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sábado, 22 de outubro de 2016

Bob Dylan - O silêncio indesejado


Bob Dylan e o seu silêncio. Um  silêncio ruidoso, por mim o digo. E subscrevo a crónica da Margarida Fonseca Santos. Lamento o silêncio. Porque se pode não aceitar... mas diga-se.
Por respeito relativamente às instituições. Por respeito ao mundo. Por respeito aos que o apreciam. Só!

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Máximas em mínimas - Alexandre Dáskalos


Eu – “O meu íntimo é uma catedral / que ninguém viu.”

Silêncio – “Só no silêncio a vida se descobre.”

Procura – “Sempre haverá o que se busque / embora o que se busque não se encontre.”

Vida – “Só existe / o que amanheceu. / (…) // A vida banhada em Sol é que dá vida.”

Alexandre Dáskalos. Poesia.
2ª ed. Col. “Autores da Casa dos Estudantes do Império”.
Lisboa: União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa – UCCLA, 2015
[colecção em publicação pelo semanário Sol]

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

José Tolentino Mendonça: "A papoila e o monge", uma peregrinação ao silêncio



Todos os livros terão uma história. A deste é: o autor foi convidado pelo Centro Nacional de Cultura para integrar uma viagem ao Japão, ocorrida no final de 2010, no papel de escritor. Durante a viagem, viu; longe dos sítios e do tempo da visita, sentiu e escreveu. Na “Apresentação”, conta: “Já em Lisboa, alguém recordou-me um facto que teria causado embaraço: durante toda a viagem ninguém me vira tomar uma única nota. Era verdade.” Três anos volvidos, o livro surgiu. Falo de A papoila e o monge, de José Tolentino Mendonça (Lisboa: Assírio & Alvim, 2013), um dos mais bonitos livros que li neste ano.
Com esta obra, Tolentino Mendonça enfileira na lista de poetas portugueses que seguiram o género do “haiku” japonês, embora ocidentalizado, para contar “simplesmente muito em três curtos versos”. Ao longo de seis partes (“Escola do silêncio”, “Vida monástica”, “Guia para perder-se nos montes”, “Amanhecer na primeira cidade”, “Amanhecer na segunda cidade” e “Livro das peregrinações”), o leitor encontra-se com a viagem interior, uma quase peregrinação, do poeta, num trabalho exímio de busca da palavra certa e repleta de sentido, do verso intenso.
Lê-se a obra e percebe-se que não se poderia estar à espera de um livro de viagens ou da reportagem de um circuito pelo Oriente, tal como desejaria(m) o(s) participante(s) embaraçado(s) que não tinha(m) visto o escritor convidado a registar apontamentos para uma fotografia mais ou menos íntima, mais ou menos descritiva, mais ou menos narrativa do que tenha sido a viagem.
O silêncio domina, é preponderante, atravessa todo o livro. O silêncio ensina, ajuda a reconstruir a viagem, alicerça o livro e o poema. Muitos dos poemas funcionam como máximas, aprendizagens, descobertas. O poeta constrói-se sobre versos de sentir, numa (re)visitação que apenas pode ser conduzida pelo poeta só – “Quando o templo se esvazia / então brilha / esplêndido”.
Fascinado que está o leitor com esta descoberta da contemplação do silêncio, uma outra se lhe depara: “A história relata o que aconteceu / o silêncio narra / o que acontece”. Fica-se, assim, perante a necessidade de se ouvir o silêncio, demanda de paz interior, de uma contemplação que não considera o ruído, que não existe ao lado do ruído.
Em cada volver de folha, uma nova revelação, um passo mais na peregrinação interior que a viagem é, que a escrita ajuda a consolidar. A viagem vira meditação, porque “a vastidão do mundo / para o peregrino / não é mais do que um quarto vazio”. E o caminhante prossegue, da mesma forma que o leitor avança, ávido, porque, no final, mesmo a encerrar o livro, surge o poema crucial, de convite: “Agora só resta / tornares-te / o poema”.
Emoção forte, a do leitor. Gosta-se deste calcorrear pelas veredas dos versos, num percurso a sós, único, singular. Um dos mais bonitos livros que li neste ano, repito.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Máximas em mínimas (92) - Bom professor e bom aluno


Bom professor - «Um dos problemas básicos das Ciências da Educação foi querer transformar o acto de ensinar em ciência, padronizando tudo. A maneira de ensinar História tornou-se semelhante à de ensinar Português, Física… As funções cognitivas e intelectuais que a História desenvolve não têm que se reproduzir noutra disciplina. Um bom professor vai à procura dos lugares-comuns da História: do rei que gostava de comer, dos amores deste com aquele… A sala de aula deve ser mais ou menos como um palco, onde a palavra do professor tem que ser vital. As últimas décadas de ensino, centradas no aluno, mataram a auto-confiança dos professores na palavra. É preciso repensar a formação dos professores neste sentido. Infelizmente, quando um professor sai da faculdade, logo no início de carreira, alguém decide se ele é bom ou mau. Mas um mau professor no início da carreira pode ser óptimo no fim, e o inverso também pode acontecer. A ideia de avaliar professores é errada. Um professor constrói-se ao longo de uma vida.»

Bom aluno - «Criámos a ideia de que o aluno que está sempre a participar é um bom aluno, mas, na verdade, é-o quem está intelectualmente activo, o que muitas vezes só se manifesta a prazo. Mais do que com o professor, o bom aluno deve mostrar empatia com o conhecimento. Durante mais de uma geração tivemos uma ditadura que impôs o silêncio. Gostava que pensássemos na possibilidade de democratizar o silêncio. (…) Essa democratização tem de vir de uma adesão voluntária da sociedade. Era fundamental para se repensar a própria ideia de escola. A escola carece de silêncio.»

Gabriel Mithá Ribeiro (em entrevista a Francisca Cunha Rêgo).
“O presente da História”. JL – Jornal de Letras (supl. “JL – Educação”, pg. 2): nº 1103, 09.Janeiro.2013.

sábado, 31 de dezembro de 2011

George Steiner e Cécile Ladjali: o prazer de ensinar

Em 2001, Cécile Ladjali publicava Murmures, antologia de poemas feitos pelos seus alunos de uma escola nos arredores de Paris. No ano seguinte, publicaria Tohu-Bohu, um texto dramático devido também à escrita dos seus alunos. Uma das particularidades do primeiro título resulta do facto de ter sido prefaciado por George Steiner e de ele mesmo ter acompanhado a feitura desse livro.
A aproximação entre Ladjali e Steiner levou a que, em 2003, surgisse uma obra resultante do diálogo dos dois, mantido em programa radiofónico, intitulada Éloge de la transmission – Le maître et l’élève, mais tarde reeditada no formato de bolso (Col. “Pluriel”. Paris: Hachette, 2007).
Se a ideia do livro é interessante, mesmo porque não se está perante uma simples entrevista, mas em presença de uma conversa, já o facto de o prefácio, da autoria de Ladjali, ocupar quase um terço do volume é algo fastidioso, ainda que com interesse para o leitor perceber a relação estabelecida entre esta professora, Steiner e os seus alunos. Assim, o leitor tem necessidade de chegar rapidamente ao diálogo entre os dois intervenientes, segmentado em sete capítulos: “Éloge de la difficulté”, “Créer à l’école”, “Grammaire”, “Le professeur”, “Les maîtres”, “Les classiques” e “Dans la classe”.
O que serve de pretexto a Ladjali é a experiência vivida com os seus alunos no projecto da escrita e de leitura de clássicos, sendo equacionado o papel do professor, bem como a recepção dos alunos. Da conversa entre estes dois interlocutores, ficam pistas para reflexão e peças para um “puzzle” que mais não é do que o desafio de ser professor, algumas delas aqui apresentadas por ordem alfabética do tema:

Clássicos – «Il n’est pas si facile de comprendre comment s’opère la transmission et pourquoi des textes millénaires  n’ont rien perdu, pour certains, de leur provocation et de leur vitalité, de leur puissance de choc. Mais le classique peut aussi naître aujourd’hui. (…) Un classique survit à toutes les bêtises.» (GS)
Ensinar – «Goethe a dit: “Celui qui sait faire fait. Celui qui ne sait pas faire enseigne!” Et j’ajoute: “Celui qui ne sait pas enseigner écrit des manuels de pédagogie.”» (GS)
Falar – «Parler, c’est respirer, c’est le souffle de l’âme. La parole est l’oxygène de notre être. (…) Chaque cliché est la morte d’une possibilite vitale, chaque belle métaphore ouvre littéralement des portes sur l’être.» (GS)
Função do professor - «Quelle pourrait être, de nos jours, la fonction du professeur?» (CL) «Un certain martyre. Sans aucun doute, il y a des difficultés, des souffrances, des collapses. (…) J’ai toujours dit à mes élèves: “On ne négocie pas ses passions. Les choses que je vais essayer de vous présenter, je les aime plus que tout au monde. Je ne peux pas les justifier. (…) Si l’étudiant sent qu’on est un peu fou, qu’on est possedé par ce qu’on enseigne, c’est déjà le premier pas. Il ne sera pas d’accord, peut-être va-t-il se moquer, mais il écoutera. C’est le moment miraculeux où le dialogue commence à s’établir avec une passion. Il ne faut jamais essayer de se justifier.» (GS)
Imagem da Escola – «Une très grande place accordée aux classiques et à l’apprentissage par cœur, une manière presque physique d’ingérer une culture pour mieux la vivre et, au centre de l’édifice, la figure du maître.» (GS)
Literatura – «Ce qui compte avant tout, c’est l’étonnement, l’espèce de transe qui nous prend quand on est mis en contact avec l’étrange et le merveilleux. C’est terriblement didactique tout ça.» (CL)
Mestre – «C’est tout simplement quelqu’un qui a une aura quasi physique. La passion qui se dégage de lui est presque tangible. (…) Celui dont même l’ironie vous donne une impression d’amour.» (GS)
Resultados – «Nos élèves sont terriblement pragmatiques, ils veulent constater des résultats tout de suite.» (CL)
Segunda língua – «On devrait depuis la première enfance, enseigner une autre langue. Depuis la toute première enfance, l’enfant devrait avoir deux langues, ce qui rend impossible une certaine étroitesse d’âme, un certain dédain pour autrui. Mais c’est un idéal, une utopie.» (GS)
Silêncio – «Rien n’est devenu plus luxueux aujourd’hui que le silence.» (GS)
Sonhos I – «C’est dans les premières années du secondaire que se joue le drame le plus complexe, qui est celui de faire croire à l’enfant qu’il y a des rêves, des transcendances éventuelles possibles.» (GS)
Sonhos II – «Si nous ne pouvions rêver – et rêver est une forme de futurité –, il n’y aurait vraiment que la clôture de la brieveté et de la médiocrité de nos petites vies personnelles.» (GS)


E, a rematar: que recompensa possível para um professor? Responde e pensa Steiner, recorrendo ao exemplo da sua vida de mestre: «Il peut donner une terrible aigreur, mais il y a une récompense suprême, qui est de rencontrer l’élève beaucoup plus doué que soi-même, qui va avancer bien au-delà de soi-même, qui va peut-être créer l’œuvre qu’un prochain enseignant va enseigner. Ça m’est arrivé quatre fois dans ma vie. C’est énorme comme chiffre sur cinquante ans d’enseignement. Quatre fois, c’est déjà beaucoup. Ça, je vous jure, c’est une récompense infinie.»

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto II

“Embora a humanidade demore tempo a chegar a um sítio, devido a imprevistos espantosos e a obras no caminho, a natureza, essa, nunca se atrasa.” (est. 1)

“Um homem pode demorar mais tempo a percorrer a minúscula casa da mulher que deseja do que a atravessar o mundo, de uma ponta à outra, com mochila às costas.” (est. 5)

“As pessoas aperfeiçoam mais os engenhos mecânicos da corrupção e das traições mesquinhas que os da hospitalidade.” (est. 31)

“Quando numerosos, os homens, os animais, as plantas, as pedras e até as máquinas perdem a higiene do raciocínio individual.” (est. 32)

“O Destino não é uma decisão unívoca de um tribunal que só sabe desenhar linhas rectas.” (est. 41)

“O mundo, como qualquer outra coisa, apenas se torna belo quando pela beleza é olhado.” (est. 42)

“Cada língua poderá ser definida como um modo especializado de interromper o silêncio.” (est. 80)

“Um estrangeiro é sempre uma novidade, tanto verbal como no número de hábitos que traz para a paisagem.” (est. 85)

“A vaidade tem um único sentido, não expira. É substância que um atira para dentro de si mesmo, e aí fica, engrossando-o de nada e coisa nenhuma.” (est. 97)

“No fundo, cada vida, no geral, não é mais do que um estilo literário.” (est. 101)

Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Que presente é este?

Perguntei-lhe pela neta, nascida há meses, e lá me disse que ia estando bem, que se ia afeiçoando ao mundo, que os pais estavam muito contentes, mas que não iriam para o segundo filho e, assim, não havia esperanças de ter também um neto. “A vida está difícil, cada vez mais difícil…Sabe que eu e o meu marido já nem vemos televisão quando é tempo de notícias?”
Fartaram-se de ver e de ouvir notícias, vozes, opiniões alarmistas, duras, rígidas, pairando pouca verdade. “Nada sabemos ao certo, parece que ninguém quer dizer o que realmente interessa, só se desmentem e nada corresponde ao que sentimos todos os dias”, explicou. “Não vê o que se passou com os medicamentos? Numa semana, iam descer não sei quanto e, na semana seguinte, já se dizia que as comparticipações iam acabar e iam ficar mais caros a quem deles precisar… Mal de quem precisa, não é? Dantes, as notícias eram um chorrilho de calamidades, de desastres, de azares… agora, é só economia, dinheiro, intriga e nós a termos cada vez menos… Deixámos mesmo de ver notícias… Não acreditamos…”
Há quem meta a cabeça na areia, há quem se revolte e manifeste essa revolta de forma visível, há quem se revolte e se remeta ao silêncio. Não será ainda desespero o sinal máximo, não. Mas é a desesperança que nos está a invadir, qual onda de areia que tudo vai secando e impedindo que o olhar sorria para o futuro.

terça-feira, 31 de março de 2009

Entre o mistério e o voo, segundo Ondjaki

1. “O que é mistério para os tantos demais, traduz-se, intimamente, num conhecido labirinto para quem detém as recordações. É uma das leis da vida e do sonho.”
2. “Ao pé das nuvens pinga mais cedo, é verdade, e o silêncio do céu é coisa inatingível para os não voadores – nós nunca experimentaremos.”
Ondjaki. O Assobiador. (1ª ed.: 2002)

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Máximas em mínimas (39)

Silêncio
“Os silêncios são um ritmo, uma respiração. Acrescentam um significado suplementar ao que é dito. Eles ajudam a suportar a enorme violência do que é, por vezes, dito. Permitem continuar a proferir palavras. São o momento da troca de olhares.”
Philippe Besson. Em tempos de guerra (2008) [orig.: En l'absence des hommes, 2001]

sábado, 10 de maio de 2008

Máximas em mínimas (26)

Encontrar o silêncio
"Está na sabedoria muda, incomunicável. está na pergunta simples e na resposta impossível. Na espuma que se forma contra o costado de um navio em alto mar. É um prémio de consolação, um privilégio como quando andamos a altas horas numa rua deserta. Há silêncio no desânimo e quando temos frio, muito frio. Há ruído nas evidências, silêncio no seu desprezo. Nas mais obscuras paixões e nas súplicas que as alimentam. Há silêncio nas fábulas onde os animais, porque sabem muito, só dizem o que é preciso e decisivo. Quando se vai ver um filho preso ou a mãe morta. Quando no metropolitano se ouve o violino de um refugiado da fome ou de um cego e um senho de gravata deposita uma moeda sem se baixar um pouco. Há silêncio nos cais de embarque. Há sossego quando se morre tarde; ruído, agitação e lágrimas quando se morre jovem.
O silêncio está na véspera e no dia seguinte. Na confidência e na conspiração. Na sumptuosa sombra de uma árvore antiga e quieta quando há calor e ervas pobres ondulam à nossa volta. No alto voo dos pássaros e numa casa em ruínas. Está na rotina e na grande ambição. No pasmo e no desaire. No vício quando é grande e na virtude quando é imensa.
Há silêncio na voz dos vagabundos, na sua muda heresia. Há silêncio quando algum desistente pára a meio do mais alto aqueduto da cidade. Há silêncio na astúcia, na tenacidade e no desgosto. Há silêncio no primeiro botão apertado da tua blusa."
Fernando Gandra. O silêncio como problema (peregrinatio ad loca utopica), 2008.
[foto: desde Seixal, Madeira]

Máximas em mínimas (25)

O silêncio...
"... é um sermão sem palavras que nos convida a pensar sobre o que já ouvimos e sobre o que ainda não dissemos, nem vamos dizer. Sobre a tentação de falar e o incómodo que é, que pode ser, ouvir."
Fernando Gandra, O sossego como problema (peregrinatio ad loca utopica), 2008.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Ouvir o silêncio…

… por entre poesia, oração, música, cinema, natureza, pintura e vida – é a proposta do poeta, teólogo e padre José Tolentino de Mendonça, numa entrevista, conduzida por Luís Filipe Santos, a propósito do tempo quaresmal vivido pelos católicos. A entrevista, editada no sítio da agência Ecclesia, cruza a teologia, a Bíblia, Bach, Herberto Hélder, S. João da Cruz, Sebastião da Gama, Frei Agostinho da Cruz, Eugénio de Andrade, Sophia Mello Breyner, Camilo Pessanha, Daniel Faria, Miguel Torga, Piero della Francesca, Fontana, Frei Angélico e Jesus, percorrendo os caminhos do silêncio, da criação, da vida e do homem. Ficam alguns excertos do discurso de Tolentino de Mendonça, verdadeiras pistas para a valorização do humano…
1. [O silêncio] é necessário para fugirmos ao nosso próprio ruído. O grande ruído não está na cidade, mas aquele que nós transportamos... É ressonância confusa que as coisas deixam dentro de nós. A Páscoa é um tempo de discernimento. É um tempo para treinar os sentidos. Com a Páscoa sentimos o perfume da vida. Escutamos a Palavra, como se fosse a primeira vez... Saboreamos o sentido profundo. (…) Ele sente-se porque não é apenas ausência do ruído. Ele não se define pela negativa, mas pela positiva. O silêncio é o lugar da comunicação. (…) Basta observarmos os monásticos. O silêncio não é a privação da palavra, mas um caminho alternativo de intensa comunicação e escuta. O silêncio é um lugar... (…) O silêncio é muito exigente. Se o mundo - à nossa volta e dentro de nós - é tão ruidoso é porque isso é muito mais cómodo. É mais fácil aguentar a palavra e o rumor do tempo do que se confrontar com o silêncio. Este tem uma verdade nua e sem véus. O confronto com o silêncio obriga a uma conversão. Obriga-nos a uma transformação que dói. (…)
2.As profissões ligadas à natureza são as menos mecânicas. São aquelas que se ligam ainda a uma lentidão. O silêncio é uma coisa lenta. (…) A poesia é uma forma de escuta e de atenção. O silêncio é a metodologia de todos os poemas que se escrevem. A grande tentação dos poetas é o silêncio. A poesia exige uma vida tentada pelo silêncio. É uma forma de comunhão. A poesia não quer suprir o silêncio nem explicá-lo. (…) É a meta de todos os versos que se escreveram. (…) Na poesia tenta-se – como se fosse a travessia das águas – atravessar sem ferir o mar. Para que no sossego das águas possamos ver o fundo, mas nem sempre isso é possível. (…) A poesia nem sempre é azul. Às vezes é escura e cerrada. A poesia não é um saber nem uma áurea. Não é um esplendor. Muitas vezes é uma noite escura. No entanto, a contemplação do mundo pede-nos uma procura. (…)
3.O silêncio não tem cor. Nós é que precisamos dessas cores. O silêncio é a vida nua... É a verdade. No entanto, precisamos da linguagem simbólica para viajarmos até à verdade. (…) O poeta sabe que precisa de ouvir o silêncio. (…) A vida artificial e do ar condicionado é uma vida anti-espiritual. A vida do espírito é uma vida lenta e exige uma digestão. Ela exige o reencontro com os caminhos, com os baldios e com o mar aberto. (…)
4.Na tradição portuguesa, a Serra da Arrábida é um lugar muito especial. Nesta serra encontramos tópicos da geografia do silêncio. Cada um de nós tem a sua serra onde encontrará o silêncio matricial. (…) O silêncio não é uma ausência. É a presença plena, inteira e intacta do mundo. (…) O silêncio é o fio secreto que conduz todas as procuras de sentido. Podem ser artísticas, intelectuais, pastorais ou orantes. No fundo, a verdade é só uma. A verdade de um grande pintor é a mesma de um mestre da fé. É a verdade do grande mistério que nos coloca perante o silêncio de Deus.
[foto: Tolentino de Mendonça, a partir do sítio Ecclesia]