sábado, 31 de outubro de 2009

Memórias portuguesas da I Grande Guerra na Biblioteca Municipal de Setúbal

Em 28 de Junho de 1914, dia de São Vito, em Sarajevo (na Bósnia-Herzegovina, sob domínio austríaco havia seis anos), o arquiduque e sucessor Francisco Fernando da Áustria (1863-1914) e sua mulher, Sofia Choteck, duquesa de Hohenberg, foram assassinados pelo jovem estudante Gavrilo Princip (n. 1894), um elemento ligado à causa pan-eslava, que pretendia reunir todos os eslavos do sul sob a coroa sérvia.

O governo de Viena decidiu então acabar com a Sérvia, tendo o Kaiser Guilherme II garantido apoio à Áustria-Hungria. Em 23 de Julho, Viena concedeu 48 horas aos sérvios para castigarem os culpados do atentado, pretendendo ainda enviar agentes seus para uma investigação no terreno, medida que Belgrado não aceitou, apesar de concordar com o ultimato. Em 28 de Julho, Francisco José (1830-1916), tio de Francisco Fernando e imperador da Áustria, então com 84 anos, declarou guerra a Belgrado. As movimentações bélicas aceleraram-se: a Rússia, aliada da Sérvia, decretou a mobilização geral e a Alemanha, sentindo-se ameaçada, declarou guerra à Rússia (em 1 de Agosto) e exigiu à França a sua neutralidade. Mas o Presidente da República francês Poincaré (1860-1934), defendendo a União Sagrada, levou os franceses a acalentar a esperança da reconquista aos alemães do território da Alsácia-Lorena, que tinha sido perdido para os teutónicos em 1871.
Sendo a França aliada da Rússia, a Alemanha tentou atacá-la através da Bélgica, conforme previa o plano Schlieffen. Em 3 de Agosto de 1914, o Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Edward Grey, terá desabafado, ao anoitecer, à janela do seu gabinete: “Agora, extinguem-se as luzes em toda a Europa. Não voltarão a acender-se enquanto vivermos!” A Inglaterra entrou no conflito devido ao seu empenho em defender a Bélgica por questões estratégicas. Todas as partes pensavam que a Guerra terminaria antes do Natal, isto é, dali a cinco meses. Aquilo que Bismarck prognosticara estava a acontecer: um erro cometido na zona dos Balcãs seria responsável por uma guerra europeia.
A guerra não demorou os cinco meses; prolongou-se por quatro anos. No final, oito milhões e meio de soldados pereceram nos campos de batalha (7500 portugueses incluídos), ignorando-se o número de civis mortos, bem como o de participantes psicologicamente afectados ou estropiados. Portugal lutou em duas frentes – a europeia e a africana –, verdadeiro suplício para um país que não era rico e que pensou, pela via da participação na Guerra, obter o reconhecimento do estrangeiro.
De tão grande catástrofe ficaria povoada a memória, acentuada nos escritos testemunhais em que, como referiu Hernâni Cidade (ele próprio combatente na Flandres), se nota uma contradição fundamental: “a falta de harmonia entre o homem essencial e o homem exterior, isto é, entre o homem livre no seu sentimento e na sua razão e o homem deformado pela pressão das circunstâncias que o rodeiam”.
Quando estão já desaparecidas as testemunhas e os actores do que foi a Grande Guerra, é urgente estar de acordo com Philippe Dujardin, quando diz que “la militance mémorielle institue un état de veille”, cabendo à literatura um papel primordial. E como contribuíram os testemunhos para a ideia do que foi a Grande Guerra? Naturalmente que, de um ponto de vista da escrita testemunhal, haverá de imediato a tendência para se filiar o registo na genealogia épica, o que se compreende porque a expressão literária da guerra acaba por não se afastar do que foi a história dos homens que a fizeram, viveram e escreveram. Esta escrita testemunhal, veiculada pelo memorialismo, pela diarística, pela correspondência e pelos romances autobiográficos, sentiu o dever de dizer a verdade, de assentar a literatura sobre a experiência e sobre o vivido, num compromisso do escritor com a escrita, exigindo que o leitor se situe perante uma narrativa a que não é alheia a tonalidade da emoção.
É difícil reconstituir o corpus da literatura memorialística portuguesa da Primeira Grande Guerra, apesar de ter já havido várias tentativas de catalogação. Mas, de vez em quando, essas obras vão aparecendo e permitem-nos participar, à distância, na vida das trincheiras.
Aqui se mostram algumas delas, com todas as limitações imaginadas mas com algumas intenções: avivar a memória, mostrar uma faceta da nossa literatura autobiográfica, ver até onde a Grande Guerra é, ainda hoje, motivo de ficção. Aqui e ali, mostram-se também obras estrangeiras sobre o mesmo tempo e sobre o mesmo tema, porque a Primeira Grande Guerra (que levou a que um estudioso, recentemente, a chamasse para apelidar o século XX como “o século de 1914”) teve marca universal. E o que nela sentiram os portugueses não foi diferente do que sentiram todos os outros participantes, independentemente das cores das bandeiras sob que lutavam…
[texto do roteiro que acompanha a exposição hoje inaugurada, que se manterá
na Biblioteca Pública Municipal de Setúbal até 13 de Novembro de 2009]

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O primeiro livro impresso em Setúbal tem 500 anos


“Esta obra foi imprimida em Setúbal por mim Herman de Kempis alemão, no ano de mil quinhentos e nove e se acabou a treze do mês de Dezembro”. Assim consta no cólofon do livro Regra, Estatutos e Definições da Ordem de Santiago, peça com cinco séculos, hoje considerada raridade, primeiro livro impresso em Setúbal.
Agora, quinhentos anos passados, com o apoio da Biblioteca Nacional de Portugal, a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (LASA) decidiu, numa tiragem de 250 exemplares numerados, promover a edição facsimilada da obra, que, aquando do mestrado de D. Jorge na Ordem de Santiago, compilou a documentação inerente ao seu funcionamento.
Esta foi a mais antiga edição da Regra santiaguista na Península Ibérica, com 115 folhas, na sequência do capítulo que a Ordem efectuou em Palmela, em Outubro do ano anterior (1508). Segundo Sousa Viterbo (O movimento tipográfico em Portugal no século XVI. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1924), esta obra integraria ainda o capítulo Confessional da maneira que os Cavaleiros da Ordem de Santiago pela regra se devem acusar quando se acharem culpados, que é apresentado como obra autónoma por alguns estudiosos e que não integra a edição facsimilada agora apresentada.
Herman de Kempis foi impressor de várias obras em Portugal, entre as quais: Flos Sanctori em linguagem portuguesa (1513), Boosco Deleitoso (1515), Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516) e Regimentos e Ordenações da Fazenda (1516).

domingo, 25 de outubro de 2009

Rostos (132)

Monumento ao Marquês de Pombal, por Cutileiro, em Vila Real de Santo António

sábado, 24 de outubro de 2009

Não havia necessidade...

... de, num dia, ser motivo de primeira página em jornais, ao dizer que não recebera convite do Primeiro-Ministro para ser ministra (quando, há muito, se falava do seu nome para ocupar a pasta da Educação), e, no dia seguinte, o seu nome aparecer como titular da pasta da Educação, integrando o governo proposto pelo mesmo Primeiro-Ministro!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A grande volta

Reunião em que se debatiam assuntos de escola. Um dos participantes, aparentemente bem informado, comunicava aos restantes que o futuro da educação (entenda-se: com o novo governo) ia ser uma surpresa, porque ia haver "uma grande volta". Expectativa... "Só espero que não seja de 360 graus!...", comentei.

O dia em que os Davids ganharam a "Shelter Competition"


O concurso “Design it – Shelter Competition”, promovido pelo nova-iorquino Guggenheim Museum, já tem vencedores: ambos se chamam David, ambos são europeus, ambos estão separados pela distância que vai de Palmela a Aarhus. Pela parte do público, o primeiro lugar foi atribuído ao português (de Palmela) David Mares, que recolheu 64875 dos cerca de 100 mil votos registados; por parte do júri, o vencedor foi David Eltang, da Dinamarca.
O projecto de abrigo apresentado por David Mares, concebido para o Vale de Barris (Palmela), apresenta a particularidade de ser construído em cortiça, fazendo face às variações de um micro-clima próprio; a proposta chegada da Dinamarca (Aarhus) visa proporcionar uma oportunidade para conhecer o habitat de aves e de focas, independentemente das marés.
No sítio do Guggenheim Museum, o projecto de Mares surge apresentado nos seguintes termos: «CBS – Cork Block Shelter is located in Vale de Barris, Portugal. The rectangular structure is composed of cork walls which provide thermal protection from a microclimate ranging from dry heat to damp cold. According to designer David Mares, “the dynamic facade gives visual interaction when in living-studying mode; in rest-sleep mode it closes to provide privacy for its occupant.» A proposta de Eltang é assim descrita: «David Eltang's SeaShelter is situated on the coastline of Denmark’s Wadden Sea, a popular location for wet hikes during low tide. Its interior workspace and observation and resting platform offer an opportunity for those hiking along the sand to experience the seabed during shifting tides, and the shelter provides a habitat for local birds and seals. According to juror David van der Leer, Assistant Curator of Architecture and Design at the Guggenheim, “SeaShelter creates an opportunity to experience full high tide and interact with the environment in dramatic ways. Providing a refuge for passersby and wildlife alike, the shelter invites narrative and possesses a welcoming quality that the jury viewed as reflective of the spirit of the Design It competition.”»
[Fotos: em cima, projecto de David Mares; em baixo, projecto de David Eltang. Fonte: site do Guggenheim Museum]

domingo, 18 de outubro de 2009

A "Nova Águia" em torno de Pascoaes, com a sua voz

O quarto número da revista Nova Águia (Sintra: Zéfiro, nº 4, 2º semestre 2009), sob a direcção de Paulo Borges, Celeste Natário e Renato Epifânio, já está na rua. O tema de capa é “Pascoaes, Portugal e a Europa”, que reúne abundante e diversificada colaboração, podendo considerar-se conjunto de bibliografia indispensável para o entendimento do pensar de Pascoaes.
Outro contributo importante deste número da revista para o conhecimento do poeta do Marão é a inclusão de um cd reproduzindo a leitura do texto “A alma ibérica” pelo próprio autor, Teixeira de Pascoaes, boa oportunidade para conhecer a voz do poeta que faleceu há mais de meio século (1952) e para ouvir um texto bonito sobre a Ibéria, onde, a dada altura, é dito: “A Ibéria é um corpo e uma alma. (…) O osso ibérico deu o esqueleto de Cervantes; a carne lusitana deu o coração de Mariana e o misticismo panteísta de Fr. Agostinho da Cruz, uma espécie de Francisco de Assis, em ingénua miniatura ou do tamanho da Arrábida.” E, quase no final da gravação, a Arrábida e o poeta de Ponte da Barca (que faleceu em Setúbal) voltam à voz de Pascoaes, depois de falar do sentimento de Unamuno relativamente a Portugal e à identidade ibérica, dizendo que “a expressão elegíaca da Ibéria, a mesma que recebemos na leitura de Fr. Agostinho” é a Arrábida, “olimpo místico e saudoso”.
Deste fascínio de Pascoaes pela Arrábida já nos testemunhara Sebastião da Gama em texto publicado no Jornal do Barreiro (nº 73, 11.Outubro.1951), sob o título “Carta de Setembro – Visita a Teixeira de Pascoaes” (depois incluído na obra O segredo é amar). Em 14 de Setembro desse ano, com Joana Luísa, sua mulher, Sebastião da Gama viajara até Amarante com a intenção de visitar Pascoaes, a quem ia oferecer os seus livros. Regressado desse encontro, em 23 de Setembro, ainda com a memória fresca, Sebastião da Gama redigiu a crónica para o periódico barreirense, testemunhando: “Na semana passada fui ver o Tâmega e o Marão. Fui ver S. Gonçalo de Amarante (…) Ali a dois passos ficava Pascoaes, o cantor do Marão e do Tâmega. Quis conhecê-lo. Tinha obrigação de conhecê-lo. (…) Era a gratidão pela sua poesia. Era mais: que eu fui à sua casa como um peregrino (…). E Pascoaes apareceu. (…) De repente, estávamos a conversar como velhos amigos. (…) Eu levava só a credencial de vir da Arrábida. Mas tanto bastava para aquele homem simples me receber de braços abertos. (…) E mais ainda ouvi-lo dizer: A Arrábida é que é o altar da Saudade. Eu pu-lo no Marão porque sou do Norte. Foi quando tive pena que Pascoaes não tivesse nascido na Arrábida. (…)”
Em torno do tema que a revista escolheu para este número, estão presentes os seguintes autores: Pinharanda Gomes (“Pascoaes e a alma da Europa”), Pedro Teixeira da Mota (“Da actualidade de alguns ensinamentos de Teixeira de Pascoaes”), Pedro Martins (“Da Terceira Idade à Segunda Vinda: Algumas notas sobre o Messianismo de Pascoaes”), Paulo Borges (“Índias espirituais e ilusão em Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa”), Miguel Real (“O perfil de Portugal segundo Teixeira de Pascoaes”), Maria Luísa de Castro Soares (“Ser Português e Ser Universal na obra de Teixeira de Pascoaes”), Manuel Ferreira Patrício (“A saudade e a pátria no Livro de Memórias de Teixeira de Pascoaes”), Luís Loia (“A arte de ser Português e a necessidade da educação para a Portugalidade”), Luís G. Soto (“A metade da vida na estrada de Europa”), José Lança-Coelho (“Teixeira de Pascoaes no Diário de Torga”), Fátima Valverde (“Teixeira de Pascoaes e René Char face à grandeza universal do teatro”), Dirk Hennrich (“A terra tardinha em Teixeira de Pascoaes”), César António Molina (“Teixeira de Pascoaes, poeta filósofo”), Celeste Natário (“Teixeira de Pascoaes: Uma metafísica da saudade”), António Telmo (“O passeio que ficou por contar”), António José Borges (“Idealismo e ética: Saudades futuras da nova arte de ser português”), António Cândido Franco (“Nota corrida sobre o pensamento geo-estratégico de Teixeira de Pascoaes”), Samuel Dimas (“Regresso ao paraíso celestial”), Rui Martins (“Pascoaes: Um testemunho vivo das maleitas e dos tormentos do Portugal de ontem e de hoje”), Risoleta C. Pinto Pedro (“A Europa como reflexo da imagem verdadeira”), Renato Epifânio (“Entre Portugal e a Europa: Cinco notas e uma interrogação”), Paulo Feitais (“Portugal, o rosto da Europa? Para uma ética do encontro e da perdição”), José Eduardo Franco (“Polónia, país gémeo de Portugal na Europa”), José Telles de Menezes (“Muros e sebes: Da cidade murada às aldeias a oeste do éden”), Joaquim Miguel Patrício (“Portugal e a Europa numa era global”), João Bigotte Chorão (“Europa, Europas”) e Adriano Moreira (“Europa, a matriz do Ocidente”).
[Fotos: capa do nº 4 da revista Nova Águia e encontro de Sebastião da Gama com Pascoaes em Setembro de 1951.]

sábado, 17 de outubro de 2009

Máximas em mínimas (51)

SUPER-HOMENS OU SUPER-PERSONAGENS
“Os romancistas têm o condão de criar personagens super-humanas, cujas biografias nos fazem entrever angélicos habitadores das regiões cerúleas – porque na terra, por melhor que se esquadrinhe, não se encontram. Que, lá verdade, verdade: o Artista Máximo, às vezes, consente que à terra desçam anjos de incomparável formosura, com almas de pura essência divina. Mas só de séculos a séculos isso acontece. Também se Deus se lembra de encher o mundo de criaturas superiores, os romancistas perdem a originalidade e a faculdade de inventar.”
Manuel Boaventura. Contos do Minho. Barcelos: Companhia Editora do Minho, 1927, pg. 118.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O dia seguinte e depois...

O país tem vivido desde há longas semanas em período de campanha eleitoral. Acabou-se. Já não há desculpas para tantas discussões de projectos ou programas, para incumprimentos, para obras em cima das eleições.
O país tem vivido com o barulho ensurdecedor de altifalantes, de cartazes a esmo, de fotografias nas praças, jardins, ruas, esquinas. É tempo de regressar à obra, de limpar o rosto dos nossos espaços, de começar (ou continuar) a cumprir os projectos que levaram aos votos.
Muitos resultados contrariaram sondagens feitas sabe-se lá como. Setúbal foi, aliás, um dos casos. Está visto que os resultados locais não se pautam pela batuta dos resultados nacionais, muito embora as interpretações surjam quase sempre a estabelecer relações entre uns e outros. Houve quem apostasse na continuidade do quadro de resultados, com escassíssimas alterações, argumentando com a perpetuidade de quem está no poder e com a dificuldade em modificar os resultados. Enganos, claro! Foi um bom ensaio para o que pode suceder daqui a quatro anos, quando muitos dos presidentes agora reeleitos não puderem ser candidatos...
Por agora, no dia seguinte e nos que virão depois, é urgente regressar à obra, que será muito mais implacável do que a propaganda ou a demagogia com que se encheram recintos durante este Verão. É isso que se espera!

Política caseira (99): Dos resultados autárquicos no distrito de Setúbal

O Setubalense: 12.Outubro.2009

Política caseira (98): Dos resultados autárquicos no concelho de Setúbal

O Setubalense: 12.Outubro.2009

sábado, 10 de outubro de 2009

A República na minha Escola

Alunos da turma D de 12º ano da minha escola, orientados pela professora de História, apresentaram ontem à comunidade uma sessão sobre os 99 anos da República. Foram cerca de 60 minutos de evocação, de saber, de divulgação, de criatividade, de trabalho, de arte. Por ali passou o esforço de investigação sobre personagens ligadas à implantação da República; por ali passou a evocação do primeiro Presidente da República; por ali passou a poesia vinda das palavras de Antero de Quental, de Miguel Torga e de Manuel Alegre; por ali passou a música que interpretou e recriou "A Portuguesa" (que emocionou muitos dos presentes); por ali passou a generosidade de um grupo de alunos que fez encher um auditório para mostrar resultados do seu trabalho. Foi simpático, instrutivo, bonito e útil.
Não podia deixar de registar esta forma de, através do trabalho dos / com os alunos, a nossa contemporaneidade e o nosso passado serem vividos na Escola. Momento alto no (quase) início do ano lectivo, pois!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Política caseira (97): Migalhas de ética

Qual a finalidade de uma “Comissão de Honra” na candidatura a uma autarquia? Provavelmente, mostrar que cidadãos se disponibilizaram a dar a cara por essa candidatura, ainda que não a integrando.
Até aqui, tudo bem. As “Comissões de Honra” numa candidatura deste tipo valem pelos cidadãos que as constituem, com as suas identidades próprias.
Mas não faz parte dessa identidade o cargo que desempenham numa qualquer associação para que tenham sido eleitos ou nomeados, porque não podem comprometer a instituição que representam no apoio à candidatura “a” ou “b”, mesmo porque o lugar em que estão não é definitivo.
É por estas razões que antipatizo com as “Comissões de Honra” em que ao nome dos cidadãos e à respectiva profissão é acrescentado o cargo que desempenham no movimento associativo ou em organismos públicos.
Houvesse um pouco de ética e nem os cidadãos consentiam que esses dados figurassem nem os movimentos político-partidários usavam essa forma baixa de comprometer instituições. Pode ser uma questão de somenos, mas é um sinal da forma como os pactos funcionam e de como os pactos não deviam ser. No mínimo, é enganador. E é também um abuso.Não sei quantas candidaturas adoptaram em Setúbal esta prática, mas sei que houve quem a fizesse. Lamentável!

Política caseira (96): A cada um a sua campanha, mirando Setúbal

O Setubalense: 09.Outubro.2009

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Dia Mundial dos Professores, hoje

«Para construir o futuro: Invistamos nos professores agora!» Tal é a máxima escolhida pela UNESCO para o Dia Mundial dos Professores deste ano, data que é apresentada como «a ocasião de prestar homenagem aos professores e ao papel essencial que eles desempenham para uma educação de qualidade a todos os níveis.»
A mensagem da Unesco chama também a atenção para o que deve ser a função do professor hoje: «Num mundo interdependente e em evolução constante, os docentes devem não só assegurar-se de que alunos adquirem sólidas competências nas disciplinas de base, mas também de que eles se tornam cidadãos responsáveis a nível local e mundial e que usam as novas tecnologias e são capazes de tomar decisões claras nas áreas da saúde, do meio ambiente».

domingo, 4 de outubro de 2009

Sobre "Que cena, professor!", de Thalita Rebouças

Pelas páginas de Que cena, professor!, de Thalita Rebouças (Lisboa: Editorial Presença, 2009), passam as memórias da personagem Maria de Lurdes, aliás, Malu, jovem com 22 anos que está a partilhar um apartamento com mais duas amigas e que, um dia, depois da visita da mãe, que não aprovou a (des)ordem vivida no apartamento, entabulou conversa com as amigas sobre uma possível arrumação da casa. Que não, que ela lhes fazia lembrar um professor do passado, sempre muito apostado nas arrumações. E estava lançado o desafio para a memória: lembrando um, outro e outro professor nos seus percursos, será Malu a confessar: “Eu tive tantos professores à maneira… Giros, queridos, apaixonados. Inesquecíveis. Lembro-me do Afonso, do Gordo, da Graciete, do Joaquim, da Angélica, da Valéria, da Fátima… Histórias com professores… Tenho a memória cheia delas.”
Intitula-se este capítulo “22 anos”, dando indicação sobre a idade da personagem, mas também sobre as experiências que por esta personagem já passaram e sobre o efeito que a memória nela tem. O capítulo seguinte intitula-se “3 anos”, indicando recuo longo no tempo, até à infância a partir da qual se reconhecem lembranças, tempo de “primeiro dia de aulas”, o primeiro dos primeiros, num mês de Setembro em que Malu ingressava no colégio infantil. Depois, os capítulos garantem a sequência das idades, um para cada ano de vida, com o que de mais marcante aconteceu nesse ano no percurso escolar da protagonista, até chegar, de novo, aos “22 anos”, outra vez título no derradeiro capítulo do livro.
Assim, a história é um longo “flashback” pelo itinerário em que Malu se encontrou com professores – no infantário, na escola de ballet, nos vários níveis de ensino frequentados, na escola de condução. De cada ano ficou pelo menos uma marca para a vida, em episódios lembrados pelo que significaram na relação com professores, com colegas, no crescimento e nas aprendizagens havidas, passando por coisas tão simples quanto a existência do Pai Natal, o (não) gostar do nome, as crises de identidade, as brigas com amigos, os sentimentos em torno das fotografias do conjunto turma, as visitas de estudo, os namoros, a estética e o cuidado com o corpo.
Por esta história vão passando situações particularizadas na vida de Malu, que bem podem ser as sentidas e vividas por todos os jovens. Contando a vida segundo um ponto de vista feminino, o de Malu, esta história bem pode ser uma leitura de género em que a rapariga se dá também a conhecer. Cada momento retratado através da memória tem relato curto, conciso, com economia descritiva, fortemente povoado de diálogo e de acção.
No final, o subtítulo “a vida continua” estabelece a ponte entre o narrado (e lembrado) e o aprendido que ficou para o futuro – “É muito bom olhar para trás e recordar todas estas histórias. Que saudade dos meus professores… São pessoas que marcam a nossa vida, os nossos conceitos, os nossos medos, as nossas inseguranças, as nossas emoções. E incentivam-nos a formar opiniões, testam-nos e deixam-nos ansiosos, curiosos; muitas vezes revoltados, outras empolgados, interessados.” O capítulo terminal é um canto de entusiasmo em honra dos professores tidos, que retrospectiva, lembra e lança a corrente dos afectos, numa junção dos momentos felizes evocados e do papel que os outros desempenha(ra)m na construção desse trajecto, final feliz, portanto – “A vida continua. E o importante é saber que a convivência com cada um dos meus professores foi óptima enquanto durou. Mas que queria muito dar um beijo repenicado na bochecha de muitos, ah, queria mesmo! E depois do beijo eu abriria o meu melhor sorriso e diria, sinceramente, do fundo do coração, aquilo de que me arrependo amargamente de nunca ter dito: Muito obrigada. Por tudo.”
As questões de crescimento e de formação de homens e de mulheres sobrepõem-se às latitudes e a vida também se faz com memórias. Este livro contém uma história com histórias para ler. Com um sorriso, pelo que retrata e pelo que sugere e pela graça com que os retratos nos chegam.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rostos (131)

Monumento ao Ovelheiro, de Camarro, em Quinta do Anjo, inaugurado hoje

Há pouco mais de 20 anos, o historiador palmelense, natural de Quinta do Anjo, António Matos Fortuna, escreveu um pequeno livro deveras significativo para a identidade da sua aldeia - Quinta do Anjo - Capital da ovelharia entre Tejo e Sado (Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988). O título é curioso, pois terá sido a primeira homenagem aos pastores, aos tosquiadores, aos queijeiros, aos ovelheiros (a quem, de resto, chamou "semeadores de rebanhos em terras à volta"). Quase no final desse livro, lembrava António Matos Fortuna: "Mais ou menos, em todas as zonas do país existem pastores. Há, porém, algumas tipicamente consagradas nesse aspecto etnográfico. Em tal número ninguém pensará inscrever a freguesia de Quinta do Anjo, que sempre foi terra de ovelheiros." Duas décadas depois deste escrito, publicado em mês outonal, eis que o ovelheiro quintajense, de novo em mês de Outono, fica inscrito na memória e na identidade da aldeia.