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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Memória: José Hermano Saraiva (1919-2012)


Cresci a ver José Hermano Saraiva na televisão, com o seu poder de comunicação invejável e a sua abordagem da(s) história(s) de Portugal de maneira inconfundível, mesmo sabendo que, por vezes, alguma dose de ficção a integrava. Cresci a admirá-lo, mesmo porque, entre outras capacidades, teve a de tornar a história e a nossa identidade muito mais próximas de nós.
Tivemos três encontros. Um, numa Feira do Livro, em Lisboa, quando me autografava um livro, que, ao abri-lo por acaso, foi parar a uma fotografia de uma torre de antiga casa senhorial, ali para os lados de Arcos de Valdevez. Disse-lhe que conhecia, que tinha lá estado havia pouco tempo e logo ele lamentou algo do género, por causa de algumas das pedras das ameias que lhe faltavam: “Está a ver esta torre? O que lhe parece?” Hesitei, mas ele atalhou: “Não a acha uma boca desdentada?” E logo ali entabulámos curta conversa sobre o património que se degradava.
O segundo ocorreu uns anos depois, quando o convidei para vir à minha Escola falar sobre Camões e o sobre o Renascimento. Foi uma tarde intensa de cultura, com os alunos presos ao discurso e às histórias, ressaltando um Camões de carne e osso, num trajecto que foi mais o passeio de um humanista sobre as pedras da história e sobre os recantos da arte. Muito tempo passado, os alunos ainda recordavam o fulgor daquela lição de saber…
O terceiro aconteceu há cinco anos, quando foi inaugurado o monumento a Sebastião da Gama, em Azeitão. Hermano Saraiva cruzara-se com o poeta nos corredores da Faculdade e conheciam-se. Integrou a Comissão de Honra desse monumento, mas, por razões de saúde, não pôde estar presente no evento, que ocorreu em 9 de Junho de 2007. Visitei-o posteriormente na sua casa de Palmela, onde tivemos uma conversa longa sobre Sebastião da Gama e sobre história. O encontro terminou com uma narrativa sobre a forma como uma imagem de S. Tiago em pedra ali fora parar à sua casa, onde cada recanto tinha uma história…
Foram três bons momentos de aprendizagem, além daqueles que, na televisão, proporcionou. São boas memórias. Ficam-me ainda os livros – incluindo a sua autobiografia que o semanário Sol publicou há uns anos – e as imagens. Fica a memória.

domingo, 1 de junho de 2008

O feriado de Palmela tem 30 anos

Em 24 de Maio de 1978, o semanário A Voz de Palmela publicava o edital assinado no dia 16 por Edgar Costa, presidente da Câmara Municipal, fazendo saber que a autarquia deliberara, "na sua reunião ordinária realizada em 5/5/1978, e no uso da competência que lhe confere o disposto no nº 13º do artigo nº 48º do Código Administrativo, fixar o feriado municipal do concelho no dia 1 de Junho, data em que o rei de Portugal D.Manuel I concedeu foral à vila de Palmela no ano de 1512".
A primeira reacção a esta escolha não se fez esperar muito tempo. Uma semana depois, em 31 de Maio, véspera do primeiro feriado, o mesmo jornal relatava o almoço do Grupo dos Amigos de Palmela entretanto acontecido, evento em que interveio o historiador local António Matos Fortuna para dizer que o dia escolhido pela Câmara não teve "muito senso", pois se tratava de uma "data artificial", devendo ser considerada como a de "um feriado feito a martelo". As razões apresentadas por Matos Fortuna eram históricas e relacionavam-se com o espírito que presidiu aos designados "forais novos", atribuídos por D.Manuel I.
Palmela teve o primeiro foral em 1185, atribuído por D.Afonso Henriques, em Março, em dia que se desconhece, por não constar a sua menção no documento. Cerca de três séculos mais tarde, em 1495, ascendeu ao trono D.Manuel I, que seguiu uma política de consolidação do absolutismo régio, tendo ordenado, logo no ano seguinte, a conversão dos mouros e diminuindo, ao longo dos tempos, a convocação das cortes. Entretanto, em 1497, criou uma comissão com vista à revisão dos forais, que concluiu a sua tarefa em 1520. O primeiro foral a entrar nesta revisão foi o de Lisboa, logo outorgado em 1502. O de Palmela surgiria uma década depois.
Nestes forais manuelinos, como escreveu José Mattoso, "não se tratava de garantir a autonomia municipal ou de melhorar a administração local, mas de permitir uma cobrança actualizada do fisco". Na verdade, a actualização manifestou-se quer ao nível de taxas a pagar, quer ao nível de criação de outras que os antigos forais não previam.
O parágrafo introdutório do foral assinado por D.Manuel não deixava, de resto, margem para dúvidas quanto às intenções fiscais: "Dom Manuel, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, (...) fazemos saber que, por bem das diligências, exames e inquirições, que em nossos reinos e senhorios mandámos fazer, (...) as rendas da dita vila e direitos reais se devem arrecadar na forma seguinte". Depois, artigo a artigo, era estipulado o princípio que regulava o pagamento ou a isenção dos impostos das terras foreiras, dos lagares, das pensões dos freires, das sesmarias, dos montados, das estalagens, do "gado de vento", da "pena de arma", das portagens (por produtos como pão, vinho, sal, cal, cera, azeite, mel e linhaça, por "casa movida", por passagem, por "panos finos", por compras de gado, por mercearia, por caça, por artigos em metal, por louça, etc.). No final, surgiam as prescrições relativamente aos desrespeitadores: "E qualquer pessoa que for contra este nosso foral, levando mais direitos dos aqui nomeados ou levando destes maiores quantias das aqui declaradas, o havemos por degredado por um ano fora da vila e termo e mais pague da cadeia trinta reais".
Uma semana depois do assinalar do primeiro feriado de Palmela em 1 de Junho, a edição de A Voz de Palmela, surgida em 7, não dava relevo à celebração do feriado, apesar de reproduzir na sua primeira página um artigo assinado por Amílcar Machado, que o mesmo jornal já publicara vinte anos antes, em 28 de Fevereiro de 1958, abordando a questão do feriado palmelense. Era opinião de Machado que Palmela deveria assinalar o seu dia em 22 de Fevereiro, data do ano de 1148 em "que D.Afonso Henriques tomou Palmela aos Mouros". O jornal relatava ainda o que fora o dia 1 de Junho de Palmela, não enquanto feriado mas enquanto Dia da Criança.
Duas semanas depois, em 21 de Junho, Matos Fortuna era contundente, em artigo de primeira página intitulado: "Para que não seja tão desenxabida, é preciso escolher outra data para o Feriado do Concelho". Em texto extenso, expressava a sua discordância relativamente à decisão camarária, argumentando sentir-se "no direito e até na obrigação de reprovar a edilidade por ter escolhido para feriado do concelho uma data que não se lhe ajusta com suficiente naturalidade" e concluindo que seria, pois, "um feriado legal, mas despido de convincente significado histórico". Em causa estava a fragilidade da importância do documento comemorado, no que tocava ao desejado envolvimento da população em torno de uma data que fosse suficientemente identitária.
Um ano depois, em 1979, A Voz de Palmela, na edição de 6 de Junho, dava conta da existência de "um cada vez maior afastamento entre o Grupo dos Amigos de Palmela e o seu município" em consequência das divergências quanto à data do feriado. Joaquim Barrocas assinava um artigo intitulado "Dois Comunicados sem Data a propósito duma data", em que referia o comunicado autárquico a divulgar o programa do dia do concelho e um comunicado dos Amigos de Palmela a contestar a escolha da data e a propor à Câmara a "humildade" para "reconhecer que errou na escolha", sugerindo-lhe que a decisão fosse alterada. Ironia das ironias, numa das páginas do jornal aparecia o título "Feriado Municipal confirmado pela Câmara" e, numa curta notícia local, em página diferente, surgiam duas perguntas: "Gostaríamos de compreender a razão por que, sendo feriado em Palmela no dia 1 de Junho, muito boa gente ignorou o facto e trabalhou. E, sendo feriado municipal, quem explica por que razão o mercado municipal esteve a funcionar?"
Dois anos depois, em 5 de Junho de 1981, o Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela promoveu uma reunião na sede dos Loureiros para a discussão da melhor data para o feriado, presidida por José Hermano Saraiva. Mais uma vez, a data de 1 de Junho foi contestada e foram apresentadas alternativas: a 2ª feira de Pascoela (porque marcava, na vida ligada ao campo, o início do período da sesta e a data tinha muito significado para os rurais), o 31 de Agosto (por ser o dia de 1384 em que Nuno Álvares Pereira acendeu as almenaras no castelo de Palmela, a avisar os sitiados de Lisboa do seu socorro), o 8 de Novembro (por ser o dia de 1926 em que foi publicado o decreto da restauração do concelho de Palmela), a 2ª feira da Festa das Vindimas (para valorizar os festejos que têm lugar em Palmela no início de Setembro). Sem consenso, a organização entregou um documento à Câmara com as propostas da assembleia.
Em 30 de Janeiro de 1993, o assunto voltou à discussão, numa reunião com a população, organizada conjuntamente pela Câmara Municipal e pelo Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela. Além das datas surgidas em 1981, mais duas propostas apareceram: 14 de Fevereiro (data em que nasceu em Palmela, no ano de 1841, Hermenegildo Capelo) e 25 de Julho (dia de São Tiago, patrono da ordem que teve convento em Palmela). A diversidade continuou a dominar e, três anos mais tarde, a Câmara Municipal promoveu consulta pública à população do concelho, através de sessões em todas as freguesias e de distribuição de 18 mil postais com taxa paga para resposta e sugestão. Chegaram à autarquia apenas sete centenas de respostas e... a diversidade continuava.
Palmela tem então continuado a comemorar o dia do concelho em 1 de Junho. E, no topo do salão nobre da Câmara Municipal de Palmela, mantém-se o medalhão pintado com a figura do rei D.Manuel I, personagem que ficou ligada à vila pela atribuição do foral datado de 1 de Junho de 1512, em honra do qual Palmela estipulou a data do seu feriado municipal, assinalado desde 1978, a coincidir com as actividades do Dia da Criança.
João Reis Ribeiro. Histórias e cantinhos da região de Palmela.
Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002, pp. 140-144 (adpat.)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

José Hermano Saraiva homenageado

José Hermano Saraiva vai ser homenageado em Palmela amanhã, em iniciativa promovida pelo Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela (GACP), em cerimónia que se inicia pelas 20h30, com descerramento de lápide evocativa na sede da associação (R. Serpa Pinto, 22 - Palmela), e que prossegue na igreja de Santiago (no castelo) com sessão solene.
O GACP, que promove esta homenagem no dia do seu aniversário (foi criado em 12 de Julho de 1978), justifica a acção por ser "justo reconhecer esta personalidade de carácter, pelo trabalho que vem desenvolvendo ao longo de muitas décadas ao serviço da cultura" e por Palmela ser "a terra que escolheu para viver há cerca de 40 anos, sendo dela um embaixador onde quer que se encontre".
José Hermano Saraiva, associado do GACP (cujos órgãos sociais já integrou), nasceu em Leiria em 1919 e tem o nome ligado à política, ao ensino e à cultura portuguesa, quer através da obra publicada em livro, quer pelas sessões televisivas que evocam as histórias das terras e das gentes portuguesas desde há muito tempo. Da sua vasta bibliografia, destaque-se a obra de cunho autobiográfico em publicação por iniciativa do semanário Sol desde meados de Junho, Álbum de Memórias, em cuja apresentação Hermano Saraiva explica a razão de ser deste projecto: a proposta de um amigo, com um argumento quase imbatível - "É pedido com algum suporte lógico. Tenho consumido longos anos a contar a história dos outros. E não ficaria bem a quem tanto fala da vida alheia não deixar também alguma memória dos anos que viveu" (cf. vol. 1, "1ª e 2ª Décadas - Tempo Infantil e Paixões Adolescentes", pg. 5). A leitura desta escrita memorialística tem interesse por várias razões: porque ao leitor é permitido o encontro com a história de Portugal de quase um século, pelo menos naquilo em que essa história se cruzou com a personagem que a narra; porque esta obra ajuda a contrariar o hábito de não haver registos de memórias das personalidades envolvidas na história mais recente em Portugal; porque deste escrito não estão ausentes uma leitura pessoal dessa mesma história nem o poder comunicativo que tem caracterizado José Hermano Saraiva.