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sábado, 22 de dezembro de 2018

Bruno Elias - Fotos da biografia de um rio, o Sado



Abre-se o livro, em formato álbum, e lê-se a explicação do autor: “Este trabalho surgiu de uma memória de infância”. Logo a seguir, insiste-se nesse período de vida: “com 6 ou 7 anos é-se capaz do deslumbramento nas pequenas descobertas”. Pelo meio dos três parágrafos (o livro não tem mais escrita do que esta), percebe-se que Rio de Moinhos, na margem do Sado, foi o paraíso infantil, a terra das “férias de Verão”, e que a vida se encarregou de mostrar que o que era ali um pequeno rio se tornava em Setúbal na baía que é. Está-se perante Sado (Setúbal: Visor / Krrastzepy Verlag, 2018), obra surgida nas livrarias no início deste Dezembro.
Depois, são 45 fotografias do trajecto do Sado, desde Ourique (onde nasce) até Setúbal (onde mergulha no oceano), a preto e branco, falando por si, mostrando, acompanhadas de uma legenda objectiva e lacónica que refere apenas o sítio e as coordenadas geográficas. No final do conjunto, há um mapa com o itinerário do rio, que refere também os poisos que permitiram ver, contemplar e fotografar o Sado.
Faça-se então o roteiro: Ourique (onde o percurso inicia, com a latitude norte de 37°37’43.0’’ e com a longitude oeste 8°14’13.9’’), Albufeira e Barragem do Monte da Rocha, São Romão de Panóias, Alvalade do Sado, Azinheira dos Barros, Santa Margarida do Sado, Monte da Quinta de Cima, Rio de Moinhos do Sado, São Romão do Sado, Casa Branca, Vale de Guizo, Alcácer do Sal, Carrasqueira, Setúbal (zona industrial, Parque Urbano de Albarquel e Outão, onde a latitude é de 38°29’15.8’’N e a longitude se cifra em 8°56’11.7’’W).
Quando o rio começa, manifesta-se na sua quase insignificância, um pouco na procura de destino, cabendo depois às fotografias mostrar o encorpar que vai construindo a identidade do Sado, harmonizando-se e construindo a Natureza, por vezes artificialmente domado, por momentos selvagem e revolto, em alguns pontos idílico e remansoso. Em Santa Margarida do Sado, parece rir-se da obra inacabada com os pegões de betão que suportariam a estrada; em Rio de Moinhos, parece segurar a tosca passagem de madeira que o atravessa; em Alcácer, espelha a cidade e alimenta o arrozal; em Setúbal, molda a paisagem urbana; frente ao Outão, o Sado despede-se.
A fotografia que Bruno Elias nos apresenta a preto e branco permite-nos colorir a paisagem, sabendo-se que o rio vai matizando o seu trajecto, ao mesmo tempo que vai adquirindo aquelas cores com que os seus admiradores o firmaram - ora o rio dourado que o padre Jerónimo Botelho requeria por 1758 ao dizer “não sei que de suas areias se tirasse ouro, mas não duvido que o tenham, se algum poeta quiser dar às águas do Sado o epíteto de douradas, aprovarei, porque, em muitos lugares, resplandecem como ouro”, ora o rio azul que o poeta e médico transmontano Cabral Adão trouxe para os versos no início da década de 1950.
Um Sado a revelar-se lentamente em cada fragmento da sua biografia e a desafiar o olhar que o contempla é o que a lente de Bruno Elias nos propõe.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Sado mostrado e contado por Rui Canas Gaspar



Rui Canas Gaspar leva já uma dezena de títulos publicados sobre a história local de Setúbal, tendo o mais recente sido publicado há dias sob o título curto, mas nada lacónico, Sado (Setúbal: ed. Autor, 2017), obra que conta histórias ligadas ao rio que em Setúbal bordeja a Arrábida e se encontra com o Atlântico.
Se um rio não tem outra história que não aquela que a Natureza lhe dá e permite, é em torno do rio que se constrói um universo de histórias ligadas às gentes e às vidas. Desde a serra da Vigia (em Ourique) até Setúbal, o Sado corre de sul para norte num percurso de 180 quilómetros. E é a partir da nascente que as duas centenas de páginas deste livro vão acompanhar um caudal forte e interessante de narrativas, umas fazendo já parte da investigação histórica, outras resultantes de visitas, conversas e contactos, muitas vezes enriquecidas com a cor etnográfica ou regional.
À medida que vamos lendo os textos, temos a noção de que eles foram construídos ao ritmo do apontamento ou da crónica, abordando temáticas e histórias que têm o rio como denominador comum. No livro, essa unidade é sublinhada pelo facto de a narração ser atribuída a um “eu” que é a personificação do próprio rio e vai conduzindo uma história maior em que o narrador se assume também como a personagem principal à sombra da qual tudo vai acontecendo.
Os quadros que vão passando pela biografia (chamemos-lhe assim) do rio cruzam-se no espaço e no tempo - se o espaço é o da sua corrente, o do tempo parte dos fenícios, dos romanos e dos mouros para chegar até ao século XXI, à nossa contemporaneidade. Passeia o leitor pelo Alentejo (ou não viesse o rio desde Ourique e não passasse em Alcácer do Sal), pelos planos de obras públicas que ao Sado estiveram ligados (o célebre canal a ligá-lo ao Tejo, que nunca foi construído, mas foi planeado; o sistema de irrigação e as barragens), pela vida selvagem que lhe está ligada, pelas produções que dele resultam (o arroz, o sal, a pesca, a ostreicultura), pela etnografia (portos palafíticos, construções típicas), pelo turismo (Tróia), pelos moinhos de maré, pela agricultura (herdades de Gâmbia e do Zambujal), até chegar ao Atlântico, pretexto para se mergulhar em Setúbal e em realizações recentes ligadas ao Sado, como o monumento aos golfinhos recentemente inaugurado ou o facto de o rio ter levado Setúbal a membro do Clube das Mais Belas Baías do Mundo.
Por este caminho de histórias, há momentos em que se enaltecem personalidades que tiveram algo a ver com aquilo que é a identidade do Sado, como João Barbas (que recuperou galeões e os pôs ao serviço do lazer e da pedagogia) ou José Viriato Soromenho Ramos (que foi o obreiro da chegada de Setúbal ao Clube das Mais Belas Baías); há momentos em que se revelam pormenores como aquela que terá sido a primeira homenagem ao planetário Mourinho (caso do galeão “Zé Mário”, que deve o nome à criança nascida em 1963, por iniciativa do pai, Félix Mourinho, membro da sociedade que nessa altura adquiriu a embarcação) ou a iniciativa da Câmara de Alcácer de recuperar o “Amendoeira”, um barco naufragado; há momentos em que é evidenciada a experiência do autor (como, logo no início, no relato da chegada ao ponto onde nasce o rio, pelas conversas com os locais); há momentos em que as crónicas adquirem alguma cor local, quase em jeito de reportagem (como o cacarejar das galinhas ou o miar da gataria testemunhados na visita à D. Manuela, na Gâmbia); há momentos em que surge evidente o apelo à preservação do ambiente (seja quando se fala dos mariscadores, seja quando é feita referência aos cuidados a ter com os golfinhos).
Curiosamente, o livro inicia-se e conclui-se com poesia em que o Sado é protagonista ou motivação: na abertura, é o soneto de Bocage que rompe com o verso “Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado”; a fechar, é o poema que suporta a canção “Rio Azul”, da autoria de Laureano Rocha e Mário Regalado. Se estas marcas validam a faceta poética do rio e das emoções que lhe estão associadas, bem poderia ter sido trazido também o poema do médico transmontano Cabral Adão que definitivamente baptizou o Sado como o rio “azul”... e, já agora, por referências culturais às margens do Sado, também poderiam ser lembrados os nomes de duas crianças que cresceram a ver o rio e muito viriam a destacar-se na cultura portuguesa - Bernardim Ribeiro, no Torrão, e Pedro Nunes, em Alcácer do Sal.
Esta obra de Rui Canas Gaspar lê-se de um fôlego, sempre na procura de elementos novos ou de confirmação de histórias. Dotado de uma escrita acessível, o seu estilo corre facilmente por estar próximo dos contadores de histórias, muito mais preocupado com a passagem de testemunhos a propósito do rio e das vidas que lhe estão ligadas do que com a caução do documento histórico ou das fontes. Uma forma fácil de chamar a atenção para a necessidade que todos temos de reparar no rio e no que ele nos faz!

sábado, 13 de agosto de 2011

Rostos (157)

D. Dinis, em Ourique