Mostrar mensagens com a etiqueta beleza. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta beleza. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Máximas em mínimas (81) - Horácio Bento de Gouveia

Adolescência – “Abstracção vive-se, sim, na adolescência, na qual os olhos vêem com matizes que só a ela pertencem o mundo em torno.”
Vivido – “Procurar reproduzir a experiência vivida é o mesmo que evocar, em presença da fotografia, a realidade humana que não se vê mas existiu.”
Imaginação – “Se não fora a imaginação, a vida seria de uma realidade cruenta.”
Olhar – “O exterior é o primeiro conhecimento dos olhos.”
Beleza – “A beleza também embriaga. A reflexão nunca desmente o êxtase que a consciência viveu.”
Horácio Bento de Gouveia. Alma negra e outras almas. Funchal: ed. Autor, 1972

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O lobo de Gubbio contado por Bruckberger

Levei-lhes O Lobo Milagreiro, de Raymond Léopold Bruckberger (1907-1998), para lhes ler na aula, que isto de incentivar à leitura também exige que se lhes leia. Imaginei que a narrativa poderia ser um pouco extensa e, em consequência, desmotivá-los. Imaginei ainda que o facto de correr em torno de um eixo constituído por uma figura da Igreja poderia não captar o interesse até final. Bem sei que, para ultrapassar isto, lhes contei alguns pormenores sobre S. Francisco de Assis e a sua designação como padroeiro dos ecologistas; bem sei que, com igual intenção, lhes falei de histórias de animais. Mas…
Certo é que aqueles alunos de 8º ano ficaram presos ao fio da história. E, como não foi possível concluir a leitura da narrativa no tempo de uma aula, quiseram que fosse continuada na seguinte.
Pedi-lhes, depois, comentários. Gostaram. E até notaram que esta história deveria ser conhecida pelos homens, porque fala deles, porque fala de coisas que fazem falta à sociedade. Só depois, para mostrar que as suas observações eram bem realistas, lhes li a justificação que o monge dominicano francês escreveu para esta história: “Muitas vezes me tem sido perguntado em que circunstâncias escrevi a história do lobo de Gubbio. Foi no fim da Guerra depois da libertação de Paris. Sentia-me farto da guerra, das suas derrotas e vitórias, farto de andar no mundo, fatigado da covardia dos homens, da vaidade das mulheres e das mentiras de todos, farto e desiludido de mim próprio. Voltei-me para os santos e, entre todos, para Francisco de Assis, o Pobre que a mãos cheias dá a alegria. (…) Também muitas vezes me têm perguntado qual o significado desta parábola. Ora! Cada qual que se deixe levar pela narrativa, que medite nela no fundo do seu coração, e os significados brotarão para ele como um campo de flores. (…) Não posso crer que o lobo de Gubbio não esteja no Paraíso, e quando lá nos encontrarmos com ele é em francês que havemos de falar-lhe. Era de resto a língua predilecta do seu Mestre.”
A história contada pelo padre Bruckberger retoma aqueloutra que é contada nas Fioretti, em que Francisco de Assis estabeleceu a paz entre um lobo e a população de Gubbio. A edição utilizada (Col. “1001 Livros”. Lisboa: Lisboa Editora, 2007), com orientação de leitura, tem tradução de Jorge de Sena.
Sublinhados
* “As mães, mesmo as menos ternas, têm um instinto infalível para conhecer os filhos.”
* “Como o poder, como o próprio heroísmo, a beleza tem a sua fatalidade própria, que empareda os seres dela privilegiados numa intransponível solidão.”
* “A alegria de um povo é um espectáculo tão formidável como um incêndio de floresta ou uma inundação.”
* “Nunca são os que ganham as batalhas que celebram as vitórias.”
* “A decadência de um ser nunca é súbita. É preparada de longa data por múltiplos abandonos.”
* “Uma conversão não acaba coisa alguma. Pelo contrário com ela começa tudo, o mais difícil e o mais belo.”

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto X

* “A morte é ao lado ou ao longe, ou não é nada – pois a nossa não existe para nós. Morre-se já fora da vida, o que é um absurdo e uma evidência.” (est. 7)
* “O vocabulário não aumenta com o álcool, mas a rapidez arguta com que as palavras se juntam muda bruscamente.” (est. 9)
* “Quem corre rápido, mesmo com olhos muito abertos, nada vê. Como a imobilidade e a atenção são sinónimos! Não corras tanto: ficas cego.” (est. 25)
* “Os olhos são máquinas que discriminam cores e formas, mas um acto não é apenas cor e forma, é também a sensação que o suporta.” (est. 29)
* “A tradição do tacto é aconselhar imprudências e prazeres diversos; é raro o tacto ser tímido, mas há limites.” (est. 34)
* “Nada melhor que a beleza à frente dos olhos para esquecer a melancolia.” (est. 62)
* “As viagens são um pouco de morte quando se chega, e um pouco ainda de morte quando de um sítio se parte.” (est. 80)
* “O dia não tem margens para onde possamos fugir.” (est. 85)
* “A fisionomia é o primeiro naco a ser conquistado pelo coração.” (est. 90)
* “Não poupes os olhos quando queres seduzir.” (est. 90)
* “Quem não corre quando combate ou dorme longe, esquece aquilo de que se afastou.” (est. 92)
* “O mundo é feito de pequenos parágrafos, grandes saltos, nenhuma continuidade.” (est. 94)
* “Um homem perde o essencial quando não tem uma única vontade forte; pára ou avança, que importa?” (est. 119)
* “A ética é uma espada que separa, nunca juntou ninguém.” (est. 124)
* “Qualquer biografia é assim: avança-se para o sítio de onde se partiu.” (est. 130)
* “O que se faz quando nada se sente é brutal e as circunstâncias arrancam-nos dos bons conselhos.” (est. 134)
* “Quando se foge, quando se tem medo, a ética é nada. E o que, no homem, é patas de animal e velocidade torna-se o importante.” (est. 136)
* “A ingenuidade é irrecuperável.” (est. 155)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto III

* “Antigamente, uma grande cidade era o sítio onde vivia um excelente filósofo, agora uma grande cidade é aquela que tem muitos cidadãos em idade de votar e, pelo menos, um edifício com 140 andares. Se no meio dos 15 milhões existir um homem que pensa: excelente, sim, é certo, mas não indispensável.” (est. 16)
* “As mulheres sempre foram mais minuciosas na vingança. Folheiam-na sem saltar uma página. E tratam das unhas antes de pegar no machado. Pelo contrário, um homem com raiva e ressentimento é atabalhoado, desastrado, incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência, como se pegasse em ferramentas despropositadas: a charrua para arrancar uma flor, o martelo para ver mais perto.” (est. 27-28)
* “O homem pensa a Natureza como se esta fosse uma mesa a que pode cortar uma das pernas para a endireitar.” (est. 36)
* “O ódio não necessita de grande tecnologia de suporte: bastam duas mulheres para um único homem, ou dois homens para um único território.” (est. 48)
* “Tantos se espantam com o facto de o amor ocorrer em seres vivos de idades muito diferentes, e nenhum assombro perante a bem maior diferença da idade que o ódio liga.” (est. 50)
* “Fazer e desfazer: as duas rectas mais paralelas da espécie humana. Nunca se cruzam.” (est. 64)
* “Ninguém é capaz de se acorrentar a um dia de sucesso como um cão a um poste. Os dias são, em geral, móveis, um autocarro que não pára.” (est. 73)
* “As derrotas devem surgir enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.” (est 74)
* “Agir é coisa longa que começa quando aprendemos a caminhar e termina apenas quando morremos ou quando já não temos inimigos.” (est. 79)
* “Bomba subtil e lentíssima, a velhice, a mais primitiva guerra que a Natureza nos declarou.” (est. 85)
* “Uma flor encolhe os ombros quer seja cheirada por uma linda menina de seis anos ou pela fealdade absoluta. Para a bela flor a beleza é insignificante.” (est. 88)
* “Vigiai os crápulas e vigiai os homens que falam manso; há no excesso de fragilidade exibida a preparação de uma maldade.” (est. 99)
* “A legislação de um país é um tratado de paz entre os seus habitantes, mas o ódio entre os homens é bem mais estável do que as leis que os homens estabelecem. Porque o ódio é uma lei da natureza.” (est. 110)
* “A vida é isto: a lua está mais próxima de alguns homens que treinam para astronautas que um prato quente da boca de outros homens. É aquilo a que podemos chamar: distâncias relativas.” (est 114)
* “O amor será útil internamente, mas externamente não carrega um tijolo.” (est. 137)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto II

“Embora a humanidade demore tempo a chegar a um sítio, devido a imprevistos espantosos e a obras no caminho, a natureza, essa, nunca se atrasa.” (est. 1)

“Um homem pode demorar mais tempo a percorrer a minúscula casa da mulher que deseja do que a atravessar o mundo, de uma ponta à outra, com mochila às costas.” (est. 5)

“As pessoas aperfeiçoam mais os engenhos mecânicos da corrupção e das traições mesquinhas que os da hospitalidade.” (est. 31)

“Quando numerosos, os homens, os animais, as plantas, as pedras e até as máquinas perdem a higiene do raciocínio individual.” (est. 32)

“O Destino não é uma decisão unívoca de um tribunal que só sabe desenhar linhas rectas.” (est. 41)

“O mundo, como qualquer outra coisa, apenas se torna belo quando pela beleza é olhado.” (est. 42)

“Cada língua poderá ser definida como um modo especializado de interromper o silêncio.” (est. 80)

“Um estrangeiro é sempre uma novidade, tanto verbal como no número de hábitos que traz para a paisagem.” (est. 85)

“A vaidade tem um único sentido, não expira. É substância que um atira para dentro de si mesmo, e aí fica, engrossando-o de nada e coisa nenhuma.” (est. 97)

“No fundo, cada vida, no geral, não é mais do que um estilo literário.” (est. 101)

Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

As reflexões de José Tolentino Mendonça

O hipopótamo de Deus e outros textos é um livro em que José Tolentino Mendonça recolhe crónicas diversas, normalmente curtas, que apresentam as características comuns indicadas no subtítulo “Cristianismo e Cultura” (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010). São pouco mais de quatro dezenas de escritos, reelaborados a partir de colaborações diversas na imprensa e na internet, coligidos sob o título de um deles.
A leitura destes exercícios de reflexão não pode andar arredada do poeta que o seu autor (também) é e que busca a poética do cristianismo, a poética de Deus. Na sua maioria, os textos partem de registos de leitura de manifestações artísticas diversas – a literatura, é evidente, mas também a música, a fotografia, o cinema ou a pintura – por aqui passando pretextos como Steinbeck, Frei Angélico, Barthes, Benjamin, Valéry, Pascoaes, Sontag, Mozart, Péguy, Galileu, Steiner, Boticelli, Matisse, Herberto Helder, Ruy Belo, Flannery O’Connor, entre muitos outros, além de um motivo maior como a Bíblia ou os evangelistas ou vários teólogos, com Bento XVI a constituir centro dos dois últimos textos.
Os pensamentos de Tolentino Mendonça constituem um desafio aos leitores, mas também à Igreja, convidando a interpretações e atenções bíblicas e a um olhar o mundo de forma empenhada e assumida, partilhando reflexões sobre o ser padre, a política, o outro, o mundo do trabalho, a vida editorial, o ser peregrino, a construção do mundo, sempre numa perspectiva do “cristianismo como estilo” (título de uma das crónicas), modelado a partir da imagem de Cristo, que “potencia uma vida humana onde aquilo que pensamos serem coisas relativas, como o amor, a justiça, o bem e a beleza, podem ser vividas em absoluto ou como patamares do absoluto”.
Frases que ficam:
1. “Brincar significa agir, não a partir do necessário ou utilitarista, mas como pura expressão gratuita, amorosa.”
2. “As lágrimas são um mapa pleno de significação e de leituras. Temos muitas maneiras de chorar, e o modo como o fazemos revela não só a temperatura dos sentimentos, mas a natureza da própria sensibilidade. Ao chorar, mesmo na solidão mais estrita, dirigimo-nos a alguém: esforçamo-nos para que ninguém veja que choramos, mas choramos sempre para um outro ver. As lágrimas emprestam um realismo único, irresistível à dramática expressão de nós próprios. São um traço tão pessoal como o olhar ou o mover-se ou o amar.”
3. “Somos acessíveis e também de uma inacessibilidade irredutível. Cada um é uma palavra e ao mesmo tempo um segredo.”
4. “Vivemos triturados na digestão que o mundo faz de nós. Consumimos em vez de consumar. (…) Sem darmos conta, são tantas as correntes que nos prendem e as dependências que nos diminuem.”
5. “O crepúsculo da arte de contar liga-se à incapacidade crescente de trocar uma experiência autêntica. Por isto, será cada vez mais raro encontrar pessoas que saibam contar uma história como se deve. (…) O narrador toma aquilo que narra da experiência – a sua própria ou alguma que lhe tivesse sido referida – e transforma-a em experiência para aqueles que escutam a sua história. O que alenta a narração é a moral da história e o seu desfecho, que abre para a questão: ‘E em seguida, e depois?’ Não há narração à qual não se possa opor a pergunta da sua continuação.”
6. “O que mais ameaça o natal é o próprio natal, isto é, a sua representação diminuída, estagnada culturalmente entre a quinquilharia dos símbolos e a oportunidade comercial, domesticada pela pieguice das frases feitas e das boas-maneiras.”
7. “Se a linha azul do mar tanto nos seduz é também porque essa imensidão nos lembra o nosso verdadeiro horizonte. Se nos elevamos até aos montes é porque na visão clara que aí se alcança do real, nessa visão sem cesuras, reconhecemos parte importante de um apelo mais íntimo. Se buscamos outras cidades (…) é também perseguindo uma geografia interior. (…) É tão decisivo que as férias, tempo aberto a múltiplas errâncias, não se tornem um período errático e vago; tempo plástico e criativo, não se enrede nas derivas consumistas; tempo propício à humanização, não se perca na fuga a si mesmo e no ruído do mundo. (…) O repouso é uma oportunidade privilegiada para mergulhar mais fundo, mais dentro, mais alto.”
8. “O que caracteriza a obra literária é uma determinada relação com a linguagem, é o facto de transpor e transformar, mediante um sistema verbal, uma experiência humana, mais simples ou mais sofisticada, criando um universo próprio.”
9. “A amizade é singularíssima e mune-se de uma desconcertante simplicidade de meios. O traço mais universal da sua gramática é, talvez, o da presença: mas esta tanto se faz de muitos encontros, como de poucos; de muitas palavras ou de um silêncio espaçado e confidente; de um telefonema por dia ou por ano; de uma ou de incontáveis atenções… O importante é que tudo isso se torne, a dada altura, uma história que nos acompanha e por onde o essencial da vida passa.”
10. “A beleza é um experiência que os sentidos não circunscrevem completamente, mesmo quando palpam, pois ela permanece inexprimível.”