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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Sebastião da Gama: Nos 70 anos do "Diário", hoje



“Para começar, falou connosco durante uma hora o Senhor Dr. Virgílio Couto. De acordo com o que disse, vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar a conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. E dentro dessa convivência, como quem brinca ou como quem se lembra de uma coisa que sabe e vem a propósito, ir ensinando. Depois, esta nota importantíssima: lembrar-se a gente de que deve aceitar os rapazes como rapazes; deixá-los ser: ‘porque até o barulho é uma coisa agradável, quando é feito de boa-fé’. Houve nesta conversa uma palavra para guardar tanto como as outras, mais que todas as outras: ‘O que eu quero principalmente é que vivam felizes.’”
Este início reproduz a abertura do Diário de Sebastião da Gama, escrita em 11 de Janeiro de 1949, quando o poeta e professor azeitonense tinha 24 anos e dois livros de poesia publicados - Serra-Mãe, de 1945, e Cabo da Boa Esperança, de 1947. Estava Sebastião da Gama a iniciar o seu estágio de professor na Escola Comercial de Veiga Beirão, em Lisboa, localizada mesmo ao pé do Convento do Carmo. Tinha como professor orientador Virgílio Couto (1901-1972), docente de larga experiência e autor de numerosas publicações didácticas, incluindo alguns manuais escolares, e, como colega de estágio e amiga, a escritora Matilde Rosa Araújo (1921-2010). A turma com que Sebastião trabalhou e que assume o papel de protagonista neste Diário era constituída por 31 alunos, todos nascidos entre 1933 e 1935, isto é, com uma diferença de idades relativamente ao professor entre os nove e os onze anos.
A anterior experiência docente de Sebastião da Gama fora na Escola Industrial e Comercial João Vaz (actual Escola Secundária Sebastião da Gama), em Setúbal, acontecida no ano lectivo de 1947-1948, e, apesar de o Diário ser respeitante ao ano em que leccionou em Lisboa, de vez em quando por ele passam evocações do tempo das aulas em Setúbal, com referência a alguns professores (Josefina de Noronha Gamito e Alberto Fialho, por exemplo) e a alguns alunos (entre outros, Manuel Valente, conhecido como “Mané Botas”, Rogério Vaz de Carvalho e Joaquim Fernandes de Oliveira, conhecido como “Zé Boneco”).
O tempo de trabalho com a turma do Diário iniciou-se em 11 de Janeiro de 1949 e concluiu-se em final de Janeiro de 1950. A 28 desse último mês, Sebastião da Gama relata o fim da experiência e, depois de referir a despedida que fez aos alunos, lembra a atitude do grupo no final da aula: “Foi então que o Artur se levantou com uma seriedade mil vezes diferente da seriedade de comédia que ele às vezes compõe, se despediu de mim. Que bonitas, que simples, comovidas, que sinceras palavras! Um abraço ao Artur. E depois todos a virem despedir-se de mim como se eu fosse para a guerra, alguns a pedirem autógrafos. Ah! Coração, coração, que não arrebentaste...”
O diário que Sebastião da Gama escreveu ao longo do seu estágio foi sob recomendação do professor orientador, tendo-se desenvolvido entre os dois uma intensa relação de respeito, amizade e admiração: Virgílio Couto foi autor da obra Leituras (1948), em dois volumes, destinada à disciplina de Português no Ensino Técnico, tendo, no segundo volume, inserido o texto de Sebastião da Gama “Pequeno Poema”, dando-lhe o título “Quando eu nasci”; ao longo do diário, que leu aturadamente, Virgílio Couto anotou as  reflexões de Sebastião da Gama, sempre com um ar de encanto e de abertura, sensibilizando-se com as referências que o jovem professor fazia aos alunos e ao ensino. Por sua vez, Sebastião da Gama tanta admiração teve pelo seu professor orientador que, um dia, quis oferecer-lhe o manuscrito do diário; contudo, Joana Luísa da Gama, a mulher do poeta, opôs-se a essa intenção, tendo-se disponibilizado para fazer uma cópia manuscrita do diário para, essa sim, ser oferecida a Virgílio Couto. A disposição foi cumprida e o diário original ficou na posse do seu autor.
Apesar de não ser nítida uma intenção de que este registo visasse a publicação, certo é que o escrito com o testemunho e a reflexão de Sebastião da Gama era um documento humano demasiado importante para ficar esquecido. Percepção desse interesse tiveram-na Joana Luísa e vários amigos, entre os quais Hernâni Cidade (que fora professor de Sebastião da Gama) e, assim, em 1958, o Diário era publicado na casa editorial Ática. Foi a segunda obra póstuma publicada, tendo tido, até hoje, catorze edições, a última das quais, datada de 2011 (Editorial Presença), com a versão integral da obra e anotada.
Nestes 70 anos sobre a escrita original (ou 60 sobre a publicação), o Diário teve apenas uma tradução: para italiano, de uma parte significativa de excertos, devida a Maria Antonietta Rossi (2010). Na introdução a essa edição, refere Rossi que Sebastião da Gama se preocupava com um conceito em particular: “ensinar com amor e afecto”. Essas duas linhas orientadoras são visíveis logo no primeiro texto do diário acima transcritas - as aulas devem ser um espaço de alegria e de sinceridade; ensinar deve ser um tempo de convívio e de acompanhamento da vida; o respeito pelo outro é uma aprendizagem para a felicidade. Ensinamentos cheios de actualidade, acreditamos!

(Texto publicado no Jornal de Azeitão, em Janeiro de 2019)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Adão Rodrigues com 50 anos de pintura em Setúbal

Na tarde de sábado, foi inaugurada em Setúbal a exposição que celebra os 50 anos de pintura de Adão Rodrigues.
Na intervenção que improvisou, duas coisas lembrou o pintor, de que quero dar conta. A primeira, sobre as suas memórias da Setúbal da infância, em que recordou os dois professores da Escola João Vaz que mais o impressionaram – Alberto Fialho e Sebastião da Gama, um e outro pela expressão, pela dedicação, pelo exemplo, pela descoberta que nele fizeram de que se deveria dedicar à pintura. Apesar de não ter sido aluno de Sebastião da Gama, Adão Rodrigues recordou o professor da boina cuja presença era desejada pelos alunos.
Alberto Fialho (1917-1984), casado com Maria de Lurdes Fialho (1921-2003), também professora, teve forte relação de amizade com Sebastião da Gama (1924-1952). Um testemunho dessa ligação é a dedicatória que Sebastião da Gama registou no livro Nós – Os finalistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa fomos assim… de 1942 a 1946, o seu livro de curso: “Para a Lurdinhas e para o Alberto – porque são meus amigos do coração e porque lhes pago na mesma moeda – 9/XII/1947”.
A segunda referência interessante de Adão Rodrigues nessa apresentação foi para Setúbal, terra de adopção a que sempre tem estado ligado. Sendo um homem do Norte, procura a paisagem nortenha quando se sente alegre, mas busca a luminosidade de Setúbal quando o estado de espírito é mais fechado, registando que a luz sadina sempre o marcou.
A acompanhar esta exposição, que reúne cerca de sete dezenas de obras, há o catálogo, com texto de José-Luís Ferreira, que assim define a obra de Adão Rodrigues: “é, essencialmente, originária de uma intuição estética de pronunciadíssima raiz intimista, envolvida na prospecção permanente das expressões inovatórias, no desenho, na colagem, na gravura e, a partir da pintura convencional, introduz a consequência dos seus resultados, numa semântica de conteúdo e ritual poético, dotando a sua arte de uma identidade de linguagem, onde se valorizam os processos visuais da leitura intuitiva”.
Nascido no Porto, em 1935, o pintor veio para Setúbal ainda criança, com 2 anos, aqui tendo vivido até à sua juventude, frequentando a Escola Industrial e Comercial João Vaz. Depois, foi estudar para Lisboa, para a Escola de Artes Decorativas António Arroio. Por Lisboa ficou, mas a sua primeira exposição individual aconteceria em Setúbal, corria o ano de 1959. Voltou em exposições individuais a Setúbal em 1984, 1986 e 1994. Meio século depois da sua mostra inaugural, é também em Setúbal que ocorre uma sua exposição individual, que pode ser vista nas antigas instalações do Banco de Portugal (Av. Luísa Todi) até 29 de Agosto.
[Na foto: Adão Rodrigues e Maria das Dores Meira, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal]