quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Máximas em mínimas (91) - Dos compromissos

"Não vivemos tempos de consensos, mas de compromissos. Não podemos pensar todos da mesma maneira, por isso temos de encontrar soluções para podermos viver juntos. Eis uma tarefa nem sempre fácil."

Quem isto disse foi o arquitecto Nuno Portas, no final de uma conversa com outro arquitecto, Siza Vieira, publicada na última edição do JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias (de 22 de Agosto, pp. 6-9). O tema foi a arquitectura, claro, mas há verdades que são dos homens e da intervenção cívica e não dos técnicos. E esta é uma delas, que bem podia ser o fundamental pilar da democracia... e da política!

Força, Simone (a nadadora paralímpica palmelense)!

A nadadora portuguesa Simone Fragoso apurou-se esta quinta-feira para a final dos 50 metros livres S5 (nanismo), em prova dos Jogos Paralímpicos de Londres2012.
A atleta fez o quarto tempo da segunda eliminatória (44.49 segundos), mais 8,06 do que a vencedora. Ver mais »»»



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

N'«O Setubalense» de hoje - Alice Brito e Maria Barroso, dois livros



Duas mulheres, dois livros. Duas mulheres ligadas a Setúbal, duas mulheres conhecidas pelo seu compromisso social e político, duas mulheres que (se) escrevem, em duas boas propostas de leitura.
De Alice Brito saiu já há uns tempos a narrativa de ficção As mulheres da Fonte Nova (Lisboa: Planeta, 2012), um romance que, sem exagero, pelo menos os setubalenses deveriam ler, não só por uma questão de apreço por uma autora local, mas sobretudo pelos vectores de identidade ligados à cidade do Sado que por esta obra ressaltam.
Dispenso-me de contar a história que povoa o livro. Mas chamarei a atenção para essas personagens que são a cidade e as suas gentes, ondulantes, uma e outras, pelos meandros de uma trama de famílias, de política, de grupos sociais, de tomadas de posição. Não há uma única referência ao nome da cidade, mas também não era necessária porque o topónimo Fonte Nova não deixaria enganar… No entanto, todas as referências a sítios ou ruas são facilmente reconhecíveis para os setubalenses. Assim se transforma uma história local(izada) em algo cujo interesse ultrapassa essa fronteira, haja em vista o retrato social apresentado, por exemplo, que não é exclusivo de Setúbal.
De um ponto de vista de informação, o livro de Alice Brito, apesar de ser uma ficção, introduz o leitor no ambiente vivido na cidade conserveira entre os anos 30 e 70 do século passado, caracterizando uma época e dando ideias sobre a intervenção política, sobre o papel da mulher, numa cidade e numa sociedade grávidas de contrastes e de contrariedades.
É uma história bem contada, bem escrita, com imagens muito sugestivas, num jogo assumido entre narradora e personagens, saltando entre o tempo da narrativa (no passado) e o tempo do leitor (no presente), criticando, reflectindo. Uma obra a ler, repito.
Maria Barroso é trazida para esta crónica devido ao projecto que o semanário Sol está a levar a cabo: uma edição em 18 volumes, com publicação semanal, reunindo duas obras – oito fascículos de correspondência, Cartas a Mário Soares (1961-1974), título constituído pelas missivas enviadas por Maria Barroso ao marido durante o seu tempo de prisão, de viagem, de degredo ou de exílio, e dez fascículos memorialísticos, Álbum de memórias, redigidos pelo jornalista Vladimiro Nunes.
A ligação de Maria Barroso a Setúbal vem contada no segundo volume das memórias – na sua infância, entre 1926 e 1935, viveu em Setúbal e episodicamente em Palmela, acompanhando a mãe, professora que foi nestas duas localidades, e o pai, militar em Setúbal, com interrupções várias. Há ainda a ligação de Maria Barroso ao poeta Sebastião da Gama, recordada no quarto volume das memórias, conhecimento e amizade vindos desde a Faculdade de Letras.
Se as biografias são importantes para o leitor se confrontar com trajectos de vida singulares, não menos interessante é o passeio pela correspondência produzida pela imagem que o próprio de si dá, sem intermediários, sem preparação propositada, retrato espontâneo e descomprometido, ainda por cima quando se trata de cartas dirigidas a familiares.
As cartas de Maria Barroso para Mário Soares revelam uma mulher actuante, assumindo todos os compromissos familiares, profissionais e sociais em seu nome e em nome do marido. Por aquelas cartas passam valores, momentos de desabafo, preocupações, considerações sobre a vida e sobre a política, combates à solidão, afecto e preocupação, dádiva, organização e necessidade de lutar e de trabalhar, acompanhamento dos filhos e dos familiares, entendendo o leitor que a intenção de Maria Barroso era a de tornar o mundo familiar presente a Mário Soares, assim impedindo que as interrupções da vida em comum equivalessem a descontinuidades e possibilitando que os projectos em que estavam envolvidos pudessem continuar a ser gizados a dois. São cartas que apaziguam quem as escreve e que pretendem idêntico efeito no destinatário, que se alicerçam na partilha e na comunhão para que o sofrimento das lonjuras seja, pelo menos, esbatido.
Duas possibilidades de leitura de escritas no feminino, uma e outra eivadas de um sentido de intervenção e de responsabilidade cívica, uma e outra devidas a mulheres que se cruza(ra)m com Setúbal em áreas diversas e em tempos vários. Alice Brito e Maria Barroso, uma na ficção e outra no testemunho, são dois bons nomes para leitura nestes tempos de certa desolação e aridez.

domingo, 12 de agosto de 2012

Máximas em mínimas (90)


Infelicidade – “Só as pessoas infelizes é que se perguntam qual o sentido da sua vida.” [Maria Barroso. Cartas a Mário Soares 1961-1974 (vol. 5). Org.: Vladimiro Nunes. Lisboa: “Sol” / Fundação Pro-Dignitate, 2012, pg. 73 (carta de 09-10-1970)]

Envelhecer – “Estamos a envelhecer e chegam todas as coisas desagradáveis que a passagem do tempo nos traz. Temos de ter paciência e aceitar aquilo que se nos apresenta – por muito desagradável e duro e injusto que seja – com o máximo de coragem. Há um momento da nossa vida em que sentimos que uma etapa nova começa para nós e que qualquer coisa de fresco, de bom, de muito importante se perdeu para sempre.” [Maria Barroso. Cartas a Mário Soares 1961-1974 (vol. 5). Org.: Vladimiro Nunes. Lisboa: “Sol” / Fundação Pro-Dignitate, 2012, pg. 66 (carta de 23-09-1970)]

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eduard Vilde, "O leiteiro de Mäeküla"


Ulrich von Kremer, Tõnu Prillup e Mari constituem o trio de personagens que motivam a narrativa de O leiteiro de Mäeküla (1916), do escritor estoniano Eduard Vilde (1865-1933), numa saga que se alimenta dos contornos psicológicos dos actores, sobretudo Kremer e Prillup, amo e trabalhador, respectivamente, passada nos arredores de Tallinn na última década do século XIX.
Mari é personagem quase remetida ao silêncio, com escassa caracterização, apesar de ser ela quem domina a história e quem lhe põe um fim. Prillup, que virá a ser “o leiteiro de Mäeküla”, vive com os filhos ainda crianças e com Mari (que veio substituir a irmã, esposa de Prillup, entretanto falecida). Kremer deixa-se fascinar pelos encantos de Mari e propõe a Prillup um contrato: dar-lhe-ia o lugar de leiteiro se ambos partilhassem os amores da rapariga, Prillup enquanto marido e Kremer como amante, um pacto com o seu quê de diabólico.
Ansiando desde há muito um melhor lugar nas quintas de Kremer, vivendo a desejar as riquezas que podiam advir da função de leiteiro (notadas na prosperidade de quem desempenhava essa função no momento), deixando-se levar pela sua ambição, querendo também agradar ao senhor, Prillup acaba por conversar com a mulher no sentido de ser dado cumprimento ao contrato, que, após alguma rejeição, acaba por ser iniciado e o lugar cobiçado de leiteiro muda de mãos e Mari passa a desempenhar também o papel de amante com a concordância do marido.
O romance constrói-se com o debate interior de Kremer e de Prillup quanto às dúvidas, ao pecado, à ambição, à coerência, aos sentimentos. O negócio acabará por não ser tão vantajoso quanto era imaginado e Prillup começa a viver a amargura da solidão, do insucesso material, das dívidas, da falta de amor, enredado numa teia que o derrubará. E quando se pensa que von Kremer vai ter Mari apenas para si, leitor e personagem são enganados, porque a rapariga que viveu a história quase sempre calada e sendo o objecto dos dois homens rejeita a proposta do amo: ia finalmente viver para a cidade, a sua ambição máxima e promessa que Prillup lhe fizera para a convencer a entrar no pacto. E mesmo perante a insistência do pedido de Kremer a resposta é certa e decisiva: “Quando estiver na cidade, quero ser um pardal, não um canário numa gaiola.” Depois, qual gesto de ironia e de sarcasmo direccionado para os costumes, “solta uma risada alegre e vai-se embora.”
Por este romance passam temas como a independência da mulher, a imagem do campo e da cidade como opressão e como libertação, o domínio dos camponeses estonianos pela nobreza germânica, o papel da religião com alguma hipocrisia à mistura. A trama que anima O leiteiro de Mäeküla (Col. “Nova Europa”. Lisboa: Cavalo de Ferro Editores / Grande Reportagem, 2004) prende o leitor, mesmo quando se confronta com as fraquezas dos actores, sobretudo pela densidade psicológica posta no trabalho com as personagens, um quase desempenho laboratorial à maneira de Zola, que ajuda a perceber a complexidade das decisões humanas, seja no desculpar os momentos de fraqueza (“Não é humano desejar o fruto proibido?”, argumento retórico de von Kremer para justificar a proposta a fazer a Prillup), seja na dificuldade de encarar as mais duras realidades (“As palavras importantes são sempre as mais rápidas.”, lembra Mari a von Kremer a uma página do desfecho).

Rostos (181) - Eduard Vilde

Monumento a Eduard Vilde, em Tallinn

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Vasco Graça Moura e o cânone literário

No Diário de Notícias, Vasco Graça Moura escreve sobre o cânone literário e a sua importância na educação e no domínio da leitura, na cultura geral e na formação estética. Um texto de opinião a ler, sem tendências saudosistas, mas com preocupações culturais e de identidade, que aflora uma questão já desde há muito sentida.
Naturalmente que, quanto a este assunto, o vazio que foi sentido durante uns tempos está já a ser ultrapassado, haja em vista a preocupação dos programas da disciplina de Português e as suas indicações alusivas à competência da leitura ou o Plano Nacional de Leitura ou a dinamização que tem sido promovida pelas bibliotecas municipais e pelas bibliotecas escolares ou a promoção que da leitura tem sido feita por muitos professores em projectos diversos!
Mas a preocupação expressa por Vasco Graça Moura quanto à utilização do cânone literário na escola, construído com base na qualidade e literária e na importância cultural, deve ser uma constante.


Rostos (180)

"La Paix se révèlant à l'Humanité - Hommage de la ville de Creil
à ses enfants morts pour la Patrie", em Creil (França)
[foto de Fátima R. Ribeiro]

sábado, 4 de agosto de 2012

Uns... e os outros: uma crónica sobre Miguel Relvas


No Expresso de hoje, Daniel Oliveira publicou a crónica “O bom malandro”, sujeita ao tema de Miguel Relvas e por causa do que a revista Visão sobre ele escreveu. Vou buscar a crónica de Daniel Oliveira porque ele sintetiza aquilo que penso de toda esta história em torno do ministro que temos, um cidadão com um percurso normal num país em que os valores se pautam como se vê e como sabemos.
Transcrevo um excerto, do final da crónica, por me parecer lapidar: “Ao olhar para a vida de Relvas, revejo a vida de muita gente. Nos partidos, nas empresas, nas famílias. Gente que tem na falta de exigência ética o segredo do seu sucesso. (…) Ainda me revolv[e] as entranhas saber que o meu futuro pode depender de gente assim. É verdade que não há, na vida de Relvas, nada de extraordinariamente chocante. Não se trata de um genial canalha. É apenas mais um fura-vidas. Mas é precisamente a sua vulgaridade, como retrato do poder, que me deprime.”
Não sei que acrescentar. Ah, ainda uma coisa: aquando da primeira fase dos exames do 12º ano deste ano, um ex-aluno virava-se para mim (andava o caso da licenciatura do ministro no auge) e dizia-me: “Está a ver, professor? Para quê estar sempre a dizer-nos para trabalhar e para estudar? A gente faz umas coisas, pede equivalências e chega lá… até a ministro, se preciso for…” A única coisa que alterei na reprodução do discurso do jovem foi a palavra “coisas”, porque o seu termo foi mais vulgar…