terça-feira, 27 de maio de 2014

Para a agenda - Fernando Dacosta e o Estado Novo



No programa "Muito cá de casa", que o José Teófilo Duarte promove, Fernando Dacosta vai estar na sexta-feira para debater "As ilusões do Estado Novo". É já dia 30, às 22h00. Para a agenda!

Para a agenda - Mais um livro de Maria Luísa Piteira de Barros



Por entre o caminhar. Mais um livro de Maria Luísa Piteira de Barros. A ser apresentado em 31 de Maio, na Casa da Baía, em Setúbal, por Luciano Reis. É um convite.

sábado, 24 de maio de 2014

Francisco Fanhais: entre a "Cantilena" e outros poetas e músicas



Com a edição do Público de hoje completa-se a colecção “Canto & Autores” (Levoir Marketing / “Público”), de treze títulos, com o volume dedicado a Francisco Fanhais, constituído por booklet assinado por António Pires com um texto resultante de entrevista testemunhal a Fanhais e por um cd com 17 faixas, em que a canção “Cantilena” (letra de Sebastião da Gama e música de Francisco Fanhais) ocupa a sexta posição no alinhamento. Por este cd passam ainda versos de Manuel Alegre, de Sophia de Mello Breyner, de César Pratas (n. Setúbal, 1936) e de António Aleixo, entre outros.
O poema “Cantilena”, cujo primeiro verso é “Cortaram as asas ao rouxinol”, foi escrito por Sebastião da Gama em 25 de Novembro de 1946 e, logo no ano seguinte, escolhido para o que viria a ser o segundo livro do poeta, Cabo da boa esperança (1947).
É um dos poemas clássicos da obra de Sebastião da Gama quando se quer referir a presença dos animais na poesia portuguesa, tal como se pode ver na antologia Os animais na poesia, organizada por Graça Magalhães em 2007 (Col. “1001 Livros”. Lisboa: Lisboa Editora).
No entanto, este poema também tem servido para uma leitura sobre a liberdade, interpretação para que muito contribuiu o arranjo musical e a voz de Francisco Fanhais na década de 1960. Foi, aliás, este um dos poemas que Fanhais cantou na sua intervenção no programa “Zip-Zip”, transmitido na RTP em 1969… e que o próprio cantor fez inserir numa das suas gravações discográficas. Com a mesma leitura em prol da liberdade, foi este poema inserido na antologia Lá Longe, a Paz – A Guerra em Histórias e Poemas, organizada por Manuela Fonseca, Irène Koenders, Annemie Leysen e Carol Fox (Porto: Edições Afrontamento, 2001).
Para lá de outros interesses que motivem a escolha deste cd (e podem ser vários – a música de intervenção, a poesia portuguesa, o cantor), ele constitui uma boa oportunidade para se ouvir Sebastião da Gama na voz de Fanhais!

domingo, 18 de maio de 2014

Guerra Junqueiro, Edith Cavell e o "monstro alemão"



Edith Cavell (n. em Dezembro de 1865) tinha 49 anos na manhã de 12 de Outubro de 1915, data em que, pelas sete horas, foi executada em Bruxelas pelos alemães. A sua prisão tivera lugar em Agosto, depois de ter sido acusada de proteger a fuga de soldados aliados no país ocupado que a Bélgica era. Com efeito, calcula-se que duas centenas de combatentes do conflito que foi a Grande Guerra tiveram a possibilidade de chegar à neutral Holanda graças a Edith Cavell, acção que a enfermeira inglesa de Norfolk nunca negou.
A proclamação a dar nota da decisão do Tribunal do Conselho de Guerra Imperial Alemão, assinada nesse mesmo dia 12 de Outubro pelo governador, general Von Bissing, dava conta da condenação à morte “por traição colectiva” de seis pessoas, entre as quais Cavell, e subjugava mais quatro a quinze anos de trabalhos forçados, contendo ainda em nota final a informação de que, quanto a Cavell e a outro condenado, “o julgamento já recebeu plena execução” (Bocados de papel – Proclamações alemãs na Bélgica e em França. London: Hodder and Stoughton, 1917). Poucas horas antes de morrer, Edith Cavell confidenciou ao capelão anglicano Stirling Gahan: “Nada receio. Já vi a morte tantas vezes que a não estranho, nem me assusta. Dou graças a Deus por estas dez semanas de tranquilidade antes de morrer. Passei continuamente uma vida agitada e cheia de obstáculos e, por isso, este período de repouso o julgo uma grande mercê. Aqui foram todos bondosos para mim. Mas, no momento supremo, em face de Deus e da eternidade, eu sinto e quero dizer aos homens que o patriotismo não basta: não devemos ter ódio nem azedume para ninguém.”
Esta citação, longa, impressionou Guerra Junqueiro, que, em Barca de Alva, nesse mesmo mês de Outubro, a usou para abrir um seu escrito dedicado à memória da enfermeira e professora, opúsculo cujo produto da venda tinha como destino a enfermagem da Cruzada das Mulheres Portuguesas (Edith Cavell. Lisboa: Imprensa Nacional, 1916).
O escrito junqueiriano, em cinco páginas, não esconde a veneração pela cultura alemã ao mesmo tempo que o desprezo pela fleuma bélica e, no tom combativo, não disfarça o partido tomado na questão do conflito europeu. O parágrafo inicial é esclarecedor: “O horrendo assassínio de Miss Cavell pelo império alemão é já a crise delirante da ferocidade teutónica e demoníaca, o louco e pávido estrebuchar da bebedeira de sangue, orgulho e omnipotência, que fez da luminosa pátria de Goethe e de Beethoven a caserna ciclópica e sinistra do Kaiser, de Krupp e de Bismarck.” Na sequência, a intensificação da brutalidade e do sofrimento resulta da antítese entre o “martírio belga”, por um lado, e a “avalanche execranda, esmagadora, inexorável (…), numa raiva alcoólica e sangrenta de orgulho conquistador e canibalesco”, por outro, tendo pelo meio a “alma cristã de Miss Cavell, (…) que teve o martírio como epílogo”, depois de ter obedecido “ao dever, desafiando a morte”. Um bom retrato do ponto de vista cristão…
Guerra Junqueiro enaltece a verticalidade e a coragem de Cavell, não só pelo gesto que praticou na protecção dos seus validos, mas também, e sobretudo, pela coragem no assumir das responsabilidades, pela confissão do que fizera, sabendo que, ao mesmo tempo, aproximava a sua condenação, atitudes que levam o poeta transmontano ao retrato de desvanecimento: “Miss Cavell ergueu-se à esfera mais alta e luminosa da perfeição humana.” No lado oposto, o escrito de Junqueiro tenta descortinar o sonho do executor de Cavell, através de ideias que se acumulam gradativamente, num processo de onde não está alheia a ironia, até chegar ao seu estado máximo – “A ordem augusta vai fundar-se: Germânia, imperatriz do mundo, Berlim, capital do Universo”! Mas o poeta crê que esta é a futilidade do convencimento do carrasco, a auto-imagem que dos invasores poderia advir, algo que a última frase do escrito, num misto de esperança e de crença cristã, vai contrariar: “A justiça de Deus vai proclamar-se na terra. O monstro espantoso será desfeito e aniquilado.”
O testemunho de indignação quanto ao que foi o destino de Edith Cavell apareceu depois recolhido pelo autor no volume Prosas dispersas, em 1921 (Porto: Livraria Chardron, de Lello & Irmão), obra em que, de resto, surge um outro texto datado de 1918 sujeito ao momento histórico que foi a experiência da Primeira Grande Guerra. Sob o título de “O monstro alemão”, dedicado “à França heróica e redentora, à mãe sublime de Joana d’Arc”, o texto é datado de Março de 1918, também a partir de Barca de Alva.
Construída sobre metáforas de combatividade, este escrito de Junqueiro põe em oposição as figuras do italiano Cavour (1810-1861) e do prussiano Bismarck (1815-1898) para dizer que aquele foi um “tipo político perfeito”, enquanto este se destacou por “engrandecer a Prússia e prussianizar a Alemanha”, seguindo uma trajectória de onde não está ausente aquilo que pode ser visto como uma consequência da psicologia do invasor: “A Prússia, odiosa, invejosa e rancorosa, só domina, esmagando. Ou faz vítimas ou faz escravos. Bismarck, engrandecendo-a, exaltou um monstro.” A linguagem junqueiriana prossegue a senda da opressão e da desumanização: “O capacete prussiano deformou o cérebro da Alemanha; desumanizou-o, prussianizou-o, bestializou-o. (…) Bismarck não foi um grande homem, foi um grande prussiano. (…) A essência da alma de Bismarck  e da sua obra é esta: Quem tem a força tem o direito. O direito mede-se pela força. Krupp é o jurisconsulto do Império.”
A imagem da Alemanha e a fé no pangermanismo, recuando ao espírito da unidade alemã, segundo Junqueiro, alicerçado em Fichte (1762-1814, autor da ideia de um “pangermanismo espiritual”) e em Nietzche (1844-1900, que terá influenciado Bismarck de forma acentuada – “No fundo da Super-Alemanha de Bismarck há o Super-Homem de Nietzche”), acompanham neste texto o sonho que o cronista imaginou que já tinha sido o do carrasco de Cavell – a forte impressão ideológica de que a imagem de Átila, chefe dos Hunos e símbolo da Alemanha, viria a dominar o mundo, passando sobre valores como a civilização, a justiça ou o direito. Rapidamente Junqueiro nos dá o retrato: “Esta guerra é demoníaca e santa. É a guerra da Iniquidade com o Direito, da Besta com o Espírito, de Átila com Joana d’Arc.”
Estava-se em Março de 1918, justamente no início da Primavera que os alemães escolheram para progredirem de novo na frente oeste (haja em vista o que aconteceu em La Lys, por exemplo). A visão infernal de Junqueiro prolongar-se-ia ainda por uns meses nesse 1918. Mas o final do texto deixa antever que a vitória não será germânica, mas terá a marca de Joana d’Arc, pairando sobre todo o sofrimento a esperança cristã da paz – “Triunfa no Céu, porque da Terra varada de dor, inundada de sangue e orvalhada de lágrimas, brotam lírios de fé, lírios de chama, das campas nascem cruzes, das bocas voam preces, os joelhos dobram-se, as almas rezam e, cheias de infinita angústia, só encontram em Deus infinito amor a infinita paz!”
Este texto de Junqueiro não pode deixar de nos incomodar, atendendo às datas e aos retratos que dos povos e dos conflitos são traçados e ao que, de alguma maneira, é antecipado. Com razão José Nuno Pereira Pinto regista, a propósito desta lógica da cronologia e da quase profecia do poeta de Barca de Alva: “Esta capacidade de prognose, naquele momento, a meses do Armistício, é das páginas mais perturbadoras, pela sua capacidade profética, pela leitura não só do momento presente, como pelo prenúncio de que o apocalipse estaria para chegar.” (in À volta de Junqueiro. Henrique Manuel Pereira, org. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 2010). O poeta virava também profeta, ao mesmo tempo que mostrava o seu compromisso cívico e também religioso.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Memória: Miguel de Castro, cinco anos depois



Passam hoje cinco anos sobre a partida do poeta Miguel de Castro. Pretexto para um momento de convívio com a sua poesia. Uma mensagem destinada a Bocage, cuja primeira versão me foi disponibilizada pelo poeta, em 2006, para ser publicada na "Página Cultural" (nº 80) do Centro de Estudos Bocageanos, que, mensalmente saía n'O Setubalense. A versão que agora divulgo consta na mais recente publicação póstuma de Miguel de Castro - De silêncios e de sombras (Setúbal: Muito cá de casa / DDLX, 2013, pg. 13).

OLHA BOCAGE...
Olha Bocage - já não há Poesia!
A Poesia desapareceu.
Não faziam caso dela, e a pobrezita
Que sofria
De fome de sede e de frio,
Caiu à cama - e morreu.

Agora talvez ande a boiar no rio,
Magra e sem vestidos - nua,
Roída pelos peixes...
Coitada da Poesia!
E este estado de coisas continua...

Já não tenho alegria.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Para a agenda: Memórias portuguesas da Grande Guerra


Hoje, no MAEDS. Um contributo para a memória da Grande Guerra, para as memórias portuguesas da Grande Guerra. Para a agenda!

sábado, 3 de maio de 2014

Pedro Martins e António Reis Marques, "Agostinho da Silva em Sesimbra"



Os registos biográficos de Agostinho da Silva estão agora enriquecidos com um volume que estabelece a relação do homem de pensamento com a vila que se abriga na Arrábida, sob o título de Agostinho da Silva em Sesimbra, trabalho devido a Pedro Martins e a António Reis Marques (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2014), apresentado por António Cândido Franco, obra que se pode dividir em três partes: a primeira, constituída por um estudo das relações de Agostinho da Silva com a “piscosa” (a propósito deste atributo camoniano dado a Sesimbra, lembro-me sempre da intenção do palmelense António Matos Fortuna de ser construída uma rede ou um pacto de geminação entre todas as terras portuguesas com nome referido em Os Lusíadas, projecto que não chegou a ter execução, infelizmente) e com algumas das suas personagens e outros vultos da cultura portuguesa que por Sesimbra passaram, levada a cabo por Pedro Martins; a segunda, formada por dois textos de cunho memorialístico devidos a António Reis Marques, acentuando as vivências de Agostinho da Silva em Sesimbra; a terceira, reproduzindo a que terá sido a última entrevista do filósofo, saída no mensário sesimbrense Raio de Luz, no último dia de Setembro de 1993, conduzida por Pedro Martins, António Ladeira e José Pedro Xavier.
Os ecos de Sesimbra em Agostinho da Silva foram contínuos e tiveram início pela década de 1930, quando ali foi levado por eminente estudioso da região – Orlando Ribeiro, na altura em que preparava a sua tese sobre a Arrábida (com primeira edição em livro em 1936 e cujo manuscrito esteve em mostra em exposição biobibliográfica que a Biblioteca Nacional dedicou ao geógrafo há poucos anos). Na escrita, a região regista-a pela primeira vez em texto de 1956, a partir de Belo Horizonte, ao mencionar os “pescadores de Setúbal” e “os faroleiros do Espichel” nesse escrito introdutório a Reflexão à margem da literatura portuguesa (Lisboa: Guimarães Editores), que é um canto de agradecimento à cultura e à terra portuguesa, num longo passeio pela memória.
Depois, foram as vindas sucessivas a Sesimbra: motivadas pelas amizades de nomes como António Telmo, António Reis Marques, Rafael Monteiro; provocadas ainda por um projecto cultural que Agostinho da Silva gizou quando corria 1973, ao destacar monumentos como o santuário de Nossa Senhora do Cabo, o castelo sesimbrense ou a Fortaleza de Santiago como pontos matriciais para uma obra que colocaria Sesimbra no mapa de estudos da memória portuguesa; construídas sobre conferências, a primeira das quais na década de 1940 e a última em 1988, na Escola Secundária de Sampaio.
Ao longo deste estudo de Pedro Martins, em que a ligação do pensador à “piscosa” se reconstrói com memórias e com alguma correspondência que entre Agostinho da Silva e a afilhada Anahy se estabeleceu, Sesimbra afigura-se como espaço a que deram privilégio nomes importantes da cultura portuguesa do século XX, entre os quais, além dos já citados, são nomeados Vergílio Ferreira, Joel Serrão, Álvaro Ribeiro e João dos Santos, todos eles, porventura, com obra que teve “Sesimbra no horizonte”.
A evocação feita por António Reis Marques assenta em dois textos, correspondentes a outras tantas intervenções públicas em que o autor lembrou o amigo (datadas de 2002 e de 2006). Ainda que ambas contenham lembranças de vivências pessoais nos sucessivos encontros entre os dois, também por isso demonstram a grandeza desta personalidade, assente sobre princípios tão antigos quanto o franciscanismo ou a liberdade. Particularmente interessante é o registo em que é evocada uma ida dos dois amigos a uma loja de companha (a pedido de Agostinho da Silva), onde, depois de lhe terem sido explicadas as tarefas da pesca, o filósofo lembra aos pescadores o seu papel na história: “Vocês são os descendentes desses sesimbrenses que correram mundo nas naus e caravelas dos Descobrimentos. Foi com pescadores como vocês que os nossos mareantes aperfeiçoaram a arte de navegar, e foi também com eles que, velas desfraldadas, conseguiram um dos maiores feitos das navegações portuguesas: aprender a navegar à bolina, ou seja, navegar contra o vento.”
Na derradeira parte do livro, na entrevista que também foi a última dada por Agostinho da Silva, surgem temas que lhe foram caros como o da missão de Portugal no mundo, a questão do iberismo, o valor do mar e, naturalmente, Sesimbra. Debatia-se, na altura, o papel a ser desempenhado pela Expo 98, com escolha do tema dominante. E o entrevistado juntava na oportunidade esse tema – que só seria visto pelo público dali a cinco anos e que ele já não veria – com o papel de Portugal no mundo: “Surgiram agora com a ideia que é uma exposição sobre os Oceanos. Seria muito interessante que se pensasse sobre este problema: foi da costa portuguesa que se fez a exposição ao mundo do Império Romano; tem a costa portuguesa alguma coisa de particular? Eu acho que tem. Não é nenhum golfo. É uma costa aberta para um mar amplo. Daqui se pode sair, dar a volta ao mundo, sem estar preso por nenhuma terra. Talvez fosse bom pensar-se nisso: nos Oceanos.”
Esta mensagem de Agostinho da Silva tem vinte anos. Os oceanos foram, de facto, o tema da Exposição Mundial de 1998 em Lisboa; e, quando são passadas duas décadas sobre esta opinião, no nosso país começa-se a viver sob o signo de “Portugal é mar”… Momentos profícuos e de privilégio os que são gastos na leitura desta obra! Pelo que se aprende, pela riqueza do percurso do biografado, pelas marcas de identidade que são lembradas, por uma escrita que nos aproxima das personagens de quem se fala.