"Sócrates e as crianças" é o título do artigo de Pedro Lomba no Diário de Notícias de hoje. O Primeiro-Ministro fala agora em nome das crianças, como se fossem os "interesses das crianças" que estivessem em causa naquilo que os professores têm contestado, como se não se percebesse que as inseguranças e inconstâncias demonstradas no decurso do "tsunami" legislativo (como já alguém lhe chamou) se têm reflectido na publicação de normativos e imediatas necessidades de revisão, de esclarecimento, de suspensão... que têm gerado todo este clima de um abismo cada vez mais escancarado! É correcto meter neste jogo o princípio de que se está "a pensar nas crianças"? É justo chamar as crianças para a demagogia?
"José Sócrates disse ontem, a fechar as jornadas parlamentares do PS, que as reformas da educação são para continuar "a pensar nas crianças". Mais uma vez Sócrates vem em socorro de um ministro em apuros, no caso a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Mas, além do termo demagógico e estudado ("crianças" em vez de estudantes ou alunos), o que disse Sócrates, a sua promessa de que o Governo irá continuar a agir "a pensar nas crianças", serve para perceber duas coisas: em primeiro lugar, o modo como ele encara o conflito aberto e ainda não sanado entre a Ministra e os professores por causa do novo regime de avaliação. Segundo, o que o primeiro-ministro pensa do papel do Governo na reforma do ensino. A ideia de Sócrates, com algum simplismo, é a de que os protestos dos sindicatos e professores contra o sistema de avaliação e as regras de gestão das escolas prejudicam as "crianças", para as quais as escolas existem e que os professores deviam fielmente servir. Não é por discordância (uma discordância política) contra a oportunidade e a racionalidade dessas medidas que os professores reagem. Sócrates não lhes reconhece legitimidade para tanto. Não se interessa sequer em rebater um a um os argumentos dos professores, limitando-se a gabar que o Governo tenha sido o primeiro a introduzir a avaliação dos professores nas escolas e acusando assim implicitamente os professores de não quererem essa avaliação. Não, o que diz Sócrates é que a oposição dos professores às medidas do Governo assenta num conflito de interesses. É assim que Sócrates vê o mundo do ensino: os professores contra as "crianças". Os privilégios dos professores contra os interesses das "crianças". O próprio método de avaliação que o Governo defende para os professores faz depender a apreciação do mérito dos professores do êxito das "crianças". Evidentemente que assim não há escolha possível. Os professores defendem-se a si próprios e ao seu estatuto de "irresponsabilidade", e o Governo defende "as crianças". É verdade que, depois disto, Sócrates e a Ministra da Educação deixam de contar com os professores. Estranhamente, trouxeram para a reforma da educação o mesmo quadro mental que têm aplicado na Administração Pública ou no Estado: a função do Governo consiste, num conflito entre agentes do "sistema" que o próprio alimenta, em enfraquecer e isolar os interesses ilegítimos. Esquecem-se que não se pode pôr os professores contra os alunos e vice-versa, tal como se confrontam os funcionários de um serviço do Estado com outros funcionários. O ensino exige que os professores mantenham uma autoridade e legitimidade institucional independente dos alunos. Muito diferente do que quer este Governo."
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