domingo, 30 de novembro de 2008

"O Natal que eu quero", por Daniel Sampaio (mais uma opinião sobre professores)

Ninguém me pediu opinião, eu sei. Na escola é costume não ligar muito ao que pensam os alunos. Mas eu gramo a escola, gosto dos meus amigos e há uma data de professores que até são fixes.Ando no 8.º, tenho bué de disciplinas, algumas não dá para entender. Estudo acompanhado para um gajo de 14 anos? Formação Cívica? Não percebo bem, é uma coisa de 90 minutos por semana em que o stôr, que é o director de turma (nós dizemos DT), está sempre a mandar vir, a dizer para nos portarmos bem. Da Matemática não me apetece falar, o stôr tem pouca pachorra para tirar dúvidas. História é um bocado seca e percebo mal o livro, faço confusão porque não contam a vida dos reis como o meu avô me explicava, por isso estudo para os testes e depois esqueço tudo.Não, não pensem que venho aqui criticar a escola, já disse que gosto de lá andar. O problema é que aquilo anda mesmo esquisito, podem crer. Já o ano passado os stôres andavam às turras com a ministra e apareciam nas aulas chateados, um gajo mandava uma boca e levava logo um sermão, às vezes diziam mesmo para nos queixarmos à ministra, como se chibar fosse coisa que desse jeito. Mas este ano está bem pior: falamos com os professores nos intervalos, "olá, stôr!" e eles andam mesmo tristes, a minha stôra de Inglês, que eu curto bué, diz que está "desmotivada" e que está farta de grelhas de avaliação e de pensar em objectivos. Eu de grelhas não percebo nada e, quanto aos objectivos, os meus são divertir-me uma beca e passar o ano, não quero mesmo ficar para trás porque os meus pais dão-me nas orelhas e fico sem os meus amigos, que é uma das coisas porreiras que a escola tem.Por isso peço a todos que se entendam. Ver os professores aos berros na rua é uma coisa que eu compreendo, têm todo o direito porque nós às vezes também andamos, o problema é que assim ainda há menos gente a preocupar-se connosco. Os nossos pais não têm tempo, andam sempre a trabalhar e ficam descansados porque estamos na escola a aprender e a lutar pelo nosso futuro, mas agora a coisa está preta, os nossos stôres estão cansados, o que é mau para nós: quem nos ajuda quando estamos aflitos? Eu sempre contei com um ou dois dos meus stôres, o ano passado quando me achava um monstro (cheio de borbulhas e a sentir que as miúdas não olhavam para mim) foi a stôra de Português que me chamou no fim da aula e conversou comigo, bastou ela ouvir com atenção e dizer que compreendia o que eu sentia para me sentir muito melhor. E quando o Tavares disse que se ia matar porque a rapariga com quem andava foi vista a curtir com um gajo qualquer, foi o nosso DT que falou com ele e lhe arranjou uma consulta no psicólogo.Não percebo nada da guerra dos professores, só sei que deve ser justa porque eles esforçam-se muito, já pensaram no que é aturar a malta, sobretudo alguns que só querem fazer porcaria, põem-se aos berros nas aulas e não obedecem, às vezes até palavrões dizem para os stôres? Muitos de nós querem aprender, mas o barulho é grande e há muita confusão, há lá gajos, repetentes e isso, que só lá estão porque são obrigados, depois há outros que são de fora e não percebem bem português, outros ainda têm problemas em casa e passam mal, a Vanessa que tem um pai alcoólico e que chora quase todos os dias ainda por cima foi empurrada na aula por um colega que só lá está a armar confusão... o DT disse que nós devíamos ser responsáveis e que tínhamos de acabar com isso, mas eu acho que a ministra devia era dar força aos professores para serem melhores, o meu pai diz que ela às vezes está certa mas eu não concordo, se vejo todos, mesmo todos os stôres da minha escola contra ela devem ter razão, os professores às vezes erram mas são importantes para nós, precisamos de estudar para ver se nos livramos do desemprego, isso é que é verdade!Por isso espalhem este mail, façam forward para quem quiserem. Digam aos que mandam para terminarem com as discussões que já estamos fartos e como na minha escola somos todos contra isso dos ovos (uma estupidez), digam à ministra e aos sindicatos que já chega! Façam uma escola melhor, ajudem os professores a resolver todos os problemas das aulas (ninguém pode fazer isso em vez dos stôres) e arranjem maneira de nós aprendermos mais, para ver se percebemos melhor o mundo e nos safamos, o que está a ser difícil.
Quem quiser dê opinião, o meu mail é brunovanderley@gmail.com, sou do 8.º E da Escola Básica 2/3 do Lá Vai Um.
Daniel Sampaio. "O Natal que eu quero". Público (revista "Pública"), 30.Novembro.2008.

No final de Novembro de 1641, ultimava-se o primeiro periódico português

Finalizava o mês de Novembro de 1641 quando se preparava em Lisboa o primeiro número da Gazeta em que se relatam as novas todas que houve nesta Corte e que vieram de várias partes no mês de Novembro de 1641. As autorizações e taxas necessárias para a impressão datam de 3 e de 5 de Dezembro seguinte.
Este foi o primeiro periódico português, teve como seu responsável Manuel de Galhegos e foi impresso na tipografia de Lourenço de Anvers, na capital. Os números seguintes tiveram a marca tipográfica de Domingos Lopes Rosa.
A Gazeta foi de periodicidade mensal até Julho do ano seguinte, tendo saído 9 números. A partir de Outubro de 1642, reapareceu sob o título de Gazeta das Novas de Fora do Reino, com a responsabilidade de João Franco Barreto, tendo sido publicados 14 números até Agosto de 1648. O número de páginas da publicação variou entre 8 e 16, numa impressão nem sempre boa. Se o seu preço vulgar era de 6 réis (elevado para a época), certo é que houve oscilações nalguns números (entre 4 e 10 réis). Quanto à linguagem e estilo de escrita utilizados, as notícias são simples e directas, com o objectivo de haver uma apreensão rápida da mensagem. Muito embora a interrupção que a publicação sofreu em 1642 se devesse ao facto de uma lei entretanto divulgada segundo a qual as gazetas gerais seriam proibidas "em razão da pouca verdade de muitas e do mau estilo de todas elas", também é certo que talvez o excesso de verdade tenha sido a causa desta interrupção a avaliar pelo tom realista posto na descrição de certa crueldade das tropas portuguesas para com os castelhanos. Considerada o "auto-retrato da sociedade portuguesa de Seiscentos", a Gazeta inseriu-se, como escreveram Filomena Belo e Manuela Rocha, "num movimento de apoio editorial ao novo rei da Casa de Bragança" (in Claro Escuro. Lisboa: Quimera, nº 1, 1988). Daí que a propaganda do movimento da Restauração seja evidente, quer pelo enaltecimento dos valores portugueses, quer pelo desprezo dado ao poder e à imagem dos castelhanos, apresentando Portugal como país de valentes e cheio de sucessos diplomáticos, enquanto Castela é o reino dos insucessos militares, morais e económicos. Os dois mais importantes temas de notícia foram, assim, a guerra e a diplomacia, um conjunto que não admirará se se ligar à situação histórica do momento (queda do domínio filipino em Portugal, ocorrida em 1640, e desejo de afirmação do novo poder). Alexandre Herculano, ao estudar a época da Gazeta, escreveu em 1838 que "era preciso animar o povo depois daquela ousada tentativa; convinha narrar-lhe as vantagens alcançadas contra a Espanha, bem como as dificuldades em que se via envolvida aquela monarquia, e até exagerá-las", acrescentando que "o governo não achou meio nenhum mais azado a seus intentos do que lançar mão das gazetas", opinião também perfilhada por José Tengarrinha, investigador da imprensa periódica portuguesa, que, ao traçar o quadro da imprensa portuguesa do período entre 1641 e 1820, conclui: "o jornalismo entre nós nasceu eminentemente noticioso, ou seja, para dar novas, como o anunciavam a Gazeta e O Mercúrio, mas não isento de preocupações políticas, tendo as informações orientação favorável aos restauradores" (História da imprensa periódica portuguesa. Lisboa: Portugália Editora, 1965).
Logo no primeiro número da Gazeta, apareceu uma notícia relacionada com Setúbal: é que o Conde da Castanheira, preso na cidade do Sado, pediu ao rei para mudar de prisão, no que teve a concordância régia.
A notícia é logo a segunda do conjunto e a sua linguagem sugere a magnanimidade do rei, num retrato favorável ao governante e à monarquia portuguesa.
Em 1999, houve uma edição facsimilada do número inaugural da Gazeta (Lisboa: Manuel Gomes).

Os professores vistos por Francisco José Viegas

Francisco José Viegas. Ler (Livros & Leitores). Lisboa: Fundação Círculo de Leitores, Dezembro 2008, nº 75.

sábado, 29 de novembro de 2008

O Convento de S. Francisco, em Setúbal, em exposição

“Unus non sufficit orbis” (“um só mundo não basta”) é o título da exposição de fotografia e pintura que, até fim de Fevereiro, pode ser vista no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. A fotografia é de José A. Carvalho (professor em Setúbal); a pintura é de Andreas Stöcklein (alemão residente em Setúbal, com trabalhos no âmbito da pintura e do azulejo).
O tema de ambas as formas de expressão é o Convento de S. Francisco, em Setúbal, nelas perpassando uma quase poética das ruínas e, simultaneamente, um grito contra a incúria e contra a afronta à memória cultural, pois das obras expostas não anda distante o que é o actual estado desta peça do património construído em Setúbal ou o que tem sido o seu trajecto de cerca de seis séculos (a serem cumpridos dentro de dois anos, provavelmente sobre um monte de ruínas ou sobre uma degradação ainda maior).
“O Convento que andou de mão em mão” – assim chamou Almeida Carvalho (1827-1897) ao Convento de S. Francisco (in Acontecimentos, Lendas e Tradições da Região Setubalense – vol. IV / 1ª Parte. Setúbal: Junta Distrital de Setúbal, 1970). A descrição que Almeida Carvalho fez do convento quando corria o séc. XIX é próxima da que, hoje, mais de cem anos volvidos, se pode registar: “A oeste de Setúbal existem ainda os restos do incompleto e arruinado edifício, que fora do extinto Convento de S. Francisco, da Província dos Algarves. As ruínas deste edifício mostram-nos a solidez da construção das paredes, abóbadas e eirados, e que ao seu magnífico fabrico deve o ter podido resistir por tantos anos, se bem que abandonado, à intempérie e à destruição dos tempos. Porém quase de todo desabou sob o camartelo do vandalismo e às mãos devastadoras dos homens!” Hoje, acrescentaríamos às duas formas destrutivas o… desinteresse dos homens.
Fundado em 1410 por D. Maria Anes Escolar, este Convento - que foi o primeiro de Setúbal - pertenceu a franciscanos e a jesuítas, foi propriedade particular, pertenceu ao Estado, albergou soldados, serviu de residência a famílias vindas de África aquando da descolonização, esteve a cargo da Casa Pia e… jaz ao abandono, apesar de, em Setúbal, a LASA (Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão) ter trazido em 2006 para debate público a situação do Convento, uma vez que a Direcção-Geral do Património tinha em mãos uma proposta para a demolição da construção.
Desafiando os modismos do tempo, inabalável na sua vetustez e sobriedade, o Convento de S. Francisco ali se mantém. Com cores de ruína. Com rugas de história. Com marcas de memória. Sendo objecto do olhar sobre os homens e o sítio, sendo agora motivo de arte. Como escreve Andreas Stöcklein no Jornal da Exposição, “o gesto humano ficou decalcado onde tudo o resto desaba em ruína”. Ou “ainda a vela enegrece a parede e funde os mundos numa mancha difusa”.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sensibilidades e olhos no futuro

«(…) Garante, contudo, que também tem tido bons momentos. "Muitos." Pede-se-lhe que partilhe um. "Uma carta que recebi de um menino que recebeu um computador para ter em casa, não sei já em que circunstância, e escreveu-me a dizer: 'Quando for grande, vou inscrever-me no PS.' É tocante."»
Assim termina a reportagem-entrevista com a Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, que o Público de hoje edita no suplemento “P2”. A peça jornalística não traz nada de novo, nem deixa vislumbrar méritos de aproximação ou de aberturas. Mas esta conclusão da peça fala por si: um “bom momento” para ser partilhado com a jornalista e, consequentemente, com o público leitor, é uma carta de um menino que, depois de receber um computador, escreve à Ministra a dizer que se vai inscrever no PS quando for grande, rematando a entrevistada: “É tocante.” Será? E porque “é tocante” que uma criança se queira inscrever no PS quando for grande? Para dar continuidade ao “status quo” reinante no partido? Na mira de receber um computador maior? Para ser Ministro da Educação? Para ter um contributo cívico perante a sociedade? Para mudar a mentalidade do partido? É tocante, claro! E é muito, sobretudo num país em que o êxito se mede, em frequentes ocasiões pelo peso do cartão partidário…

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Máximas em mínimas (37)

Tendo deixado de ver as estrelas, os homens perderam a humildade, e com a humildade perderam a razão.
José Eduardo Agualusa. “Dos perigos do riso”. Fronteiras perdidas (1999)
[foto a partir de www.evanog.com]

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Santana Castilho e as faltas (in)justificadas dos alunos

«(...) Depois de afirmar que seria uma vergonha suspender a aplicação do modelo de avaliação do desempenho, reclamada por 120.000 professores, a ministra da Educação não teve problemas em ceder a duas cestas de ovos e suspender o que a Assembleia da República, bem ou mal, determinou em lei. E como lhe é habitual, lançando mais umas pazadas de ignominiosa lama sobre os professores. Com efeito, quem leia o seu dominical despacho conclui que os professores foram umas bestas iletradas ao transpor, mal, para os regulamentos internos, o espírito da lei. Mas não foram. A ministra da Educação é que teve o topete de mandar às malvas o que a Assembleia da República determinou na Lei 3/2008, de 18 de Janeiro. Com efeito, diz o número 2 do artigo 22.º dessa lei que, "(...) sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas (sublinhado meu) (...)", atinja um determinado número de ausências, variável conforme o nível e o ciclo de ensino, "(...) deve realizar (...) uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização (...)" E diz mais a lei que venho a citar que "quando o aluno não obtém aprovação na prova (...) o conselho de turma pondera a justificação ou injustificação das faltas dadas (...) podendo determinar (...) a retenção do aluno inserido no âmbito da escolaridade obrigatória ou a frequentar o ensino básico, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta ... ou a exclusão do aluno que se encontre fora da escolaridade obrigatória, a qual consiste na impossibilidade de esse aluno frequentar, até final do ano lectivo em curso, a disciplina ou disciplinas em relação às quais não obteve aprovação na referida prova (...)" (sublinhados meus). Assim sendo, o despacho da ministra da Educação, fixando doutrina contrária ao que acabo de citar, facilitando tudo e banindo uma vez mais o chumbo, é uma nódoa a que as escolas não devem obediência. É uma manipulação grosseira da lei e uma interpretação abusiva e desrespeitadora da Assembleia da República, independentemente da concordância ou discordância que a mesma nos suscite. A ministra e o seu séquito de burocratas de serviço sabem bem que o que acabo de escrever é indesmentível. E por isso é bem grave a demagogia com que cederam aos alunos e à incivilidade dos ovos. (...)»
Santana Castilho. "Um cadáver político". Público, 26.Nov.2008.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Rostos (100)

Mulher das laranjas, no Presépio, em Setúbal (Praça de Portugal, 2008)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A cultura científica, evocando Galileo e Gedeão

Hoje é o Dia Nacional da Cultura Científica, dia em que passam 102 anos sobre o nascimento do cidadão e professor Rómulo de Carvalho e simultaneamente poeta António Gedeão.
Perante a ciência, fica sempre o fascínio da descoberta, do saber mais e do… quão pouco sabemos. Mas sempre que se pensa em ciência é inevitável chamarmos a memória de Gedeão, que soube, com mister, deixar que a poesia se invadisse pela cultura científica. E a gente lembra-se desse poema lindo e laboratorial que é “Lágrima de Preta”, desse poema também lindo e aritmético que é “Mãezinha”, desse velocipédico e juvenil “Poema da autoestrada”, desse ritmado e suado poema que é “Calçada de Carriche” e de muitos outros, alguns deles musicados e até símbolos de um tempo, mesmo pela maneira como a filosofia da vida invade os versos e os ritmos.
A propósito do que se celebra neste dia, escolhi o “Poema para Galileo”, uma carta ou conversa ou desabafo ou confissão ou retrato, que sempre me leva a imaginar o espectáculo que seria termos a possibilidade de presenciar a troca de impressões entre Galileo e Gedeão, numa linguagem simples, aproximando a ciência da vida. Ainda a este propósito, que as conversas são como as cerejas, corro a procurar o livro de Rómulo de Carvalho Física para o Povo (Coimbra: Atlântida Editora, 1968), que, a abrir o primeiro volume, se dirige assim ao leitor: “Pus-me a pensar sobre várias coisas que o meu amigo poderá ter observado na sua vida diária e que talvez gostasse de saber explicar. Procurei ir ao encontro do seu pensamento e responder às suas prováveis interrogações, sempre do modo mais simples possível, pois sei que o meu amigo não tem os estudos suficientes para compreender certas explicações ou o significado de certos termos que eu deveria usar para ser mais correcto. Não mostre este livro a nenhuma pessoa sabedora porque essa encontraria com certeza muitos motivos de censura nas minhas palavras. Acharia que aqui não estava bem explicado, que ali tinha usado palavras impróprias, que mais adiante não era bem assim como digo, etc., etc. E tinha razão. Mas não se preocupe com isso. Isto é só para o meu amigo. Quando tiver vagar pegue no livro e entretenha-se a ler.
Quem assim escreve deverá ter, naturalmente, condições para conversar com Galileo. Vamos, então, ao

Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?

Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
António Gedeão. Linhas de Força (1967)

domingo, 23 de novembro de 2008

Assim, o dia é bom...

"Ela era perfeita, tinha as pétalas lindas, enquanto nós, pequenas gotas de água, éramos desajeitadas e até parecia mal cairmos sobre uma rosa como ela. Tu tens o teu jardim, eu tenho o meu. O meu jardim e o das minhas irmãs gotas é a rosa, mas o teu é diferente, o teu é o planeta inteiro."
Este curto texto saltou-me numa resposta do teste de Língua Portuguesa de 7º ano feito pela A.S., que acabo agora de ver. Tive que partilhar a ideia, a sensibilidade e a beleza. E este gesto de escrita. Coisas lindas que surgem também nos testes! Era pedido que escrevessem um pequeno texto (podia ser apenas uma frase) em que fossem utilizados dois pronomes possessivos...

sábado, 22 de novembro de 2008

Professores no "Expresso" (4): Alberto D. Costa, leitor

"A Carta da Semana". Expresso, 22.Nov.2008.

Professores no "Expresso" (3): Henrique Monteiro

Henrique Monteiro. "Variações sobre a guerra da avaliação". Expresso, 22.Nov.2008.

Professores no "Expresso" (2): António Pinto Leite

António Pinto Leite. "A sorte da Ministra". Expresso, 22.Nov.2008.

Professores no "Expresso" (1): António Guerreiro

António Guerreiro. "A avaliação tornou-se uma sofisticada ideologia". Expresso ("Actual"), 22.Nov.2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da auto-estima – 90
Sinistrados I – Em vários pontos do distrito de Lisboa, estão em exibição na praça pública automóveis sinistrados. Dizem os passantes que isto os impressiona, porque a visão de um carro destruído significa um encontro com a morte ou, pelo menos, a possibilidade de a morte ter andado próxima; significa também a necessidade de atenção, de cuidado e de responsabilidade que todos devem sentir e partilhar; significa, finalmente, que alguns já partiram, levados por um acidente que os colheu. Na verdade, tudo isto impressiona, sobretudo porque a fragilidade da vida também mexe connosco. Não podemos deixar de pensar no choque sentido quando nos confrontamos com um acidente. E, sobretudo, quando vemos corpos espalhados pelo alcatrão, em consequência de um embate. A frieza que se apodera de nós nesses momentos deixa-nos a oscilar nas nossas certezas e na nossa força. Mas esta ideia dos carros sinistrados em exposição pública vale por isso mesmo. Cada vez mais povoada, a estrada exige que o nosso cuidado, a nossa reflexão, a nossa participação e o nosso gosto pela vida estejam sempre em primeiro lugar.
Sinistrados II – Mas a ideia das viaturas sinistradas em exposição sugere também imagens de ciclos. Há muito tempo, as exposições eram apenas de viaturas novas, cativando pela novidade, associada ao conforto, ao luxo e à autonomia. Depois, vieram as exposições dos clássicos, com a intenção de fazer lembrar outros tempos, os mais antigos, e de levar as pessoas a visitarem a história dos transportes ou a reviverem o tempo de alguns modelos que se tornaram ícones. Seguiu-se a exposição de usados ou em segunda mão, surgida em espaços fechados ou, como agora se vê, em qualquer canto, com letreirinhos a anunciar a procura de novo dono. E, para fechar o ciclo, aparecem as exposições de viaturas sinistradas. Pode ser pós-moderno este gesto. Talvez simbolicamente se esteja perante o fim desta vida dependente do carro ou, pelo menos, a notar que ele também incomoda muito e que, muitas vezes, não é sinal de qualidade de vida mas da sua falta.
Escola I – No momento em que escrevo, a vida das escolas continua agitada e a ser motivo de discussão pública. É lamentável que as coisas tenham chegado a este ponto, com posições extremadas e com argumentos em defesa de verdades que parecem unilaterais, mas que o não são. Uma profissão não pode estar vocacionada para o martírio ou para o heroísmo, da mesma forma que não pode passar pela humilhação pública de ser penalizada por decisões políticas que têm feito a história da educação no país. Muitas das opiniões veiculadas revelam que não é de educação que querem falar, mas de contestação pura e simples; que ignoram o que tem sido pedido à escola no tempo das duas últimas décadas; que há desconhecimento de várias questões responsáveis por um estado não muito positivo da educação, passando para os professores, em exclusivo, a responsabilidade do que anda menos bem e ignorando o papel fundamental que questões como o desenho curricular, os programas das disciplinas ou os manuais escolares desempenham na qualidade da escola. Têm-se discutido ódios de estimação, sem se favorecer a escola, por vezes com argumentos falaciosos (o de que os professores não querem ser avaliados é um deles).
Escola II Quando se fala dos resultados dos alunos no final de ciclo, e com isso se pretende dar a imagem de que uma escola é melhor do que a sua vizinha por os seus alunos terem obtido mais altas médias, já se pensou que muito desse esforço se deve à escola e aos alunos mas também às aprendizagens fora da escola, nomeadamente ao regime de explicações que existe e que as famílias pagam, na mira de um atendimento mais personalizado e de um caminhar ao encontro das dúvidas de cada um? Provavelmente, este pormenor tem sido esquecido… Mas também tem contribuído para os rankings, assim como contribuirá para a avaliação dos professores se os critérios se mantiverem…

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Rostos (99)

"Adamastor", por Nuno David (proposta para ilustração de Os Lusíadas Manuscrito, em Setúbal, 2007)

José Manuel Fernandes e a paz nas escolas

PAZ NAS ESCOLAS? QUE MOTIVOS? – «(…) Dificilmente a paz regressará às escolas. Por vários motivos. O primeiro é o corte radical, afectivo e político, entre os professores e a ministra. Já nada pode sarar a ferida aberta, uma ferida onde ontem, paradoxalmente, a ministra ainda pôs mais sal ao recusar-se a assumir qualquer erro, ao anunciar medidas que objectivamente contrariam o seu discurso recente (vai "simplificar a burocracia" quando jurou que esta não existia, que bastava "preencher duas folhas"), ao voltar a culpar as escolas por alguns dos problemas detectados. (…) O segundo é que muito vai depender da avaliação que, professor a professor, escola a escola, se fizer das reais consequências destas medidas. De se perceber se elas facilitam a vida e se permitem um processo de avaliação mais sério - e pelo menos num ponto permitem, pois ao retirar as notas dos alunos dos critérios para a avaliação dos professores, a ministra evita um dos efeitos mais perversos da sua lei, a inflação artificial das notas para conseguir uma boa avaliação. O terceiro é perceber se aquilo que começou por incomodar mais os professores - o Estatuto da Carreira Docente (ECD) - não vai tornar-se no centro das suas reivindicações, pois o tema começou a surgir com uma força crescente nas últimas semanas sobretudo porque, este ano, ao regressarem às aulas, os professores perceberam que o problema do ECD não residia apenas na forma iníqua como havia designado os "professores titulares", mas nas imposições que criou e que muitos entendem inúteis ou deslocadas. Mais: o despacho "clarificador" sobre o Estatuto dos Alunos, se acalmou os "meninos dos ovos", introduziu novos elementos de laxismo que preocupam os professores mais responsáveis. Finalmente, muitos docentes enfrentam o dilema de continuarem a protestar quando isso os distrai daquilo que gostam de fazer - ensinar - ou de aderir a uma greve quando o dinheiro que lhes será descontado nos ordenados lhes faz muita falta. (…)»
ERROS – «(…) O erro maior que cometeu Maria de Lurdes Rodrigues foi não estender a mão aos professores, mantendo o seu registo crispado de quem insiste em que mudou para não mudar, ou que não mudou para mudar, mas que lhe assistiu sempre toda a razão. Ora, numa altura em que os pais, com ou sem avaliação, querem paz nas escolas, e sentem que nelas algo se degradou do ano passado para este, já nem importa muito voltar a demonstrar como quase tudo continua errado no nosso sistema de ensino. Salve-se ao menos o ano lectivo, e para isso é necessário contar realmente com os professores.»
José Manuel Fernandes. “ O recuo tardio que pode não trazer paz de volta às escolas”. Público (hoje).

Carlos Fiolhais e o monstro

MONSTRO – «A palavra "monstro" para designar o Ministério da Educação é muito anterior ao mandato dos actuais ocupantes da 5 de Outubro. (…) Mas o problema é que pouco mudou nos últimos tempos: o monstro continua monstruoso, com DRE, despachos, circulares, grelhas, etc. A pseudo-avaliação burocrática de professores que ele pretende impor a todo o país provém de uma velha e enorme máquina, que já devia ter sido esboroada. Parafraseando Kafka, burocrata é alguém "que escreve um documento de dez mil palavras e lhe chama sumário". E os "sumários" não cessam de jorrar... (…)»
ENSINAR – «(…) Os professores, que, na sua esmagadora maioria, marcharam em protesto em dois fins-de-semana sucessivos (num com e no outro sem sindicatos) pelas ruas de Lisboa, vieram dizer uma coisa muito simples: querem ensinar sem o monstruoso sufoco de que são vítimas. De facto, ensinar é o que sabem e gostam de fazer e é, aliás, o que é preciso que eles façam. O ministério devia querer isso deles, mas a palavra parece banida do seu vocabulário. Se ele quisesse ensino, então precisaria mesmo deles, pois não há, obviamente, ensino sem professores. (…)»
GOVERNO E SINDICATOS – «(…) O Governo tem todo o direito de combater os sindicatos. Mas já não tem o direito de confundir os sindicatos com os professores e de agredir indiscriminadamente os segundos descarregando a sua raiva aos primeiros. Governo e sindicatos são dois monstros em luta pelo poder e nem professores nem alunos deviam ser vítimas dessa luta. (…)»
VITÓRIA DAS ESCOLAS – «(…) A Escola Infanta D. Maria, em Coimbra, que é a melhor escola pública de acordo com os rankings dos exames do 12.º ano, já decidiu suspender o processo de avaliação para não se degradar. Se todas as escolas seguissem esse exemplo, o actual impasse poderia cessar com a vitória das escolas e do ensino, e não dos sindicatos. (…)»
Carlos Fiolhais. "O monstro da 5 de Outubro". Público, hoje

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Rostos (98)

Arte pública, em Porto Santo (junto do aeroporto), por Paulo Neves (2000)

Máximas em mínimas (36)

Para a construção de metáforas
"Os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou complicação das coisas. Segundo a tua teoria, uma coisa pequena que voa não ter um nome tão comprido como mariposa. Pensa que elefante tem o mesmo número de letras que mariposa e é muito maior e não voa." (diz Pablo Neruda ao carteiro Mario)
Antonio Skarmeta, O carteiro de Pablo Neruda (1985)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Minudências (31)

Contestação e Economia

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa - "Vende-se" (hoje, ao fim da tarde) - poucos metros abaixo, a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação exibia letreiro com os mesmos dizeres, ainda que de forma mais sóbria


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Da Matemática, com Ron Aharoni

Ron Aharoni é professor universitário ligado à Matemática. O problema do ensino desta disciplina levou-o a optar por leccioná-la a alunos do 1º ciclo a fim de chegar a algumas conclusões. Passou por Portugal a propósito de um colóquio que a Fundação Gulbenkian está a promover sobre o ensino da Matemática. O Público entrevistou-o e na conversa há verdades que deveriam saltar para a vida…
O QUE É A MATEMÁTICA – «(..) Antes de mais, é preciso perceber que a Matemática é sobre coisas concretas e que a abstracção vem depois. Outro segredo importante é que a Matemática deve ser aprendida por etapas e nenhuma deve ser deixada para trás, porque se isso acontecer não vamos conseguir compreender o que se segue. (…)»
MANUAIS ESCOLARES - «(…) O principal caminho para ensinar os professores é através dos bons manuais escolares. Os manuais que existem vão na direcção errada, porque promovem actividades divertidas e a aprendizagem fica perdida. O problema é que os livros saltam etapas ou seguem teorias modernas. O que é preciso é que os manuais reflictam a Matemática, a sua essência, o que é e não teorias. (…)»
DIVERTIR OU COMPREENDER - «(…) as crianças não precisam de estar divertidas, elas precisam de compreender e só se o fizerem é que aprendem a gostar. A Matemática não tem que ser divertida, mas compreendida. (…)»
TABUADA - «(…) Se cada vez que queremos escrever uma carta tivermos que pensar como é que se juntam as letras... Para a Matemática o raciocínio é o mesmo: é preciso ter automatismos e a tabuada é essencial. Os pais podem ajudar os filhos a aprender, por exemplo, a dizê-la de trás para a frente. (…)»
EXACTIDÃO NAS FORMULAÇÕES - «(…) Outra coisa muito importante e que sempre ensinei aos meus três filhos é: ser preciso nas formulações, dizer correcta e claramente o que se quer dizer, nunca deixar os outros adivinharem o que se quer dizer, mas usar as palavras certas. (…)»
CALCULADORAS - «(…) Calculadoras? Atirem-nas para o lixo! Houve revoluções terríveis na escola e essa foi uma delas. Fazer cálculos é muito importante e não é uma coisa estúpida ou inútil, e que, por isso, se deve recorrer à máquina. Fazer cálculos significa compreender o sistema decimal. Usar uma calculadora na aula de Matemática é como pôr os alunos a conduzir automóveis em vez de correrem na aula de Educação Física. Quando pergunto a um aluno quanto é 10+10 e responde, mas precisa da calculadora para saber quanto é 10+11, então, ele não compreendeu qualquer coisa quando aprendeu, que precisa de saber e não é com o recurso à máquina que aprende. (…)»
PROFESSORES E COMPUTADORES - «(…) Sabemos que o cérebro das crianças é completamente diferente e que trabalha muito rapidamente. Se elas podem aprender com o computador? Todas as tentativas feitas até hoje nesse sentido falharam. Não sei se porque as crianças preferem brincar no computador do que trabalhar... Penso que no 1.º ciclo o contacto com o professor é o mais importante. (…)»

Alunos: algum bom senso nas consequências das faltas justificadas

A Lei 3/2208, de 18 de Janeiro, respeitante ao “Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário” diz, no nº 2 do seu artigo 22º, quanto aos “efeitos das faltas” dadas pelos alunos: «Sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando -se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização.»
Depois, no nº 4, diz que, com a aprovação na prova acima referida, o aluno “retoma o seu percurso escolar normal” e, no nº 5, que a não comparência não justificada à dita prova “determina a sua retenção ou exclusão”.
Isto é o que diz a Lei que tanta indignação tem feito correr, seja dos alunos, seja dos pais, seja dos professores. Isto é o que diz a lei, que não foi feita pelas Escolas, mas que as Escolas tiveram que adoptar para inserir nos seus “Regulamentos Internos”. A cegueira da lei foi, neste caso, até ao ponto de igualar as faltas justificadas e injustificadas no que à realização da prova respeita quando toda a gente sabe que muitos alunos, por razões de saúde, por exemplo, têm que faltar com alguma regularidade (e que, apesar das faltas justificadas, seriam sujeitos ao mesmo tipo de prova).
Tanto quanto sei, quando há alunos que, por razões de saúde, têm ausências da escola, são criados alguns apoios (às vezes temporários, às vezes momentâneos), na maior parte dos casos pelos próprios professores.
Ao que afirma a comunicação social de hoje, a Ministra da Educação assinou despacho «que "clarifica de uma vez por todas" o regime de faltas e desobriga os alunos com faltas justificadas à realização de um exame suplementar». Já, entretanto, tinha havido uma circular que admitia variantes na dita questão da prova de recuperação, ainda que não sendo muito explícita.
Ainda bem que o Secretário de Estado Valter Lemos concluiu que "em absolutamente caso nenhum o aluno pode ter qualquer penalidade seja do ponto de vista da frequência seja do ponto de vista disciplinar por essas faltas"! Já toda a gente tinha visto que a tal “cegueira” que a lei deve ter levava ao cometimento desta injustiça. Só não se percebe o porquê de tanto tempo na correcção. E também não se entende esta estranha sensação que resulta da leitura das notícias de se ficar com a ideia de que as escolas é que estariam a baralhar esta questão…

domingo, 16 de novembro de 2008

Manuel Alegre em entrevista no "Diário de Notícias" de hoje

DÉFICES DE IDEIAS - «(…) Não acho que haja uma situação de asfixia. Temos eleições livres, estamos aqui a falar livremente, os partidos da oposição podem falar... Se calhar também há um défice de oposição, há com certeza um défice de oposição e um défice de alternativas. De tal maneira que às vezes parece que eu é que estou a fazer a oposição! Mas sempre houve vozes críticas dentro do PS. (…)»
DIÁLOGO - «(…) Estou disponível para facilitar o diálogo e o encontro entre pessoas de diferentes quadrantes, para pensar em políticas, políticas públicas, políticas alternativas, para reflectirem sobre novos rumos e sobre um novo paradigma. (…)»
ESQUERDA - «(…) Neste momento, a esquerda está muito debilitada. Pergunto mesmo, onde é que está a esquerda como solução política? (…)»
JUVENTUDE E PARTIDOS - «(…) Os quadros novos, as novas elites, seguem outros caminhos, não vão querer meter-se em partidos políticos muito fechados em si mesmos, com muita mediocridade lá dentro e, sobretudo, muito afunilados. Não quer dizer que não se interessem pela vida pública. Tenho filhos, conheço amigos dos meus filhos, muita gente nova. Na minha campanha tive esse privilégio de ter muita gente nova, gente que me dizia que era a primeira vez que abraçava uma causa. Mas não estão para suportar essa coisa de estar num partido, sujeitos a um presidente de federação que funciona com um cacique. Não estão para isso, vão à vida deles! Isto não é bom para a democracia.»
MAIORIAS - «(…) As maiorias absolutas num país como o nosso são propícias ao aparecimento de certos tiques. (…)»
MINISTRA DA EDUCAÇÃO - «(…) Irritei-me com a ministra da Educação e ele ficou um bocado nervoso com as coisas que eu disse, embora também tenha acrescentado que eu tinha o direito a ter a minha opinião. Respondi que gostaria que me dessem boas razões para não ter tantas razões de crítica. (…)»
NOVOS NA POLÍTICA - «(…) As pessoas também têm de aprender que a política se faz com rupturas, se faz com risco, se faz com ousadia! É uma coisa que me preocupa na nova geração: aqueles que vêm das juventudes são muito programados, são muito prudentes, fazem contas a tudo. (…)»
O QUE NOS CARACTERIZA - «(…) É necessário investir também no sector produtivo e nos seus núcleos mais competitivos: Investir na agricultura, em bens agrícolas, porque temos de diminuir a dependência do exterior e garantir a soberania nacional! Acabou-se com a agricultura, acabou-se com as pescas e acabaram-se com as indústrias tradicionais em Portugal como consequência da nossa entrada na União Europeia (UE). A questão da agricultura foi mal pensada, mal resolvida, mal negociada. E a das pescas também! Teve não só consequências económicas, mas também sociais e culturais. A agricultura e as pescas fazem parte da nossa própria identidade e da nossa soberania. Portanto, o investimento na agricultura é importante, porque a terra é a principal riqueza, a terra nunca se desvaloriza, e nós estamos entalados entre a Espanha e o mar... Tudo, neste momento, é muito volátil, tudo, neste momento, é muito incerto, não é? Somos uma velhíssima nação que foi pensada por grandes homens em momentos decisivos e através dos séculos e temos de saber garantir a nossa autonomia. Porque o facto de estarmos na UE - e sou partidário de estarmos na UE porque devemos estar na vanguarda e no centro das decisões - não significa uma dissolução nacional. (…)»
PARTIDO COMUNISTA - «(…) O PCP, basta ler as suas teses, tal como está não me parece que queira aliança nenhuma ou que esteja nessa disposição. Aliás, nunca a quis, e foi um dos males da nossa democracia em 74/75. (…)»
PARTIDO SOCIALISTA - «(…) O partido neste momento é uma máquina eleitoral, é uma máquina de poder. Deixou de ter uma vida própria e uma vida autónoma, a direcção do partido é o Governo. (…)»
PARTIDOS E CIDADÃOS - «(…) Os partidos afunilaram muito a sua vida, e há um divórcio hoje, não só aqui, muito grande entre a vida política partidária e a sociedade e os cidadãos. (…)»

Como a política e a Escola se misturam (e não deveria ser assim)

Cartoon de Luís Afonso, no Público de hoje

João Lobo Antunes e António Barreto, no "Público" de hoje

1) Entrevista a João Lobo Antunes por Graça Franco e José Manuel Fernandes
RESPEITO PELOS PROFESSORES - «(…) Se entendo que é um princípio fundamental o respeito por qualquer profissão, o respeito pelos professores é ainda mais importante, pois o futuro do país depende da educação dos seus cidadãos. Por isso estranho que, seis meses depois, regresse a mesma retórica de extremismo. Cada um fica no absoluto da sua verdade, sem aceitar os argumentos contrários, com culpas repartidas, e não sei como se vai sair daqui. (…)»
FELICIDADE E INSATISFAÇÃO - «(…) Como médico, recebo muitos professores no meu consultório, conheço muitos professores, e nos últimos meses ainda não vi um feliz. Isso é altamente preocupante. As pessoas não estão satisfeitas, sentem-se muito limitadas no que fazem, até na capacidade de preparar as aulas, sentem-se encerradas numa "gaiola de ferro" burocrática. Encontro professores que, por doença, ficaram limitados, que são excelentes professores mas a quem dizem que ou trabalham de uma determinada maneira ou não podem entrar na escola. (…)»
REALIZAÇÃO PROFISSIONAL - «(…) Quando não há realização profissional, quando os professores não se sentem bem com o que estão a ter de fazer, nunca poderão dar o seu melhor à escola e aos alunos. Isto é uma verdade auto-evidente. (…)»
ESTATUTO DO ALUNO - «(…) Eu li o Estatuto do Aluno e aquilo é absolutamente mirabolante. Até o português que utiliza é de uma complexidade artificial, é o "eduquês" oficial, pelo que quando vejo aquela escrita desconfio do pensamento que a gerou, de como essas pessoas entendem a Educação. Ora, a Educação serve fundamentalmente para dar instrumentos de felicidade às pessoas. Ora, a felicidade não é gratuita, tem de ser construída. A escola não serve para manter alunos felizes. Já o Presidente Wilson, dos Estados Unidos, que antes era reitor da Universidade de Princeton, dizia que a preocupação de que os meninos têm de ser felizes na escola não faz sentido. (…)»
2) António Barreto, “Os três poderes”
GUERRA POLÍTICA À CUSTA DA ESCOLA - «(…) Nos actuais termos, a guerra das escolas não tem saída. Mesmo que esta ministra consiga, pela lei da força, uma qualquer vantagem, terá, a prazo, uma grande derrota. Os professores, de futuro, não farão o que ela hoje pretende. Aliás, muitos já o não fazem. O próximo ministro da educação, até do mesmo partido, terá necessidade de alterar muita coisa e procurar um novo pacto. Se for de outro partido, a primeira coisa que fará será alterar este quadro legal e as práticas que são hoje impostas. Nas próximas eleições, poderá ver-se na campanha e nos respectivos programas: todos, com excepção do PS, vão sugerir a revogação das actuais leis e os mais imaginativos acabarão por propor um novo sistema de avaliação. O próprio PS fará uns "ajustamentos"...
Não se trata apenas de teimosia. Muito menos da força da razão. Há muito mais do que isso. A começar pela ideia de imagem, um dos maiores venenos da política contemporânea. Não se pode perder a face. Não se desiste. Não se devem reconhecer erros maiores. Não é bem visto recuar. A insistência, mesmo no erro, é sinal de carácter. Estes são alguns dos sentimentos que passam pela cabeça dos governantes e dos dirigentes dos sindicatos. (…)»
TRÊS PODERES - «(…) Está em curso uma luta entre três poderes. Luta verdadeira, de cujo resultado vai depender o futuro da educação e da escola. Quais são esses poderes? Em primeiro lugar, o do ministério (ou do Governo), em tentativa de reforço e consolidação. Segundo, o dos professores, em queda. Terceiro, o da escola, largamente fictício. O Governo quer centralizar ainda mais o sistema educativo, deseja reafirmar o seu poder sobre a escola e sobre os professores e pretende uniformizar regras e critérios. Procura manter as autarquias sob a sua alçada e transformar os professores em verdadeiro regimento fabril ou militar. Entende que, obedientes, as escolas e os professores darão melhor contributo para as suas estatísticas. De passagem, tem outros objectivos, eventualmente mais nobres: poupar dinheiro e obrigar os professores a trabalhar mais. (…)»
AVALIAÇÃO E DIGNIDADE – «(…) A ministra tem algumas razões. Mais trabalho, por parte de alguns que folgam. Um qualquer princípio de avaliação. Poupar recursos e dinheiro. E impedir que todos os professores tenham sempre as classificações de muito bom e excelente, pragas conhecidas em toda a função pública. Mas o Inferno está no pormenor. Como sempre. Os jornais já publicaram mil pormenores sobre o sistema de avaliação, dos formulários às regras e procedimentos. O escárnio é constante. A ministra queixa-se de que o seu sábio sistema foi ridicularizado! É verdade. Mas não merece menos do que isso. Além de absurdo e inútil, este exercício parece uma punição, a fazer lembrar os castigos infligidos, por praxe sádica ou despotismo, nas forças armadas de muitos países. Não é só este sistema que está errado: é o princípio mesmo de uma avaliação centralizada, de âmbito nacional e uniforme.
A avaliação ministerial, burocrática, formal e pseudocientífica é um enorme erro. A grande tradição centralista, integrada e unificada da educação pública em Portugal é responsável pela mediocridade de resultados e pelo desperdício de enormes recursos financeiros vertidos, desde há trinta anos, por cima do sistema, sem resultados proporcionais. É essa tradição que é responsável pela ausência de espírito comunitário nas nossas escolas. Pelo desdém que as autarquias dedicam às escolas. Pela apatia e impotência dos pais. Pelo facto de tantos professores desistirem do orgulho nas suas carreiras e do brio no exercício da sua profissão. É provável que muitos não queiram trabalhar quanto devem ou que tenham outros interesses. Como em todas as profissões. Mas o seu sentimento de dignidade ferida parece genuíno. E é compreensível. (…)»
AUTONOMIA E AUTORIDADE DA ESCOLA - «(…) São quase misteriosas as razões pelas quais não se permite que sejam as escolas, os seus directores e os seus conselhos de direcção, ajudados pela comunidade e pelos pais, a avaliar a escola no seu conjunto. E não se deixam os responsáveis das escolas observar e avaliar o desempenho profissional dos docentes. A República, o Estado Novo, a democracia, o socialismo e o comunismo coligam-se facilmente para manter a escola sob o punho do ministério, cuja proverbial incompetência é uma das raras constantes na história do século XX. Entre o ministério e o sindicato, parece haver terra queimada, campo de batalha. Não terão percebido os professores, desta vez, que a autoridade do ministério é o pior que lhes pode acontecer? Apetece dizer que chegou a hora de sair deste impasse, de quebrar a tenaz dos dois fanatismos. Uma visão optimista levar-nos-ia a pensar que, finalmente, os professores perceberam que a autoridade da escola pode ser a solução. (…)»

sábado, 15 de novembro de 2008

Missão: Salvar a Escola

Corria a Primavera de 1968 quando, na Escola da Rua Três, o jovem professor Benedict, director da escola e fã do movimento “peace and love”, com vestuário, mota e capacete a condizer e com um gabinete psicadélico, chama um colega professor e lhe diz que tem uma ideia para fazer subir as notas dos alunos: acabar com os recreios. O colega ouve-o estupefacto, pois até queria propor que as aulas fossem ao ar livre, e censura-o nesta sua intenção. Mas Benedict responde que tudo aquilo de paz e amor era treta e já tinha passado.
Ao saberem das intenções do director, os alunos e os pais protestam. E uma autoridade chega à escola, despede Benedict e põe no seu lugar o colega a quem tinha sido primeiramente confiada a intenção do fim dos recreios. A partir daqui, houve um ódio intenso por parte do director demitido, que deixou de ser professor e enveredou pela política, chegando a secretário de estado da educação.
Trinta anos volvidos, sem que os dois ex-colegas se reencontrassem, Benedict reaparece secretamente na escola para se vingar do seu sucessor, confessando-lhe que tinha agora um plano muito melhor: acabar com as férias grandes através de um dispositivo laser que alteraria as condições climáticas e que, às escondidas, já tinha instalado num espaço da escola. Era sua intenção chegar a presidente dos estados unidos e queria servir-se desta iniciativa para se projectar – só com a eliminação das férias grandes os alunos americanos passariam a ser os melhores e os resultados do estudo subiriam e daí advir-lhe-iam dividendos políticos.
A tramóia é descoberta por um grupo de alunos que tudo faz para derrotar Benedict, aliando-se mesmo ao director da escola, o tal de quem Benedict-secretário-político-e-futuro-presidente se queria vingar. Como “mau” que era, acabou tendo uma luta tenaz por parte dos alunos e do director e, no final, foi preso.
A história acaba com a vitória da pequenada. Os bonecos ajudam e a música também. É um filme da Walt Disney Pictures, disponível em dvd, que, há dias, ofereceram ao meu filho mais novo e que, ontem, nos divertimos a ver. Missão: salvar as férias é o seu título (Recess: School's Out, no original, de 2001, realizado por Chuck Sheetz). Obviamente, tudo o que se possa pensar sobre o paralelismo entre este filme e o que se está a passar com a educação em Portugal são meras coincidências. A única coisa que podemos admitir é o espírito alegórico, que não profético. A segunda grande diferença reside no facto de o filme ser divertido e entreter toda a família, enquanto o panorama que tem sido vivido na educação em Portugal não diverte nem entretém quem quer que seja…

A educação vista a partir do "Público" de hoje

1) Manuel Carvalho, "A reforma impossível nas escolas"
2) Vasco Pulido Valente, "Os professores"

A educação vista a partir do "Expresso" de hoje

1) Entrevista da Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues
2) Miguel Sousa Tavares, "Só restarão vencidos"
3) Fernando Madrinha, "Quem mais ordena"
4) Daniel Oliveira, "Mais perto, mais certo"

A educação num documento que vale a pena ler

Reunida em Fátima em 13 de Novembro, a Conferência Episcopal Portuguesa produziu Carta Pastoral intitulada “A Escola em Portugal – Educação Integral da Pessoa”. O documento é longo, mas tem leitura justificada – pensa a Escola, pensa os caminhos, pensa as responsabilidades, incentiva as autonomias, humaniza a educação. Registo alguns excertos.
A missão da escola
A educação escolar terá de assentar, consequentemente, num projecto cultural de natureza axiológica, antropologicamente fundamentado, capaz de definir as opções, as propostas e os contornos das políticas educativas que, coerentemente, o levem à prática. “A escola não pode ser apenas um conjunto de actividades; é uma visão da vida, persistente e longamente perseguida e afirmada” . (…)
Os graves problemas do mundo contemporâneo põem-nos perante a necessidade e urgência de recolocar o valor da vida e da dignidade humana no centro da realidade social, política, económica, cultural e educativa. Ultrapassar a crise contemporânea da escola, e da educação em geral, exige, previamente, redescobrir e abraçar decididamente tal finalidade. “Na raiz da crise da educação há, de facto, uma crise de confiança na vida”. (…)
A educação é o percurso da personalização, e não apenas socialização e formação para a cidadania. A educação autêntica é a educação integral da pessoa. Isto exige promoção dos valores espirituais, estruturação hierárquica de saberes e de valores, integração do saber científico-tecnológico num saber cultural mais vasto, mais abrangente e mais englobante. Exige igualmente partilha dos bens culturais e democratização no acesso aos conhecimentos, aos saberes científicos e competências tecnológicas, que são património comum da humanidade. Exige ainda promoção do homem-pessoa em recusa do homem-objecto de mercado, rejeição de todas as formas de alienação do ser humano, defesa do primado da solidariedade e da fraternidade sobre o interesse egoísta e a competição desenfreada. (…)
A escola é um projecto educativo em marcha que, necessariamente, brota de uma convicção que, por sua vez, radica num determinado modelo de homem e de sociedade. A escola é uma concepção de vida em acção, em realização continuada e renovada pela incarnação de ideias, de saberes, de valores, de critérios, de atitudes, de comportamentos. Não há, portanto, educação e ensino alheios a preocupações de ordem filosófica, ideológica, política e religiosa.
Importância social da escola
É precisamente no momento em que a escola portuguesa acolhe todos os cidadãos que revela as maiores fragilidades em criar as condições para que todos e cada um deles possam desenvolver-se e atingir adequados níveis de sucesso escolar. A heterogeneidade social e as desigualdades que persistem na sociedade portuguesa estão hoje presentes na escola e esta manifesta evidentes dificuldades em atender a estas diferenças, criando oportunidades apropriadas de desenvolvimento integral para cada um e para todos. E não só manifesta estas dificuldades como se encontra demasiado isolada no cumprimento deste objectivo social e cultural do maior alcance. (…)
Condicionantes e problemas hodiernos da escola
É sobejamente conhecida a dificuldade e a complexidade de educar nos tempos que correm. A escola acaba por ser muitas vezes reflexo da sociedade e dos seus problemas e sofre por isso, em si mesma, as condicionantes, as influências, as debilidades e as oscilações políticas, ideológicas, económicas, tecnológicas e culturais da sociedade em que está inserida. Corre constantemente o perigo de produzir resultados contrários aos que se propõe, reproduzindo as estruturas e as mesmas características da sociedade, das quais ela própria deveria ser um factor de mudança. (…)
Pela própria duração do processo de escolarização, a escola corre o risco de ser vista por muitas crianças e jovens não como um instrumento de humanização, mas como um longo “túnel”, um constrangimento insuportável a que se encontram condenados antes de passarem à ”vida verdadeira”. (…)
O Estado tem sido, por vezes, em virtude das políticas dos diversos governantes, um obstáculo à melhoria da qualidade da escola portuguesa, e isto por vários motivos:
- as reformas educativas sustentam-se frequentemente em trabalhos técnicos de gabinetes que infundem no sistema, por imposição linear imediata, mudanças que substituem outras mudanças ainda não devidamente implementadas nem avaliadas. Assim se lança ou favorece o caos permanente e a insegurança nos profissionais docentes que trabalham nas escolas;
- as medidas são impostas, sem valorizar a diversidade de escolas e contextos e desprezando a liberdade de actuação dos professores, pais, autarquias e outros agentes locais, com projectos educativos próprios;
- não se respeita o princípio da subsidiariedade e tudo se determina do centro para a periferia, concedendo, a custo e de modo sempre tímido, alguma autonomia e liberdade de actuação às escolas, o que leva os profissionais docentes a desvalorizar e desacreditar a sua capacidade de acção e de melhoria da qualidade da educação;
- este quadro de desresponsabilização e até de descrédito acerca do trabalho dos docentes a todos penaliza e impede uma evolução positiva mais concertada.
Sendo o Estado parte do problema, ele terá de ser também parte da solução, pelo que se exige, neste campo, muito mais ousadia e inovação aos diversos grupos políticos, pois sucessivos governos têm sido incapazes de encontrar um modelo de actuação de um estado regulador, articulado com um sistema onde reine a liberdade, a autonomia e a responsabilidade dos professores e dos actores sociais que com eles cooperam.
A necessária liberdade de aprender e ensinar
Não é legítimo analisar a questão da educação e do ensino, designadamente ao nível básico e secundário, à luz das leis do mercado. A educação e o ensino não são mercadorias para se transaccionarem comercialmente, mas decorrem fundamentalmente de quadros antropológicos de referência e de sistemas de valores. Os seus custos não são custos de produção, mas de formação e crescimento de pessoas a integrar socialmente e que contribuirão com o seu saber, o seu saber fazer e o seu quadro de valores para o desenvolvimento da sociedade. É, portanto, à sociedade no seu conjunto que cabe o ónus da formação dos seus membros. Tal não quer dizer, todavia, que o interesse público em matéria de educação e ensino se confunda com ensino público estatal. (…)
O Estado não tem, porém, o direito de impor currículos exaustivos, programas ideologicamente direccionados e processos educativos exclusivos, contrários à legitima e necessária autonomia das diferentes comunidades e instituições educativas. O critério deve ser o da qualidade, quer dos projectos e processos educativos, quer de cada uma das escolas concretas, comprovada pelo seu agir quotidiano, e não de quaisquer imposições arbitrárias da administração educativa.
Um olhar de esperança no futuro
É com muita esperança que olhamos o futuro da escola e da educação em Portugal. Acreditamos que é possível e urgente credibilizar as instituições educativas escolares, dignificar e conceder mais autonomia e responsabilidade ao trabalho dos profissionais docentes, melhorar os resultados escolares e criar ambientes mais estimuladores de um trabalho contínuo, exigente e de permanente revelação humana de todos e de cada um dos alunos, envolver mais os vários actores sociais de cada comunidade no investimento de uma educação de qualidade para todos e ao longo de toda a vida e com a vida. (…)
É fundamental clarificar, também ao nível escolar, para onde vamos, com quem vamos e por que caminhos, onde e em quê ou quem radicamos as nossas convicções e ancoramos a nossa esperança, que ser humano queremos ajudar a formar. (…)
A todos aqueles que têm responsabilidades na estruturação, organização e regulamentação do sistema educativo português, apelamos a um profundo respeito pela autonomia das instituições escolares, em nome do princípio da subsidiariedade que deve reger as relações entre os vários intervenientes no processo educativo.
Fazemos um especial apelo aos pais para que não descurem nunca e a nenhum pretexto a educação dos seus filhos. Para isso, intervenham construtivamente na escola, participem nas reuniões para que são convocados, dialoguem com os professores e organizem-se em associações de pais que trabalham legalmente e de modo positivo com as escolas onde estudam os seus filhos.
A todos os que, nas diversas instituições educativas, culturais e religiosas, nas diversas associações políticas, nos vários meios de comunicação social assumem responsabilidades cívicas, exortamos a que contribuam para uma reflexão aprofundada sobre as finalidades, os objectivos, os caminhos e os meios da educação escolar no nosso País, não esquecendo a sua inserção em espaços culturais, políticos e económicos mais vastos.
A todos aqueles que estudam, trabalham ou estão, de algum modo, envolvidos nas estruturas e instituições educativas, ou delas beneficiam, queremos deixar uma palavra de incentivo e de esperança no futuro. Com vigilância, prudência, trabalho, amor e dedicação, todos podemos contribuir para que a escola cumpra, efectivamente, a missão a que está destinada – a formação integral e o desenvolvimento harmonioso das nossas crianças e jovens.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

À procura de soluções para um conflito na educação

No Público de hoje, dois artigos de opinião sobre o que se está a passar entre Ministério da Educação e professores: um, de José Manuel Fernandes, como editorial, intitulado “Tempo de olhar para outras formas de avaliar os professores”; outro, de José Miguel Júdice, sob o título “Adiar é preciso”. Apresento excertos dos dois.
1) José Manuel Fernandes: «Há várias formas de olhar para o tema da avaliação dos professores. Uma é limitar a discussão a uma dicotomia: o ministério quer avaliação, os professores não querem ser avaliados. É uma leitura errada, como todas as que descrevem a realidade apenas a preto a branco. Outra é tornear o problema da oposição dos professores a este sistema de avaliação, através do "método simplificado" aplicado o ano passado pela equipa de Maria de Lurdes Rodrigues aos professores, que, se não houvesse qualquer avaliação, seriam seriamente prejudicados, ou "simplificar o método" até ao limite absurdo de classificar todos por portaria, como decidiu fazer Alberto João Jardim. Outra ainda é regressar ao antigo sistema, em que verdadeiramente não existia uma avaliação que distinguisse os melhores. Ou, o que pode acabar por ser ainda pior, insistir num sistema que, apesar de todas as explicações do ministério, é burocrático, pesado e injusto, arriscando com isso a que aconteça ao sistema educativo o mesmo que aconteceu no sistema financeiro: todos estão a ver que vão esbarrar num muro, mas ninguém faz nada de sério para o evitar, caminho a que pode levar a actual teimosia. E, por fim, perceber que há muitos caminhos que levam a Roma, isto é, a um sistema de avaliação que melhore a qualidade do nosso sistema de ensino. (…)»
2) José Miguel Júdice: «(…) Dizem-me professores sensatos e equilibrados que o modelo de avaliação é um verdadeiro disparate. Não me admira. Tendo saído do Ministério da Educação, só podia ser assim. Mas a questão subsiste: a avaliação dos profissionais é essencial, nivelar bons e maus professores, os que trabalham e os que são absentistas, é um verdadeiro crime contra a igualdade de oportunidades, uma machadada no ensino público, no fundo algo que poderia ser inventado por um suposto lobby do ensino privado, pois este beneficia evidentemente deste estado de coisas. Perante isto, várias hipóteses podiam ser admissíveis: (i) o Governo continuava as avaliações, arrostava com os ataques e manifestações e tentava ganhar a guerra com o apoio da opinião pública; (ii) o Governo reconhecia que este modelo de avaliação era um disparate, substituía o secretário de Estado que o inventou e aplicava um modelo mais simples e aceitável; (iii) o Governo tentava que fosse escolhido um mediador de comum acordo com os poderosos sindicatos, ou, (iv) se estes recusassem a mediação, arriscava pedir a uma personalidade respeitável e credível que analisasse o modelo e propusesse o que se lhe oferecesse, comprometendo-se o Governo a aplicar a recomendação.
O Governo não escolheu nenhuma destas soluções. Nem sequer escolheu a solução da Madeira: todos os professores avaliados com a nota "bom" por portaria! Optou pela única que não fazia qualquer sentido (a da Madeira faz sentido... na Madeira), como de imediato - babando-se de evidente gozo - o líder sindical Mário Nogueira explicou, dizendo com arrogância: "Não estamos aqui para adiar problemas. Estamos aqui para resolver problemas." (...)
A opção do Governo é, no entanto, óbvia. (…) Com esta cambalhota mediática esperam que parte relevante dos professores desista de lutar contra a avaliação, por pensarem que não vale a pena maçarem-se tentando destruir o que provavelmente acabará por não servir para nada, por nunca entrar em vigor. O resultado é que o essencial (começar a avaliar os professores e a separar o trigo do joio) se perde, sacrificado no altar do adiamento das decisões, demonstrando-se mais uma vez que em Portugal quem não faz nada safa-se e quem quer mudar as coisas soçobra. Tenho pena da ministra, que seguramente está a engolir o que não gosta, sendo derrotada e nem saindo com grandeza. Mas ela só de si própria e da equipa que escolheu se pode queixar. (…)»

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Rostos (97)

Monumento a João de Deus, em Faro

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Minudências (32)

Pedir desculpa
«Peço desculpa aos senhores professores por ter provocado tanta desmotivação, mas é do interesse dos pais, dos alunos e das escolas. Espero que possam beneficiar desta disponibilidade dos professores para estarem mais tempo nas escolas», afirmou a ministra. A informação vem no Diário Digital.
E dou por mim a pensar que há pedidos de desculpa que não devem ser apresentados. É que as queixas que têm vindo a público não são por se estar mais tempo nas escolas com os alunos. O que está implícito neste discurso não é um “pedido de desculpas”; é uma tentativa de minimizar as razões dos professores. Gostaria de saber como é que a desmotivação – não a de que fala a senhora Ministra, mas a que se vive nas escolas – consegue ser um “interesse” nacional. Gostaria de saber se um cidadão que ouvisse dizer que um ministro não estava motivado mas era do “interesse do país” mantê-lo sentiria confiança nesse ministro. Há ironias que não ficam bem! Que continuam a não ficar bem!
Ninguém está a pedir intervalos maiores; ninguém está a pedir menos horas de aulas; ninguém está a pedir aumento de vencimento; ninguém está a pedir para não trabalhar! Ninguém! Assim, não tem a senhora Ministra de que pedir desculpa.

Intervalo (10) - Humor com "Magalhães"

Desconheço a autoria. Um amigo acabou de me enviar a fotografia, com a seguinte legenda: "Carro tipo Magalhães". E com a seguinte promoção: "O carro fabricado em Portugal, que pode ser utilizado dos 7 aos 77 anos. É uma verdadeira revolução tecnológica e de baixo custo (especialmente indicado para as grandes viagens, com pouco consumo)." Imaginação qb!

Minudências (31)

Ovos que não fazem omeletas
«Vaias e ovos arremessados por mais de 200 alunos esperavam ontem, no centro de Fafe, a ministra da Educação, que se viu obrigada a seguir destino, sem sair sequer da viatura oficial. Maria de Lurdes Rodrigues não pôde, assim, estar presente na sessão de entrega de diplomas do programa Novas Oportunidades para a qual fora convidada pelo presidente da câmara local, o socialista José Ribeiro. No meio da confusão, acabou por ser a viatura e o próprio autarca a serem atingidos pelos ovos lançados pelos manifestantes. (…)»
Não vi notícias ontem, apenas ouvi as que a rádio me facultou em viagem; li o Público de hoje. Não é admissível, não é aceitável, não é correcto. Por muito que se discutam as opções da Ministra da Educação ou por muito que se discorde delas, não é justo, não é educado, não é coerente que se chegue com um açafate (ou caixa ou seja lá o que for) de ovos (ou de tomate ou de qualquer outro produto) para atirar seja a quem for. A razão não precisa de iniquidades; o direito à indignação não se justifica com actos primitivos ou de falta de educação. Lamentável, absolutamente lamentável!

Joana Varela e a "Colóquio-Letras"

Se quer testemunhar sobre a Colóquio-Letras; se quer saber a importância com que Joana Varela tem contribuído para o sucesso da Colóquio-Letras; se quer ver a importância que leitores da revista dão a esta história que envolve a Colóquio-Letras, Joana Morais Varela e a Fundação Calouste Gulbenkian; se quer ser um(a) a solidarizar-se com a linha da revista e a tomar posição quanto ao que se está a passar... passe pelo blogue que foi criado para o efeito. É de acesso livre, é uma palavra de leitor(es), é um acto de cultura, é um ponto de encontro e de reunião.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

As palavras de Manuel Alegre na "OPS"

«(...) Confesso que me chocou profundamente a inflexibilidade da Ministra e o modo como se referiu à manifestação, por ela considerada como forma de intimidação ou chantagem, numa linguagem imprópria de um titular da pasta da educação e incompatível com uma cultura democrática.
Confesso ainda que, tendo nascido em 1936 e tendo passado a vida a lutar pela liberdade de expressão e contra o medo, estou farto de pulsões e tiques autoritários, assim como de aqueles que não têm dúvidas, nunca se enganam, e pensam que podem tudo contra todos.
O Governo redefiniu a reforma da educação como uma prioridade estratégica. Mas como reformar a educação, sem ou contra os professores? Em meu entender, não é possível passar do laxismo anterior a um excesso de burocracia conjugada com facilitismo. Governar para as estatísticas não é reformar. A falta da exigência da Escola Pública põe em causa a igualdade de oportunidades. Por outro lado, tudo se discute menos o essencial: os programas e os conteúdos do ensino. A Escola Pública e as Universidades têm de formar cidadãos e não apenas quadros para as necessidades empresariais. No momento em que começa a assistir-se no mundo a uma mudança de paradigma, esta é a questão essencial. É preciso apostar na qualificação como um recurso estratégico na economia do conhecimento, através da aquisição de níveis de preparação e competências alargados e diversificados. Não é possível avançar na democratização e na qualificação do sistema escolar se não se valorizar a Escola Pública, o enraizamento local de cada escola, a participação de todos os interessados na sua administração, a autonomia e responsabilidade de cada escola na aplicação do currículo nacional, a educação dos adultos, a autonomia das universidades e politécnicos.
Não aceito a tentativa de secundarizar e diminuir o papel do Estado no desenvolvimento educacional do nosso país. Sou a favor da gestão democrática das escolas, com participação dos professores, dos estudantes, dos pais, das autarquias. Defendo um forte financiamento público e um razoável valor de propinas, no ensino superior, acompanhado de apoio social correctivo sempre que necessário. E sou a favor do aumento da escolaridade obrigatória para doze anos. Devem ser criadas condições universais de acesso à escolaridade obrigatória, nomeadamente através de transporte público gratuito e fornecimento de alimentação. O abandono escolar precoce deve ser combatido nas suas causas sociais, culturais e materiais.
Não se pode reformar a educação tapando os ouvidos aos protestos e às críticas. É preciso saber ouvir e dialogar. É preciso perceber que, mesmo que se tenha uma parte da razão, não é possível ter a razão toda contra tudo e contra todos. Tal não é possível em Democracia.»
in OPS! - Revista de opinião socialista. Nº 2, Novembro.2008.

90 anos sobre o Armistício

No dia de hoje de há 90 anos, pelas 5h da manhã, em Compiègne, políticos e oficiais alemães entravam numa carruagem de comboio ali estacionada, tendo à sua espera delegados de países que estiveram envolvidos na Grande Guerra. Era o fim do prazo que fora dado à Alemanha para assinatura do documento que punha fim ao conflito. Neste mesmo dia, pelas 11h da manhã, a guerra tinha que acabar. Foi às 11h do dia 11 do mês 11, em 1918. Foi o Armistício.
Bem distantes dali, em Breesen, prisioneiros portugueses sentiam na pele as agruras e o sofrimento do desterro forçado, depois de uma participação na Guerra que nunca foi clara, mas que foi efectiva, apesar de, nos números internacionais, a participação portuguesa ficar frequentemente esquecida.
Foi por esta altura que o vianense Adelino Delduque (1889-1953), prisioneiro, tendo sabido do armistício pela imprensa, registou, depois de saber com os seus camaradas que a Alemanha tinha 30 dias para evacuação de todos os prisioneiros de guerra: “Loucos de alegria, víamos agora aberto diante de nós o caminho da Liberdade de que estávamos separados havia já oito meses e quase garantido o dia de Natal nas nossas casas. (…)” [em Notas do Cativeiro – Memórias dum Prisioneiro de Guerra na Alemanha. Lisboa: J. Rodrigues & Cª (depositário), 1919]

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Professores e Ministério da Educação: o que falta para que a mediação seja urgente?

No programa de opinião "Conselho Superior" que a Antena 1 emitiu hoje, foi a vez de José Miguel Júdice falar sobre a manifestação de professores e sobre o relacionamento entre o Ministério da Educação e os professores. Perante a evidência de que as duas partes estão a seguir posições cada vez mais extremas (na manifestação ficou a ideia de que a contestação é para continuar e o Primeiro-Ministro já advogou a inflexibilidade), Júdice defendeu a necessidade de se proceder a uma mediação entre os dois parceiros e, em resposta ao jornalista, indicou mesmo alguns nomes que poderiam ter esse papel de mediadores entre o Governo e representantes do docentes como Manuel Alegre, António Barreto ou Marcelo Rebelo de Sousa.
A necessidade de mediação anda evidente desde há muito e só por teimosia de qualquer das partes ela não acontece. Foi, de resto, já defendida em Março, ainda antes da primeira manifestação, que levou a Lisboa 100 mil professores. Recordo de, no debate televisivo "Prós e Contras" que antecedeu a manifestação, João Lobo Antunes defender a existência de mediadores, com o argumento: “há um desacordo e tem que ser negociado esse desacordo”.
Depois da manifestação, em 16 de Março, Daniel Sampaio escrevia no Público, apelando também à mediação: «Se tudo continuar como até aqui, todos dirão que não recuam, mas não haverá reformas na educação, o clima escolar sofrerá progressiva deterioração e os alunos (a quem ninguém pede opinião...) serão os mais prejudicados. Uma mediação bem conduzida mostrará alguns aspectos positivos desta equipa do ME: os cursos profissionais, o Plano Nacional de Leitura, o inglês no primeiro ciclo, a permanência por três anos dos professores nas escolas; e evidenciará a necessidade de outras formas de escuta e participação dos docentes no futuro da educação, afinal aquilo que falhou de forma tão clara.»
Não sei se, neste momento, os sindicatos são os parceiros ideais para a mesa da mediação. Mas recordo que a manifestação de Março teve organizadores que não foram os sindicatos, demonstrando-se mesmo que não era uma questão sindical aquela que fazia mover a contestação. Perante a onda cavalgada por ideologias (venham elas dos partidos ou dos sindicatos), talvez a mediação deva encontrar outras representações, mesmo porque já se viu a incompatibilidade negocial entre Ministério da Educação e sindicatos...
Difícil, difícil, porque insustentável, é este fazer-de-conta que tudo se resolve pela teimosia (para usar o disfemismo) ou pela inflexibilidade (para quem seja mais eufemístico), venham eles de onde vierem... Está-se à espera de quê para haver uma mediação?

domingo, 9 de novembro de 2008

Palmela - Quando o concelho foi restaurado

(publicação dedicada aos alunos que
me pediram informações sobre este assunto)
No primeiro dia de Novembro de 1928, quando passavam dois anos sobre a decisão de ser lavrado o decreto que criaria o concelho de Palmela, surgiu na vila o jornal O Palmelense, título sem periodicidade certa que foi publicado ao longo de vários anos, devido a duas figuras por demais conhecidas na vida política e social de Palmela: Joaquim José de Carvalho, nome que preencheu o lugar de director, editor e proprietário e que era ao tempo o Presidente da Câmara Municipal de Palmela, e o Padre Moisés da Silva, anunciado como redactor principal, pároco local entre 1926 e 1933.
Ambos os nomes estavam ligados à restauração do concelho de Palmela, que tinha acontecido dois anos antes, e o aparecimento do jornal exactamente na data em que passava esse segundo aniversário não pode ser visto sem a vontade de afirmação existente na elite política de Palmela da época. Aliás, o texto que abre a primeira página do jornal é sintomático, enaltecendo e agradecendo publicamente aos homens que, dentro do poder, possibilitaram a restauração do concelho: "Palmela, terra gloriosa de tradições, que há 300 anos antes de Cristo foi fundada pelo pretor Alio Cornélio Palma, veste hoje as suas melhores galas: comemora o 2º aniversário da restauração concelhia. Deve-se ao sr. contra-almirante Jaime Afreixo, antigo Ministro da Marinha, pela sugestão do sr. general Amílcar Mota, também antigo Ministro da Guerra, figura notável do Exército Português, a restauração do concelho. Ao grande marinheiro e ao brioso militar Jaime Afreixo e Amílcar Mota apresenta o PALMELENSE, em nome do seu povo, os protestos da sua inquebrantável amizade e inolvidável gratidão". Os nomes de Jaime Afreixo e de Amílcar Mota constavam já na toponímia palmelense, localizando-se a sede do jornal na rua com o nome desta última personagem.
À maneira de editorial, surgia ainda na mesma primeira página um texto intitulado "A Que Vimos", cujo primeiro parágrafo se revela esclarecedor quanto aos propósitos do jornal: "Nesta hora de efervescência municipalista e de intensificação de progresso que se nota por todo o País, não podíamos nós deixar a fidalga vila de Palmela, que hoje goza a honrosa condição de povo livre e que procura em bases sólidas e sãos príncipios efectivar o seu ressentimento, desprovida desse agente propulsor do progresso que é a imprensa". Notórias são as marcas da festa pelo facto de Palmela ter voltado a ser concelho, da necessidade de colocar a vila ao nível do progresso, da noção de liberdade alcançada através da restauração concelhia e do papel que se sabia ter a comunicação social na afirmação dos problemas e das necessidades locais.
um concelho que deixou de o ser
Palmela, com foral desde 1185 atribuído por D.Afonso Henriques, constitui um dos mais antigos concelhos do sul do país e, mercê de circunstâncias várias, acabou por estar na origem da criação de variados concelhos das redondezas, entre os quais o de Setúbal que, em 1343, se estendeu para fora da vila através da atribuição que lhe foi feita de terrenos pertencentes a Alcácer e a Palmela.
Ao longo do século XIX, os municípios portugueses foram alvo de diversas reformas, tal como pode ser visto por alguns números: em 1774, havia 886 concelhos; em 1801, o número descia para 841; em 1878, eram 266. Na reforma havida em Outubro de 1855, vários municípios do então distrito de Lisboa (que abrangia grande parte do que é hoje o distrito de Setúbal), entre os quais os de Palmela e de Azeitão, foram extintos, tendo ambos passado a pertencer ao concelho de Setúbal.
O pedido da extinção do concelho de Palmela já andava a ser feito desde o início da década anterior. No primeiro trimestre de 1842, um grupo de setubalenses propôs às Cortes o fim do município de Palmela, devendo o seu território passar para o concelho de Setúbal. Tal pretensão mereceu resposta de Palmela, datada de Abril de 1843 e com 130 subscritores, dirigida aos "Senhores Deputados da Nação Portuguesa", que era iniciada com um lamento: "A Câmara Municipal e os habitantes de Palmela, vêm queixar-se da injusta e ainda mais ingrata perseguição que lhes fazem alguns moradores do concelho de Setúbal, pretendendo estes que o concelho de Palmela seja inteiramente suprimido".
O processo das pressões a partir de Setúbal para o fim do concelho de Palmela continuaram. Em final de Janeiro de 1855, uma exposição da Câmara palmelense dirigida aos Deputados dizia: "A Câmara Municipal e os povos de Palmela estão ameaçados e gemendo debaixo de um peso enorme das cruéis vinganças de alguns orgulhosos e ambiciosos de Setúbal, que a todo o custo pretendem a total ruína e inteira desgraça dos povos de Palmela pela anexação de ambos os concelhos". Depois, era o rol das acusações sobre os setubalenses: eles não queriam pagar décimas pelos bens que tinham em Palmela, não queriam respeitar as posturas municipais quanto a coimas a pagar, possuíam nos terrenos de Palmela enxames que davam cabo das uvas, etc.
um concelho que o quer voltar a ser
A partir do momento em que Palmela perdeu a sua autonomia concelhia, um longo processo de insistência começou por parte dos palmelenses, iniciado logo em Março de 1856 através de exposição às Cortes, onde era referido "o desprezo e abandono que a Câmara de Setúbal tem desgraçadamente votado" ao povo de Palmela, "já em três meses de cativeiro e premeditada opressão".
As várias insistências por parte de Palmela para reaver o seu estatuto de concelho surgem documentadas na obra Monografia de Palmela - Extinção e Restauração do Concelho, de António Matos Fortuna, datada de 1995, um processo que o autor considera em subtítulo do seu trabalho "um combate singularmente duro".
Ao longo dos tempos que se seguiram, várias alterações ao quadro dos municípios existiram, sem que Palmela tivesse sido contemplada. Só em 1914, através do deputado Joaquim Brandão (que também tem o nome registado na toponímia da vila), um projecto de lei foi apresentado no sentido de ser restaurado o concelho, aí se argumentando que a sua autonomia e progresso não seriam afectados, porquanto havia todos os "elementos de vida independente". Apesar de este projecto ter tido os pareceres favoráveis das várias comissões envolvidas na criação concelhia, certo foi que a restauração do concelho saiu mais uma vez embargada.
o concelho, de novo
No verão de 1921, um referendo realizado entre os eleitores de Palmela por voto secreto deu a unanimidade quanto à vontade na criação do concelho. Uma comissão integrada, entre outros, por Joaquim José de Carvalho e pelo padre Moisés da Silva teve, em 1926, papel importante nos contactos havidos com Amílcar Mota e Jaime Afreixo para a restauração municipal, de tal forma que, no primeiro de Novembro desse ano, era dada ordem para a redacção do decreto que reporia Palmela como cabeça de concelho (constituído pelas freguesias de Palmela e de Marateca), data que chegou a assinalar o feriado local. Só uma semana depois, em 8 de Novembro, esse decreto, com o nº 12615, foi publicado. Ao fim de 71 anos, Palmela voltava a ser concelho, uma situação só possível por uma conjuntura que foi sendo alterada ao longo do tempo devido a factores como "o aumento populacional, o vinho e a tradição" que surgiram, "durante as duas primeiras décadas do século XX, como fortes atributos de poder na luta pela restauração do concelho", como em 1998 notaram Ernesto e Odília Castro Leal em ensaio publicado na obra Da Supressão à Restauração do Concelho de Palmela - Conjunturas e Símbolos (1855-1926).
A restauração do concelho de Palmela não colheu opiniões agradáveis entre os políticos de Setúbal nem na imprensa local. Na edição de 6 de Novembro de 1926 d'O Setubalense, o editorial comentava: "Setúbal não protesta, Setúbal nunca protestou contra o concelho de Palmela. Achamos aos palmelenses toda a razão para quererem a sua autonomia - uma autonomia de que muito se arrependerão, porques lhes custará os olhos da cara. O que Setúbal apenas quer é que lhe seja dada uma compensação pelo facto de assim lhe ser roubada uma grande parte da sua área territorial".
O que estava em causa era a possibilidade de Setúbal vir a ser distrito, situação que ganhava adeptos. Em 4 de Novembro, uma comissão de setubalenses partira para Lisboa a fim de estabelecer contactos para a criação do distrito de Setúbal, tendo-lhe o então Governador Civil de Lisboa, João Luís de Moura, dado a entender que haveria condições favoráveis porque o distrito de Lisboa era muito grande.
João Reis Ribeiro, in Histórias e cantinhos da região de Palmela.
Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002, pp. 94-98