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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vítor Bento: verdades sobre nós

Em mais uma das entrevistas saídas no Público sobre o futuro, Teresa de Sousa falou com Vítor Bento, presidente da SIBS, economista e conselheiro de Estado. Conversa a ler com atenção, em que se dizem verdades sobre os Portugueses (sobre nós), em que se acredita nas nossas capacidades, em que se apela à reflexão, sem agressividades nem maledicências, apenas com coerência e convidando ao pensamento e à acção. Seleccionei alguns excertos.

POBREZA RELATIVA – “(…) Se nada de substancial for invertido em relação ao nosso curso actual, não duvido de que seremos uma região empobrecida da Europa. (…) O que não quer dizer que o país esteja mais pobre, em termos absolutos. A não ser que haja uma catástrofe muito grande, o mundo há-de continuar a melhorar. O empobrecimento é relativo. No Alentejo, as pessoas estão melhor em termos absolutos, mas pior em termos relativos. (…)”
ADESÃO AO EURO – “(…) Ficou-se anestesiado com o boom de consumo que [a adesão ao euro] produziu e descurou-se a transformação estrutural que era necessário fazer. Não quero dizer que seja fácil fazer essa transformação. Se calhar é difícil ou mesmo impossível. Nos grandes espaços nacionais há muitas vezes regiões que são deprimidas e que assim se mantêm por muito tempo. (…)”
DISCUTIR É POSSÍVEL – “(…) Um dos principais aspectos negativos que tenho a apontar à sociedade portuguesa está em que as pessoas não discutem racionalmente, fecham-se em atitudes quase religiosas em relação às suas crenças. Não conseguem discutir a sua verdade e lidam mal com a verdade do outro, acabando por assumir uma atitude quase religiosa e frequentemente jihadista. Não é o argumento do outro que se discute, é o outro enquanto adversário. (…)”
CONSENSO – “(…) Eu tenho sempre a esperança de que vai ser possível um consenso. Só que muitas vezes esse consenso, por ser conseguido por força das pressões circunstanciais, acaba por acontecer tarde de mais. Uma boa parte dos problemas foram antecipados, era uma questão de ter havido vontade. (…)”
PARTIDOS – “(…) Os partidos são hoje, cada vez menos, fontes de produção de ideias, e, cada vez mais, instrumentos de gestão de interesses. (…) Os partidos hoje têm as suas clientelas e têm de lhes dar expectativas, ou seja, dar-lhes os lugares que dão remuneração e poder. (…)”
SOCIEDADE CIVIL – “(…) Falta-nos uma sociedade civil que forneça as ideias e que estabeleça o patamar de exigência a que os partidos tenham de responder. Os partidos têm de ganhar votos e isso percebe-se. Como também se percebe que tendam a oferecer aos eleitores um discurso que é mais facilmente vendável e que muitas vezes é o demagógico. Por outro lado, a disputa eleitoral para ganhar votos custa muito dinheiro. Aquela ideia de que era tudo militância acabou. Os partidos hoje têm de obter dinheiro e o que é que têm para vender? Influência. (…) A nossa sociedade civil vive demasiado encostada ao Estado. Era preciso conseguir a independência do Estado - creio que é um dos aspectos mais importantes, se queremos mesmo mudar as coisas. (…) Só a sociedade civil tem condições para poder exigir uma plataforma de maior exigência aos partidos. Precisamos de ter um enriquecimento das instâncias cívicas que tornem os eleitores mais conscientes sobre as suas decisões, obrigando os partidos a responder a este nível de maior exigência. (…)”
ESTADO LIMITADOR – “(…) A independência é assegurar que a máquina do Estado está ao serviço do direito, em primeiro lugar, depois da decência, e, finalmente, dos partidos políticos. Hoje, é precisamente ao contrário. Isto altera muito as regras do jogo, porque põe o Estado como instrumento de retaliação contra quem não actua de acordo com a orientação política em vigor num determinado momento. Limita muito a capacidade de expressão e de intervenção. Não há nenhuma limitação formal à liberdade de expressão, mas o resultado deste condicionamento que resulta da retaliação do Estado é que quem tem a informação não fala, deixando o terreno livre para que fale quem normalmente não tem informação. (…)”
ESPAÇO PÚBLICO – “(…) O espaço público esteja em grande medida ocupado por ignorantes encartados. Falam do que não sabem e é isso que faz com que nos habituemos a discutir sem argumentos sustentados nem quantificações. (…)”
EMPRESÁRIOS – “(…) Não sei se se pode dizer que a classe empresarial seja fraca. Apesar de tudo, o nível de sucesso que temos deve-se à classe empresarial. (…)”
SERVIÇO PÚBLICO – “(…) Hoje em dia, requer um certo estoicismo trabalhar nos serviços públicos, porque as pessoas correm o risco de ser vilipendiadas por tudo e por nada. Os comentários que se vêem nos jornais ou nos blogues são verdadeiramente extraordinários. (…) A comunicação social lança facilmente insinuações sobre as pessoas, umas vezes por iniciativa própria, outras por encomenda. Isso é relativamente fácil hoje em dia, e as pessoas estão sujeitas a ver o seu bom nome sujo por causa disso. Se o sistema de justiça funcionasse rápida e eficazmente, isso esclarecia-se e portanto o bom nome das pessoas seria protegido e as acusações infundadas seriam castigadas. E isso afasta as pessoas da política, porque tem um custo muito grande para o qual já nem sequer há reconhecimento. (…)”
OPINIÃO, PALPITES E VERDADE – “(…) A democracia tem de ter processos e há certos mecanismos de decisão que não podem ser popularizados. Por outro lado, nesta democracia de opinião não há mecanismos de certificação da opinião, o que não tem nada a ver com diversidades de opinião. Tem a ver com certificação da qualidade. A comunicação social tanto valor dá ao palpite de café como à opinião fundamentada. O palpite até tem mais saída, e se, perante a opinião pública, ambos são certificados no mesmo nível, a opinião pública escolhe sempre o mais fácil. Isto condiciona o decisor político, que tem dificuldade em decidir contra aquilo que são as expectativas da população, porque se não vai perder. (…)”
EDUCAÇÃO – “(…) O ensino não é suficiente exigente. E, por outro lado, creio que existe um problema cultural que é a falta de ambição. Uma das razões por que temos uma das mais elevadas taxas de abandono escolar tem a ver com a falta de ambição. Os miúdos chegam a uma determinada idade, arranjam o emprego com o salário mínimo e não estão para se aborrecer. (…) O ensino [deixou] de valorizar a qualidade para valorizar a quantidade e a igualdade, que são apenas aparentes. (…)”
REDUZIR CUSTOS – “(…) A redução de custos passa, em última instância, pela redução de salários e o simples facto de falar nisso é sacrílego. Vai acabar por acontecer da forma mais violenta, porque as pessoas que forem para o desemprego, quando voltarem ao mercado de trabalho, será com salários mais baixos. (…)”
CENTRO DO TRIÂNGULO E AEROPORTO – “(…) Nós, se nos virmos apenas como europeus, estamos na periferia e as condições são-nos desfavoráveis. Mas podemos vermo-nos como o centro de uma triangulação mais interessante - de que a Europa faz parte. Temos vantagens grandes, a da língua e a dos laços culturais com dois continentes. E, pelo menos em relação ao africano, ainda mantemos um laço de afectividade grande, independentemente das tensões e dos ressentimentos que vão sendo ultrapassados. Basta perceber qual é o futebol que eles vêem em Angola, por exemplo. É essa uma razão pela qual, entre os grandes investimentos, o aeroporto talvez seja o mais importante. Não tem de ser feito todo de uma vez, mas é importante. (…)”
DESTINO PARA PORTUGAL – “(…) Precisamos de reinventar um novo destino - que pode ser este de Portugal como plataforma do mundo. Uma nova plataforma de ligação intercontinental - o que implica o aeroporto, os portos. A primeira entrada atlântica na Europa é aqui. Um destino para actividades de saúde e de terceira idade. Um grande centro universitário nalgumas valências particulares. Precisamos de think tanks e mesmo organismos ligados ao Estado que estivessem a fazer este tipo de reflexão, e isso obrigaria os partidos a olhar para eles e a defendê-los do ponto de vista da sua exequibilidade. Mas as próprias autoridades políticas ouvem pouco e só ouvem o imediatismo. (…)”

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Eduardo Lourenço - entre Portugal e a Europa, pensar o futuro

Na série de entrevistas que visam pensar o futuro, o Público divulgou na sua edição de hoje as palavras de Eduardo Lourenço, trazidas pela conversa com Teresa de Sousa. Reflexão pertinente, que passa pelo sentido da política, pela atracção entre a política e os “media”, pela ideia de Europa, pela crise, pela identidade, pelos valores. Aqui reproduzo algumas partes dessa entrevista, que pode ser lida na íntegra na edição online do jornal.

GOVERNAR PORTUGAL – “Tivemos um governo de inspiração socialista - é, em todo o caso, o que pensa a opinião pública - que governou em maioria até às últimas eleições e que teve uma oposição que não foi capaz de ser um contrapeso suficiente e isso foi mau para o funcionamento do sistema. Mas a verdade é que a nossa história de quase um século, desde a I República e, mesmo, no Constitucionalismo, sempre foi muito difícil. Portugal não é um país fácil de governar... (…) Não podemos estar outra vez em jogos unicamente políticos em função dessa hipertrofia dos partidos, porque sabemos que, no passado, isso nos custou muito caro.”
DEMOCRACIA – “Mas é preciso ter também em conta que a democracia nunca foi uma solução fácil, que caia do céu. A democracia é o mais difícil dos sistemas. Supõe um grau de consciencialização política alto e um consenso em torno do seu próprio jogo. Se não for isso, as pessoas pensam noutras soluções. Foi sempre assim.”
PORTUGUESES E EUROPA – “Os portugueses estão passivamente contentes com os benefícios da Europa. Mas foram sempre assim: é como se isso nos caísse do céu da forma mais natural do mundo. E não há consciência europeia. Há mesmo uma espécie de um discurso de alheamento ou de desinteresse profundo nessa nossa nova maneira de existir. Queremos os benefícios mas não queremos a responsabilidade dessa nossa situação de europeus.”
EUROPA E OS OUTROS – “Cada país europeu tem um tal passado e é tão ele próprio "Europa", cada um diferentemente, que não vê bem o que é que a Europa lhe acrescenta a não ser uma espécie de invólucro abstracto mas que não é vivido enquanto tal. (…) Não há uma paixão europeia, para além de uma minoria. Ainda nos vivemos como província e até - o que sempre me admirou muito - como país periférico. Periférico? Nós, que estivemos no centro do mundo? (…) A Europa funciona para nós assim como uma espécie de guarda-chuva político, que pensa por nós, que age por nós.
EUROPA E FUTURO – “Está sempre mudando mas está parada. Não sabe o que quer nem para onde vai. E essa paralisia suscita reacções de refluxo para aquilo que já se conhece, que é aquilo que nós fomos no passado. Estávamos em nossa casa, mesmo que a casa não fosse brilhante, mas pelo menos mandávamos na nossa casa. Na Europa, recebemos uma espécie de ordens que não são, muitas vezes, explicadas, que se metem em tudo, mas que nos privam, a nós, da nossa acção e de exercermos a nossa qualidade de cidadãos, sempre à espera que as coisas nos apareçam feitas.”
SER EUROPEU – “Por um lado, vejo que a classe jovem é muito mais europeia na prática - viaja, vai para aqui e para ali, não tem fronteiras. Está na Europa, passou a ter as mesmas regalias que tinha a grande burguesia europeia antes dos grandes embates da I e da II Guerras, quando se andava sem passaporte. Somos europeus no sentido empírico e há uma vida europeia, sobretudo para as novas gerações. Respiram as mesmas coisas.”
PORTUGAL – “Não há uma representação simbólica de Portugal à altura da nossa própria História. Quer na ordem interna, quer na ordem externa.”
CRISE – “Estamos confrontados com uma crise provavelmente inédita na História moderna, em que o coração da nossa civilização vive como um vulcão que não domina, que está em permanente erupção. (…) Nesta crise no coração do sistema, cuja essência simbólica era a necessidade de se caminhar para menos Estado, de repente o último salvador é o Estado. E ainda com esta coisa paradoxal: o Estado e os cidadãos desse Estado terem de vir em auxílio dos ricos. Os pobres virem salvar os ricos, nunca se viu na história ocidental. (…) Esse sistema só não capotou de maneira mais radical do que em 29 porque foi salvo, não só pelos mais pobres, mas pelos novos países que emergiram e que puderam garantir que o sistema continuasse a funcionar, que nem sequer fizesse o seu mea culpa, e que mesmo os sujeitos que estão na origem desse gangsterismo histórico-político continuem, na sua impunidade, a funcionar mais ou menos na mesma.
MEDIATIZAÇÃO E SOCIEDADE – “Na televisão, os programas existem para justificar os minutos de publicidade. Isto é a perversão total. O sistema inteiro vive em função dessa mediatização e dessa publicidade. Tudo lhe é subordinado. A política transformou-se numa espécie de máquina lúdica sem outra finalidade que não seja essa espécie de jogo de brincadeira hiper-séria. Veja que já não é no Parlamento que se faz a política. É na televisão. E não são pessoas legitimadas para ter esse tipo de discurso de efeitos políticos. É gente que tem um privilégio de que nem sequer se dá conta: têm uma espécie de pelouros e funcionam como os verdadeiros detentores do poder de opinião. Não sei onde é que isso vai levar mas é uma perversão. Quem não tiver expressão mediática não existe.
ALEXANDRE HERCULANO – “O Alexandre Herculano é quem é mas era um desgraçado no Parlamento, não tinha esse talento oratório... Era, aliás, por isso que admirava tanto o seu colega mais velho e brilhante, Almeida Garrett, que era um actor. Ele podia ser conselheiro de reis mas não podia ser um actor. Quantos "Alexandres Herculanos" não existem neste país? O melhor deste país são os "Alexandres Herculanos" que andam por aí. Não estão na política. Hoje nem sequer os querem como conselheiros do rei.”
IMIGRAÇÃO – “A Europa é curiosa. Com todo o desencanto que esta construção está a produzir, a Europa ainda está a funcionar como os Estados Unidos dos pobres deste mundo. Se a África inteira pudesse, vinha para cá. Vêm do Paquistão. Vêm de toda a parte, numa coisa que nunca existiu antes. Nós é que íamos lá. Vêm de muito longe, ficam ali em Calais à espera de passar para a Inglaterra, que é a América europeia. E Portugal é agora um país que também recebe - de toda a parte, da Ucrânia ou do Brasil. É a primeira vez que o Brasil imigra para cá...”
EUROPA E PAÍSES – “A política é uma guerra, é a mais cruel das guerras. E a Europa não é ninguém como actor político no sentido próprio e forte. Qualquer nação grande da Europa é maior que a Europa como actor político. A Alemanha é muito mais importante e a França é igual. A Europa não tem representação. Não tem número de telefone e os americanos são muito realistas e pragmáticos. Para eles, conta o que é eficaz. A Europa lá vai, muito puxada, lá os acompanha nessas aventuras na Ásia. Obrigada de algum modo, como os aliados de Roma eram obrigados a segui-la. Mas a Europa não consegue ser a Grécia dos EUA. É um museu e não pode ser um museu. (…) Estou admirado que a Europa prescinda de uma relação muito especial com a Rússia. Admitimos a perspectiva de que a Turquia entre na UE, e a mim parece-me inevitável que ela entre... Então ela entra e não entra a pátria de Tolstoi e de Dostoievski? A Rússia pertence-nos. A Alemanha podia jogar esse jogo sozinha... (…) No fundo, o único país que seria capaz de fazer outra vez desta Europa um actor a sério é a Inglaterra. Ela teve a visão do globo. Foi o único império moderno que realmente existiu. Para mim, a grande desilusão foi o papel da França. Não consegue dar a volta... A França foi o paradigma de tanta coisa. Foi uma espécie de Europa antes da Europa. Isso desapareceu em 50 anos. Perdeu-se o privilégio da língua que era a língua das elites. Perderam em Waterloo e perderam sobretudo em 1940. Têm elites fantásticas mas não têm nenhuma ambição. Como nós, não sabem o que hão-de fazer. É por isso que uma parte da Europa, se tiver de escolher, escolhe a América. Se houver aqui uma ameaça a sério, escolhe a América.”
GUERRA - “O mundo vive em guerra, sempre viveu, e a que hoje vivemos é uma guerra mais subtil e mais extraordinária, que é a guerra do poder mental, científico, tecnológico. Essa nunca pára, não tem noite nem tem dia. E os americanos pensam nela, nos seus think-tanks, 24 horas por dia.”

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mário Soares em entrevista

Foi a primeira de uma dúzia de entrevistas que o Público divulgou hoje. Objectivo? "Reflectir sobre o futuro do país, num mundo em profunda mudança". O primeiro a dizer de sua justiça e de sua sabedoria foi Mário Soares, entrevistado por Teresa de Sousa. Eis algumas das reflexões, postas por ordem alfabética dos temas que não pela ordem sequencial da entrevista.
BLOQUEIOS – "Em primeiro lugar, na Justiça. Sem uma Justiça séria e eficaz não podemos avançar. Depois, é indispensável lutarmos contra as desigualdades sociais, a pobreza, o desemprego, o trabalho precário. E só a seguir importa controlar o défice, diminuir o despesismo, acabar com a impunidade dos corruptos, responsáveis pela situação em que nos encontramos. (…) Temos de encontrar e criar empregos para os jovens. O drama do desemprego juvenil tem a ver com o desespero e a depressão. Temos de perceber que a coesão social pode ser posta em causa. Se não fazemos as reformas sociais, estamos, inconscientemente, a criar revoltas, difíceis de controlar."
CRISE(S) – "Estamos hoje a viver no mundo uma crise do capitalismo financeiro-especulativo, política, social e de civilização. (…) Só se fala de quê? Das crises, das nossas fragilidades, do derrotismo nacional, que entrou em moda. E, obviamente, das escutas ilegais, dos escândalos, das roubalheiras. Mas não se discute como é possível combater tudo isso... (…) Carecemos de princípios éticos estritos e obrigatórios para que um capitalismo diferente, com dimensão social e ambiental, possa sobreviver..."
ESPANHA – "Deveríamos entender-nos a fundo com a Espanha nesse sentido. Fazer da Península Ibérica, cujo papel na história universal não é preciso recordar, um centro de reflexão, de ideias novas - e de iniciativas - para o futuro da Europa, como agente global na cena internacional. Temos boas condições para que as relações entre os dois Estados ibéricos se articulem nesse sentido. Devemos ter políticas europeias convergentes. Temos de pôr a Península Ibérica a falar e a fazer-se ouvir."
EUROPA – "Sou um europeísta convicto, como muito bem sabe. Defendo os Estados Unidos da Europa. Penso que deveríamos estar a avançar nesse sentido. Mas não estamos. Tenho hoje muitas dúvidas acerca do futuro da Europa. Os actuais dirigentes europeus não têm visão de futuro. Não sei se reparou que a maioria deixou de falar de construção europeia, como se a União fosse um projecto acabado. Não é. Ninguém se interessa em saber para onde vamos. Aos líderes europeus interessa manter o statu quo, que é a situação que mais lhes convém para se manterem no poder. Não querem reformas nem querem acreditar que o mundo deixou de ser unilateral, que o Ocidente deixou de ser o que foi. O mundo é hoje multilateral e passou a ser global. (…) O ideal da construção europeia é tão rico, significou um tal avanço para o mundo inteiro, que, a perder-se, seria uma verdadeira tragédia para a humanidade."
JUSTIÇA – "Não é aceitável que os juízes, que tinham antigamente uma distância necessária em relação aos outros cidadãos, que os tornava uma referência, se banalizem, ocupem em força as televisões para ver quem lá vai mais vezes e diz maiores dislates. Só para dar nas vistas. Convencidos de que se prestigiam muito, porque vão ao barbeiro ou ao café e as pessoas conhecem-nos. Viram-nos nas televisões..."
NOTÍCIAS E BANALIZAÇÃO – "Repetir as mesmas notícias, mostrar as mesmas imagens, dizer sempre o mesmo, durante dias seguidos. É a banalização! Se, em vez da Madeira, for outra desgraça que nos emocione - uma criança que desapareceu, um incêndio, a morte de um pescador - é a mesma coisa. Só se fala disso. À saciedade. Sem critério. Não porque não haja novidades e outros assuntos mais interessantes a relatar. Mas por ser mais fácil. Repetir mil vezes a mesma coisa, alimentando as audiências e as páginas dos jornais. Se for um escândalo, ainda melhor."
OBAMA – "Obama está a fazer o que pode, apesar das dificuldades imensas que enfrenta. Está-lhe a cair em cima o peso do mundo. Tem uma oposição interna extremamente aguerrida. Há quem comece a gritar contra Obama, porque os decepcionou. Como se pudesse fazer milagres. Não pode. É preciso ajudá-lo, sobretudo a Europa. É um suicídio se o não faz."
PARTIDOS – "A política, hoje, quase está resumida à actividade dos partidos que fazem uma guerrilha artificial entre si. Não se discutem ideias nem se alimentam relações de cordialidade entre os líderes. (…) Não vejo razões para esta luta feroz entre os partidos continuar. Todos têm culpas no cartório. São comportamentos vazios de conteúdo, artificiais. Os nossos líderes - todos -, para se imporem e serem respeitados pelo eleitorado, têm de mudar. Ser mais flexíveis, tolerantes e menos dogmáticos. Ninguém - nenhum partido -, por si só, é o exclusivo detentor da verdade ou do patriotismo. Têm que se entender e respeitar mutuamente. A democracia vive da alternância. E durante as crises - mormente tão graves como a actual - os partidos e os políticos devem fazer um esforço de entendimento. É o que desejam os eleitores. E são os meus votos muito sinceros."
POLÍTICA HOJE – "[Há] uma certa degradação da política - a sua mediatização, a sujeição ao marketing... Dominada pelo dinheiro, sem princípios éticos, nem visão global. (…) A crise política em que hoje vivemos é, em grande parte, artificial. Decorre directamente da forma como os partidos se digladiam. A ambição do poder pelo poder ultrapassa tudo o resto. Ironicamente, numa altura em que o poder político - ao contrário do que devia - é e continua a comportar-se como um poder menor em relação ao poder dos interesses, das grandes empresas multinacionais e nacionais e dos bancos. (…) A política virou-se contra si própria, ajoelhou-se perante o "bezerro de ouro" e afastou-se do jornalismo sério. A ideia de que os políticos não prestam, são venais, só querem tratar das suas vidas, está generalizada ma2s não corresponde à verdade. Há casos conhecidos em que é assim, mas não são generalizáveis."
POLÍTICA E NEGÓCIOS – "A política e o mundo dos negócios devem ser completamente separados. Deve ser um ponto de honra para qualquer político. O Estado não tem que fazer negócios. Deve ocupar-se da segurança, da Justiça, das questões sociais, dos problemas de cidadania, da posição de Portugal no mundo, da defesa das instituições democráticas, da coesão e unidade dos portugueses. E dar confiança ao país. Não somos um país pequeno e sem recursos. Temos uma história que nos honra, uma língua em expansão, a terceira mais falada na Europa. Hoje, há 250 milhões de seres humanos que falam português, em todos os continentes. Se juntarmos a isso os 500 milhões que falam espanhol, percebemos o que a Península Ibérica pode - e deve - representar no mundo: uma força."
POR UMA OUTRA POLÍTICA – "A política sem ideias e sem causas não tem sentido. É preciso mudar as coisas para melhor. Sabe, estou convencido de que é como nos vinhos: há anos bons e anos maus. Na política, passa-se o mesmo: há gerações boas e há outras menos boas. (…) Quando falo das gerações, boas e más, como o vinho, é para me dar a mim próprio a alegria de pensar que o mundo muda e muda para melhor. As actuais gerações de políticos, formados na escola do neoliberalismo, não serão excelentes, com as devidas excepções. Mas vão vir outras, seguramente melhores. A necessidade obriga. Acredito nisso. E acredito que, por efeito da crise actual, as novas gerações serão diferentes. A que foi contemporânea dos dois mandatos do Bush foi ensinada a pensar que o importante, na vida, é ganhar dinheiro. O que é importante na política, é o marketing. O que é importante é parecer, mais do que ser... Foi, em parte, esse delírio do lucro fácil que conduziu à crise mundial. As pessoas perderam a sensibilidade para os valores morais e para perceber a importância do que é essencial para o futuro dos seres humanos. Só sentem a necessidade de ganhar dinheiro, de qualquer maneira..."
VERGONHAS – "É a maior vergonha que temos: as desigualdades sociais, as manchas de pobreza, o crescimento do desemprego. São a prioridade para a mudança. Mas isso não nos deve transformar em profetas da desgraça. Já temos muitos... Ouve-se muita gente a dizer que estamos perdidos, que não vamos recuperar, que o país não tem conserto. Se, pelo menos, essa gente fosse capaz de apresentar ideias e soluções. Mas não. Dizem mal e vão para casa, todos satisfeitos. Desabafaram..."