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sábado, 26 de janeiro de 2013

Ramalho Eanes: entre o consenso, a indignação e a esperança


Uma entrevista de saber, de ponderação, de responsabilidade. Uma análise que não cala nem omite. Ramalho Eanes em entrevista com Cristina Figueiredo, José Pedro Castanheira e Ricardo Costa, no Expresso de hoje, em duas páginas. A ler. Deixo alguns destaques.

Consenso e futuro – «Na prática, os partidos têm privilegiado as áreas de divergência, de combate e diferenciação, esquecendo as outras. Um país que carece de alterações profundas deve procurar, em determinadas questões essenciais, a concertação e o consenso. E a partir daí estabelecer os seus próprios planos de reforma – o que é completamente diferente de ter de efectuar apressadamente as reformas impostas. Além disso, a interacção dos partidos com a sociedade civil tem sido incorrecta – mas isso também é da responsabilidade da sociedade civil. (…)»

Percursos – «(…) A Expo98 foi um sucesso. Mas seria necessário gastar o que se gastou? Duvido! E os estádios de futebol – para quê? E há aquilo que se devia ter feito e não fez: a ligação de Sines a Espanha e, possivelmente, do Porto à Galiza. (…)»

Reformar o país – «(…) Nunca se faz uma reforma contra os indivíduos que vão dar-lhe realização E nunca se faz uma reforma contra o país. Só se faz uma reforma utilizando um método capaz. (…) Quando o estudo é feito por um grupo que a sociedade civil reconhece e que tem competência e isenção, criam-se condições imediatas de aceitação e de discussão. (…) Não percebo que esse montante [de 4 mil milhões] ou até outro se procure através de uma reforma feita em dois meses. O estudo de uma reforma destas não demora dois meses, nem um ano – demora mais. (…)»

Cortes, desemprego e futuro – «(…) Até podem cortar ainda mais, mas mostrem-me que esses cortes têm resultados positivos. Primeiro, assegurem-me que não haverá ninguém com fome. (…) Segundo, não posso admitir que se olhe para o desemprego como se fosse uma realidade abstracta. O desemprego são desempregados! E um desempregado, sobretudo de longa duração, é um homem que, pouco a pouco, perde a sua autodignidade, perde respeito por si e pelos outros. Num jovem é muito pior: sente que lhe estão a roubar o futuro. E daqui resulta ou a desistência, a passividade, ou a evasão perversa, ou a revolta. Em muitos países as grandes revoltas foram feitas pela juventude, que não aceita que lhe roubem o futuro! (…) A pátria não é a entidade pela qual valerá a pena morrer, mas pela qual vale a pena viver – pelos filhos, pelos netos, nossos e dos outros. (…)»

sábado, 2 de outubro de 2010

Preocupações da República

Ao entrar a semana do centenário da implantação da República, não é de admirar o destaque que a efeméride merece nas publicações periódicas. Destaco a revista Visão (nº 917, de 30.Set.2010) por trazer como encarte o facsímile de A Capital, de 5 de Outubro de 1910, e, sobretudo, por reunir os depoimentos de quatro nomes que chegaram ao lugar de Presidente da República – Cavaco Silva, Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes – sob o título de “Os novos desafios da República”. Falando todos eles de coisas diferentes, assumem essa diversidade como o conjunto das preocupações actuais da República (que somos nós), num exercício de pensamento que nos deve servir de convite. Reproduzo excertos dos quatro testemunhos.
Aníbal Cavaco Silva – “(…) Entre os múltiplos desafios que se deparam às repúblicas contemporâneas poder-se-ão destacar os seguintes: Sustentabilidade ambiental – (…) Ainda não encontrámos a fórmula harmoniosa susceptível de, em simultâneo, preservar um ambiente saudável e garantir níveis de desenvolvimento capazes de satisfazer as expectativas materiais dos cidadãos. (…) Sustentabilidade energética – (…) Ou exigimos que todos se situem no mesmo nível de desenvolvimento (…) ou mantemos uma situação que, a breve trecho, colocará em risco as economias do Ocidente e o modelo social de redistribuição da riqueza que só um elevado crescimento económico permite. (…) A dependência energética não é apenas uma questão ecológica, mas também geoestratégica. Dela depende a sustentabilidade do planeta, desde logo, mas igualmente a viabilidade do modelo político, económico e social da Europa. Sustentabilidade social entre gerações – (…) Deve existir uma maior justiça social entre gerações, de modo a que os mais jovens não sejam lesados nas suas expectativas legítimas, os adultos de meia-idade não tenham de suportar encargos desproporcionados e os idosos não sejam alvo de exclusão ou de discriminação. (…)”
Jorge Sampaio – “(…) Ao Estado pede-se que reveja e corrija as causas da rigidez do mercado de trabalho, da lentidão da justiça, das regras vigentes da concorrência, da morosidade da administração pública, da desadequação da formação profissional, enfim, de todos os obstáculos ao investimento e à concorrência. Ao Estado pede-se lucidez em relação ao presente e visão de longo prazo. Lucidez na procura de sucedâneos para a impossível desvalorização que permitam, afinal, embaratecer os nossos produtos ou torná-los atractivos no mercado mundial; visão de longo prazo para que prossiga as reformas entretanto encetadas, que permitirão acelerar no país a revolução pós-industrial no contexto do seu papel de regulador estratégico. (…) Seremos capazes de ultrapassar as dificuldades. Para que isso aconteça, precisamos dos valores progressistas e democráticos da República. E necessitamos de vontade e capacidade de mobilizar os Portugueses, que são o fundamento da República. (…)”
Mário Soares – “(…) Estamos a viver uma crise global, que não sabemos até onde irá e como dela sair. Economistas da nossa praça, todos os dias, procuram convencer os nossos compatriotas que Portugal é um país em decadência, sem remédio. Não partilho esse derrotismo, que contagia alguns dos nossos compatriotas. Uma das ideias-força da I República foi restituir-nos o orgulho de sermos portugueses e sabermos enfrentar, com coragem e bom senso, os desafios que temos de vencer. (…) Precisamos de ter confiança em nós próprios e de ter coragem de vencer as dificuldades, tal como são. Sem pessimismo, nem optimismo: com determinação. (…)”
Ramalho Eanes – “(…) Para que a situação não venha a dar razão aos pessimistas, para que respondamos à nossa responsabilidade social inabdicável, para que invertamos a decadência em que o país escorrega, necessário será: que à Sociedade Civil portuguesa seja dita a verdade, toda a verdade, sobre a situação actual e suas consequências, não só previsíveis mas próximas já; que não caiamos na endémica tentação de encontrar um bode expiatório, que nos afaste da responsabilidade conjunta – Sociedade Civil e poder político – de responder, com coragem, com competente trabalho, com austero consenso, com preocupado aforro, à crise, pois, perante ela, não há inocentes (…). Indispensável, também, é, subsequentemente, estabelecer a arquitectura de um grande propósito colectivo possível e mobilizante, e estabelecer as estratégias para o alcançar, definir os métodos, instrumentos e meios para as realizar, e apresentar os mecanismos, do Estado e da Sociedade Civil, para controlar a eficácia da sua execução. (…) Difícil é o desafio, mas grandes são, também, agora, as oportunidades de nos reencontrarmos com a verdade do que realmente somos, do que é o país. (…)”

sábado, 14 de fevereiro de 2009

No "Correio de Setúbal", ontem

Diário da Auto-Estima – 94
Onde está? – Desde o início do ano que ando à procura do Correio de Setúbal. É sabido: teve a interrupção natalícia e retomou a saída com novo formato e distribuição gratuita. E onde está? Dizem-me que no sítio tal e também no sítio xis. Mas um e outro são distantes. Mas não está onde sempre esteve – na loja onde me dirijo há anos para comprar jornais ou revistas e onde adquiria o Correio de Setúbal. Questão de hábitos, eu sei. Mas tenho que os mudar? Entretanto, vou ouvindo lamentos de outros leitores com vícios semelhantes… Espero, pois, que o jornal regresse aos sítios habituais. Por compromisso com os leitores, independentemente de ser pago ou de ser oferecido.
Escola – Triste, cada vez mais triste, vai sendo o ambiente dentro das escolas. Onde havia relações profissionais com considerável dose de familiaridade e de partilha há agora afastamentos e individualismos. Foi isto que se produziu. Até ao momento, ainda não vi que da transformação adviessem melhorias para o sistema educativo ou, para ser mais claro, para os alunos. A responsabilidade não pode ser apenas do neo-liberalismo, que ninguém conhece. Nem da crise, que veio depois. Nem da globalização, que é boa ou má consoante o que queiramos.
Política – Cada vez mais discutida na praça pública. Desinteressante. Com muita gente a dizer que não vai participar nos actos eleitorais. Também triste. E duas notas: as promessas governamentais à classe média (fantástico, não é?) e Ramalho Eanes a chamar a atenção para o facto de as campanhas eleitorais terem de deixar a folclorice. E uma outra: localmente reproduz-se, com frequência, o modelo nacional. Não porque seja bom, mas pelo folclore.
Palavras – “Hoje em dia, toda a gente evita chamar as coisas pelos nomes: um cego é um invisual, um animador de televisão um artista, os mortos em breve serão não-vivos.” (Philippe Claudel, Desisto, 2006, em tradução portuguesa de 2009). Poderíamos acrescentar a expressão “politicamente correcto”, que serve para impedir o murro que por vezes apetece dar na mesa.
Adenda: Já depois de escrita a crónica, fui informado de que poderia ler o Correio de Setúbal, assim como os outros títulos do grupo (Sem Mais Jornal e Jornal Concelho de Palmela), na net, em pdf. Basta clicar para aqui.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Baptista-Bastos, Sebastião da Gama, Ramalho Eanes e a ética

Sob o título "O argumento da honra", Baptista-Bastos escreve no Diário de Notícias de hoje:
«A ética republicana iluminava as virtudes do carácter e a grandeza dos princípios. As revoluções, idealmente, não são, apenas, alterações económicas e substituições de regimes. Transportam a ideia feliz de modificar as mentalidades. Essa mistura de sonho e ingenuidade nunca se resolveu. A esperança no nascimento do "homem novo" não é exclusiva dos bolcheviques. O homem das revoluções jamais abandonou o ideal de alterar o curso da História e de modelar os seus semelhantes à imagem estremecida das suas aspirações.
É uma ambição desmedida? Melhor do que ninguém, respondeu Sebastião da Gama: "Pelo sonho é que vamos/comovidos e mudos./Chegamos? Não chegamos?/Partimos. Vamos. Somos." A ética republicana combatia a sociedade do dinheiro, da superstição religiosa, da submissão, e pedia aos cidadãos que fossem instrumentos de liberdade. As "raízes vivas", de que falou Basílio Teles.
Fomos perdendo, sem sobressalto nem indignação, a matriz ética da República. De vez em quando, releio as páginas que narram os desassossegados dezasseis anos que durou o novo regime, obstinadamente defendido por muitos a quem se impunha a consciência do compromisso. Esses, entre o aplauso e o assobio, percorreram o caminho que vai do silêncio à perseguição, do exílio ao assassínio político. Morreram pobres. São os heróis de uma história que se dissipou, porque o fascismo impediu nos fosse contada, nas exactas dimensões das suas luzes e das suas sombras.
Relembrei estes episódios ao tomar conhecimento, pelo semanário Sol, de que Ramalho Eanes prescindira dos retroactivos a que tinha direito, relativos à reforma como general, nunca por ele recebidos. A importância ascende a um milhão e trezentos mil euros. É um assunto cujos contornos conformam uma pequena vindicta política. Em 1984, foi criada uma lei "impedindo que o vencimento de um presidente da República fosse acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência que aufiram do Estado." O chefe do Governo era Soares; o chefe do Estado, Ramalho Eanes, que, naturalmente, promulgou a lei.
O absurdo era escandaloso. Qualquer outro funcionário poderia somar reformas. Menos Eanes. Catorze anos depois, a discrepância foi corrigida. Propuseram ao ex-presidente o recebimento dos retroactivos. Recusou. Eu não esperaria outra coisa deste homem, cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum. Ele reabilita a tradição de integridade de que, geralmente, a I República foi exemplo. Num país onde certas pensões de reforma são pornográficas, e os vencimentos de gestores" atingem o grau da afronta; onde súbitos enriquecimentos configuram uma afronta e a ganância criou o seu próprio vocabulário - a recusa de Eanes orgulha aqueles que ainda acreditam no argumento da honra.»