quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Bocage que Herlander Machado teatralizou


“Vem! Agora serei eu a tua única companheira... És meu, Bocage! És meu!” À mistura com suspiros, a Sétima Figura antecede as duas intervenções de Bocage que encerram a peça, constando na última o conhecido soneto “Já Bocage não sou!”. A figura feminina com tão intenso sentido possessivo é a Morte, guardada para ser a última a manifestar-se, depois de se ouvirem outras seis - Razão, Ternura, Descrença, Beleza, Fama e Má Fortuna -, cada uma identificada pela cor que veste (prata, rosa, azul, branco, ouro, vermelho e preto), todas convocadas para os derradeiros momentos de Manuel Maria, na Travessa de André Valente, em Lisboa, quando corria 21 de Dezembro de 1805.

Esta despedida passa-se nas duas últimas cenas (de um total de 29, divididas por três partes) da obra Bocage - O homem que destruía o amor, de Herlander Machado (1927-1992), publicada em 1966. O Diário de Notícias, em 1 de Maio desse ano, referia que, na Festa dos Finalistas da Escola Comercial Ferreira Borges, no dia anterior, ocorrera esta representação, com “assinalável êxito”, explicando que “os alunos pediram a um dos seus professores, o dr. Herlander Alves Machado, que os ajudasse no intento” da Festa - o docente escreveu a peça e os jovens representaram-na. Maior destaque deu o Diário da Manhã, em 20 de Maio, acrescentando ter Herlander Machado “uma obra magnífica de carácter cultural, especialmente no que se refere ao cultivo do gosto pelo teatro, entre os alunos”. Quanto à obra, “de profunda significação polémica e de escorreito desenvolvimento dramático”, assentava na “esquematização biográfica” e na “fidelidade histórica exposta na construção dos diálogos”. Comum na boa apreciação dos dois periódicos foi ver que as falas bocagianas eram palavras do próprio poeta e que o aluno Barradas de Sousa interpretou excelentemente a personagem Bocage.

O início desta obra acontece à noite, entre vultos, com apenas duas falas: a primeira, com a conhecida tríade de questões “quem és, donde vens, para onde vais”; a segunda, com a resposta colada ao poeta - “Eu?... sou o Bocage / E venho do Nicola / E vou para o outro mundo / Se disparas a pistola.” Se esta quadra pode induzir o espectador num conjunto de graças sobre a personagem, a verdade é que todas as restantes intervenções do poeta são construídas com textos seus, desde logo a partir da sua segunda entrada, por meio do soneto “Magro, de olhos azuis, carão moreno”.

O correr da peça acompanha a cronologia do herói, transitando por espaços (o Nicola, a Índia, Lisboa, a prisão, o mosteiro de S. Bento) e lidando com personagens que fizeram a sua vida - Gertrúria e Anália (mulheres por quem se apaixonou), os amigos (José Pedro da Silva, Morgado de Assentis, Pato Moniz e Josino Leiriense), uma rapariga “do povo” (que canta Bocage, a provar a popularidade do vate), os adversários (Curvo Semedo e Caldas Barbosa) e mesmo o inimigo  que se vai tornando presente no discurso, embora apenas aludido, Pina Manique. A personalidade do protagonista é traçada pelo contributo das várias personagens, entre amigos e inimigos - “teimoso”, “opinioso e inflamado”, “o vate mais estimado pelo povo e mais temido pelos eruditos”, “alegre e cómico, mordaz e satírico, irrequieto”, “insatisfeito”, “singular, tantas vezes insensato, mas sempre vibrante e verdadeiro”, “independente”. 

A peça, que fecha com Bocage, “na negritude dominante, iluminado por um cone de luz vermelha”, celebra a personagem, na defesa da sua humanidade e da sua obra, sempre tirando partido da beleza através da cor, da música e da poesia.

*J. R. R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 533, 2020-12-23, p. 7.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Ruben A.: liberdade no pensamento e na escrita


 

“Para os que quiserem dados objectivos de catalogação, informo que nasci no dia 26 de Maio de 1920, na Praça do Rio de Janeiro, número 25, 1º andar, em quarto que dá para o jardim chamado do Príncipe Real e que tem por lá a árvore mais extraordinária da cidade de Lisboa. Até essa altura eu era propriedade de minha Mãe.” O aviso consta na abertura do primeiro volume de O mundo à minha procura (1964), de Ruben A., nome literário de Ruben Alfredo Andresen Leitão (1920-1975), obra que teve mais dois volumes (1966 e 1968).

A escrita autobiográfica é uma das partes significativas da bibliografia de Ruben A. - Páginas (seis volumes, entre 1949 e 1970) e Um adeus aos deuses (1963) são os restantes títulos, todos com uma escrita vertiginosa, alheia a escolas, única, ao ritmo dos acontecimentos, que alia a cultura, a alegria, o gosto e as histórias intensas de uma vida, contada desde a infância, num misto de memórias, diário, relato de viagens, ironia, literatura, reflexão, inovação - “Escrevo por uma necessidade vital, biológica, fisiológica, anti-séptica, antibiótica.” (Páginas, VI).

Esta intensidade trouxe-lhe amarguras logo no segundo volume de Páginas (1950): lido por Salazar, Ruben A. foi levado a abandonar o leitorado no King’s College e iniciar uma peregrinação difícil, mas sem que o entusiasmo o abandonasse. A escrita, essa, prosseguiria - “um tipo como eu sem caneta é como missa sem padre” (Páginas, III, 1956).

Ao longo dos dez volumes, surge também o retrato social do seu tempo nos mais variados planos. Apreciador do belo em todas as áreas, defende que “a classe de uma pessoa provém 75 por cento da boa educação, 20 por cento da cultura e os outros cinco por cento distribuídos por vários factores mais ou menos racionais” (Páginas, IV, 1960), apontando referências - “Classe: existir no mundo um museu onde só é permitido tocar Bach e Beethoven” (Páginas, I); também Inês de Castro, “a mulher com mais categoria na nossa pátria de pouca história de mulheres para contar” (O mundo à minha procura, II). Em oposição, cria uma personagem como o Dr. Barbosa e Costa, que passa aqui e ali, “a figura mais notável da minha imagística pessoal” (Páginas, VI), para justificar, talvez, que “raras vezes os títulos, os cargos, ou os canudos mudam a coluna dorsal instalada no esqueleto do indivíduo” (O mundo à minha procura, III).

O ideal estético levou-o à Grécia (com esfuziante relato em Um adeus aos deuses), onde visitou nu o Museu Nacional de Atenas - “disse ao director que para ver bem o museu tinha de me despir (...). Meus Deuses, foi a primeira vez que vi as estátuas contentes”. Assim exprimia o desejo “total, absoluto, de penetrar naquele mundo” das esculturas helénicas, autenticidade também experimentada quando, em Epidauro, teve necessidade de ler Ésquilo em voz alta no teatro, surpreendendo os outros visitantes.

A construção da liberdade passa por vivências como a república coimbrã “Babaouo”, a viagem num táxi londrino de 1933 (o “Lord Snob”) de Inglaterra até Carreço, a distinção acutilante entre o Ruben A. e o Ruben B., a invenção de palavras, um mundo em que cada vez se vê “menos teórico nas coisas da vida”.

Miguel Torga, que lhe foi próximo, classificou a escrita de Ruben A., quando soube do seu falecimento, como “a singularidade de um estilo desabusado, emblematicamente vivido” (Diário, XII), traços que devem determinar a sua leitura e o apreço do leitor de hoje.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 528, 2020-12-16, p. 2.

 

sábado, 12 de dezembro de 2020

“Jóias do Passado em Portugal” - Quatro são na região de Setúbal


 

Na colecção “Edição Especial Viagens”, a National Geographic publicou o título Jóias do Passado em Portugal, obra que reúne 51 propostas de visitas a esse passado em 160 páginas assinadas por um leque de 16 autores.

Organizada em seis partes - “Pré-História”, “Idade dos Metais”, “Mundo Romano”, “Mundo Pós-Romano”, “Antes da Nacionalidade” e “Museus Inesperados” -, esta revista propõe quatro visitas no distrito de Setúbal: Quinta do Anjo (Palmela), Alcácer do Sal, Tróia (Grândola) e Miróbriga (Santiago do Cacém).

Os hipogeus (monumentos funerários do final do Neolítico) de Quinta do Anjo, escavados pela primeira vez em 1876 por António Mendes, são abordados no primeiro capítulo, em texto subscrito por Paulo Rolão - “este conjunto tumular, constituído por quatro hipogeus, é único no território nacional” e as construções “obedecem à arquitectura característica deste tipo de sepultamento, com topo aplanado, uma câmara subcircular dotada de abóbada com clarabóia superior central, antecâmara de planta ovalada e um corredor estreito com sentido descendente para a entrada da câmara”.

Já no segundo capítulo, é apresentado o recém-inaugurado Museu Pedro Nunes, em Alcácer do Sal, espaço que deve o seu nome a “um dos maiores matemáticos de todos os tempos” nascido naquela cidade. Pedro Sobral Carvalho garante que esta valência “é um daqueles espaços onde nos orgulhamos do nosso passado, onde todos nós, mesmo não sendo de Alcácer do Sal, sentimos e percebemos o que somos como povo e como país”.

As ruínas de Tróia integram a terceira parte, sendo consideradas por Inês Vaz Pinto “o maior centro de produção de salgas de peixe do Império Romano” - no que ainda existe, são identificáveis 29 oficinas de salga e cerca de 180 tanques, pensando-se que o enchimento destes tanques levaria 700 toneladas de peixe e 300 toneladas de sal, dados que conferem a este antigo povoado o estatuto de importante “motor económico do baixo vale do Sado” e ponto fulcral no desenvolvimento do Império.

Finalmente, a região de Santiago do Cacém surge pelo espaço das ruínas de Miróbriga, também incluída na terceira parte, referindo Filomena Barata tratar-se de complexo urbano que se estenderia até 9 hectares e que incluía um hipódromo, identificado em 1949, “raridade no contexto da Lusitânia”, com as dimensões de 359 metros de comprimento por 77,5 metros de largura.

Dirigida ao grande público, esta edição de Jóias do Passado em Portugal constitui uma acessível listagem de pontos relevantes da História de sítios que vieram a ser Portugal, com documentação fotográfica que passa também pela reconstituição dos espaços abordados.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Amália Rodrigues: Palavras e memórias


 

“As árvores têm uma raiz na terra, mas as nossas raízes espalham-se pelas terras dos nossos avós. As raízes de Amália Rodrigues são beirãs.” Assim fideliza Rui Pelejão as origens da mais conhecida fadista portuguesa no seu contributo para o livro Amália - A raiz e a voz, organizado por Arnaldo Saraiva, editado pelo Jornal do Fundão (2020). Essa fidelização surge atestada com cópia do registo de baptismo de Amália, cerimónia realizada na Matriz fundanense em 6 de Julho de 1921, quando a criança rondava o final do primeiro ano de vida - envolto em mistério, o dia rigoroso do seu nascimento derivava de um calendário medido pela agricultura, pois que sua avó dizia ter a neta nascido “no tempo das cerejas”, enigma que, na altura dos exames, Amália desvendou ser 23 de Julho de 1920.

Arnaldo Saraiva, na abertura, lembra que, em Amália, “o seu canto fundo transporta e sublima como nenhum outro as dores ou as fugazes alegrias do povo português e de uma mulher do povo português; mas transporta e sublima também as dores e alegrias de existir, os dramas e os amores da humanidade”, razões intensas para a leitura ir ao encontro de um retrato multifacetado.

Fortemente ilustrada, graficamente apelativa, estamos perante uma bela antologia de memórias, em que a ligação afectuosa de Amália às terras do Fundão e a sua identidade com o fado são grandemente lembradas. Contributo importante advém do arquivo do jornal, recorrendo a notícias sobre as suas actuações ou visitas à região ou a textos ali publicados sobre a cantora - de que se destaca um, assinado por David Mourão-Ferreira em 1994, que, a dado momento, poetiza: “Amália. Um ‘heterónimo’ de Portugal, o ‘heterónimo’ feminino de Portugal. Do que em Portugal existe de profundo e de fluente, de fixado e de erradio, de raiz e de flor, de tronco e de brisa. De rio, de escarpa, de céu límpido ou nublado, de montanha e de vale, de lonjura de planície, de abraço do oceano.”

Uma outra componente surge pelas palavras de entrevistas de Amália - à RTP, em conversa conduzida por Arnaldo Saraiva, emitida em 1987, agora passada a escrito, e ao Jornal do Fundão (em 1991 e em 1992), onde há momentos fortes, pela emoção ou pelo saber - em 1987, sobre os seus poemas: “Eu, como sou um bocado cantigareira, tenho a mania, como canto cantigas, tenho um sentido de ritmo, tenho uma medida das frases para os fados, e ponho-me a escrevinhar”; em 1991, sobre o fado: “Tenho a impressão que o fado me tem dado de comer e me tem comido. Sou o prato-forte do fado. Tenho tudo o que ele quer: desencanto, desilusão, falta de ambição, de interesse (...). O fado quer isto e eu tenho.”; em 1992, sobre o seu canto: “A minha maneira de cantar talvez tenha sido influenciada pela Beira Baixa. (...) Acho que a Beira Baixa é a terra onde há melhor música de folclore. É quase ao nível do Alentejo, está um bocadinho mais para cima. Como o Minho é a única região de Portugal onde se canta e se é alegre. O sul é mais tristonho.”

Parte significativa é ainda a de testemunhos sobre Amália, alguns elaborados para este livro, assinados por nomes muito diversos do mundo da crítica, da história ou da música. De Pedro Abrunhosa, um dos depoentes, fica uma frase que vale uma obra: “Amália, de uma assentada, desconfinou Camões da estatuária do Estado Novo e o Fado da letalidade endogâmica da tradição.”

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 523, 2020-12-09, pg. 9.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Eduardo Lourenço e o conhecimento dos Portugueses


Em 2002, Fernando Pinto do Amaral, ao pensar a exposição “100 Livros Portugueses do Século XX”, integrou na lista O Labirinto da Saudade - Psicanálise mítica do destino português, de Eduardo Lourenço (1923-2020), de 1978, conjunto de ensaios forte no convite à reflexão sobre nós, portugueses, sobre a nossa identidade, ainda hoje obra fundamental.

A ordem por que estão ordenados os nove ensaios, escritos entre 1968 e 1978, não obedece à cronologia: o primeiro texto do livro é o de produção mais recente (“Primavera de 78”) e o último é o mais antigo (Abril de 1968), ambos relacionados com a psicanálise de Portugal, chave do conhecimento que pode ser um “abre-te Sésamo” para a entrada no mundo lourenciano.

“Repensar Portugal” (1978), o segundo ensaio, contém um desafio e uma verificação – “o português médio conhece mal a sua terra - inclusive aquela que habita e tem por sua em sentido próprio - é um facto que releva de um mais genérico comportamento nacional, o de ‘viver’mais a sua existência do que ‘compreendê-la’”. “Repensar” aparece como redefinição necessária para a autognose portuguesa, sobretudo depois do abalo da mudança de regime, de espaços e de práticas devido ao 25 de Abril. A imagem conseguida dos portugueses fora mais cáustica em “Somos um povo de pobres com mentalidade de ricos” (1976), apontando a ostentação crescente, no domínio individual ou público.

O mito do “português-emigrante”, que o 10 de Junho explorou, surge em “A Emigração como Mito e os Mitos da Emigração” (1977), construção de uma outra imagem do português associada a Camões, nome que ocorre ainda em “A Imagem Teofiliana de Camões” e “Camões no Presente”, ambos de 1972. Durante o século XIX, Camões foi pretexto para a imagem de Portugal dentro e fora do país, haja em vista a utilização que dele foi feita pelos românticos, vincando-se a questão das imagens do poeta que conferiu a Portugal existência épica, com uma epopeia sobre assunto histórico, a única que da literatura portuguesa passou para o cânone universal, mas acautelando-se Eduardo Lourenço quanto às imagens criadas em torno de Camões.

O domínio da literatura evidencia-se em “Sérgio como Mito Cultural” e “Da Literatura como Interpretação de Portugal”. No primeiro, de 1969, questiona-se o ensaísmo de Sérgio, oscilando entre o seu espírito de polemista e uma “retórica da dúvida” que o caracterizará. De 1975 é o segundo, cujo título expõe o laboratório lourenciano, adepto de uma visão da literatura como forma de descoberta da identidade, num percurso desde Garrett.

Quanto aos dois restantes ensaios, separados entre eles por uma década, em “Psicanálise de Portugal”, de 1968, a propósito da obra Diálogo em Setembro, de Fernando Namora, ressalta a relação dos portugueses com o estrangeiro, mostrando uma tentativa de definição de Portugal obtida por espelho, em que pesam as abundâncias dos outros, isto é, do estrangeiro. A necessidade da viagem surge para o confronto com o que somos, sendo “o encontro com os outros o verdadeiro encontro connosco”. O primeiro texto do livro, de 1978, “Psicanálise Mítica do Destino Português”, constitui viagem pela imagem dos Portugueses, que só foi questionada no seu interior quando já corria o século XIX, manteve um percurso que até 1978 teve curta imaginação e foi marcada pelos traumas advenientes de momentos históricos. Quando o texto termina, deixa uma questão: “Para quando a nova viagem para esse outro desconhecido que somos nós mesmos e Portugal connosco?”, forma que poderia ser de concluir este livro se a ordem fosse diferente da que lhe ordena o índice... Foi essa viagem que Eduardo Lourenço fez e nos ensinou a fazer!

*J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 519, 2020-12-02, pg. 9.


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Memória: Eduardo Lourenço (1923-2020)



De Eduardo Lourenço guardarei o saber do pensar pausado, questionador, burilador de caminhos novos. A inquietação perante aquilo que parece seguro. O muito que aprendi seguindo os seus textos, não esquecendo o deslumbramento com que li O Labirinto da Saudade. A simpatia com que me atendeu um dia. O despojamento e a modéstia com que falava, interrogava, partilhando momentos do pensar perante públicos que o ouviam, curiosos e atentos. Obrigado, Professor Eduardo Lourenço!

sábado, 28 de novembro de 2020

Papa Francisco: da pandemia para o futuro

 


Ao retomar as audiências gerais, em 2 de Setembro, falando sobre os efeitos e as mudanças provocadas pela pandemia, o Papa Francisco dizia: “Hoje a solidariedade é o caminho a percorrer rumo a um mundo pós-pandemia, para a cura das nossas doenças interpessoais e sociais. Não há outro. Ou seguimos o caminho da solidariedade ou a situação vai piorar. Quero repetir: não se sai de uma crise da mesma forma que antes. A pandemia é uma crise. De uma crise só se sai melhores ou piores. Temos que escolher.” Já passavam cinco meses desde que, naquele final de 27 de Março, o mundo assistiu a um Papa sozinho na Praça de S. Pedro, numa mensagem “urbi et orbi”, em jeito de oração pela Humanidade, que assim começava: “Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem.”

O forte peso metafórico da comunicação papal de Março serviu para mostrar a vulnerabilidade que dominava o mundo, num ritmo desajustado, ganhando terreno algumas verdades fundamentais: “ninguém se salva sozinho”, “não somos auto-suficientes” ou as necessárias “novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”, três convicções expressas nessa comunicação.

Esta comunicação, bem como outras sete intervenções do Bispo de Roma produzidas até 22 de Abril, integram o livro Vida após a pandemia (Paulinas Editora), prefaciado pelo cardeal checo-canadiano Michael Czerny, que considera conterem estes textos “directrizes para a reconstrução de um mundo melhor”, numa perspectiva de reflexão sobre desafios para novas práticas nas áreas das actividades económicas, do trabalho, da assistência de saúde, uma vez que “a nossa vida, após a pandemia, não pode ser uma réplica do que se passou antes”.

Nas várias intervenções de Francisco aqui coligidas, é insistente o princípio da “preparação para o depois”, seguindo um caminho de onde não podem estar ausentes a vivência da solidariedade (“este não é tempo para a indiferença”) e a fraternidade (“este não é tempo para egoísmos”). Na homilia pascal, de 12 de Abril, o Pontífice punha a tónica nos decisores, lembrando-lhes que “este não é tempo para continuar a fabricar e a comercializar armas”, insistindo nas várias crises humanitárias que corriam em paralelo com a pandemia, aí incluindo já a vivida na região moçambicana de Cabo Delgado. No mesmo dia, em “Carta aos Movimentos Populares”, Francisco continuava directo: “Espero que este momento de perigo nos tire do piloto automático, sacuda as nossas consciências adormecidas e permita uma conversão humanística e ecológica que termine com a idolatria do dinheiro e coloque a dignidade e a vida no centro.”

Cinco dias depois, na revista espanhola Vida Nueva, o Papa enunciava dois princípios da “nova imaginação do possível” - o primeiro, “se agirmos como um só povo, até diante das outras pandemias que nos ameaçam, poderemos ter um impacto real”; o segundo, “a globalização da indiferença continuará a ameaçar e a tentar o nosso caminho”. Em 22 Abril, Dia Mundial da Terra, retomava o princípio já habitual neste Papa - “amar e apreciar o magnífico dom da Terra, nossa casa comum, e cuidar de todos os membros da família humana.”

Os discursos de Francisco em Vida após a pandemia acentuam a responsabilidade colectiva e são directos, entendíveis para todos, numa linha de insistência, com pistas para a reflexão e acção que se impõem a cada um.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 515, 2020-11-25, pg. 9.


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Emília e as memórias da conserveira

 


“As mulheres conserveiras protagonizaram uma das páginas mais brilhantes da história de Setúbal.” A afirmação, no ensaio “Indústria conserveira - Mosaico de um futuro anterior” devido a Vanessa Iglésias Amorim, João Pedro Santos e Jaime Pinho, serve de mapa sociológico para o texto dramático A Casa de Emília, de Luísa Monteiro, levado à cena recentemente pelo Teatro Estúdio Fontenova. Os dois textos complementam-se e integram o livro com o título da peça, editado pelo grupo de teatro setubalense.

O trabalho ensaístico parte de entrevistas e de histórias pessoais e percorre o quotidiano das mulheres nas fábricas de conserva, registado nas questões de género, condições de trabalho e retrato social. A participação feminina setubalense na indústria conserveira tem escasso estudo, reduzindo-se, frequentemente, a curto (sub-)capítulo nas publicações sobre o tema, mas, em 2000, foi mostrada em Alguns aspectos da indústria conserveira em Setúbal, trabalho muito apoiado nas entrevistas (34 mulheres em 40 entrevistados), promovido pelo Museu do Trabalho.

A força das operárias, a sua resistência, os abusos perpetrados ou insinuados a que foram sujeitas, o esgotamento físico, a inferioridade na hierarquia, a vida familiar condicionada pela fábrica (mesmo na educação dos filhos, que, desde muito cedo, acompanhavam a mãe, tornando-se também eles operários ou operárias), uma certa segregação social (em que desempenhava papel importante o cheiro do peixe), as diferenças salariais motivadas pelo género, tudo passa pelos testemunhos que permitem a primeira parte do livro e se ilustram na segunda.

A história de Emília (num tempo em que a indústria conserveira sadina já pertence ao passado) conta seis personagens, quatro delas vivendo sob o mesmo tecto. Emília, a conserveira, gere toda a narrativa no que é devido a memória, pondo a nu o que foi a sua vida na fábrica, estatuto que lhe dará o direito de, quase no final da peça, poder dizer à filha, Albertina, que “tudo quanto diz respeito àquilo que conserva, mulheres incluídas, são de grande bem para a humanidade”, uma outra forma de chamar sobre si a responsabilidade de personagem principal.

Pelo discurso de Emília passam os avisos a Albertina, e à neta, Amélia, bem como a autoridade e algum desprezo por Artur, o genro, filho do antigo encarregado da fábrica onde Emília trabalhou e actual amante da nora de João Rodrigues, que tivera uma relação com Emília. Numa curta história, o leitor / espectador acaba por ter presente o quotidiano da geração de Emília numa vida não suficientemente vencida, magoada pelo que foi e pelo que não pôde ser (no trabalho e no amor), dotada de um sofrido conhecimento do ser humano a partir da sua experiência, muito ajudada pelo coro nos pensamentos sobre esse passado; presente também está o tempo de Albertina, mulher de limpezas, aí incluindo um certo varrer do mal, em simultâneo com a protecção da casa; finalmente, os momentos de Amélia, a neta, baloiçando entre amores (de Zeca, ex-namorado, com final infeliz, e de Ruben, personagem apenas aludida), carinhosa para a avó, desprendida desse passado mais antigo. Entre Rodrigues, ex-amante de Emília quando já tinha um compromisso com Aurora, e Artur há uma quase relação em espelho, até chegarem a um encontro combinado no final, em torno da verdade ou da mentira, porque, como Rodrigues diz, há um “sono nebuloso e denso, violento e negro em cada um de nós”.

Luísa Monteiro conseguiu com esta obra aquilo que se propôs: “levar a vida intemporal para o palco, perpetuar as histórias dos outros e levá-las de regresso à pedra de nascença.” E as memórias das mulheres conserveiras saem fortificadas...

* J.R.R., in O Setubalense: nº 510, 2020-11-18, p. 9.


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Alfredo da Silva, o engenh(eir)o da CUF



Sobre o provincianismo lusitano, Fernando Pessoa criticou o escol português por “incapacidade de concentração voluntária, espírito de imitação e ausência de espírito crítico”. A seguir, emendava a mão: “Faço uma leve reserva quanto ao escol industrial: não há entre os nossos intelectuais, artistas, jornalistas ou políticos alguém cuja iniciativa e poder de coordenação se compare com os de, por exemplo, o Sr. Alfredo da Silva no campo industrial.” E concluía: “Por desastre, porém, e para mal nosso, o escol industrial não tem, por natureza, influência intelectual alguma, e assim não serve de vivificar o escol em geral.”

O texto pessoano, recolhido em Ultimatum e Páginas de Sociologia Política (1980), serve para José Manuel Sardica abrir a obra Alfredo da Silva e a CUF: Liderança, Empreendedorismo e Compromisso (Cascais: Principia Editora, 2020, com apoio da Fundação Amélia de Mello), justificando mesmo os três valores enunciados no subtítulo, nesta que é uma das primeiras iniciativas da programação dos 150 anos do nascimento do industrial que pôs o Barreiro no centro dos seus investimentos. 

Além do percurso da vida e obra de Alfredo da Silva (1871-1942), o leitor inteira-se também sobre as tensões políticas e laborais que assolaram os empreendimentos do grupo CUF, sobre uma nova visão da responsabilidade social empresarial relativamente aos colaboradores (gesto em que Alfredo da Silva foi quase pioneiro, criando habitações, escola, serviços de saúde - a origem da rede hospitalar CUF que hoje conhecemos -, formas de lazer, cantinas, protecção social para os trabalhadores das suas empresas, dinamizando a ideia de uma “família cufista”), estendendo-se a narrativa até à actualidade (grupos Sovena e José de Mello), pois esta obra se assume também como a história de uma família. Os vectores apontados por Sardica assentam numa gestão intensa nas fábricas do grupo, num reinvestimento dinamizando o seu crescimento, num compromisso patriótico e social, configurados num homem de lemas como “mais e melhor”, “ganhar se possível e perder se necessário” ou “o que o país não tem a CUF cria”, assim se sintetizando os trunfos que conduziram Alfredo da Silva: “planificar a médio e longo prazo, ser original e inovador nas escolhas de investimentos, calcular muito bem riscos e benefícios e solidarizar a riqueza pessoal com a riqueza criada.”

Marcas como Carris, Totta, Tabaqueira, Império, SG (Sociedade Geral), CUF, ou áreas como os adubos, as oleaginosas ou a construção naval foram os principais degraus por que passou a acção deste homem que, em 1908, chamou o centro da sua actuação para a Margem Sul, chegando a desejar ser sepultado no Barreiro, “pois, mesmo morto, queria estar sempre a olhar para as suas fábricas”. Passou circunstancialmente pela política (deputado por Setúbal em 1906) e cruzou ideias com políticos (João Franco, Sidónio Pais, Oliveira Salazar), nem sempre convergindo; sofreu quatro atentados, a que sobreviveu por sorte; viveu exilado em Espanha; contornou a onda revolucionária e grevista do início da República, a acusação de germanofilia que lhe foi imputada na Primeira Guerra, os efeitos do “crash” de 1929 e as dificuldades trazidas pela Segunda Guerra. Os seus restos mortais seriam trasladados para mausoléu no Barreiro dois anos após o falecimento.

A leitura acessível e a informação essencial povoam este livro, na perspectiva de cativar (também) o público estudantil para a investigação sobre a vida, a obra e o tempo do biografado, visando concurso a acontecer ao longo deste ano lectivo. Estamos perante uma biografia muito bem tecida, repleta de informação actualizada (chega a estabelecer correspondência dos valores do dinheiro com o tempo de hoje numa sensibilização à história económica), que não omite as vulnerabilidades do tempo e das circunstâncias, deixando claro, sobre Alfredo da Silva, que “a história da sua CUF é a sua história de vida”.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 505, 2020-11-11, p. 9.


Memória: Gonçalo Ribeiro Teles (1922-2020)

Há um livro sobre o arquitecto Ribeiro Teles, publicado em 2003 na forma de catálogo, cujo título é A utopia e os pés na terra. Bem escolhido, é uma síntese extraordinária do que foi o contributo de Gonçalo Ribeiro Teles para a valorização do paisagismo.

A utopia e os pés na terra, pelo menos para este defensor da paisagem, não foram inconciliáveis e puderam co-existir. É por isso que, passados anos, os jardins da Gulbenkian continuam a ser lindos. É por isso que o contributo que nos legou continuará a ser importante, assim os decisores o queiram. Obrigado, arquitecto!

(Fotografado por: José Alex Gandum)


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Helena Marques: a vida, como a ilha, é um cais

 

Sobre o final da sua carreira jornalística no Diário de Notícias, publicou o primeiro romance, O último cais, obra premiada nesse 1992. Até 2010, mais quatro romances e um livro de contos constituíram a obra literária de Helena Marques (1935-2020, falecida há dias), que, na obra inaugural, trouxe um retrato da Madeira (a que estava ligada por razões familiares e por lá ter vivido) e da condição da mulher numa narrativa em que o amor e a morte caminham lado a lado.

O último cais conta uma história balizada entre 4 de Setembro de 1879 e 1904, iniciando-se com uma transcrição do diário de bordo da personagem Marcos, na costa de Moçambique em “fiscalização e repressão do tráfico de escravos” (como Raquel, a esposa, o apresentará mais tarde, ao defender o abolicionismo). O derradeiro capítulo, o décimo-terceiro, tem o título da obra, conjugação que implica um contacto próximo com o mar, com a viagem (real ou metafórica), ajudando na definição do que será viver numa ilha. Oito dos capítulos titulam-se com nomes femininos, cedidos por personagens da história, havendo três que tomam os nomes masculinos de outras tantas personagens, aspectos que valorizam a presença da mulher, por um lado, e o relacionamento entre personagens, por outro - surgindo uma família grande, com figuras modeladas exaustivamente, vincando-se a condição da mulher (na recusa de uma personalidade de Penélope) a partir do contributo de cada uma das personagens femininas do enredo.

Pelo romance passam o quotidiano (a vida nas quintas, as festas, o ambiente familiar, a relação com as criadas, a importância da casa) e as marcas dos tempos (a chegada do telégrafo, o aparecimento do fonógrafo, a presença estrangeira na ilha), a política (a libertação dos escravos em África, o tricentenário camoniano e os republicanos, o sufragismo) e a noção do que é a vida da família, nas suas aproximações e desencontros, “tecendo-se com o amor e a morte”.

As muitas referências literárias participam na definição das ideias e na caracterização das personagens: a garrettiana Maria, de Frei Luís de Sousa, ecoa na jovem Benedita, quando, aos quinze anos, expõe aos pais o seu “raciocinar como uma pessoa mais velha”; a relação amorosa de Maria dos Anjos e Xavier lembra  Paulo e Virgínia, de Bernardin de Saint-Pierre; Raquel recebeu formação italiana, eternizando o afecto pela Divina Comédia, de Dante; a Bíblia é lida e interpretada criticamente; Luciana cruza-se com a flaubertiana Bovary, que a influencia; João de Deus é enaltecido pelo contributo da Cartilha Maternal; Clara aprende o inglês com as obras de  Lewis Carroll, não esquecendo as aventuras de Alice; o americano John dos Passos entra na história por uma relação familiar, merecendo um comentário irónico pelo seu quase esquecimento das memórias da Madeira; Marcos recorda-se de quando leu Guerra Junqueiro e das discussões sobre anticlericalismo com o cónego Nicolau.

A história, contada um século depois do diário de bordo que abre o livro, exige da narradora, herdeira de Carlota, frequentes recuos na narrativa, conciliadores dos tempos e das personagens. No final, Marcos está no “último cais”, como espectador, à espera da entrada no Paraíso. Assim, O último cais é o itinerário de uma viagem em múltiplos sentidos: no tempo, indo até aos ambientes do final oitocentista; na acção, em que se reconstitui a identidade de uma família; no “eu”, que busca permanentemente um sentido para a vida. Um romance em que a vida, como a ilha, é um cais.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 500, 2020-11-04, pg. 9.


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

História(s) do Bairro de Troino

 

Em 10 de Janeiro de 1867, no Distrito de Évora, Eça de Queirós escrevia: “Na história, o povo deve ser tudo; as individualidades, pouco.” E justificava: “O que nós queremos saber é o espírito das gerações. O que a nossa curiosidade pede é ver como o passado compreendeu as coisas vitais da humanidade: a família, o trabalho, a educação, as instituições.” A questão relacionava-se com aquilo que era (é) designado por “história oficial”, versão de que Eça convidava a desconfiar.

Vem esta evocação a propósito do mais recente livro de história local dedicado a Setúbal, O Bairro de Troino - Contributos para a sua História, assinado pelos historiadores Diogo Ferreira e João Pedro Santos e pelo “troineiro” Eduardo Silva, que também patrocinou a edição.

A obra, fortemente ilustrada e sobre um acervo bibliográfico vasto, assenta em dois vectores: o primeiro, de investigação histórica, em cinco capítulos, apresenta a narrativa do bairro desde a origem toponímica, passando pela sua ligação e inserção na urbe, pela estrutura social, por episódios da resistência política do século XX e pelo património construído, e tem a assinatura de Diogo Ferreira e de João Santos; o segundo, de cunho eminentemente memorialístico, assente numa visão emotiva e vivida, traz o testemunho de Eduardo Silva, nascido no bairro no final da década de 1930.

O leitor pode assistir à evolução e papel daquele território na construção da cidade, desde o tempo em que era considerado um espaço mais ou menos marginal, de arrabalde, até ao momento em que se impôs como espaço privilegiado de uma comunidade ligada à pesca, chegando à identidade administrativa de freguesia, desenvolvendo-se industrial e comercialmente. Interessante se torna visualizar o “caleidoscópio social”, abordando as áreas profissionais predominantes e a sua identidade: a indústria do mar (o pescador e a sua comunidade, condições de vida, operariado conserveiro, construção naval - havendo espaço para um dos autores homenagear um seu antepassado que na construção de embarcações se destacou), o pequeno comércio (com destaque para a mercearia “Confiança”, hoje recuperada e funcionando como mostra musealizada, ou para espaços de convívio como os cafés, alcançando particular interesse testemunhal e evocativo o texto sobre os matraquilhos na “Taberna do Luciano”, devido a Paulo Anjos), a religiosidade (presente no historial e registo de vivências da festa de Nossa Senhora da Arrábida). Igualmente importante é o capítulo dedicado àqueles que foram incomodados por defenderem mudanças e ideias, sempre com a perseguição policial no seu encalço: de grevistas ou libertários a revolucionários ou heróis, os seus nomes saltam de uma consciência de classe e de humanidade com a qual nem sempre o poder concordou. Sobre o património arquitectónico, percebe-se que a Anunciada (freguesia a que pertence Troino) é rica de história e detém marcos que configuram a identidade setubalense, haja em vista referências como a igreja da Anunciada, a Fonte Nova, o Convento de Jesus, a Casa dos Pescadores ou o Orfanato Municipal, entre outros, em descrições que englobam a história e as histórias que lhes estão associadas.

Finalmente, a escrita mais memorialística de Eduardo Silva percorre muitos dos aspectos que forjaram a infância e juventude do autor, indiciando forte ligação ao bairro - por ali passa um sentido de pertença muito visível, a informação toponímica, os jogos infantis, alguns naturais do bairro que se têm destacado em diversas áreas, bem como diversas profissões entretanto desaparecidas.

Esta obra consegue aliar o que existe em anteriores investigações a novas histórias e juntar o rigor pretendido na informação histórica e a emoção dos que a escrevem, regendo-se por uma leitura acessível, levando o leitor a estar muito próximo do mundo e da história de que se fala.

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 496, 2020-10-29, pg. 10.