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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Contributo de Daniel Pires para a bibliografia setubalense (1)



Começarei por duas citações, uma de um poeta, outra de um editor, ambas de quem escreve e vive os livros — a primeira, de José Tolentino Mendonça, que nos lembra que “em tantos momentos da história, os livros foram (e são!) remos para guiar a jangada”; a segunda, de Serafim Ferreira, a considerar que “o livro será o melhor instrumento para decifrar todos os códigos e desvendar os paraísos artificiais (ou não) que pela eternidade hão de alimentar a aventura do homem”.

A razão destas escolhas cruza-se com o papel que Daniel Pires tem tido no enriquecimento do que podemos chamar uma bibliografia setubalense, não só pelo contributo que tem trazido desde há muitos anos para os estudos bocagianos —editando a obra de Bocage (nas Edições Caixotim, entre 2004 e 2007, e na Imprensa Nacional, entre 2017 e 2018) ou contribuindo para o seu estudo (Bocage e o Livro na Época do Iluminismo e Bocage - A Imagem e o Verbo, ambos de 2015, Bocage ou o Elogio da Inquietude, de 2019, O Essencial sobre Manuel Maria Barbosa du Bocage, de 2023, além de outras obras em que colaborou), títulos necessariamente relacionados com Setúbal, quer pelas circunstâncias biográficas, quer por algumas alusões, ainda que escassas, de Bocage à sua região de origem —, mas também pelo que tem posto a descoberto no domínio do conhecimento sobre Setúbal, fazendo ressurgir textos do pó dos tempos e construindo outros a partir das suas investigações e demandas por arquivos e bibliotecas várias, todos eles iluminando o que tem sido a aventura da identidade na região dominada pela Arrábida.

E será justamente pela serra que entramos, uma vez que, como tema, ela consta já na tradição literária portuguesa, desde, pelo menos, o século XVI. Durante muito tempo, referências literárias da Arrábida foram dominadas por uns poucos nomes, a começar em Frei Agostinho da Cruz, passando por Alexandre Herculano e desaguando em Sebastião da Gama. No entanto, a persistência de Daniel Pires e de António Mateus Vilhena possibilitaram ao leitor a pluralidade dos muitos olhares que sobre a Arrábida têm surgido na literatura lusa, desde que, em 2002, publicaram a obra A Serra da Arrábida na Literatura Portuguesa. Se, nessa edição, nos mostraram cerca de meia centena de poetas que versejaram sobre a serra que Pascoaes confessou ser o verdadeiro “altar da Saudade”, como nos contou Sebastião da Gama depois da visita que lhe fez em Setembro de 1951, quando saiu a segunda edição, em 2014, o número de autores subia já para cerca de oito dezenas, com textos escritos num período temporal entre o século XVI e 2014, valendo a pena atentar na justificação que os antologistas apresentam nos prefácios de ambas as edições: a pretensão foi a de “dedicar especial atenção ao património cultural da cidade de Setúbal, contribuindo, desta forma, para a sua valorização e para a preservação de uma memória que faz parte integrante da nossa identidade”, tarefa resultante de investigação “metódica em vários arquivos e bibliotecas nacionais”, partilhando textos que estavam “dispersos por livros ou periódicos de muito difícil acesso”, assim contrariando “a impossibilidade da sua fruição pela maioria das pessoas”.

No mesmo ano de 2014, os dois investigadores avançaram também na publicação da obra Descrição da Arrábida, a partir de manuscrito guardado na Biblioteca Nacional, contendo o texto do franciscano madeirense Inácio Monteiro, assim pondo a descoberto uma obra de referência no domínio da literatura de viagens em Portugal, simultaneamente um bom exemplo da “estética literária barroca”, que descreve “a paisagem envolvente” e os dois conventos arrábidos, dá “informações relevantes no domínio arquitectónico” e apresenta “ampla visão da natureza em estado puro e uma panorâmica de resultado da acção humana sobre ela exercida.” Este trabalho, construído no confronto de dois manuscritos e de uma versão publicada no jornal O Azeitonense (em 1920), trouxe ainda luz sobre o seu autor, que, até esta edição, se supunha ser um jesuíta oriundo do Norte do país, com vida feita em Roma e falecido em Ferrara...

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1412, 2024-11-13, pg. 10.

 

sábado, 11 de outubro de 2014

Para a agenda - A descrição arrábida pelo Padre Inácio Monteiro



Uma Descrição da Arrábida pelo madeirense Inácio Monteiro. Um texto até aqui "desconhecido". Com o cuidado da revisão e da fixação de texto de António Mateus Vilhena e de Daniel Pires, em edição do Centro de Estudos Bocageanos. Na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a ser apresentado por Miguel Real, depois de já ter sido apresentado no Funchal. Para a agenda!

domingo, 29 de junho de 2014

Para a agenda - Quando a poesia se encontra com a Arrábida...

 
 
Em 2002, António Mateus Vilhena e Daniel Pires publicavam, através do Centro de Estudos Bocageanos, a recolha A serra da Arrábida na poesia portuguesa.
Uma dúzia de anos passados, surge a 2ª edição, aumentada. Vai ser apresentada no salão nobre da Câmara Municipal de Setúbal por Viriato Soromenho-Marques, em sessão no dia 4 de Julho, pelas 21h30. Um evento a não perder. Para a agenda!
 


sábado, 10 de agosto de 2013

Memória: Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013))



Confronto-me com a notícia da morte de Urbano Tavares Rodrigues e sinto a tristeza de uma despedida ao mesmo tempo que a felicidade por o ter conhecido. A última vez que falei com ele foi na edição da Feira do Livro de Lisboa deste ano, numa tarde quente de domingo. Relembrou episódios das aulas na Faculdade de Letras, recordou os amigos setubalenses da livraria Culsete Fátima e Manuel Medeiros (para quem enviou um abraço, que transmiti), falou-me do filho mais novo (que por acaso não estava ali naquele momento), contou-me que estava a escrever o seu último romance. Perguntei-lhe se não escreveria memórias. Que não, que em muitas das suas obras havia o cunho da memória e da autobiografia, que não era isso que o interessava mais. Toda a conversa foi de paixão, de gentileza, de suavidade e de sensibilidade, tal como sempre nos habituou. Houve ainda tempo para uma fotografia conjunta que a minha filha disparou. E fiquei com vontade de nos voltarmos a encontrar… onde quer que fosse: na Feira do Livro (onde falámos várias vezes), na Culsete, em Lisboa… ao mesmo tempo que relembrei as aulas de há cerca de três décadas, a apresentação que fiz do seu livro Violeta e a noite em Setúbal, o testemunho que sobre ele dei em 2003, em Setúbal, quando a Culsete quis também assinalar os 50 anos de vida literária de Urbano Tavares Rodrigues.
É por isso tudo que abaixo reproduzo tal testemunho, datado de 25 de Janeiro de há dez anos, que continua a conter o essencial do que o professor Urbano foi para mim, do que o professor Urbano me deu. Para ficar na memória!

Não sei de quando vem o meu contacto com Urbano Tavares Rodrigues, mas sei que vem de muito longe, desde quando ainda nem pensava que viria a licenciar-me em Letras, muito menos imaginando que o iria ter como professor. Também não sei qual foi o primeiro livro que dele li – talvez A Noite Roxa, que me lembro de me ter sido emprestado por um amigo e que, mais tarde, adquiri para nele reler uma interessantíssima narrativa como “Escombros”, quase retrato de uma geração, e para nele fazer uns sublinhados que me tinham impressionado nessa leitura sobre a vida e a arte... Talvez o primeiro livro que li de Urbano não tenha sido este, mas tenha sido uma recolha literária sobre Estremadura, nessa quase indispensável colecção que é a “Antologia da Terra Portuguesa”, testemunho da indispensabilidade que a literatura se torna para dizer a terra, para dizer o homem, antologia, aliás, onde creio que tive um dos primeiros contactos com Sebastião da Gama, que topou e mostrou a alma arrábida em toda a sua maravilha... Ou talvez a minha primeira leitura de Urbano Tavares Rodrigues tenha sido outra. Recordo, no entanto, estas duas como as mais antigas que dele conheço.
Em 1979, entrei para uma licenciatura na Faculdade de Letras, ingresso já tardio porque me era necessário trabalhar, mas atempado porque pôde ser no curso que queria e na Faculdade que me ficava mais à mão, em horário cumprido depois das 17 horas. Lembro-me de várias pessoas que tive como professores e pelas quais senti uma admiração grande desde logo, que, em alguns casos, virou amizade, já em tempos posteriores ao curso (em jeito de aparte ou de excurso, vou apenas referir o António Vilhena, hoje professor em Setúbal [entretanto aposentado], poço de cultura e de disponibilidade, que conheci como professor de Latim na Faculdade e cujas aulas eram autênticos tratados – ainda que sem o peso que os caracteriza – sobre cultura portuguesa, com especial incidência na literatura, e sobre as marcas clássicas que a enformam).
Mas voltemos a Urbano Tavares Rodrigues, que tive como professor de Literatura Francesa. Uma das coisas que me fascinou na minha licenciatura foi o facto de ter conhecido escritores enquanto professores, podendo assim usufruir da sua experiência enquanto artistas e criadores e do seu estatuto enquanto professores, intelectuais e cidadãos intervenientes, que eram vários. O professor Urbano Tavares Rodrigues não fugiu a este quadro. E, se foi apaixonante a forma como nos fez ouvir a solidariedade e o social presentes em Germinal, se foi suave a maneira como nos fez entrar nos domínios do erotismo de La Motocyclette, se foi a tocar o fascínio que nos falou de uma obra como Le Ravissement de Lol V. Stein, certo é que todos estes predicados se construíram como metáforas dele próprio, isto é, a delicadeza do discurso, a singeleza das práticas, a simpatia da disponibilidade, o aprofundar permanente no cruzamento da literatura estudada com as múltiplas e incansáveis referências advindas da sua experiência de escritor, o sorriso disponível numa atitude de quem parecia tudo oferecer fazendo passar o universo literário numa relação constante de tu-cá-tu-lá para um degrau de contínua admiração pela arte... enfim, tudo isto nos foi transmitindo, tudo isto foi partilhando, porque o todo das suas aulas se nos afigurava também como uma partilha de reflexões e de angústias da estética e do sentir.
A permanente abertura do professor Urbano Tavares Rodrigues nunca lhe deixou escorregar um “não”. Recordo que, mesmo perante trabalhos ou observações de qualidade menos desejada, a sua atitude era de tentar dar a volta de forma subtil, não negando a pouca pertinência do resultado (ou, muitas vezes, a sua impertinência) e incluindo no seu comentário as pistas de orientação que o estudante deveria aproveitar ou explorar.
Habituei-me, assim, a olhar o professor Urbano Tavares Rodrigues como uma personagem dedicada, disponível e atenta (mesmo quando parecia que dormitava perante algumas apresentações de trabalhos, fazendo, no final, o seu comentário acertado e límpido), como uma personagem participante (frequentemente trocando opinião connosco sobre posições públicas a propósito de questões culturais e de ensino), como alguém sempre pronto a incentivar os voos de quem quisesse ir mais longe ou de quem precisasse da sua ajuda. Recordo que, no último ano da licenciatura, estudei a autobiografia em José Gomes Ferreira, a propósito do seu livro A Memória das Palavras, para a cadeira de Teoria da Literatura, leccionada por Lucília Gonçalves Pires. Ser-me-ia útil falar com Gomes Ferreira, mas ele estava a passar um mau momento de saúde, pela sua debilidade de 80 anos. Foi, aliás, o professor Urbano que me pôs ao corrente do estado de saúde de Gomes Ferreira, mas, logo que soube das suas melhoras temporárias, falou-lhe e pôs-nos em contacto, assim me tendo sido proporcionado um encontro de cerca de três horas com esse “poeta militante”, na sua casa da rua Rio de Janeiro, em que quase me limitei a ouvi-lo e em que grande parte da sua conversa não foi sobre poesia, mas foi poesia. Passadas cerca de duas semanas, o professor Urbano encontrou-me na Faculdade, perguntou-me pelo andamento do trabalho, tendo-lhe eu dito que o mesmo já tinha sido apresentado e avaliado. Quis vê-lo, porque, argumentou, “acho que tenho alguma responsabilidade nesse trabalho”. Dei-lhe uma cópia e, volvidos uns dias, propôs-me que o texto fosse publicado no “Suplemento Cultural” do Diário. Respondi que sim, meio sem jeito. Soube depois que era sua prática corrente incentivar os alunos à publicação de trabalhos e mesmo à edição.
Concluída a licenciatura, abandonei também o trabalho que tinha e passei para o ensino. Em 1985, estando em Beja – onde confesso que aprendi a gostar do Alentejo –, ao rebuscar numas prateleiras já esquecidas e poeirentas de uma livraria da cidade, encontrei um livro sobre Urbano Tavares Rodrigues, intitulado Escritor da Fraternidade, da autoria de Pires Campaniço. Já não contactava o professor havia cerca de dois anos, depois que saíra da Faculdade. Comprei o exemplar por uma bagatela e li as suas 130 páginas – fortemente ideologizadas – nesse mesmo dia, mais no sentido de ter um ponto de contacto com alguém que me impressionara fortemente. O livro lembrou-me o professor, sobretudo, e pareceu-me que o título escolhido, ao eleger a fraternidade para caracterizar o escritor, tinha acertado no ponto. Fraternidade, como quem diz solidariedade, como quem afirma disponibilidade... são lógicas de atributos que resultam bem se aplicados a Urbano Tavares Rodrigues.
Fui, entretanto, descobrindo também a sua faceta de ensaísta na área da literatura e de escritor de viagens, sempre encostando as obras abordadas a referentes culturais importantes ou as viagens a itinerários não menos sentidos (talvez sentimentais), como descobri num relato seu sobre Santiago de Compostela, publicado em 1949, verdadeira peregrinação no espaço e no eu, na busca de outras artes e do conhecimento do mundo.
Encontrámo-nos depois em diversas situações mais ligadas à literatura (por exemplo, na sua defesa da tese de doutoramento sobre Teixeira-Gomes, ou na apresentação de Violeta e a Noite aqui neste mesmo espaço da Culsete), sempre relembrando tempos da minha vida de estudante. Mas quando andei ocupado com um mestrado sobre a revista portuguesa dos anos 50, Távola Redonda, em que Urbano Tavares Rodrigues colaborou com uma tradução a partir do italiano – coisa que não é novidade, depois de se ter visto a tradução por si feita do Decameron, de Bocaccio, que também terá sido um dos meus contactos antigos com ele –, voltei a poder certificar a disponibilidade, a atenção, o saber, o testemunho, a delicadeza... Na noite de um dia 22 de Abril, passantes que eram já as dez da noite, Urbano Tavares Rodrigues recebeu-me em casa, ali na Tomás Ribeiro, para uma conversa sobre a revista, que acabou por ser também sobre a literatura portuguesa dos anos 50, que acabou por ser também sobre a sua obra, que acabou por ser o prolongamento de um fio de disponibilidade sempre demonstrada.
A mais recente vez em que nos encontrámos foi há bem pouco tempo, no mês passado, na apresentação do último livro de poesia de Teresa Rita Lopes. E o que nos uniu? Para lá de tudo, o professor Urbano Tavares Rodrigues falou-me, de imediato, do tempo da Faculdade e da lembrança das suas aulas. Ao fim e ao cabo, um tempo marcante, de aprendizagem e também de conhecimento, lados ambos de uma mesma estrada. Mantenho o gosto por Urbano Tavares Rodrigues enquanto escritor múltiplo e multifacetado, mas quero preservar também esta recordação feliz de um Urbano Tavares Rodrigues professor e mestre, dedicado, sabedor, atento, delicado e prestável, fazendo da literatura uma forma de criação e do ensino uma via de reflexão... ou talvez, e sobretudo, conjugando os dois percursos no rumo da disponibilidade para uma vivência de transformar a arte em cidadania. Não resisto sem ler quatro linhas de um seu escrito de cunho autobiográfico, publicado sob o título de “Apontamentos e Confissões”, no livro de ensaios sobre O Tema da Morte: “Já na minha adolescência desejava ser escritor, embora outras profissões me seduzissem, tais a de médico e a de professor: no fundo, aquelas que me permitissem ancorar e sentir-me útil.” É uma justificação simples, claro. Mas testemunho que, na sua simplicidade, a senti. E vivo bem com essa lembrança e exemplo.