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quarta-feira, 13 de junho de 2012

Mia Couto - cinco excertos sobre a língua portuguesa (que nos une)


Na edição da revista Tempo Livre deste mês (Lisboa: Fundação Inatel, nº 238, Junho de 2012), é publicada entrevista de Mia Couto a Humberto Lopes em que são abordadas questões da literatura, da lusofonia, de Moçambique, do acordo ortográfico e da identidade. Aqui registo alguns excertos.
CPLP – “Qualquer organização que junta países que estão tão distantes tem que enfrentar [um] processo [que] tem que ser olhado com verdade. O que me faz aflição é que há quem pense que ela já está criada… E ainda não está, tem que nascer… Falta nascer no sentido em que essas organizações têm que nascer várias vezes… e têm que estar no lugar certo. Por exemplo, acontece qualquer coisa na Guiné ou em qualquer um desses países da comunidade e tem que se perceber como é que ela é útil e que conquistou um lugar.”
Países de língua portuguesa – “Esses países têm uma expressão diversa, são países que, sendo de língua portuguesa, têm outras línguas, têm outras maneiras de respirar e de pensar que têm de ser consideradas de forma inclusiva, que não se podem marginalizar. E isso significa pensar de todas as maneiras possíveis, económica, etc… Como fazer dicionários, como fazer trocas em que estas línguas falem realmente com o português, dialoguem com o português para que qualquer cidadão destes países possa saltitar entre as duas línguas, a materna e a língua portuguesa.”
Acordo Ortográfico – “O Acordo Ortográfico mexe com uma coisa tão pequenina, mexe com a ortografia, e a minha reinvenção não se opera exactamente aí… É um acordo que unifica tão pouco que não me parece que seja motivo para eu me preocupar… Acho que foi pena, sim, não se ter discutido coisas que eram bem mais importantes, como aquilo que são os nossos laços culturais e as distâncias das políticas culturais.”
Escrever – “As explicações que eu dou sobre as razões por que é que eu escrevo são sempre inventadas. E eu estou sempre a pensar em coisas novas porque não só uma explicação, há várias explicações disso que é a apetência de eu escrever, de criar e de fazer poesia. Mas eu acho que eu sou um escritor do território da poesia, essa é a minha casa. A prosa é uma viagem que eu faço para voltar, para sair de casa e voltar a casa.”
Linguagem – “A linguagem não serve só para descrever o mundo. A linguagem deve ter também uma função de o criar, uma vez que o mundo é sempre o resultado de um olhar, e de um olhar que é muito pessoal, que é sempre uma obra de reinvenção.”

quarta-feira, 31 de março de 2010

A traição do condicional

Nas notícias da SIC, vi a reportagem sobre as duas jovens licenciadas em Direito que, de Braga, rumaram a Lisboa, com 40 quilos de livros, para um exame exigido pela Ordem dos Advogados. Mas, à chegada à capital, souberam que o Tribunal Administrativo lhes dera razão, levando a Ordem a admitir as alunas sem fazerem exame de admissão ao estágio. Ficaram contentes, como é óbvio, porque a sua razão suplantava os costumes. Tudo bem até aqui. Mas quando a repórter perguntou a uma das jovens a opinião sobre esta decisão… “Foi feita justiça. Temos bastante pena dos colegas que estão neste momento a dirigir-se para as salas [para fazer o exame] porque a decisão deveria-se estender também a eles.”
No exame da Ordem não constam, provavelmente, provas sobre o uso da língua portuguesa. Mas é sabido que o Direito capricha no bom português, pelo menos no português correcto. O que ficariam a defesa ou a acusação ou o juiz ou o público a pensar perante um “deveria-se” saltado da advogada? Claro, há a desculpa do nervosismo… mas esse entra na construção frásica e nas marcas de oralidade, não na construção errada de formas verbais!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Máximas em mínimas (55)

"Os homens são as criaturas mais presunçosas - disse a cegonha. - Oiçam como são as conversas deles! E nem sabem dar um verdadeiro estalo com o bico. Enchem o papo com os seus dons de fala, a sua língua! É uma língua estranha. Correm para o ininteligível em cada viagem diária que nós fazemos. Uns não entendem os outros. A nossa língua podemo-la falar em toda a terra, tanto na Dinamarca como no Egipto. Voar também não sabem! Fazem viagens numa coisa descoberta e que chamam 'caminho-de-ferro' mas partem também por isso a cabeça muitas vezes. Fico com calafrios no bico quando penso nisso! O mundo pode existir sem homens. Podemos dispensá-los. Que nos deixem apenas rãs e minhocas!"
Hans Christian Andersen. "O sapo" (1866). Histórias e contos completos. Vila Nova de Gaia: Gailivro, 2005, pg. 643.

domingo, 8 de março de 2009

Máximas (asneiras) do "Magalhães"

O Expresso de ontem transcrevia algumas das cerca de 80 "pérolas" da língua portuguesa utilizada no "Magalhães":
1. "Neste processador podes escrever o texto que quiseres, gravar-lo e continuar-lo mais tarde.”
2. “Dirije o guindaste e copía o modelo.”
3. “Quando acabas-te, carrega no botão OK”
4. “Quando o tangram for dito frequentemente ser antigo, sua existência foi somente verificada em 1800.”
5. “Este processador é especial em que obriga o uso de estilos”
6. “Se os jogadores se acordam no facto que o jogo está num ciclo…”
O Público de hoje revela mais algumas:
7. "Ao princípio do jogo 4 sementes são metidas em cada casa. Os jogadores movem as sementes por vês."
8. "A cada torno o jogador escolhe uma das seis casas que controla. Pega todas as sementes nela e as distribui (...)."
9. "Se a penúltima semente também fês um total de 2 ou 3 (...)."
10. "Carrega outra vês no chapéu para as fechares."
11. "Com o teclado, escreve o número de pontos que vês nos dados que caêm."
12. "Carrega em cada elemento que tem uma zona livre ao lado dele. Ele vai ir para ela."
13. "O objectivo do quebra-cabeças é o de entrar cifres entre 1 e 9 em cada quadrado da grelha, frequentemente grelhas de 9 X 9 que conteêm grelhas."

sábado, 7 de março de 2009

Erros acompanharam o "Magalhães"

É possível que os jogos educativos do computador “Magalhães” – o tal “bezerro de ouro” de que fala António Barreto – contenham instruções repletas de erros de escrita? É. Melhor: foi. Sem bater muito na questão, há um pormenor que me apoquenta sobretudo: como foi possível que essas instruções chegassem às escolas e aos utilizadores sem revisão? Ironia do destino: no fim-de-semana passado, no Porto, a editora ASA promoveu um encontro para apresentação dos novos programas de Língua Portuguesa até ao 3º ciclo, acção em que uma das tónicas apresentadas pelos responsáveis desses programas recaía sobre a insistência que vai ser proposta no plano da revisão de texto (a praticar nos vários níveis de ensino), premente sobretudo quando as novas tecnologias permitem a revisão com facilidade!…
Torna-se óbvio que o erro do "Magalhães" vai ser reparado. Mas este foi um erro que não deveria ter existido. Numa altura em que tanto se questiona a qualidade dos manuais escolares, como é possível que uma ferramenta como o “Magalhães”, com toda a propaganda que lhe tem andado associada, tenha chegado nestas condições, com a língua portuguesa a sofrer tratos de polé?
A questão foi trazida para cena pelo deputado José Paulo Carvalho. O Expresso de hoje reporta-a e, numa breve, fala do tradutor das instruções. É emigrante em França desde os 10 anos, tem a 4ª classe e diz: “O problema da tradução é que nenhum português de Portugal se dedicou a ela”, acrescentando o jornal que “ninguém até hoje reviu a versão que ele criou”. Só quem não sabe os efeitos do afastamento de um falante da sua língua para adoptar outra língua no seu quotidiano pode ter deixado que as coisas assim tenham corrido…
Custa-me que a área da Educação esteja envolvida nisto, tal como me custa ter tomado conhecimento através da net da muito deficiente redacção de um ofício da DREN (estrutura do Ministério da Educação) que, há dias, por aí circulou. Não serão cabalas, não; mas é incompetência em excesso. Pelo menos, linguística. E também de identidade. E a área da Educação deveria estar fora disto.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Carlos Reis e os novos programas de Língua Portuguesa do Ensino Básico

Os programas de Português têm merecido críticas por muitas razões. Em curso está a discussão de proposta para os novos programas de Língua Portuguesa. As propostas para os 1º, 2º e 3º ciclos estiveram a cargo de uma equipa coordenada por Carlos Reis, nome ligado à investigação e ao ensino de literatura portuguesa e reitor da Universidade Aberta, que hoje dá uma entrevista ao Público, peça de que sublinho alguns excertos (com subtítulos meus).
Entre a língua e a pedagogia – «(…) Há muitos professores - não só, mas principalmente os que saíram dos institutos politécnicos - que foram formados à luz de uma concepção... eu diria... muito desenvolta, muito expedita do que é falar e escrever em português. (…) Quando falo dos politécnicos, refiro-me ao facto de nos últimos 20 a 30 anos se ter dado uma importância excessiva à componente pedagógica pura e dura. Não nego a sua relevância, mas teve um desenvolvimento e um peso que puseram em causa a dimensão científica. Esqueceu-se o óbvio: eu não posso ser um bom professor de Física se não souber Física, não posso ser um bom professor de Português se não tiver um conhecimento aprofundado e sistemático da língua. (…)»
Entre o facilitismo e o erro – «(…) Em relação aos alunos o programa é muito claro no combate a uma cultura de facilitismo e de tolerância ao erro, também ela relacionada com determinadas concepções pedagógicas. (…) Aquela coisa de "se o menino erra tem de se valorizar o erro, a expressividade...". Sou completamente contra isso. Um erro é um erro, em Português como em Matemática. Se no discurso corrente, quotidiano, o sujeito não concorda com o predicado, isso é um erro. (…)»
A medida da gramática – «(…) Os novos programas revalorizam aquilo a que os especialistas chamam o conhecimento explícito da língua e, dentro dele, o domínio da gramática, que durante anos foi, por assim dizer, marginalizada. Não pretendemos martirizar ninguém, mas sim que a língua mantenha alguma coesão. Porque a gramática não é um fim em si mesmo, é um instrumento fundamental para que possamos, justamente, ter a noção do erro. (...)»
Entre os textos e a leitura – «(…) Actualmente, os poucos textos literários apresentados aos alunos são utilizados como textos ilustrativos de coisas que têm pouco a ver com a literatura. Usar um soneto de Camões para explicar o que é o discurso argumentativo, por exemplo, é matar o soneto de Camões. Ele tem de ser percebido pelos alunos como uma grande peça lírica, que representa e modeliza uma emoção, uma visão do mundo, um sentimento. Mas, mais uma vez, esse não será um objectivo fácil de atingir sem, paralelamente, fazermos os possíveis e os impossíveis para que os professores sejam grandes leitores. (...)»
Entre a leitura e a política – «(…) Para termos alunos que gostem de ler são precisos professores que gostem de ler, que entendam a literatura como um domínio de representação cultural com uma grande dignidade e com uma enorme capacidade de nos enriquecer do ponto de vista humano. Claro que isto ultrapassa, em muito, a esfera de actuação de quem prepara programas de Português, e está intimamente relacionado com a actual crise das Humanidades. (...)»
O “Magalhães” ajuda? – «(…) Está à vista que a hipervalorização, às vezes até um bocadinho provinciana, das tecnologias traz consigo lacunas consideráveis na forma de olharmos para o outro, de pensarmos no que é justo ou injusto, no que é solidário e não o é, no que é bonito e no que é feio - e que encontramos na Literatura, na História, na Filosofia.... A recuperação do atraso científico e tecnológico não deve ser feita à custa da desqualificação - política, até - de outras componentes da nossa cultura. (…) [A distribuição dos Magalhães pelas crianças] éum esforço muito interessante, mas que se arrisca a pôr em causa outros tipos de saberes. Quero acreditar no argumento de alguns - o de que o Magalhães permite o primeiro acesso à leitura por parte de muitos miúdos que não têm livros em casa. Mas, ainda assim, não deixa de ser necessário contrabalançar esta hipervalorização do computador com outras medidas. Com o investimento no Plano Nacional de Leitura, a criação de bibliotecas... (…)»

sábado, 11 de outubro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 87
Dia Mundial do Professor – No dia 5 de Outubro passou o Dia Mundial do Professor com o lema, proposto pela UNESCO, de “eles contam”. Da mensagem desta organização destaco dois princípios: 1) “Ao longo do processo de elaboração das políticas, é essencial garantir o diálogo social entre as partes, nomeadamente entre os decisores, os professores e as suas organizações. O diálogo social contribuirá para criar um consenso e um sentimento de apropriação a nível nacional, tendo em vista uma maior eficácia na adopção de políticas relativas aos professores”; 2) “É necessário que o papel dos professores na promoção de uma educação de qualidade para todos seja claramente definido e expresso em políticas encorajadoras da constituição de um corpo docente motivado, estimado e eficaz”. A gente lê e pensa que esta é uma mensagem vinda de algum paraíso… aliás, tão distante e inacessível que por cá quase não se falou do Dia Mundial do Professor. Bem sei que temos o nosso feriado nesse dia, mas esse não pode ser motivo para ofuscação, mesmo porque sabemos qual tem sido a preocupação republicana com a educação, pelo menos no ideário… A propósito, poderia ser visto se o ambiente que se vive entre professores nas escolas neste momento é tão propício a esta apropriação defendida pela UNESCO, a esta partilha de responsabilidades na causa educativa…
Matemática e Língua Materna – Afinal, não é só por cá que a língua materna e a matemática constituem o calcanhar frágil da educação. Em Inglaterra, por exemplo, passa-se o mesmo e, que se saiba, a língua materna de lá não é o português e também consta que a gramática inglesa é mais fácil do que as gramáticas das línguas latinas… Quem falou sobre esta dificuldade em Inglaterra foi o Secretário de Estado da Educação Jim Knight, há dias, em Lisboa: “A Matemática e o Inglês são as disciplinas onde os alunos têm maiores dificuldades. Aos 11 anos, há muitos alunos com dificuldades na leitura e na escrita, o que não pode ser.” Também aqui valeria a pena haver algum estudo para se detectar até que ponto as facilidades têm contribuído para as dificuldades de duas áreas que são essenciais ao ser humano – o raciocínio e a língua.
Pluralismos – Curiosa, muito curiosa, a noção de pluralismo que grassa no Partido Socialista. Há dias, Alberto Martins dizia que tinha sido decidida a disciplina de voto na bancada do seu partido quanto ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo. Mas, para que não se ficasse a pensar que o pluralismo não existia, foi também explicado que um deputado que já liderara a respectiva juventude partidária tinha liberdade de voto, em virtude de já ter sido o rosto da questão. E, para que não houvesse dúvidas, esta excepção foi explicada como sendo uma prova do pluralismo dentro do partido. Ficam-me sempre dúvidas: quem impõe a disciplina de voto? até que ponto se disciplinam por igual as diferentes consciências? porque é que para decidir coisas das vidas privadas tem que haver disciplina de voto?
António Matos Fortuna – Já há tempos disse ser António Matos Fortuna uma das personalidades regionais que mais admiro. A caminho dos 78 anos, Matos Fortuna deixou o nosso convívio em Março passado. Ficou a memória do historiador local, do curioso inexcedível, do amigo sincero, do lutador incansável. Ficou a memória da genuinidade feita pessoa, da disponibilidade e partilha feitas momento, da simplicidade e do saber feitos caminho. Foi, por isso, com muita alegria que soube que o Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela está a promover, com outras associações, a construção de um busto que lembre António Matos Fortuna, a ser erigido na sua terra, Quinta do Anjo, com data marcada para 1 de Novembro, também dia de festa na aldeia. Este gesto está aberto à colaboração de quem queira, pois existe subscrição pública para o efeito. António Matos Fortuna, que me honrou sendo meu amigo e deixando que fosse seu amigo, bem merece esta distinção!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Em terras de Sua Majestade, sobre educação...

Jim Knight, Secretário de Estado da Educação do governo britânico, está em Portugal, onde veio para uma conferência intitulada “As Crianças no Centro da Educação - A reforma educativa em Inglaterra” e para se inteirar do Plano Tecnológico na Educação. No suplemento “P2” do Público de hoje, há uma curta entrevista em que se fala do papel da inspecção, da avaliação das escolas, dos rankings, das tecnologias na educação, do papel dos pais, das relações das escolas com as autarquias e de dificuldades várias. Transcrevo três recortes.
Ser professor – “Actualmente, a profissão de professor está na tabela das dez melhores, das mais reconhecidas. E muitos dos licenciados que saem do ensino superior querem seguir esta profissão. Em termos de recursos humanos, criamos a figura do assistente do professor. São pessoas com formação para trabalhar em sala de aula, o que liberta os docentes de algum trabalho mais burocrático, de maneira a que se dediquem apenas ao ensino, porque ficam com mais tempo para ensinar. Existem já 13 mil assistentes.
Matemática e Língua Materna – “A Matemática e o Inglês são as disciplinas onde os alunos têm maiores dificuldades. Aos 11 anos, há muitos alunos com dificuldades na leitura e na escrita, o que não pode ser.
Pais na Escola – “Também temos escolas que estão a ser construídas em parceria com o movimento cooperativo, onde os pais estão mais envolvidos na gestão das escolas. Mas os pais não querem criar escolas, poucos são os que o querem, os pais querem é que a escola que escolheram seja boa.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

As facilidades que não facilitam, com a Matemática de permeio

Mais uma vez, a Matemática, agora com a facilidade excessiva dos testes que foram produzidos pelo Ministério da Educação! José Manuel Fernandes, no editorial de hoje do Público (para ler, clicar sobre a imagem), fala sobre o assunto e compara com o que se passa num país mais a norte… Não há dúvida de que se está no caminho do sucesso, pelo menos daquele sucesso que significa que muitos alunos transitam, mas que deixa dúvidas quanto à credibilidade desse transitar. Curiosamente, os alunos, mesmo no ensino básico, vão dizendo: “ó professor, este teste foi muito exigente!”. Duvido que, com isso, queiram apenas metaforizar a dificuldade; também têm um grão de saber que lhes permite pensar que as facilidades são madres de muitas inutilidades! E sei que eles têm razão. (declaração de interesses: não sou professor de Matemática, mas sempre tenho dito aos meus alunos que o estudo é um direito, um dever e um valor e que, de facto, a Matemática e a Língua Materna são disciplinas fundamentais para o crescimento intelectual de cada um.)

quarta-feira, 19 de março de 2008

Matemática em boa conta...

Há uns tempos, vários “mails” foram gastos para a circulação de uma análise a um suposto exercício aritmético mal resolvido. Transcrevo, com o atraso necessário, essa história. Perante a soma resolvida de “6+7=18”, o autor da anedota escrevia, quanto ao item “Análise”: “A grafia do número seis está absolutamente correcta; o mesmo se pode concluir quanto ao número sete; o sinal operacional + indica-nos, correctamente, que se trata de uma adição; quanto ao resultado, verifica-se que o primeiro algarismo (1) está correctamente escrito e corresponde ao primeiro algarismo da soma pedida; o segundo algarismo pode muito bem ser entendido como um três escrito simetricamente – repare-se na simetria, considerando-se um eixo vertical! Assim, o aluno enriqueceu o exercício recorrendo a outros conhecimentos... a sua intenção era, portanto, boa.” O texto continuava com o segundo item, designado como “avaliação” [que o executor da operação obteria]: “Do conjunto de considerações tecidas nesta análise, podemos concluir que: a atitude do aluno foi positiva, ele tentou; os procedimentos estão correctamente encadeados, os elementos estão dispostos pela ordem precisa; nos conceitos, só se enganou (?) num dos seis elementos que formam o exercício, o que é perfeitamente negligenciável; na verdade, o aluno acrescentou uma mais-valia ao exercício ao trazer para a proposta de resolução outros conceitos estudados – as simetrias... –, realçando as conexões matemáticas que sempre coexistem em qualquer exercício... Em consequência, podemos atribuir-lhe um EXCELENTE e afirmar que o aluno... PROGRIDE ADEQUADAMENTE!!!”
Obviamente, esta história não vale mais do que o ser uma boa caricatura de muitas teorias que minaram a educação, um bom exagero do “eduquês” e da sua aplicação. Mas, enquanto caricatura – é para isso que ela existe –, cada leitor percebe perfeitamente o que se quer dizer e o que se pretende veicular…
Vem isto a propósito do tema que José Manuel Fernandes trouxe para o editorial do Público de hoje: a questão da Matemática e de uma anunciada “revolução” no seu ensino na América. Não sendo professor da área, reconheço que, enquanto aluno, me deixei levar, muitas vezes, pelo fascínio da Matemática e ainda hoje não compreendo que os jovens (e muitos colegas) olhem a Matemática como algo tenebroso e medonho. Tenho tentado provar aos meus alunos que o estudo da Matemática e da língua são contributos essenciais para o quotidiano, assim como lhes tenho dito que não alinho na versão pirata de que… quem é bom em línguas não é bom em Matemática, ideia muito apregoada, infelizmente. Aliás, a comprovar o contrário deste aforismo bacoco está o facto, por estes dias divulgado, da jovem que foi premiada nas Olimpíadas de Matemática e que já tinha sido premiada, no ano passado, no concurso de língua portuguesa que o Expresso tem promovido…
Transcrevo, então, a parte que me interessa do editorial do Público: «Em Setembro de 2004, estava eu de férias, ia-me dando um colapso quando olhei para a manchete do PÚBLICO (honestamente, devo confessar que não foi a primeira nem a última vez, mesmo sem estar de férias). Cito de memória o título: "Sócrates ganha PS com mais de dois terços dos votos"; e o texto: "Sócrates deverá ter recolhido mais de 75 por cento dos votos..."
Sucede que dois terços corresponde a 66,6 por cento, enquanto 75 por cento é igual a três quartos. Esta evidência não chocou muitos dos meus colegas quando, logo na segunda-feira seguinte, regressei ao trabalho. A maioria não tinha dado pelo erro. De resto, julgo que nem um só leitor protestou. E isso deixou-me desesperado: não ter a mínima ideia do valor real de uma fracção, ou de uma percentagem, afligiu-me. Mas a verdade é que pouco podia fazer a não ser recomendar que se utilizassem títulos mais fáceis de entender. Como, por exemplo, "Mais de três em cada quatro militantes do PS escolheram Sócrates". Num país de tão dramática iliteracia aritmética (já nem falo de iliteracia matemática...), assim ao menos far-nos-íamos entender.
Conto este episódio porque ontem me chamaram a atenção para um documento que, espero, já deve estar entre os papéis que Maria de Lurdes Rodrigues meteu na mala para ir lendo nos seus (eventuais) tempos livres destas férias: o relatório sobre o ensino da Matemática que os melhores especialistas dos Estados Unidos entregaram, no passado dia 13, ao departamento federal de Educação. Lá, como cá, a iliteracia matemática é um problema nacional. Só que lá entregaram a um painel de excepcional qualidade (os documentos podem ser consultados em
www.ed.gov) a análise do problema e a formulação de sugestões.
Os documentos são demasiado ricos para serem sintetizados neste espaço, mas devo dizer que não pude deixar de recordar o episódio atrás relatado quando, entre as conclusões síntese, li a seguinte frase: "O conhecimento de fracções é a mais importante competência que não se encontra devidamente desenvolvida entre os estudantes americanos" (e os jornalistas portugueses, acrescentaria eu).
Só que, para além de saberem lidar com fracções, e entenderem intuitivamente a que correspondem, o painel considerou fundamental que os estudantes americanos de Matemática deviam ter um conjunto de competências solidificadas de acordo com o grau de ensino, evitando regressar, e regressar, a conceitos básicos ano após ano; que a aritmética simples (como a malfadada tabuada) devia ser decorada, por forma a que existisse uma memória "viva" que os ajudasse a resolver problemas mais complexos; nenhum estudante deve terminar o oitavo ano sem ter aprendido os conceitos fundamentais da álgebra, saber resolver equações lineares e quadráticas, funções, polinómios, cálculo combinatório e de probabilidades.
Ou seja: acabe-se com as facilidades e regressemos ao essencial. De nada serve ter um computador ou uma máquina calculadora sofisticada à mão se não soubermos raciocinar. E nunca conseguiremos raciocinar se não compreendermos, sem um milésimo de segundo de hesitação, que dois terços e 75 por cento correspondem a valores diferentes. (…)
E o pior é que somos capazes de acabar a preferir a máquina calculadora à tabuada, na ilusão de que podemos inventar uma roda melhor do que a roda...
»
Obviamente, concordo e aplaudo. Mesmo porque é preciso ressuscitar a ideia de que a memória tem um papel fundamental e não faz adoecer quem a pratica. Traumático será ficar-se com a memória de que nos ensinaram a não memorizar nada!...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Em tempo: hoje é o Dia Internacional da Língua Materna

International Mother Language Day was proclaimed by UNESCO's General Conference in November 1999. The International Day has been observed every year since February 2000 to promote linguistic and cultural diversity and multilingualism.
Languages are the most powerful instruments of preserving and developing our tangible and intangible heritage. All moves to promote the dissemination of mother tongues will serve not only to encourage linguistic diversity and multilingual education but also to develop fuller awareness of linguistic and cultural traditions throughout the world and to inspire solidarity based on understanding, tolerance and dialogue. (in www.un.org)
Nem de propósito: discute-se o acordo ortográfico para a língua portuguesa, a ser partilhado entre os países lusófonos. E também: cada vez mais línguas se cruzam com a nossa nos espaços que frequentamos. São também línguas maternas, que nos exigem um (novo) olhar sobre o outro.