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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto VIII

* “O que é o passado? Isto: tempo que cada vez ocupa menos espaço (…). O presente – agora, este momento –, pelo contrário, ocupa todo o espaço que nos rodeia.” (est. 2)
* “Tudo é único e diverso na natureza. Ninguém quer equilíbrios numa floresta.” (est. 17)
* “Os homens fazem sempre o papel de turistas quando próximos da água.” (est. 26)
* “A hipocrisia é das velharias mais difíceis de o homem se livrar; apegou-se ao homem como o lixo ao trapo já sujíssimo de pó.” (est. 28)
* “Nem mesmo os santos, que não sejam mentirosos, têm o passado límpido. A suavidade permanente não é terrestre, é, sim, mentira, e falsa: ninguém acredita.” (est. 39)
* “O veneno, quando enviado em forma bela, é recebido como um condimento pacífico.” (est. 52)
* “Os amigos são animais como os outros. Muito mais inofensivos são os inimigos, pois mantêm-se longe, por medo da nossa arma ou preparando armadilhas que já esperamos, enquanto os amigos, esses, cheiram ombro a ombro a mesma flor que nós, dividindo, pela proximidade, a alegria que o mundo atira para um metro quadrado de jardim. / E os amigos dão conselhos, o que é perigosíssimo. Inimigos acumulam ameaças, mas essas suportam-se bem. (…) As ameaças dos inimigos são pois os verdadeiros conselhos.” (est. 53/54)
* “A ética não é assunto de células, envolve sim a vontade, a decisão inequívoca de avançar por um lado e não por outro.” (est. 64)
* “Somos inseparáveis do nosso pior. Pode-se fingir durante anos, mas cada um é inseparável da sua maldade. (…) A vida é desleal para os vivos porque ninguém se conhece por completo.” (est. 84)
* “Quando sozinhos e com os nossos hábitos não nos defendemos. Não há esconderijo para um homem que está feliz. E mais facilmente é caçado um cidadão apaixonado que um coelho num campo deserto.” (est. 87)
* “O dinheiro torna os homens previsíveis, como a galinha que segue até ao fim dos dias uma linha recta traçada no chão. O dinheiro existe nas montanhas, planícies, cidade e campo. Destrói reis, carpinteiros e santos. (E quando não há, ainda destrói mais.)” (est. 97)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Words, words, words...

Há palavras que se vão desgastando, não por se tornarem arcaicas no que designam, mas por perderem sentido, de tanto que se insiste no seu uso, banalizando aquilo que referem. Termos como "confiança", "responsabilidade", "convicção" e outros têm enchido discursos com mensagens que em tudo têm sido contrárias ao que acontece, ao que vivemos. É por isso que, simultaneamente, acorda a palavra "descrença", afinal algo que se vai tornando... uma convicção!

sábado, 2 de outubro de 2010

Preocupações da República

Ao entrar a semana do centenário da implantação da República, não é de admirar o destaque que a efeméride merece nas publicações periódicas. Destaco a revista Visão (nº 917, de 30.Set.2010) por trazer como encarte o facsímile de A Capital, de 5 de Outubro de 1910, e, sobretudo, por reunir os depoimentos de quatro nomes que chegaram ao lugar de Presidente da República – Cavaco Silva, Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes – sob o título de “Os novos desafios da República”. Falando todos eles de coisas diferentes, assumem essa diversidade como o conjunto das preocupações actuais da República (que somos nós), num exercício de pensamento que nos deve servir de convite. Reproduzo excertos dos quatro testemunhos.
Aníbal Cavaco Silva – “(…) Entre os múltiplos desafios que se deparam às repúblicas contemporâneas poder-se-ão destacar os seguintes: Sustentabilidade ambiental – (…) Ainda não encontrámos a fórmula harmoniosa susceptível de, em simultâneo, preservar um ambiente saudável e garantir níveis de desenvolvimento capazes de satisfazer as expectativas materiais dos cidadãos. (…) Sustentabilidade energética – (…) Ou exigimos que todos se situem no mesmo nível de desenvolvimento (…) ou mantemos uma situação que, a breve trecho, colocará em risco as economias do Ocidente e o modelo social de redistribuição da riqueza que só um elevado crescimento económico permite. (…) A dependência energética não é apenas uma questão ecológica, mas também geoestratégica. Dela depende a sustentabilidade do planeta, desde logo, mas igualmente a viabilidade do modelo político, económico e social da Europa. Sustentabilidade social entre gerações – (…) Deve existir uma maior justiça social entre gerações, de modo a que os mais jovens não sejam lesados nas suas expectativas legítimas, os adultos de meia-idade não tenham de suportar encargos desproporcionados e os idosos não sejam alvo de exclusão ou de discriminação. (…)”
Jorge Sampaio – “(…) Ao Estado pede-se que reveja e corrija as causas da rigidez do mercado de trabalho, da lentidão da justiça, das regras vigentes da concorrência, da morosidade da administração pública, da desadequação da formação profissional, enfim, de todos os obstáculos ao investimento e à concorrência. Ao Estado pede-se lucidez em relação ao presente e visão de longo prazo. Lucidez na procura de sucedâneos para a impossível desvalorização que permitam, afinal, embaratecer os nossos produtos ou torná-los atractivos no mercado mundial; visão de longo prazo para que prossiga as reformas entretanto encetadas, que permitirão acelerar no país a revolução pós-industrial no contexto do seu papel de regulador estratégico. (…) Seremos capazes de ultrapassar as dificuldades. Para que isso aconteça, precisamos dos valores progressistas e democráticos da República. E necessitamos de vontade e capacidade de mobilizar os Portugueses, que são o fundamento da República. (…)”
Mário Soares – “(…) Estamos a viver uma crise global, que não sabemos até onde irá e como dela sair. Economistas da nossa praça, todos os dias, procuram convencer os nossos compatriotas que Portugal é um país em decadência, sem remédio. Não partilho esse derrotismo, que contagia alguns dos nossos compatriotas. Uma das ideias-força da I República foi restituir-nos o orgulho de sermos portugueses e sabermos enfrentar, com coragem e bom senso, os desafios que temos de vencer. (…) Precisamos de ter confiança em nós próprios e de ter coragem de vencer as dificuldades, tal como são. Sem pessimismo, nem optimismo: com determinação. (…)”
Ramalho Eanes – “(…) Para que a situação não venha a dar razão aos pessimistas, para que respondamos à nossa responsabilidade social inabdicável, para que invertamos a decadência em que o país escorrega, necessário será: que à Sociedade Civil portuguesa seja dita a verdade, toda a verdade, sobre a situação actual e suas consequências, não só previsíveis mas próximas já; que não caiamos na endémica tentação de encontrar um bode expiatório, que nos afaste da responsabilidade conjunta – Sociedade Civil e poder político – de responder, com coragem, com competente trabalho, com austero consenso, com preocupado aforro, à crise, pois, perante ela, não há inocentes (…). Indispensável, também, é, subsequentemente, estabelecer a arquitectura de um grande propósito colectivo possível e mobilizante, e estabelecer as estratégias para o alcançar, definir os métodos, instrumentos e meios para as realizar, e apresentar os mecanismos, do Estado e da Sociedade Civil, para controlar a eficácia da sua execução. (…) Difícil é o desafio, mas grandes são, também, agora, as oportunidades de nos reencontrarmos com a verdade do que realmente somos, do que é o país. (…)”

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O deslumbramento, segundo Carrilho

Manuel Maria Carrilho. "Será o deslumbramento uma política?". Diário de Notícias: 30.Set.2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Que presente é este?

Perguntei-lhe pela neta, nascida há meses, e lá me disse que ia estando bem, que se ia afeiçoando ao mundo, que os pais estavam muito contentes, mas que não iriam para o segundo filho e, assim, não havia esperanças de ter também um neto. “A vida está difícil, cada vez mais difícil…Sabe que eu e o meu marido já nem vemos televisão quando é tempo de notícias?”
Fartaram-se de ver e de ouvir notícias, vozes, opiniões alarmistas, duras, rígidas, pairando pouca verdade. “Nada sabemos ao certo, parece que ninguém quer dizer o que realmente interessa, só se desmentem e nada corresponde ao que sentimos todos os dias”, explicou. “Não vê o que se passou com os medicamentos? Numa semana, iam descer não sei quanto e, na semana seguinte, já se dizia que as comparticipações iam acabar e iam ficar mais caros a quem deles precisar… Mal de quem precisa, não é? Dantes, as notícias eram um chorrilho de calamidades, de desastres, de azares… agora, é só economia, dinheiro, intriga e nós a termos cada vez menos… Deixámos mesmo de ver notícias… Não acreditamos…”
Há quem meta a cabeça na areia, há quem se revolte e manifeste essa revolta de forma visível, há quem se revolte e se remeta ao silêncio. Não será ainda desespero o sinal máximo, não. Mas é a desesperança que nos está a invadir, qual onda de areia que tudo vai secando e impedindo que o olhar sorria para o futuro.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Máximas em mínimas (58) - de Matilde Rosa Araújo

1. "No fundo, todos temos uma necessidade enorme de nos comovermos uns com os outros. Mas só por fora, a maior parte das vezes. (...) Todos temos uma necessidade enorme de não nos bastarem as próprias dores, mas só para delas fugirmos." (in "Dez tostões numa bandeja")
2. "Na vida há necessidade de mentir porque os outros nos perguntam todos os porquês." (in "A menina pomba e Constança")
3. "Ser pobre custa. E então pobreza que se esconde é uma pobreza desgraçada." (in "Jantar de festa")
4. "A vida é qualquer coisa sempre pronta a fugir-nos das mãos, a fazer-nos sofrer. Só não tem este sobressalto quem já morreu ou não nasceu nunca. Mas há gente que tem a mania de filosofar com todas as coisas. Gente pretensiosa, afinal." (in "Jantar de festa")
5. "O que me interessa é o presente, olhar as pessoas no seu presente, ia a dizer do indicativo. Como são capazes de amar, viver, olhar os outros. Isso é que é importante, o eixo principal. O que sempre foi e será. Passado e futuro pertencem às contingências do caminho. Assim como um rio, isso, um rio que nós olhamos num ponto baixo, mesmo sobre a margem. Sabemos, ali. Talvez saibamos mais, mas ali estamos, vemos seixos e água." (in "Por nada")
6. "Com a idade dorme-se menos, talvez porque saibamos, sem o querer saber, que vamos dormir tempos sem fim. E, para nos iludirmos, consideramos tal como uma anormalidade." (in "Praia nova")
Matilde Rosa Araújo. Praia nova (Histórias simples). Lisboa: Editora Lux, 1962.