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quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Cecília Matos mostra como José Bárcia fotografou Setúbal e Palmela



Trinta anos foi o tempo que Cecília Matos levou a amadurecer o plano de trazer para a memória o itinerário artístico e biográfico de um dos importantes fotógrafos portugueses da primeira metade do século XX, tempo de descobertas e de contactos com a obra e com testemunhos, que agora aparece sob o título de Os Dias de José Bárcia (1895-1917) (edição de autor, 2024), com informação acrescida no subtítulo, curta apresentação de parte do conteúdo — “a colecção fotográfica de Quinta do Anjo, Palmela e Setúbal”.

São cerca de 300 as fotografias integrantes desta obra, que podemos organizar em duas partes em torno do fotógrafo Bárcia (1873-1945). Na primeira, que traça o seu perfil biográfico, o leitor assiste a um recuo até às origens galegas do biografado, passando pelas suas apetências musicais e pela profissão de desenhador de obras públicas, até chegar àquilo que não foi a sua profissão, mas o seu gosto, a fotografia, sendo ainda de destacar o relacionamento com o olissipógrafo Júlio de Castilho, parte que também nos revela peças de correspondência epistolar de Bárcia com diversos destinatários (especialmente com Castilho). Cecília Matos faz o levantamento dos arquivos onde existe o acervo fotográfico de um autor que testemunhou pela imagem momentos tão importantes como a construção da nova Escola Médico-Cirúrgica (1906), o funeral real (1908) ou a construção do Hospital Júlio de Matos, articulando a sua investigação com a recepção que a obra de Bárcia teve na época e sobre quem Brum do Canto deixou dito ser autor de fotografias “reveladoras de estudo e muito apreciável capacidade artística” e a Ilustração Portuguesa (de 21 de Março de 1918) registou ser “o fotógrafo amador a quem a arqueologia olissiponense deve relevantes serviços”.

A segunda parte da obra é ocupada com o tempo em que Bárcia registou momentos de Setúbal, Palmela e Quinta do Anjo, em vindas da capital que muito ficaram a dever ao facto de uma sua tia, Amélia Várgea, ter sido professora, desde 1877, em Palmela e, a partir de 1894, em Setúbal. Tais instantes, motivadores de outras tantas fotografias, surgem muitas vezes com as legendas que o próprio artista registou, anotando nomes dos retratados, referências dos locais e, até, pormenores dos contextos desses momentos, por aqui passando as histórias de pessoas, de festas e do quotidiano ou os testemunhos de um passado ligado a narrativas familiares e locais.

Ao longo do livro-álbum, Cecília Matos procedeu também à transcrição de textos que documentam o que eram os locais fotografados e a vida nesse tempo que José Bárcia guardou, recorrendo a alguns testemunhos orais e a entrevistas por si realizadas a descendentes de pessoas que contactaram com o fotógrafo-artista (irmãs Adília do Carmo Cardoso e Maria da Graça Cardoso, Maria Neves Cipriano, Laura Cardoso e Maria Adelaide Chagas), a registos publicados de autores como Mário de Sampayo Ribeiro, Augusto Filipe Simões e Manuel Godinho de Matos, e a notícias da imprensa periódica (como Ilustração PortuguesaOlisipoSerõesDiário de Lisboa, entre outros títulos). 

Obra com cuidado estético assinalável, Os Dias de José Bárcia resulta de uma procura intensa nos acervos (Arquivo Municipal de Lisboa, Torre do Tombo, Museu de Lisboa, Arquivo Municipal de Palmela e espólio de Maria Ascenso, enteada do fotógrafo), mas também de factores importantes que Cecília Matos não esconde — o seu gosto pela história e pelas técnicas da fotografia, o seu interesse pela história local e o seu afecto às origens e à aldeia-natal, Quinta do Anjo. Por isso, também perpassa pelo livro uma preocupação de trazer a personalidade de Bárcia para a actualidade e de o chamar para a construção da identidade local, como refere: “Em 2023, se Bárcia fosse vivo, faria 150 anos. Agradeço-lhe a possibilidade que nos deu de viajarmos até ao passado e de ver como era a Quinta do Anjo no início do século XX, de imaginarmos como seria viver numa época ainda sem electricidade, sem telefones e sem automóveis.”

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: n.º 1403, 2024-10-30, pg. 10.


quarta-feira, 9 de março de 2022

Alexandrina Pereira e Sebastião Fortuna: entre versos e telas



Da junção dos versos de Alexandrina Pereira com os quadros de Sebastião Fortuna (fotografados por Paulo Alexandre Ferreira) nasceu uma obra pintada de palavras e versejada com cores, graças a vinte e seis telas e outros tantos textos que as reinterpretam a partir do título que o pintor lhes deu. O trabalho está reunido sob o título Sebastião Fortuna - O Pintor de Sonhos, acabado de aparecer, em edição de autor apoiada pelas Juntas de Freguesia de Palmela e de Quinta do Anjo.

Entre “Leva-me contigo para ver o mar”, título da primeira imagem e do correspondente poema, e “Coerência”, que baptiza a última tela e respectivo poema, há um itinerário que se cumpre, balizado por símbolos recorrentes como a água, a casa, a árvore, o vento, os animais ou os barcos, sempre num enquadramento espacial em que a Natureza domina. De diferente forma se mostram as flores, outra assídua presença, enquadradas como elemento decorativo, envasadas, a transportarem a Natureza para os espaços interiores.

Os poemas correm atrás das cores e dos motivos pictóricos, quase variações do visível, glosas dos títulos, que assim se afirmam como motes responsáveis pela recriação. Em várias circunstâncias, o universo sugerido apresenta-se como próximo do sonho, um pouco a fazer justiça ao epíteto trazido para título da obra - se dúvidas houvesse, uma designação como “Eu vou nas asas do vento”, puxada para legenda de quadro, provaria esse rumo para uma utopia, logo ajudado pelos versos correspondentes - “o meu sonho / é figura de proa / é rosa dos ventos / e carta de marear / meu norte / que me impede / de vergar”.

O tom lírico sugerido pelas telas, onde vingam a ausência da figura humana e os espaços de afastamento ou de isolamento, pauta a emotividade espelhada em cenários de infinito conducentes a certa dose de introspecção (“Dos meus dedos / caem lágrimas inúteis // gritos que guardo / bem dentro de mim”), embora alguns poemas denotem a presença da segunda pessoa ou de um “nós”, que também pressupõe o outro - “E no alvo caminho / que abraça / o voo dos pássaros / repousamos os lábios / no regato do silêncio”. O trabalho poético, inseparável da labuta do pintor, apresenta-se lento e pessoal - “Borda-se um poema / de sons e matizes / envolto em segredo / e nasce Poesia” -, num percurso que pretende conferir vida, mesmo nas circunstâncias em que ela parece não existir - “Ao chegar o Outono / todas as folhas / adormecem no chão // (...) os dedos esguios / da poesia / erguem-nas de novo / singrando poemas.”

Os poemas que Alexandrina Pereira constrói para este livro surgem como metáforas do retrato que o texto prefacial por si assinado faz de Sebastião Fortuna, um artista com a “capacidade para criar beleza e arte em tudo o que toca e, com uma permanente naturalidade, dizer aos outros que das coisas mais simples podem nascer maravilhas capazes de tornar as nossas vidas num momento de felicidade.” Afinal, outra forma de explicar aquilo que o pintor afirma de si próprio, ainda que universalizando o sentimento - “É acreditando no nosso sonho e lutando pela sua realização que as coisas acontecem.” De imediato, somos levados a associar aqueles versos de um outro Sebastião, que anunciou: “Pelo sonho é que vamos. / (...) Chegamos? Não chegamos? / (...) Partimos. Vamos. Somos.” De Sebastião da Gama, claro.

Ao conferir-lhe o título de “pintor de sonhos”, Alexandrina Pereira descobre a maneira como Sebastião Fortuna construiu a sua utopia...

* J.R.R. "500 Palavras". O Setubalense: nº 802, 2022-03-09, pg. 9.


sábado, 12 de dezembro de 2020

“Jóias do Passado em Portugal” - Quatro são na região de Setúbal


 

Na colecção “Edição Especial Viagens”, a National Geographic publicou o título Jóias do Passado em Portugal, obra que reúne 51 propostas de visitas a esse passado em 160 páginas assinadas por um leque de 16 autores.

Organizada em seis partes - “Pré-História”, “Idade dos Metais”, “Mundo Romano”, “Mundo Pós-Romano”, “Antes da Nacionalidade” e “Museus Inesperados” -, esta revista propõe quatro visitas no distrito de Setúbal: Quinta do Anjo (Palmela), Alcácer do Sal, Tróia (Grândola) e Miróbriga (Santiago do Cacém).

Os hipogeus (monumentos funerários do final do Neolítico) de Quinta do Anjo, escavados pela primeira vez em 1876 por António Mendes, são abordados no primeiro capítulo, em texto subscrito por Paulo Rolão - “este conjunto tumular, constituído por quatro hipogeus, é único no território nacional” e as construções “obedecem à arquitectura característica deste tipo de sepultamento, com topo aplanado, uma câmara subcircular dotada de abóbada com clarabóia superior central, antecâmara de planta ovalada e um corredor estreito com sentido descendente para a entrada da câmara”.

Já no segundo capítulo, é apresentado o recém-inaugurado Museu Pedro Nunes, em Alcácer do Sal, espaço que deve o seu nome a “um dos maiores matemáticos de todos os tempos” nascido naquela cidade. Pedro Sobral Carvalho garante que esta valência “é um daqueles espaços onde nos orgulhamos do nosso passado, onde todos nós, mesmo não sendo de Alcácer do Sal, sentimos e percebemos o que somos como povo e como país”.

As ruínas de Tróia integram a terceira parte, sendo consideradas por Inês Vaz Pinto “o maior centro de produção de salgas de peixe do Império Romano” - no que ainda existe, são identificáveis 29 oficinas de salga e cerca de 180 tanques, pensando-se que o enchimento destes tanques levaria 700 toneladas de peixe e 300 toneladas de sal, dados que conferem a este antigo povoado o estatuto de importante “motor económico do baixo vale do Sado” e ponto fulcral no desenvolvimento do Império.

Finalmente, a região de Santiago do Cacém surge pelo espaço das ruínas de Miróbriga, também incluída na terceira parte, referindo Filomena Barata tratar-se de complexo urbano que se estenderia até 9 hectares e que incluía um hipódromo, identificado em 1949, “raridade no contexto da Lusitânia”, com as dimensões de 359 metros de comprimento por 77,5 metros de largura.

Dirigida ao grande público, esta edição de Jóias do Passado em Portugal constitui uma acessível listagem de pontos relevantes da História de sítios que vieram a ser Portugal, com documentação fotográfica que passa também pela reconstituição dos espaços abordados.


domingo, 25 de junho de 2017

Memória: Isidoro Fortuna (1932-2017)



Conheci Isidoro Fortuna há não sei quantos anos. Quase trinta, talvez. Terá sido através do seu irmão António Matos Fortuna? Terá sido por via do seu amigo António Rodrigues Correia? Não sei, mas qualquer um deles poderia ter sido o amigo que nos aproximou...
Conversei com ele muitas vezes. Sobretudo para saber e para resolver coisas da minha ignorância e das minhas possíveis descobertas. E nunca Isidoro Fortuna se recusou a atender-me.
Ouvi-o para fazer reportagens, para aprender, para perceber o que é “ser montanhão” (nesta Quinta do Anjo, no concelho de Palmela, isso é importante e é causa de identidade), para saber o que é a raça da ovelha saloia, para aprender como se fazia o queijo de Azeitão e o queijo fresco, para conversar sobre a história e as histórias de Quinta do Anjo. E o que aprendi foi muito mais do que aquilo que eu alguma vez lhe poderia dar ou, pelo menos, agradecer.
Um dia, meus pais, vindos do Minho, estiveram por aqui num fim de semana. Tendo feito a sua vida na agricultura, achei sensato levá-los a conhecer Isidoro Fortuna. Vieram entusiasmados. E, sempre que eu os visito lá no Minho vianense, ainda perguntam por “aquele senhor que falou das ovelhas com o coração chamado Isidoro”... Lá lhes terei de dar a notícia, claro.
No sábado, dia em que Isidoro Fortuna foi levado para o cemitério da aldeia, fiz-lhe a derradeira visita. E não pude deixar de falar com a esposa, Maria Amália. Quando lhe apresentei os sentimentos, logo ela me respondeu: “Que são de paz!”. Exactamente como foi Isidoro Fortuna, que nunca vi zangado, mas sempre disponível, mesmo naquilo que poderia ser mais crítico. Que me contou da sua acção em prol da paróquia; em defesa da raça, do apuramento e da preservação das ovelhas; em afecto pelas coisas da Quinta do Anjo... sempre numa linguagem próxima, prática e pragmática, boa! Sobretudo boa. Porque a imagem que dele guardo é a de um “bom” homem, daqueles que são capazes de iluminar as vidas, daqueles que achamos que são umas bibliotecas de saber e de sentimentos. Ficar-lhe-ei sempre grato por isso!

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Para a agenda - Olhar o céu, ver a noite



Uma observação astronómica nocturna em Quinta do Anjo. Para conhecer o Universo, a Terra; para conhecermos o tempo. Com a colaboração do Centro Ciência Viva de Estremoz. Para a agenda.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Ovelhas da Quinta do Anjo e de Palmela



Quando, hoje, circulava de Quinta do Anjo para Palmela, eis que o rebanho ocupava a estradazinha... e foi a oportunidade para a foto imediata.
Lembrei-me do afecto que prendia António Matos Fortuna a estas terras, do que sobre elas escreveu e investigou, do destaque que lhes deu em páginas de ouro. E... por causa das ovelhas e dos pastores, não se esqueceu o historiador Fortuna de chamar à sua terra de Quinta do Anjo a "capital da ovelharia de Entre Tejo e Sado". Lembranças... e saudades!...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O melhor Moscatel do mundo é o de Setúbal

«O Concurso Muscats du Monde, que se realiza em França, avalia e premeia os melhores vinhos de todo o mundo que são elaborados exclusivamente com a casta “Muscat” e que em Portugal se expressa também no conhecido Moscatel de Setúbal.
Os Vinhos Venâncio da Costa Lima concorrem desde 2008, tendo no ano passado o seu Moscatel sido colocado no Ranking TOP 10 (único vinho português). Este ano, o Moscatel de Setúbal Reserva 2006 arrebatou o primeiro lugar.
A 11.ª edição do Concurso Muscats du Monde realizou-se em Montpellier, contando com 23 países concorrentes que apresentaram um total de 210 vinhos.
Os segundo e terceiro lugares da competição foram ocupados por muscats franceses, o quarto lugar por uma representação brasileira e o quinto pela África do Sul.»
A notícia vem aqui, no DN - Economia.
A criação da Região Demarcada do Moscatel de Setúbal data já de 1907. É de José A. Salvador o texto que segue, elucidativo da importância do Moscatel de Setúbal: "O prestígio deste vinho generoso foi consagrado por Luís XIV, o 'Rei Sol' (1638-1715), que segundo consta não o dispensava nas festas de Versalhes, quando de Setúbal se exportava o sal, a fruta (laranja) e o vinho (...). Em boa verdade, este vinho generoso é o Príncipe dos Moscatéis, graças à sua qualidade ímpar. É um Moscatel único entre os seus pares, pela sua delicadeza e perfume, pela sua subtileza e longevidade, pela sua elegância e modernidade, fruto do terroir moldado pela Serra da Arrábida, pelos rios Tejo e Sado, pelo Oceano Atlântico e pelo saber dos homens e mulheres que no século XXI o vinificam e cuidam das suas vinhas." (in Moscatel de Setúbal - O Príncipe dos Moscatéis. Col. "Guias de Enoturismo". Porto: Edições Afrontamento, 2010).

Aditamento em 13.Julho.2011
Descobri, entretanto, este video no Youtube, alusivo ao Moscatel produzido na Quinta do Anjo pela firma Venâncio da Costa Lima. A única diferença é que ainda não refere o prémio de 2011...

quinta-feira, 25 de março de 2010

António Matos Fortuna na toponímia

António Matos Fortuna já tem o seu nome registado na toponímia da terra que o viu nascer e que ele estudou como ninguém, dando a conhecer muitos dos seus segredos que a História tem albergado. O descerramento da placa toponímica ocorreu ao fim da tarde de ontem, numa cerimónia em que estiveram presentes familiares - o filho, Carlos Durão, o irmão, Isidoro Fortuna, a cunhada, Amália Fortuna -, amigos - vários, com destaque para o "Robim", aliás, Fernando Xavier Ferreira, um dos últimos tanoeiros da aldeia - e autarcas - a Presidente da Câmara de Palmela, Ana Teresa Vicente, os vereadores Álvaro Amaro, Adília Candeias e Adilo Lopes, o Presidente da Junta de Freguesia, Valentim Pinto. Foi um gesto simpático para a memória, claro! Ali mesmo, a olhar a serra que alberga "montanhões", a fitar o monumento ao ovelheiro. Ali mesmo, um nome que muitos outros nomes fez viver na memória das gentes!

terça-feira, 16 de março de 2010

António Matos Fortuna na memória da Quinta do Anjo

Passaram há poucos dias (9 de Março) dois anos sobre o falecimento de António Matos Fortuna, historiador da região de Palmela. Acho que, apesar de haver já o seu busto no centro da aldeia que o viu nascer e onde viveu - Quinta do Anjo -, Matos Fortuna não teve ainda uma homenagem à altura daquilo que valeu enquanto investigador e enquanto pessoa, nem à altura do que vale a obra que nos legou, se é que as homenagens alguma vez pagam esses valores! Será vulgar dizer-se que a melhor homenagem se vai construindo no dia-a-dia, pela memória e pela leitura dos seus escritos. Será. Mas é preciso que vá havendo algo mais do que isso.
Foi por essa razão que, ao abrir os mails de hoje, fiquei satisfeito com o anúncio que me faziam da parte da Junta de Freguesia de Quinta do Anjo: é que, em 24 de Março, pelas 17h30, o nome de António Matos Fortuna vai entrar na toponímia da sua aldeia, ali mesmo juntinho ao monumento ao ovelheiro, personagem que Fortuna estudou e sobre a qual escreveu.
Um nome numa rua poderá ser apenas isso mesmo, porque as ruas têm de ter uma identificação. Mas cabe-nos a todos pugnar por que a toponímia seja um reflexo de identidade em vez de um espelho de vaidade ou de moda. Matos Fortuna merece ter o seu nome escrito sobre a Quinta do Anjo!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Rostos (131)

Monumento ao Ovelheiro, de Camarro, em Quinta do Anjo, inaugurado hoje

Há pouco mais de 20 anos, o historiador palmelense, natural de Quinta do Anjo, António Matos Fortuna, escreveu um pequeno livro deveras significativo para a identidade da sua aldeia - Quinta do Anjo - Capital da ovelharia entre Tejo e Sado (Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988). O título é curioso, pois terá sido a primeira homenagem aos pastores, aos tosquiadores, aos queijeiros, aos ovelheiros (a quem, de resto, chamou "semeadores de rebanhos em terras à volta"). Quase no final desse livro, lembrava António Matos Fortuna: "Mais ou menos, em todas as zonas do país existem pastores. Há, porém, algumas tipicamente consagradas nesse aspecto etnográfico. Em tal número ninguém pensará inscrever a freguesia de Quinta do Anjo, que sempre foi terra de ovelheiros." Duas décadas depois deste escrito, publicado em mês outonal, eis que o ovelheiro quintajense, de novo em mês de Outono, fica inscrito na memória e na identidade da aldeia.

sábado, 8 de novembro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima (89)
Magazine Reportagem – Em Sesimbra, apareceu no Verão a Magazine Reportagem, revista de uma dúzia de páginas, consagrada à reportagem fotográfica e escrita, com o lema “o mundo à frente das objectivas”. Acaba de sair o quarto número da publicação, com reportagem sobre o peixe-espada preto, depois de, nos números anteriores, terem aparecido rostos de profissões que quase estão em extinção. Os textos têm sido assinados por Vanessa Pereira e as fotografias são de Rui Cunha, que também assume a direcção da publicação. Para lá do poder da imagem – e algumas surgem bem poderosas –, vale o saber com que as personagens entrevistadas falam, numa linguagem acessível, revelando também a humanidade presente em cada figura. É caso a acompanhar, uma vez que nesta publicação fala o cidadão comum, com saber feito de experiência, que nos vai contando a sua história… ao mesmo tempo que vai fazendo história.
António Matos Fortuna – A freguesia de Quinta do Anjo tem um busto erigido em memória de António Matos Fortuna, historiador local e regional, que teve cerimónia de inauguração no dia 1 de Novembro. É um gesto para a memória (que se faz de gestos e de memórias, claro!). Mas, em torno da importância de António Matos Fortuna, mais acções vão surgir. Quase em simultâneo com a inauguração do busto, foi constituída uma comissão que patrocinará um programa de actividades tendentes à preservação da memória desta figura, que passa pela integração do seu nome na toponímia local, pela edição de um “In Memoriam” e pela criação de um fundo documental, entre outras iniciativas. António Matos Fortuna, falecido em Março deste ano, bem merece que a memória o estime, seja pelo carácter íntegro que possuía, seja pelo que de si deu enquanto cidadão (à comunidade e à paróquia de Quinta do Anjo, como dador de sangue, como professor, como promotor de iniciativas ou como defensor de causas), seja pelo que de si empenhou na investigação sobre a história local (com contributos deixados para a identidade de todas as freguesias do concelho e mesmo para a região de Setúbal).
Escola – Anda triste e preocupada a escola. Há muito tempo gasto em acções que nada têm que ver com os alunos. Há muito ruído e muito silêncio – um e outro comprometedores – em torno do ambiente que tem sido vivido nas escolas. A burocracia arrasta-se cada vez mais, com a construção de grelhas, grelhas e mais grelhas, com as reuniões que pesam no tempo das discussões e que não surgem como indispensáveis para a melhoria dos processos. Sente-se a escola como nunca se sentiu: baixo índice de motivação, muitas preocupações laterais, aparecimento de uma outra ideia do que é ser professor… Anda macambúzia a escola e é pena!
Barreiro – No ano em que passam os cem anos sobre a criação da CUF, tem havido bibliografia qb sobre o assunto. Gostaria de referir um título: Rua do Ácido Sulfúrico, de Jorge Morais (Lisboa: Editorial Bizâncio). É uma forma de contar a história do império a que Alfredo da Silva deu origem: a vida dos operários e dos patrões dentro da CUF, aquilo a que poderíamos chamar a história da cultura CUF, passando pela importância social, pela dinamização cultural, pelo poder económico, pela ideia de família que ao longo de décadas foi emergindo. Lê-se como um romance ou como uma memória. Parte-se do silêncio e da desolação e chega-se a um filme animado por rostos de heróis vários, onde se cruzam a política, a economia, a poesia, a afirmação, o poder e a vida. Jorge Morais, com vários títulos já publicados no campo da história, recebeu o Prémio Bocage em 2006 por um texto de ensaio sobre a ligação do poeta sadino ao movimento maçónico.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Rostos (96)

Busto de António Matos Fortuna, em Quinta do Anjo (Palmela), por M. José Brito

«Se [António Matos Fortuna] aqui estivesse de viva voz, na simplicidade do seu talhe, diria certamente 'que esta homenagem não era necessária', como disse em Novembro de 1995, quando o seu Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela entendeu prestar-lhe merecida homenagem, juntando uma 'maré' de amigos que encheram o Cine Teatro São João [em Palmela]. E como voltou a dizer, as palavras embargadas de emoção, na ocasião em que a Sociedade de Instrução Musical deste seu torrão natal, em Junho de 2006, na passagem de mais um aniversário da sua já longa existência, igualmente decidiu reconhecer e homenagear a sua dedicação e o seu empenho sem fim. (...)
Escute-se o som que vem da serra. E, na evocação do seu exemplo nobre e sublime, sejamos capazes de honrar o legado e a memória de António Antunes de Matos Fortuna. (...)»
José António Cabrita
(em alocução na cerimónia de inauguração do busto de António Matos Fortuna, na tarde de 1 de Novembro)

sábado, 11 de outubro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 87
Dia Mundial do Professor – No dia 5 de Outubro passou o Dia Mundial do Professor com o lema, proposto pela UNESCO, de “eles contam”. Da mensagem desta organização destaco dois princípios: 1) “Ao longo do processo de elaboração das políticas, é essencial garantir o diálogo social entre as partes, nomeadamente entre os decisores, os professores e as suas organizações. O diálogo social contribuirá para criar um consenso e um sentimento de apropriação a nível nacional, tendo em vista uma maior eficácia na adopção de políticas relativas aos professores”; 2) “É necessário que o papel dos professores na promoção de uma educação de qualidade para todos seja claramente definido e expresso em políticas encorajadoras da constituição de um corpo docente motivado, estimado e eficaz”. A gente lê e pensa que esta é uma mensagem vinda de algum paraíso… aliás, tão distante e inacessível que por cá quase não se falou do Dia Mundial do Professor. Bem sei que temos o nosso feriado nesse dia, mas esse não pode ser motivo para ofuscação, mesmo porque sabemos qual tem sido a preocupação republicana com a educação, pelo menos no ideário… A propósito, poderia ser visto se o ambiente que se vive entre professores nas escolas neste momento é tão propício a esta apropriação defendida pela UNESCO, a esta partilha de responsabilidades na causa educativa…
Matemática e Língua Materna – Afinal, não é só por cá que a língua materna e a matemática constituem o calcanhar frágil da educação. Em Inglaterra, por exemplo, passa-se o mesmo e, que se saiba, a língua materna de lá não é o português e também consta que a gramática inglesa é mais fácil do que as gramáticas das línguas latinas… Quem falou sobre esta dificuldade em Inglaterra foi o Secretário de Estado da Educação Jim Knight, há dias, em Lisboa: “A Matemática e o Inglês são as disciplinas onde os alunos têm maiores dificuldades. Aos 11 anos, há muitos alunos com dificuldades na leitura e na escrita, o que não pode ser.” Também aqui valeria a pena haver algum estudo para se detectar até que ponto as facilidades têm contribuído para as dificuldades de duas áreas que são essenciais ao ser humano – o raciocínio e a língua.
Pluralismos – Curiosa, muito curiosa, a noção de pluralismo que grassa no Partido Socialista. Há dias, Alberto Martins dizia que tinha sido decidida a disciplina de voto na bancada do seu partido quanto ao casamento entre indivíduos do mesmo sexo. Mas, para que não se ficasse a pensar que o pluralismo não existia, foi também explicado que um deputado que já liderara a respectiva juventude partidária tinha liberdade de voto, em virtude de já ter sido o rosto da questão. E, para que não houvesse dúvidas, esta excepção foi explicada como sendo uma prova do pluralismo dentro do partido. Ficam-me sempre dúvidas: quem impõe a disciplina de voto? até que ponto se disciplinam por igual as diferentes consciências? porque é que para decidir coisas das vidas privadas tem que haver disciplina de voto?
António Matos Fortuna – Já há tempos disse ser António Matos Fortuna uma das personalidades regionais que mais admiro. A caminho dos 78 anos, Matos Fortuna deixou o nosso convívio em Março passado. Ficou a memória do historiador local, do curioso inexcedível, do amigo sincero, do lutador incansável. Ficou a memória da genuinidade feita pessoa, da disponibilidade e partilha feitas momento, da simplicidade e do saber feitos caminho. Foi, por isso, com muita alegria que soube que o Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela está a promover, com outras associações, a construção de um busto que lembre António Matos Fortuna, a ser erigido na sua terra, Quinta do Anjo, com data marcada para 1 de Novembro, também dia de festa na aldeia. Este gesto está aberto à colaboração de quem queira, pois existe subscrição pública para o efeito. António Matos Fortuna, que me honrou sendo meu amigo e deixando que fosse seu amigo, bem merece esta distinção!

sábado, 27 de setembro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 86
Emigrante – Há uns anos – não muitos para que já não haja memória – os emigrantes portugueses no estrangeiro eram desejados e havia uma quase veneração, pelo menos em algumas ocasiões. Em causa estava a chegada de divisas a Portugal, bem como o facto de serem menos uns tantos a inflacionar o número do desemprego. Foi-lhes consagrado o direito de participarem nas eleições portuguesas através do voto, ainda que a participação nem sempre se tenha pautado por números elevados (mas também, entre aqueles que não são emigrantes e que por cá vão estando, a participação tem vindo a baixar de forma nada adormecida). O Partido Socialista descobriu agora que os votos por correspondência oriundos dos círculos da emigração têm andado ao sabor da “chapelada”, para usar o argumento de um dirigente. E, por isso, há que acabar com o voto por correspondência, diz o partido. Cada qual sabe do que fala e seria bom lembrar que esse vício da “chapelada” foi coisa que, durante muito tempo, os governos andaram a fazer perante os emigrantes… Afinal, o que estará em causa? O facto de o Partido Socialista não conseguir penetrar nos círculos da emigração? O facto de os emigrantes terem mais a ver com o país que os adoptou do que com aquele que os gerou? O facto de os emigrantes não gostarem de correspondência? A gente começa a pensar e vê como o “politicamente correcto” é a metáfora da falsidade em muitos dos casos e como pode ser fácil restringir direitos sob a capa de argumentos mais ou menos construídos, mas muito pouco naturais. O que se teme é esta falta de reconhecimento publicada contra os emigrantes, quase num refazer da História, ainda que tendencioso. O que se teme é que tudo isto possa ser consequência de uma sociedade que se quer fazer crer que existe, mas que, na verdade, existe apenas forjada para a política, muitas vezes distante dos cidadãos, cada vez mais distante dos cidadãos.
Português – A língua portuguesa entrou nos corredores da ONU pela voz do Presidente da República, também presidente em exercício da CPLP, com tradução simultânea para todos os presentes. Pode não ser um enorme passo para a difusão da língua portuguesa, mas é, com certeza, um bom contributo para que a nossa língua seja olhada com a importância que lhe devemos dar. Sim, que lhe devemos dar, para que os outros lha dêem, que será uma forma de também o país e os portugueses serem vistos num mais justo lugar no mundo. Iniciativas do género podem valer mais do que acordos ortográficos nascidos como o que recentemente andou em discussão e que… vai vigorando até um dia se afirmar.
Sebastião Fortuna – É da Quinta do Anjo, tem longo currículo no mundo do sonho e da corrida atrás de ideais, fundou um Centro de Artes e Ofícios ligado a profissões em vias de extinção, tem exercido ao longo da vida as mais variadas funções e ofícios, é incapaz de estar parado e vai, hoje, sábado, inaugurar a sua exposição de pintura na Igreja de S. João, em Palmela, intitulada “Sonhar é preciso”, que poderá ser vista até 5 de Outubro. A ver e a partilhar.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sebastião Fortuna e o gosto de sonhar

Conheço o Sebastião Fortuna há pouco mais de 20 anos. Vi-o pela primeira vez naquele que é agora o Centro de Artes e Ofícios Fortuna, em Quinta do Anjo, por si sonhado, criado e alimentado durante muitos anos. Aliás, essa é uma das características de Sebastião – correr à frente do que sonha, como se o sonho tivesse que o seguir ou… não se sabendo muito bem quem vai à frente, se o sonhador, se o sonho ele mesmo!
O Sebastião cativou-me no primeiro encontro. Pela forma como as suas mãos trabalhavam, modelando barro ou acariciando peças. Pela maneira como me convidou a entrar no sonho das suas aventuras. Pela disponibilidade que exerceu para mostrar, explicar, fazer. Por essa ginástica de uma imaginação sempre alerta, continuamente a trabalhar. Por um certo desprezo pelos valores materiais. Pela conjugação do homem com o sonho. Afinal, Sebastião Fortuna, nas artes plásticas, “cantava a mesma e não menos bela poesia que Sebastião da Gama”, tal como uns anos depois escreveu D. Manuel Martins, bispo de Setúbal (A Seara, Março.1992).
Muitas vezes fui passando pelo Centro de Artes e Ofícios, ouvindo-lhe os desabafos. Umas vezes, ia lá apenas para ver, para estar. Noutras, levava os filhos e amigos. Houve uma vez em que lá levei o Fernando Pessa, convidado que tinha sido para vir à minha escola falar com os alunos sobre jornalismo. Na sabedoria dos seus 90 e picos anos, que já tinha na altura, Fernando Pessa ficou entusiasmado com o trabalho que Sebastião Fortuna levava a cabo… e admirou todo o trabalho com uma fina sensibilidade e alegria.

As coisas não correram como Sebastião sonhara neste Centro de Artes e Ofícios e partiu para outra, descobrindo-se e alimentando uma veia por que já velejara há anos – a pintura. Agora, no próximo fim-de-semana, na Igreja de S. João, em Palmela, vai expor sob o título “Sonhar é preciso”. Vai ser às 16h30. A sugestão aqui fica, juntamente com reprodução de dois quadros, em fotografias tiradas do catálogo que acompanhará a exposição.

sábado, 29 de março de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 78
António Fortuna I – Quando, em 9 de Março, recebi telefonicamente a notícia da morte de António Matos Fortuna, fiquei triste. Acabava de perder a possibilidade de voltar a conversar com um amigo que sempre me abriu as suas portas de saber, de humanismo, de solidariedade, de amizade. A partir desse momento, António Fortuna passou para a memória, lugar onde estão todos os marcos importantes de uma vida, e a conversa com ele passou a ser apenas metafórica, através da leitura dos seus textos, uma boa vintena de títulos em livro e uma quantidade de artigos, sempre sob a batuta da região que palmilhou e cuja história esgaravatou.
António Fortuna II – Sinto-me privilegiado por me ter cruzado com António Matos Fortuna. Sobretudo pelo que com ele aprendi. E quero que essas imagens se mantenham na minha memória. Conheci-o há uns 20 anos, cruzámo-nos em várias situações, ou porque eu o procurava para saber mais e, às vezes, para conversar, ou porque ele me fazia o favor de se lembrar de mim para alguns dos seus projectos. Foi uma das pessoas que mais me impressionou pela simplicidade que punha em cima do seu saber e do seu conhecimento, ele que foi um recurso para muita gente que quis saber a história de Palmela e muitas histórias da região sadina, que abriu caminhos para que muitos enveredassem pelo passeio da história local.
António Fortuna III – Um dos seus últimos sonhos era preparar uma edição com os escritos de Almeida Carvalho sobre Palmela, misto de recolha e de antologia, com algumas anotações. Muitas vezes o vi às voltas com a caligrafia e com as minúcias desse setubalense do século XIX! No entanto, de há uns meses a esta parte, esse entusiasmo parecia esmorecer, num decréscimo que era proporcional ao seu agastamento – “sabe, sinto-me cada vez com menos forças, eu que sempre tive a presunção de ser um tipo de acção, de fazer, de antes quebrar que torcer, não pensava que isto pudesse acontecer comigo”, desabafava. E era este um dos seus maiores desgostos, um dos seus maiores inconformismos.
António Fortuna IV – Em cada livro de Matos Fortuna, o texto vai correndo e relatando, assim à maneira de quem conta uma historieta, recheado de apartes, com muitas ironias (por vezes subtis, outras vezes plenamente assumidas, sobretudo quando resultam da comparação entre as formas de viver no passado e no presente), com muitos ensinamentos a propósito, num jeito próprio de quem conversa, de quem reporta, mais parecendo anunciar um qualquer Fernão Lopes dos tempos de hoje, pondo alma no que conta, não perdendo o fito de que uma história não é apenas ela mas também é o conjunto de todas as outras que se podem – e devem – meter lá dentro.
António Fortuna V – Com a sua obra e com o seu testemunho, António Fortuna foi, talvez, uma das pessoas que mais fixou a identidade da região de Palmela, pelo menos naquilo que é descobrir os traços dessa mesma identidade, assumi-los e mantê-los, num jeito de inscrição e de memória. Valorizou o “palmelão” e o “montanhão”, pugnou pela genuinidade das suas raízes e do meio em que sempre viveu. Desenterrou documentos, reconstruiu o “puzzle” da história, estudou o falar, valorizou as personagens no seu quotidiano, pesquisou as lendas, actualizou grafias, estudou o património, num trabalho incessante em prol da afirmação do local e do regional, associado a uma vontade de ferro de partilhar, de levar as pessoas a conhecerem as suas origens, a entreterem-se com as suas próprias histórias, no fundo, de as levar a … conhecerem-se!

domingo, 9 de março de 2008

Memória: António Matos Fortuna (1930-2008) - 3

Para uma bibliografia de António Matos Fortuna
  • Memórias Paroquiais de 1758. Col. "Monografia de Palmela" (1). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1982.

  • "O Castelo de Palmela - Charneira dos Sete Castelos da Região dos Três Castelos" e "A Exploração Didáctica de Velhos Monumentos - Um Exemplo Concreto: O Castelo de Palmela". Livro do Congresso - Primeiro Congresso Sobre Monumentos Militares Portugueses - 1982. Lisboa: Património XXI - Associação Portuguesa para a Protecção e Desenvolvimento da Cultura, 1982, pp. 34-38 e 39-43.

  • Alguém que "Agarrou" o Evangelho - Evocando Carmita Fortuna. Quinta do Anjo: Comunidade Cristã de Quinta do Anjo, 1983.

  • Reflexões sobre a História Social de Palmela. Palmela: ed. policopiada, 1984.

  • Aspectos da Linguagem Popular de Palmela. Palmela: Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa / Coordenação Concelhia de Palmela, 1987.

  • "Digressões à Volta do Nome de Palmela". História de Palmela ou Palmela na História - Jornadas de Divulgação e Análise do Passado de Palmela – 1987. Col. "Estudos Locais" (1). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988, pp. 37-49.

  • "Recordando Três Páginas da História Esquecida do Castelo de Palmela". O Castelo de Palmela - Emissão de Selos. Lisboa: Correios e Telecomunicações de Portugal, 1988, pp. 5-8.

  • Quinta do Anjo - Capital da "Ovelharia" Entre Tejo e Sado. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988.

  • Contava-se em Terras de Palmela... - As Lendas Perdidas do Concelho de Palmela. Col. "Estudos Locais" (2). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1989.

  • "O Castelo de Palmela". A Ordem de Sant'Iago - História e Arte - Catálogo da Exposição. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1990, pp. 41-46.

  • Da Uva Por Nascer ao Vinho Pronto a Beber - Catálogo da Exposição - Vindimas 90. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1990.

  • Misericórdia de Palmela - Vida e Factos. Palmela: Santa Casa da Misericórdia de Palmela, 1990.

  • "Um Inventário da Ordem de Sant'Iago ou Caderno de Problemas de Múltiplas Incógnitas". As Ordens Militares em Portugal - Actas do 1º Encontro sobre Ordens Militares – 1989. Col. "Estudos Locais" (3). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1991, pp. 131-139.

  • A Igreja de S.Pedro de Palmela. Palmela: Igreja Paroquial de S.Pedro, 1991.

  • "História Vitivinícola da Península de Setúbal - Breves Apontamentos". Vinhos da Costa Azul. Setúbal: Região de Turismo da Costa Azul, 1992.

  • Chafariz D.Maria I - Bicentenário - 1792 / 1992. Palmela: ed. policopiada, 1992.

  • Priores-Mores do Real Convento Provedores da Santa Casa da Misericórdia de Palmela. Palmela: Santa Casa da Misericórdia de Palmela, 1994.

  • Roteiro do Cortejo Evocativo "Portugal e o Vinho". Palmela: Festa das Vindimas, 1994.

  • Quando se Levantou o Chafariz - Reinado de D.Maria I. Col. "Monografia de Palmela" (2). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1994.

  • Extinção e Restauração do Concelho - Um Combate Singularmente Duro. Col. "Monografia de Palmela" (3). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1995.

  • Ordem Enófila de Sant'Iago - Primeiras Parras - Volume-Arquivo de Documentos Iniciais. Palmela: Ordem Enófila de Sant'Iago, 1996.

  • "A Riqueza Fundiária da Ordem de Sant'Iago no Distrito de Setúbal em 1834". As Ordens Militares em Portugal e no Sul da Europa - Actas do II Encontro sobre Ordens Militares – 1992. Col. "Actas & Colóquios" (10). Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 1997, pp. 231-268.

  • Memórias da Agricultura e Ruralidade do Concelho de Palmela. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1997.
  • "A Ordem de Sant'Iago - Perspectivas Vitivinícolas Ontem e Hoje". Ordens Militares - Guerra, Religião, Poder e Cultura - Actas do III Encontro Sobre Ordens Militares – 1998 (vol. 1). Col. "Actas & Colóquios" (17). Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 1999, pp. 185-192.
  • "Jogo do Pau". Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela – 1999. Pinhal Novo: Rancho Folclórico da Casa do Povo de Pinhal Novo, 2000, pp. 27-32.

  • 8º Centenário do Foral de Palmela – Memorial das Comemorações. Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2001.

  • Palmela – Sobre Todas, Mais Alta e Formosa. Lisboa: Elo, 2001.

  • Os Vinhos da Península de Setúbal. Col. “Enciclopédia dos Vinhos de Portugal” (7). Lisboa: Chaves Ferreira, 2001 (em co-autoria com Vasco Penha Garcia e António Homem-Cardoso).

  • Marateca Que Já Foi. Col. “Estudos Locais” (5). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2002.

  • “Um Castelo em Sucessiva Destruição e Reconstrução”. Actas do III Congresso “Monumentos Militares Portugueses” – Junho de 1985. Lisboa: Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, 2002, pp. 69-77.

  • Roteiro do Cortejo Evocativo “Portugal Vinícola” – Festa das Vindimas – 2002. Palmela: Festa das Vindimas, 2002.

  • Um Distrito sob o Signo do Futebol. Setúbal: Associação de Futebol de Setúbal, 2002.

  • Outros Tempos. Col. “Monografia de Palmela” (4).Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002 (com desenhos de Duarte Fortuna).

  • Quinta do Anjo – Terra singular. Col. “Estudos Locais” (6). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2005.

Memória: António Matos Fortuna (1930-2008) - 2

O HISTORIADOR LOCAL
ANTÓNIO MATOS FORTUNA
A casa mostra a legenda "Casal dos Cantos" e a personagem que a habita honra a inscrição, tal é o acervo de estórias pessoais que se confundem com as histórias de Palmela, a mostrarem a sua presença constante pelos cantos da casa e da conversa. À entrada da freguesia de Quinta do Anjo, para quem vá do lado de Palmela, sobre o lado esquerdo, em casa térrea, vive António Matos Fortuna, o mais conhecido historiador local da região, "em serviço permanente, nas 24 horas do dia".
O mês de Dezembro de 1930 começou com o desaparecimento, no seu quinto dia, de Raúl Brandão, nome maior das letras portuguesas deste século, e findou com o nascimento de António Matos Fortuna, numa casa situada na actual Rua Afonso de Albuquerque, em Quinta do Anjo, hoje já recuperada. Os dois anos do início da década de 30 disputaram-lhe o nascimento, mas foi na invernosa tarde do dia 31 que o pequeno António fez ecoar o seu primeiro choro. Iniciava-se assim o percurso de "uma vida banalíssima, igual à de toda a gente", confessa a tentar esconder a notoriedade.
Com estudos na Escola João Vaz, em Setúbal, feitos à custa de um trajecto a pé entre a sua freguesia e a cidade sadina (cerca de dezena e meia de quilómetros para cada lado), aos 22 anos era fiscal de impostos na Câmara de Setúbal, trabalhando depois no Sanatório do Outão, na editora lisboeta “Logos” como revisor, na Casa de Pessoal da “Sacor” e leccionando na Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos de Palmela, a partir de 1977 até à aposentação como docente, ocorrida em Setembro de 2000.
Entretanto, a escrita e o gosto pela História foram companhia constante. Na década de 50, por volta de 1953, foi um dos componentes da "Arcádia da Fonte do Anjo", tertúlia constituída à maneira das academias literárias setecentistas onde teve o pseudónimo de Louro da Serra, acompanhado por nomes conhecidos na região de Setúbal e de Palmela como o médico e escritor Cabral Adão, a poetisa Maria Helena Soares Horta e a mestre de música Maria Adelaide Rosado Pinto. Tal associação, integrada no espírito da época, teve página regular no jornal O Setubalense e fez apresentações de poesia no sul do país e em Setúbal e pretendia o ressurgimento da poesia lírica, tal como se podia perceber pela sua declaração de intenções: "Nós não temos estatutos nem regulamentos, apenas temos uma missão: combater a poesia moderna, a poesia-disparate, que pode ser muito interessante no preenchimento da ficha clínica do manicómio, mas que não é suficiente para entreter um espírito medianamente culto".
O jornalismo foi outra das áreas de intervenção de Matos Fortuna, tal como comprova a vasta colaboração em periódicos regionais e nacionais que tem mantido e mesmo a frequência do primeiro Curso de Jornalismo, da responsabilidade do Sindicato Nacional de Jornalistas, ocorrido no ano lectivo de 1968/69, onde teve como professores Francisco Pinto Balsemão e José Júlio Gonçalves, figuras bem conhecidas.
Mas a História, com um exercício profundo de investigação e de descoberta, à maneira de "trabalho de galinha, porque se trata de esgravatar para trás, recuando no tempo", tem constituído a paixão de António Fortuna. Em 1970, com 40 anos, matriculou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa para cursar História, tempo de que relembra professores como o jesuíta Manuel Antunes e os historiadores Veríssimo Serrão e Borges de Macedo. O termo do curso ocorreu em 1975, tendo depois iniciado a sua carreira de professor e a escrita da história local. Para lá de muitas colaborações avulsas e de comunicações dispersas, a sua obra abrange mais de dezena e meia de volumes, obras publicadas pela Câmara Municipal, pelo Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, pela Misericórida e pela Paróquia palmelenses, maioritariamente.
"Escrever a história de Palmela é aliciante porque é tudo original", desabafa. "Não tenho antecedentes em que me apoiar". Na verdade, grande parte da documentação histórica sobre Palmela perdeu-se em dois incêndios, um no século XVII, nos Paços de Concelho locais, e outro na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910, no edifício da Câmara de Setúbal, concelho em que Palmela estava integrada na época. Estas duas ocorrências têm constituído o desafio permanente de Matos Fortuna, aliado a um grande afecto pela sua terra e ao sacrifício familiar que ele mesmo exige a si próprio, pormenor que deixou registado na dedicatória do último livro, ao escrever: "à Maria Jorge, minha mulher, a maior, ou única vítima do amor que consagro às terras de Palmela".
A actividade de Matos Fortuna tem sido ramificada ainda pela organização de passeios eminentemente culturais, em visita a sítios por onde as agências de viagens não passam, que rapidamente esgotam a lotação entre os associados do Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela (de que é sócio-fundador), entre os irmãos da Misericórdia palmelense ou entre os paroquianos de Quinta do Anjo, tal é a dose de seriedade e de interesse postos na sua organização. "Uma outra forma de mostrar a história às pessoas", diz, ao mesmo tempo que sublinha o seu grande apreço pelo contacto, pela conversa com as gentes, consequências de uma experiência muito sentida ao longo dos quinze anos em que esteve ligado à Acção Católica Rural, onde encontrou "a melhor gente".
Considera que o seu “grande trabalho foram os 800 anos do foral”, celebrados em 1985, quando preparou a rigor um torneio medieval “que teve honras de televisão e de que toda a gente falou”. Depois, “os torneios medievais entraram na moda e começaram a andar por aí…” A romagem de todos os concelhos a que Afonso Henriques deu foral ao túmulo do primeiro rei português, em Santa Cruz de Coimbra, na passagem dos 800 anos sobre a sua morte, com discurso de Henrique Barrilaro Ruas, foi outra das iniciativas promovidas por Fortuna, em 1985, através do Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela. “Nunca Afonso Henriques teve tanta flor…”, recorda com satisfação.
No seu gesto largo e rápido de falar e de contar as muitas histórias que sabe, encadeia narrativas num fio que nunca mais acaba. "Sabe que o primeiro acidente de automóvel em Portugal ocorreu em Palmela? E que o primeiro barco a vapor no nosso país se chamou Palmela? E sabe que a maior vinha do mundo pertencente a um só indivíduo existiu no concelho de Palmela?" São perguntas de outras tantas histórias que vai divulgando. Uma curiosidade sem limites orienta este homem que tem sido chamado para todas as actividades culturais locais, incluindo a de assessor cultural da autarquia, consequência reconhecida das mais de duas mil páginas publicadas em livro sobre a história de Palmela e seu termo.
João Reis Ribeiro. Histórias e cantinhos da região de Palmela. Col. "Cadernos Locais" (3).
Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002, pp. 99-104.

Memória: António Matos Fortuna (1930-2008) - 1

Quando, há cerca de três semanas, parei o carro fora da casa de António Matos Fortuna e o visitei de surpresa, estava longe de pensar que aquele seria o nosso último encontro. Coisas da vida, eu sei. Mas, apesar de notar que, ao longo do último ano e meio, em cada vez que o via o achava mais decaído, mantive sempre a expectativa de um encontro a seguir. Combinámos mesmo um encontro para um almoço e conversa… Ficou pela combinação, assim brutalmente, com o telefonema recebido hoje, de um amigo comum, a comunicar o falecimento, na manhã de hoje, de António Matos Fortuna.
De repente, passou-me pela memória um conjunto de vivências que ele me proporcionou, para lá de, claro está, ter consentido na nossa amizade. A curiosidade pela história local, a boa disposição para falar das gentes da região, a cultura longa quando se entrava pelos domínios da história e da literatura clássica, o apego à terra que o viu nascer e que sempre distinguiu, o prazer de se dizer “montanhão” (natural da Quinta do Anjo, da encosta da serra), a labuta incansável em prol da descoberta de elementos para a história de Palmela (sobretudo numa altura em que nada ou quase nada existia a descoberto), o prazer que me deu ao convidar-me para prefaciar dois dos seus livros e para apresentar publicamente dois outros, as longas horas de conversa que mantivemos, os votos de “boas festas” arranjados de maneira original (com garrafa de vinho regional e rótulo pessoal, este da lavra de Matos Fortuna), o tom crítico perante os acontecimentos e relativamente aos textos, a desconfiança relativamente aos “cágados” (nisso me fazendo lembrar a mesma desconfiança que Luiz Pacheco tinha quanto aos “urubus”), os telefonemas súbitos por causa de dúvidas… enfim, difícil me é, de imediato, fazer um retrato de todas as vivências com Matos Fortuna, uma personagem a quem a história de Palmela sempre ficará a dever muito, a quem as ideias corriam mais depressa do que a vida e do que as palavras, para quem a amizade e uma formação humanista eram essenciais.
No último encontro que tivemos, ainda o ajudei a pôr em ordem os cadernos de um texto que publicara há anos, intitulado O drama da Quinta da Torre, saído no jornal O Distrito de Setúbal e, depois, preparado para livro que nunca terá chegado a circular encadernado. Mas, também nesse último encontro, fiquei com pena de já não o ver entusiasmado com um projecto que tivera em mãos (ainda uns meses antes com ele andava), que era o de reunir os textos de João Carlos Almeida Carvalho sobre Palmela, publicando-os em livro anotado.
Sinto-me privilegiado por me ter cruzado com António Matos Fortuna. Sobretudo pelo que com ele aprendi. E quero que essas imagens se mantenham na minha memória.