terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Máximas em mínimas (55)

"Os homens são as criaturas mais presunçosas - disse a cegonha. - Oiçam como são as conversas deles! E nem sabem dar um verdadeiro estalo com o bico. Enchem o papo com os seus dons de fala, a sua língua! É uma língua estranha. Correm para o ininteligível em cada viagem diária que nós fazemos. Uns não entendem os outros. A nossa língua podemo-la falar em toda a terra, tanto na Dinamarca como no Egipto. Voar também não sabem! Fazem viagens numa coisa descoberta e que chamam 'caminho-de-ferro' mas partem também por isso a cabeça muitas vezes. Fico com calafrios no bico quando penso nisso! O mundo pode existir sem homens. Podemos dispensá-los. Que nos deixem apenas rãs e minhocas!"
Hans Christian Andersen. "O sapo" (1866). Histórias e contos completos. Vila Nova de Gaia: Gailivro, 2005, pg. 643.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

António Fontinha contou histórias na Escola

“Vocês conhecem histórias tradicionais?” E foi a medo que um dos alunos respondeu: “Capuchinho Vermelho”. “Muito bem! E sabes quem é o seu autor?” Que não, disse o jovem. “E quem ta contou?” Já não sabia. “Eu também não sei quem é o seu autor ou quem ma contou.”
Quem assim conversava com os alunos era António Fontinha, contador de histórias tradicionais portuguesas, que ontem esteve na Escola a animar duas sessões com alunos do 7º ano. Receosos a princípio, apesar de saberem ao que iam (alguns até tinham lido a reportagem da revista “Única” do Expresso sobre contadores de histórias, saída na semana passada), os alunos foram, pouco a pouco, deixando que o envolvimento do fantástico tomasse conta deles. Ouviam “A lavadeira e o cágado”, seres dialogantes, história que desconheciam. “Vocês sabem que os contos tradicionais portugueses são muito pouco conhecidos?” E a história continuou até ao momento em que o pai da lavadeira a surpreendeu, pensativa, no quarto, na manhã seguinte. “Mas os contos tradicionais portugueses são muito curiosos e têm despertado muito interesse.” E a história acabava com agrado, depois de uma narração com trejeitos de diversas personagens, variações de voz (dando vozes), marcas de espanto e de surpresa, numa pluralidade sobre o palco a partir de um actor apenas, aquele mesmo, António Fontinha.
Depois, foram as adivinhas. Da mais simples à mais complexa. “As adivinhas são sempre exactas.” E Fontinha demonstrava, explicando e fazendo concordar os passos da adivinha com as características da solução. E alguns, usando a lógica que sabiam, aventavam soluções. E algum até acertou.
Foi uma sessão em cheio. “Só foi pena ser tão pequena”, diziam-me. Pois. Três quartos de hora cheios de magia e de passeio no reino da fantasia tinham voado. De António Fontinha ficou uma boa recordação e a vontade de verem, lendo ou ouvindo, algumas das histórias que constam no livro que a Câmara Municipal de Palmela editou há uns anos, recolhidas pelo próprio Fontinha no concelho (Contos populares portugueses ouvidos e contados no concelho de Palmela, 1997). Iremos ler algumas, claro, que o apetite ficou aberto!

Política caseira (109): Teresa Almeida na CCDR de Lisboa e Vale do Tejo

O Setubalense: 22.Janeiro.2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Álvaro Arranja e a história do movimento operário no início do século XX

“Os finais do século XIX e o primeiro quartel do século XX são marcados em Setúbal, como em todo o país ‘urbano’, pela presença e coexistência, por vezes difícil, do movimento republicano e do movimento operário e sindical, predominantemente anarco-sindicalista.” Assim começa o último livro do historiador setubalense Álvaro Arranja, Anarco-sindicalistas e Republicanos – Setúbal na I República (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2009), apresentado publicamente no fim-de-semana passado.
Ao longo das duas centenas de páginas, o autor vai provar essa dificuldade de coligação, que culminará em divórcio, dividindo o seu trabalho em duas partes: uma, de narração e interpretação histórica, a mais longa, partindo de fontes como a imprensa local, sobretudo a imprensa comprometida com o movimento operário; a outra, preenchida por uma dúzia de textos (documentais e uma cronologia), que consolidam o trabalho de Álvaro Arranja.
A história do associativismo e do movimento operário sadino recua a meados do século XIX, com o autor a fazer uma incursão no papel desempenhado pelo jornal O Setubalense, fundado por Almeida Carvalho em 1855 (o que faz deste título, ainda hoje em publicação, um dos mais antigos da imprensa portuguesa, se bem que não o jornal mais antigo, uma vez que houve várias interrupções na sua história), fortemente associado ao aparecimento da Associação Setubalense das Classes Laboriosas, em cuja criação Almeida Carvalho igualmente participou. Há também incidência sobre a primeira década do século XX setubalense no que respeita ao movimento operário, fortemente influenciada pela ocorrência de greves (dos pescadores, dos soldadores, dos conserveiros, dos marítimos, dos carregadores de sal, dos tipógrafos, dos condutores de sal, dos corticeiros, de mulheres operárias) e pelo aparecimento de jornais ligados ao operariado (O Produtor, “dos soldadores e do povo operário”, em 1900; O Trabalho, “da classe operária”, em 1900; O Libertador, “dos praticantes farmacêuticos”, em 1901; O Germinal, “defensor dos oprimidos”, em 1903).
Com estes elementos, fácil se torna perceber que o congresso do Partido Republicano, realizado em Abril de 1909, onde foi decidido o derrube do sistema monárquico pela via da revolução, tenha ocorrido em Setúbal, justificando Álvaro Arranja que, “em Setúbal, os republicanos sentiam-se em casa”, porque se tratava “de um dos centros urbanos mais influenciado pelo republicanismo, pela adesão aos princípios igualitários proclamados desde a Revolução Francesa”.
Tais ingredientes conduzem a uma esperança acentuada nos efeitos que poderiam advir da implantação da República (desejo que o historiador acentua com a descrição do que era o quotidiano operário nessa primeira década do século XX em Setúbal) e não é por acaso que a noite de 4 de Outubro de 1910 vê o edifício da Câmara Municipal a ser destruído por um incêndio, num acto que foi consequência da contenda entre os populares e a polícia.
De igual forma, as exigências à República se notam na região do Sado, tal como o prova a realização da primeira greve geral ocorrida em Fevereiro de 1911, que os trabalhadores das fábricas das conservas prolongaram até 12 de Março. A tensão agudiza-se com a morte de dois grevistas numa manifestação na Avenida Luísa Todi em 13 de Março (Mariana Torres e António Verruga), ocorrida quando a Guarda Republicana tentava conter grevistas (acto que, segundo o periódico O Trabalho, “foi o baptismo de sangue da jovem Guarda Republicana”, e que, de acordo com o jornal lisbonense Terra Livre, assinalou a data “que marca o divórcio da República com o operariado”).
As manifestações do movimento operário são acompanhadas por Álvaro Arranja até Janeiro de 1934, aquando da greve geral convocada pela CGT para o dia 18, contestando o salazarista Estatuto Nacional do Trabalho, que deu origem a prisões e a um recrudescimento da repressão, assim considerando o autor que esta foi a data da “última grande acção do movimento sindicalista que tinha enquadrado os trabalhadores portugueses na I República”.
Pelo livro de Álvaro Arranja vão passando figuras que obtêm para o operariado o estatuto de heróis, como Mariana Torres ou António Verruga ou como Jaime Rebelo (ligado à greve dos marítimos de 1931); vão passando cruzamentos com a expressão literária, com referências a criadores como Alves Redol (que, em Os Reinegros, evoca os trabalhadores mortos na manifestação de 1911), Jaime Cortesão (a propósito de um seu poema, “Romance do homem da boca fechada”, sobre Jaime Rebelo) ou Émile Zola (sobre o significado do seu romance Germinal e o simbolismo associado ao jornal de título homónimo que se publicou em Setúbal entre 1903 e 1913); vai passando a história da imprensa operária e sindical praticada em Setúbal, considerada a fonte de informação essencial para este trabalho (com destaque para os títulos O Trabalho, Germinal e A Voz Sindical, com capítulos específicos, bem como para a acção que opôs o poder político ao jornal O Setubalense em 1927); vai passando o pulsar da vida agitada e lutadora da Setúbal dessas três décadas, em parte ritmada pelas descrições e narrações jornalísticas, quase levando o leitor a presenciar os acontecimentos. Todos estes factores se conjugam para que este estudo constitua um bom elemento de informação e de explicação sobre alguns sucessos e insucessos das políticas da época, bem como um interessante documento sobre algumas marcas da identidade setubalense.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Como 1 euro (a)trai!

Circula-se num hipermercado, dando cumprimento à lista das compras necessárias para casa. Há quem faça o mesmo, quem olhe as prateleiras com ar de contemplação, quem assuma um ar de estudo dos preços e dos produtos, quem passeie por entre os outros em jeito de quem vai ao campo ou à beira-rio respirar a brisa… Coisas que estamos acostumados a ver, claro!
- Mãe, olha, estes são só a um euro!
E a mãe fez a vontade ao petiz, carregando logo duas embalagens de três pacotinhos de determinada bebida. Eram três pacotinhos de 200 ml pelo preço de um euro, com letreiro garrido a chamar a atenção para o preço. Mas nem o petiz nem a mãe repararam que, mesmo ao lado, sem anúncio multicor, havia conjuntos de três pacotes de bebida idêntica de duas outras marcas (que não eram marcas brancas), com a mesma capacidade, a 79 cêntimos!
Mais adiante, no sector da alimentação, um “pack” de duas embalagens de um dado produto era anunciado como promoção pelo custo de 4,78 €, com o bónus de um vale de 1 euro para abater na próxima compra. Um olhar mais atento sobre uma embalagem individual do mesmo produto e com a mesma dosagem permitiu ver que o seu custo era de 1,98 €. Assim sendo, as duas embalagens ficariam por 3,96 €. Na prática, o tal vale do bónus não significava 1 euro, mas era apenas de 18 cêntimos, porque os outros 82 cêntimos eram pagos adiantadamente pelo consumidor que embarcasse na promoção da dupla embalagem!!!
Faz-se a opção mais certa e procura-se o resto que falta para concluir a lista de compras, enquanto as vidas vão correndo por entre ofertas e ilusões.

A filigrana e os sinais do tempo

«Primeiras alianças 'gay' de filigrana - Aos 70 anos, o ourives Manuel Freitas é conhecido por desenhar as mais modernas peças de ourivesaria na típica filigrana portuguesa. Em terra conservadora, rendido à modernidade, o ourives minhoto acaba de lançar as primeiras alianças para casamentos homossexuais de filigrana portuguesa.
Na montra da Ourivesaria Freitas, em pleno centro histórico de Viana do Castelo, acabam de surgir estas alianças que ostentam o género respectivo, sejam casais homossexuais ou lésbicas.
A filigrana tradicional de séculos mostra assim a mudança de hábitos em Portugal. "Toda a gente deve ter direito a aliança. Isto é, também, uma forma de propaganda ao que de melhor temos na ourivesaria que é a filigrana portuguesa", apontou o ourives.
As alianças custam 14 euros, de prata, enquanto as de ouro podem chegar aos 300 euros. "Em Viana do Castelo sei que vai ser mais difícil vender porque é uma cidade conservadora e as pessoas não se querem expor muito. Mas há outras pessoas, de fora, que até podem vir cá comprar ou encomendar", apontou Manuel Freitas.
Como qualquer outra aliança, as de casamento homossexual podem ser feitas com pormenores e inscrições à escolha do cliente. Não fosse Freitas o "desenhador" de serviço. "A minha paixão é a filigrana e desenhar novas peças, sempre inspiradas na nossa cultura. "
O anel que simboliza o casamento entre homossexuais é mais uma prova da versatilidade do ourives, que já desenhou alianças, como as de divorciados, "encalhados" ou mesmo de cibernautas.»

Paulo Julião, in Diário de Notícias: 18.Janeiro.2010

domingo, 17 de janeiro de 2010

Rostos (140)


No Haiti: a dor, a crença e a luta contra a morte (foto a partir de Público online)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Na sequência do dia "histórico" para o acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos de docentes

Na edição online do Público de hoje, pode ler-se a peça “O futuro do sistema educativo português na ressaca do conflito com os professores”, que inicia com um leque de perguntas, nenhuma delas a mais, todas elas preocupantes pelas respostas desconhecidas que podem surgir e porque revelam aqueles que são alguns dos problemas (destaco: alguns) que se vivem na escola, causados por um tempo de polarização e de teimosia: “A tranquilidade vai voltar às escolas? As perdas de qualidade do ensino, por via do prolongado conflito agora encerrado, são irreparáveis? Ou, pelo contrário, existem agora mais e melhores condições para inverter o caminho?”
Das várias respostas – o jornal recolheu depoimentos de Joaquim Azevedo, Ana Maria Bettencourt, Maria do Rosário Gama, Marçal Grilo, Paulo Guinote e Lídia Jorge –, gostaria de destacar a que foi apresentada por Lídia Jorge, ao justificar o porquê de o acordo obtido entre Ministério da Educação e sindicatos de professores ser “histórico”: “Este acordo é histórico porque ele permite salvar da humilhação alguns milhares de professores e restabelecer um clima de paz num momento em que a escola pública portuguesa precisa de proceder a uma revolução nos métodos de trabalho. Ele permite salvar a escola dum inferno burocrático incompatível com uma boa convivência entre colegas e um ensino livre e feliz. Além disso, regressar a uma carreira única, mas em que se progrida por mérito, era indispensável e esse princípio manteve-se. Mas é preciso ter em conta - e nem sempre a população está bem informada - que os professores e os médicos são as classes mais directamente escrutinadas da sociedade. Cada dia, em cada hora, o professor passa pelo escrutínio cerrado de dezenas de crianças e adolescentes. Basta imaginar uma sala de aula. Não é pouca coisa. É por isso que este acordo histórico ainda não terminou. Ele só ficará selado quando Isabel Alçada verificar a que professores, durante estes dois anos, foram atribuídas as notas de excelente, e tirar daí as suas conclusões. Talvez resolva anular os seus efeitos. É que os professores duma escola constituem uma família. Experimentem criar um escalão de avaliação entre os membros duma mesma família que se autovigia.
Quem não quiser perceber estas observações de Lídia Jorge não quer entender uma parte dos problemas que agitam as escolas. E seria bom que houvesse a coragem para aceitar os desafios apontados neste depoimento, mesmo porque, se o modelo não serviu pelas razões conhecidas, então também não deveria ser permitido que o seu produto tivesse efeitos.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Rostos (139) - Luísa Todi

Luísa Todi
(medalhão na casa em que se diz que nasceu, em 9 de Janeiro de 1753, na Rua da Brasileira, em Setúbal)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Dia "histórico"

"Dia histórico" é expressão do agrado do Primeiro-Ministro. Já era no seu anterior Governo; continua a sê-lo agora. E, como se não bastasse um acontecimento para a "historicidade" do dia, desta vez houve dois eventos fartamente noticiados: de madrugada, o acordo entre o Ministério da Educação e as organizações sindicais dos professores, depois de quatro anos de questiúnculas e de teimosias; durante o dia, a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo votada na Assembleia da República, depois de muitas discussões públicas em que o saldo continua a ser o "porque não" e o "porque sim", que estas coisas têm a ver com convicções íntimas, com crenças, com valores, com a vida privada. A relatividade das coisas ganhou também com este dia "histórico" - o que é verdade num dia pode deixar de o ser noutro. Questões de efemeridade, que nada parece ser definitivo! As consequências deste dia "histórico" estão para vir e oxalá resultem em benefício da sociedade, que não é pedir muito... Se assim não for, a "história" pregou-nos uma partida, mais uma vez.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Dia de Reis


Reis Magos, em presépio, em Vila Nova de Cerveira (colaboração de Quaresma Rosa)

António Osório. Crónica da Fortuna (1997)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"Setúbal na rede", 12 anos

Em 5 de Janeiro de 1998, as notícias que abriram o Setubalnarede foram, por ordem de aparecimento: “Bispo de Setúbal acredita no triunfo da verdade”, “PS ganha terreno no distrito de Setúbal”, “Governador Civil privilegia a área do social”, “Mata Cáceres admite culpas e promete mais trabalho”, “Rádios de Setúbal com défice de rigor informativo”, “Trabalhadores da Sodia querem respostas do Governo”, “Principais acontecimentos de 1997”, “O Senhor Povo decidiu: E agora, Mata Cáceres?”, “Sonae tem caminho aberto” e “Banco Essi já apresentou proposta”. Trocando por miúdos, o Bispo de Setúbal era D. Manuel Martins; as eleições autárquicas tinham levado os socialistas ao poder nos concelhos de Montijo e de Sesimbra; o Governador Civil era Alberto Antunes; Mata Cáceres era eleito presidente da Câmara de Setúbal pela quarta vez, mas perdendo a maioria absoluta no executivo; várias rádios sadinas estavam na mira dos socialistas por, alegadamente, os terem difamado; trezentos funcionários da Sodia/Renault estavam apreensivos porque Março se aproximava e a linha de montagem do Clio terminaria nessa altura; surgia a retrospectiva do que fora o ano de 1997; o jornalista Rogério Severino opinava sobre a descida de resultados protagonizada por Mata Cáceres; o Banco Essi deixava a corrida sobre a Torralta, agora a favor da Sonae, e virava-se para a SAD vitoriana.
Uma dúzia de anos passa hoje sobre estes relatos e todos nos lembramos destes protagonistas e destas histórias. Muitos as poderiam contar, mas a memória delas chega-nos através do jornal digital Setubalnarede (www.setubalnarede.pt), que obteve o Prémio Gazeta da Imprensa Regional em 1999. Momentos altos, outros nem por isso, tempos de muita informação, outros assim-assim, fábrica de sonhos e de projectos, o Setubalnarede cedo se impôs como uma referência, num tempo em que os blogues não tinham significado e em que a difusão noticiosa via net começava a entusiasmar as massas. Recordo um projecto bem interessante como Memórias da Revolução no distrito de Setúbal 25 anos depois, obra em dois volumes (Setúbal: Setubalnarede, 2001-2002), organizada por Pedro Brinca e Etelvina Baía, reunindo cerca de uma centena de entrevistas a protagonistas dessa época, espaço de encontro de nomes como Carlos Beato, Cristina Rocha Neto, Isabel Guerra, Joaquim Pires, Machado Luciano, Francisco Lobo, Regina Marques, João Aldeia, Jaime Graça, Orlando Curto, Odete Santos, Carlos César, Vasco Lourenço, José Rebelo, Dimas Pereira ou Fernando Cardoso Ferreira, entre muitos outros citáveis e justificáveis. Textos de comentário para essa obra escreveram Vítor Alves, Ramalho Eanes e Otelo Saraiva de Carvalho e o jornalista Adelino Gomes dedicou ao primeiro volume uma página no Público. Recordo a iniciativa da tertúlia bocagiana que tem acontecido há vários anos na noite de 14 para 15 de Setembro, devida ao jornal. Recordo o trabalho de maratona que foi o vasto conjunto de entrevistas a autarcas e a candidatos a autarcas a propósito das últimas eleições autárquicas.
Uma dúzia de anos. E de trabalhos. De notícias. De intervenção. Um tempo para não esquecer, de serviço para a comunidade, para a cidadania.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Carlos Drummond de Andrade, "Receita de Ano Novo"

RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
Carlos Drummond de Andrade. Discurso de Primavera e algumas sombras (1977)