma espécie tramada. Pelo menos os homens, que são quem mais tem mandado nisto tudo. Pessoalmente, acho que não somos bons para ninguém excepto quando estamos a ler um livro. E mesmo assim, depende do livro. Por alguma razão hoje quem mais lê são as mulheres. Benditas mulheres. Deus existe? Sim, mas existiria ainda mais se fosse no feminino. Não seria tão bom podermos dizer que, mais do que amor, Deus é amora?”
Ironia e Humor – “Acho apenas que há muito pouca coisa verdadeiramente grave, e devemos guardar os nós na garganta para essas ocasiões. Entre outras coisas, o humor é uma força moral, no triplo sentido da palavra: traduz uma ética, dá ânimo, desmascara hipocrisias. Mais económico e mais limpo não há.”

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Uma noite com Luiz Pacheco

São cerca de três dezenas os textos que compõem Raio de luar (Lisboa: Oficina do Livro, 2003), conjunto de “artigalhada” produzida para jornais, em que revemos Luiz Pacheco na sua força e na sua coerência, apetecendo dizer com Rui Zink (que prefacia o livro): “Já fiz mais-valia com a leitura de Luiz Pacheco. Tradução: já ganhei muito com a sua leitura. E garanto que, nestes tempos cinzentos, não é coisa pouca, encontrar livros que nos dêem mais-valia.”
Pelas páginas de Raio de luar perpassam memórias e olhares sobre o mundo e sobre a cultura portuguesa, ao mesmo tempo que vai ficando um rasto autobiográfico assumido. Pacheco escreve sobre os outros para também falar de si. A variedade temática é grande, ocupando destacado e principal lugar a literatura, seja pelos nomes que são invocados, seja pelos assuntos trazidos (censura e liberdade, epistolografia, movimentos, vida editorial), seja pelas leituras que vão sendo acusadas.
A ironia e o riso surpreendem em muitas ocasiões, numa escrita que acompanha o gesto do próprio “escriba” – “onde o destempero das duas manas me deu enorme vontade de rir, foi quando a Clarinha revelou que tem medo do futuro. Medo de ficar sem emprego. É boa!” Mas também a pedagogia entra neste conjunto de textos, haja em vista a história de uma consulta no hospital de S. José, contada em “Granito? Não, obrigado”, que bem poderia constituir um texto de importância para o atendimento hospitalar… ainda que conclua com a promessa de, numa próxima consulta, transportar “uma moca tipo riomaior”…
Embora falando preferencialmente do que vê e lê, não esquece também as pequenas histórias do que viveu, em muitas ocasiões deixando que o eu se exponha – pelos sítios que frequenta (entre Palmela, no lar, e Setúbal, nas livrarias e na Biblioteca, por exemplo), pelo ambiente do seu quotidiano (o olhar sobre os companheiros de residência), pelas considerações quanto ao que lhe falta (“em Palmela, há um castelo, mas livrarias, que é delas?”, “Setúbal, cidade sob vários aspectos periférica em termos culturais”), pelas identificações (“o que mais me encanta neste livro é a alegria que ali julgo surpreender no acto da escrita”, dirá a propósito de O manto, de Agustina), pelas memórias agradáveis guardadas de alguns professores (Câmara Reys, que lhe indicou leituras, Vitorino Nemésio, o “labioso volúvel” que apreciava, ou António Gedeão, aliás Rómulo de Carvalho, verdadeiro “exemplo do humano”), pelo recuo até à infância alentejana (a propósito de uns poemas de Manuel Alegre), pelos “fait-divers” (como a sua entrada no filme Conversa acabada), pelo seu gosto e orgulho enquanto editor (“se há coisa que me encha de cagança é essa minha actividade de Editor, a qual excede de longe a de Autor e lanço daqui mesmo um desafio: não pode haver em Portugal nenhuma bibliotecazinha decente que não tenha lá um livro editado por mim – poesia ou teatro, cinema, ficção, ensaio”) e pela sua exposição do que considera ser um “escritor maldito” (título com que o cognominaram) em texto que encerra o livro.
Raio de luar lê-se de seguida, que o difícil é parar. E por essa escrita vai passando o tom oralizante de Pacheco, quase como se numa conversa estivéssemos… mas apenas ouvindo-o. Lendo-o, aliás.