terça-feira, 31 de março de 2009

Entre o mistério e o voo, segundo Ondjaki

1. “O que é mistério para os tantos demais, traduz-se, intimamente, num conhecido labirinto para quem detém as recordações. É uma das leis da vida e do sonho.”
2. “Ao pé das nuvens pinga mais cedo, é verdade, e o silêncio do céu é coisa inatingível para os não voadores – nós nunca experimentaremos.”
Ondjaki. O Assobiador. (1ª ed.: 2002)

A propósito da língua portuguesa na net...

Mais Twitter, menos Camões
«(…) Soube-se na semana passada que os britânicos estão a estudar uma reforma do ensino primário que acentua o foco na aprendizagem das novas tecnologias, em particular das redes sociais da Internet, em detrimento dos velhos saberes convencionais. (…) Se me permitirem transferir livremente esta ideia para o universo português, poderíamos dizer por exemplo mais Wikipédia, menos Luís de Camões. É uma ideia potencialmente chocante. Perdida há muito a esperança de ver os jovens aprender a contar as sílabas dos versos alexandrinos - desde o meu tempo e isso foi muito antes de haver Internet -, não parece que o futuro vá passar pela conversão das 12 sílabas dos versos alexandrinos nos 140 caracteres que as mensagens no Twitter não podem ultrapassar.
A ideia dos britânicos faz todo o sentido. E devia fazer pensar este nosso Governo português que só no século XXI descobriu a importância estratégica da tecnologia. Não é mau darmos tecnologia às pessoas, no limite mesmo se implique o folclore deprimente do "computador português", herdeiro moderno do artista português dos antigos anúncios da pasta medicinal Couto (palavras para quê?). O que os trabalhistas britânicos nos estão a dizer é que dar tecnologia não basta, é preciso dar ferramentas às pessoas que lhes permitam usar a tecnologia.
É escusado ter dúvidas. A Internet não é a primeira revolução mediática da história. O livro, o jornal, a rádio e a televisão, todos eles, desde o século XV até aos nossos dias, mudaram a nossa forma de comunicar, interferiram no modo como nos organizamos e afectaram a nossa relação com a política. Mas esta revolução é um bocadinho mais acelerada do que as anteriores. Hoje em dia, todos os dias são ontem.
Então, nada melhor do que começar a partir da escola a familiarizar os miúdos com o ambiente em que vão crescer, socializar-se, arranjar emprego, informar-se e aprender.
Mas não deixou de fazer sentido continuarmos a querer saber de Luís de Camões. A Internet é uma extraordinária ferramenta de conhecimento, mesmo se no universo da Web 2.0 a vertente comunicacional esteja francamente inflacionada. Mas não deixou por isso de ser um enorme armazém de conhecimento e de informação. Com riscos, mas enorme. E com vantagens únicas. E não é por causa dos 140 caracteres do Twitter que o ensino deixou de ser eficaz a explicar-nos a importância das 12 sílabas dos versos alexandrinos.
Um ponto de partida para ligar as duas coisas era perguntar porque não nos indignamos todos os dias com a escassez de conteúdos em português na Wikipédia e na Internet de um modo geral. Uma política da língua e uma política de cultura sérias implicam um investimento estratégico na qualidade e na quantidade desses conteúdos. Dão-se máquinas aos estudantes para acederem à Net, mas não nos preocupamos em produzir para a Web informação relevante para esses alunos. Porque é que tem que ser mais fácil encontrar online dados sobre a história da América do que sobre a história de Portugal? Porque é que a informação na Internet se tornou um assunto dos brasileiros em que os utentes europeus do português são marginais? Ressalvadas as devidas proporções de uns e de outro, a experiência do dia-a-dia mostra claramente as limitações da nossa produção de conteúdos. É só precisar de fazer uma pesquisa para perceber a diferença. Nestes tempos em que se volta a falar da cultura como arma económica contra a crise, passar o paradigma da nossa estratégia para a Internet das máquinas para os conteúdos era uma boa descoberta. Valia um Magalhães.»
Miguel Gaspar. "Mais twitter, menos Camões". Público: 31.03.2009.

domingo, 29 de março de 2009

Há 200 anos, no "desastre das barcas", Luísa Todi poderia ter sido uma das vítimas

Passam hoje 200 anos sobre o desastre da “Ponte das Barcas” havido no rio Douro, no Porto. A ponte, assente sobre barcaças, fora inaugurada três anos antes. Em 29 de Março de 1809, pareceu ser a salvação de muitos portuenses para passarem para o outro lado, em fuga, quando as tropas de Soult, na segunda invasão francesa, atacavam a cidade. Milhares de vítimas terão perecido.
Na confusão instalada, estava a setubalense Luísa Todi, então a viver no Porto. Ao biografá-la, em 1872, Ribeiro Guimarães evoca o episódio passado com a cantora: “Dirigiu-se à praia para embarcar. Levava consigo um saco com dinheiro e no acto de entrar para o barco, atrapalhada com o saco, escorregou e caiu ao rio. A criada teve a feliz lembrança de imediatamente lhe atirar um remo, a que se agarrou, e assim escapou à morte, perdendo todavia o saco com o dinheiro. Quando iam fugindo, uma bala francesa feriu a filha Maria Clara num joelho. Ela, sua filha e muitas outras pessoas acolheram-se ao lazareto, onde se viam desprovidas de todos os recursos, e a filha da nossa cantora sem nenhum tratamento. Era necessário alguém ir pedir ao general francês, ou a alguma autoridade, socorros e facultativo. Foi a própria Todi, que falava perfeitamente a língua francesa, quem se dirigiu ao general, que a tratou com extrema afabilidade e logo mandou um facultativo e socorros para o lazareto.”, conforme citação por Victor Eleutério, em Luiza Todi – A voz que vem de longe (Lisboa: Montepio Geral, 2003). Luísa Todi viveria ainda por mais 24 anos, até 1833, data em que faleceu com 80 anos.
O acontecimento de há duzentos anos está perpetuado em bronze, nas “Alminhas da Ponte”, na Ribeira do Porto, em obra de Teixeira Lopes, datada de 1897.

Em Setúbal, a "sensibilização" contra o caos que foi criado no trânsito da "baixa"

«Acção de sensibilização em Setúbal sobre estacionamento na Avenida Luísa Todi - A PSP, em concordância com a Câmara Municipal de Setúbal, realiza, entre segunda e quarta-feira, na Avenida Luísa Todi, uma acção de sensibilização de ordenamento do estacionamento. A medida, que incidirá no troço compreendido entre o Quartel do 11 e o Governo Civil da faixa Norte, pretende advertir os automobilistas para a impossibilidade de estacionarem as viaturas em zonas proibidas e em segunda e terceira filas. O parqueamento inapropriado causa sérios transtornos na fluidez de trânsito na Avenida Luísa Todi, além de impedir que veículos prioritários possam cumprir os seus objectivos.Acções similares serão promovidas, posteriormente, noutros troços da Avenida Luísa Todi.»
A notícia diz apenas isto e consta na edição online Rostos. A atitude de "sensibilização" merecerá comentários aos utilizadores da "baixa" de Setúbal, que, confesso, só sou em escala de absoluta necessidade.
A Avenida Luísa Todi foi sujeita às obras do projecto Polis. O número dos lugares de estacionamento na parte que serve a zona mais comercial da "baixa" de Setúbal, justamente aquela que vai ser alvo da "sensibilização", foi reduzido e aquilo a que se tem assistido tem sido um verdadeiro caos: as três faixas de rodagem em cada sentido estão reduzidas a uma, porque o estacionamento tem acontecido em duas delas a esmo. Com o novo desenho da circulação e do não estacionamento, a Avenida quase ganha a configuração de passagem e não de chegada ou de estar, o que afasta as pessoas da frequência da "baixa", com todas as implicações que isso possa ter. Acresce o período de obras, mais o número de ruas que foram fechadas ao trânsito automóvel, mais...
É claro que existirá sempre a ideia de não levar o carro para ali. É verdade... mas a ideia era essa? Com que alternativas?
É que... sensibilização existirá, sensibilidade também, mas, na prática, os utilizadores da "baixa", do mercado e dos serviços por ali existentes vêem apenas reduzida a sua possibilidade de mobilidade e de transporte.
Por mim, prefiro não ter que me deslocar para aquela zona. A não ser que seja necessário, mesmo necessário, quase indispensável.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Porque o dia 2 de Abril está a chegar... e porque há um abeto que é um monumento

NA AVENIDA LUÍSA TODI
UM MONUMENTO À IGNORÂNCIA?
Está a chegar mais um 2 de Abril. Se a muitas outras pessoas não admito o direito de o ignorar, muito menos a mim. Dia de Andersen. Dia Internacional do Livro Infantil. A Árvore de Andersen em Setúbal. O seu actualíssimo simbolismo. Não posso ficar indiferente. É o mínimo. O resto é fazer o melhor que ainda puder pela memória setubalense de Andersen e pela divulgação dos melhores livros para as nossas crianças.
Antes de começar a escrever estas linhas fui mais uma vez até à Avenida Luísa Todi, em amena tarde de domingo. Em obras ainda o coreto, um monumento. Património. Ao lado, o abeto que homenageia Hans Christian Andersen, igualmente ou ainda mais, um monumento. Património. Entre o abeto e a rua, um pequeno edifício, com muito bom design. Um novo monumento? E porque não? Só porque a finalidade não é ser utilizado por bandas de música, razão de haver coreto, por pouco utilizado que seja actualmente? É que acho muito bem o design do pequeno edifício. Parabéns ao projectista. O que não consigo compreender é como foi possível fazer do abeto dedicado a Andersen como que um anexo do que parece que será um quiosque-bar. Alguém pode acreditar que um projectista que revela tão bom gosto, implantaria ali e assim o pequeno edifício se tivesse olhado para aquele abeto com olhos de ver e se inteirasse do seu simbolismo? Por mim, não consigo acreditar.
Quando me vieram dizer que estava ali implantado aquele pequeno edifício, não quis acreditar. Devia ser algo de provisório relacionado com o andamento das obras. Tive que ir ver. Senti revolta. Maior, porém, foi o sentimento de vergonha. A revolta pode dar grito. Quem sente vergonha, por regra esconde-se ou pelo menos fica calado. Fiquei. Até que fui interpelado e como se fosse sobretudo a mim que competia gritar o “não pode ser”. O meu maior receio era que o abeto chegasse a desaparecer, ele que já passou por vários acidentes. Deixaram marcas que não sei se e como podem ser reparadas. Felizmente lá está à espera do nosso respeito.
Julgo que sou a pessoa menos indicada para abrir a boca. Até parece que… Um pouco de bom senso dá para compreender. O abeto foi oferecido pelas Autoridades Dinamarquesas a Setúbal e sua Câmara Municipal, não a mim, por mais que tudo tenha partido duma iniciativa minha e não seja preciso esconder que não foi fácil levá-la por diante para que tudo acabasse por acontecer em 28 de Outubro de 1998, com o respeito, brilho e significado que se recorda. Se estou quebrando o silêncio é para evitar confusões. A vergonha é do que vejo, não do que penso.
Insisto em que só vejo a ignorância como desculpa para o que a mim me parece (bem sei que também a outras pessoas) uma manifesta falta de respeito pela memória setubalense de Andersen. Não posso considerar como desprezo ou acinte (é perguntar: a quem?) a implantação daquele pequeno edifício no local em que está. A ignorância terá de ser a justificação, como o é para muito do que tem acontecido. Tanto poder que a ignorância tem e tem tido! No dia em que se comemoraram no Salão Nobre os 150 anos do nascimento de João Vaz ouvi o Professor Doutor Fernando António Baptista Pereira comparar o que aconteceu em Setúbal com o Teatro D. Amélia com o que acontece em Évora com o teatro da mesma época. Ainda hoje lá está, é património da cidade e continua a ser utilizado. Podia ter-se construído o Cine-Teatro Luiza Todi noutro espaço, comentou com a sua autoridade Baptista Pereira.
Se a ignorância tem tanto poder, por que não dedicar-lhe um monumento? Ao poder da ignorância! Faz ou não sentido perguntar se se justifica que o pequeno edifício da Avenida Luísa Todi, implantado ali à sombra de A Árvore de Andersen em Setúbal, seja considerado um bonito monumento à ignorância? Posso perguntar publicamente, sem me admitir entrar em guerras inúteis e sem querer ofender ninguém?
Manuel Medeiros
[Fotos: abeto em memória de Andersen e respectiva lápide evocativa, na Avenida Luísa Todi, em Setúbal]

Em trânsito

Anteontem, pelas três da tarde, fiz o percurso entre Santana (Sesimbra) e o Fogueteiro, itinerário de muito movimento rodoviário, com particular destaque para pesados. Fiz o percurso sempre atrás de um camião e fui assistindo às tropelias de um dado tipo de condução.
Por exemplo, a certa altura, pouco depois da Cotovia, o trânsito rodava lento. O condutor do camião buzina várias vezes, com decibéis que tornavam o seu som bem grave. Umas centenas de metros à frente, o camião mete-se, enfim, a ultrapassar o obstáculo. Era um daqueles veículos lentos que não exige carta de condução e que tem velocidade reduzida. A meio da ultrapassagem, o camião começa a encostar para a direita e o veículo lento não tem outro remédio senão rolar para a berma, de terra batida, quase atarantado, no meio de poeirenta nuvem. E o camião lá segue a sua rota, sem que, no momento, houvesse trânsito em sentido contrário.
Mais à frente, além de, ocasionalmente, algumas linhas irregulares na rodagem, com oscilações ora para o centro da via ora para a berma, o homem apitava, não sei se alegremente, se para cumprimentar quem passava, se para mandar desviar quem lhe fosse à frente. Eram buzinadelas em forma de sirene de bombeiros, mas mais graves, a condizerem com o tamanho do veículo, talvez. Mais espectacular som surgiu ao passar por baixo da auto-estrada, no nó do Fogueteiro, com o eco a responder-lhe com redobrada gravidade. E se quem seguia atrás do pesado bólide ouvia nitidamente tais manifestações de contentamento, imagine-se quem estivesse na sua frente...
Depois, sem sinalização, virou para a auto-estrada. Presumo que se terá posto na faixa da esquerda com a buzina a roncar e prego a fundo. Ou talvez não. Se calhar, foi pela direita, a mandar que o pessoal se desviasse para a esquerda para ele passar… Ironias, claro!
Neste percurso, preocupei-me em não ultrapassar o artista. Precaução minha, é evidente. Apesar de acreditar que não há ninguém que não tenha cometido erros de condução na vida. Mas, perante certas alarvidades… fica-nos sempre o desejo de que ali, naquela hora, um agente da autoridade devia surpreender o artista. Por ele, claro; mas sobretudo pelos outros, que têm o direito de não se sentir inseguros.

quarta-feira, 25 de março de 2009

segunda-feira, 23 de março de 2009

Sobre candidatos (seja ao que for)

O Alvaranense. Alvarães: nº 334, Fevereiro.2009.
Segundo José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a palavra "candidato" está registada em português pelo menos desde o séc. XVII, tempo em que Luís Mendes de Vasconcelos a inseriu na sua Arte Militar (1612).

"Desisto", de Philippe Claudel

Desisto, de Philippe Claudel (Alfragide: Edições ASA, 2009), é uma narrativa curta, na primeira pessoa, de um técnico cujo trabalho é, num hospital, o anúncio às famílias da morte dos seus próximos, seguido do convencimento para que seja autorizada a doação de órgãos.
A história desenrola-se enquanto à sua frente está uma mulher que acaba de ser informada da morte de um parente. É um frente a frente de desvantagens, numa reflexão sobre a vida e a morte, sobre as vidas, sobre o ser humano hoje. O técnico regista a história e as reflexões para uma filha de cerca de dois anos, também já órfã de mãe. E a mistura dos dramas acaba por acontecer, assim como a revolta, que vai aumentando.
O que fica
1. “Hoje em dia, toda a gente evita chamar as coisas pelos nomes: um cego é um invisual, um animador de televisão um artista, os mortos em breve serão não-vivos.”
2. “Hoje em dia, as pessoas param para fruir do infortúnio dos outros, da visão dos cães gemendo nos derradeiros espasmos, dos corpos esfacelados entre as chapas das viaturas, mas prosseguem o seu caminho quando lhes dirigem súplicas. Não ouvem quando lhes gritam que parem e prestem auxílio.”
3. “Já não sabemos onde arrumar as guerras. Faltam-nos gavetas. A nossa memória é um abismo onde se acumulam muitos cadáveres. Transborda de corpos sem vida. Consumimo-los em genocídios inteiros à medida que os jornais no-los trazem, e depois misturamo-los, branqueamos tudo, amalgamamo-los, o que é bem mais eficaz do que a cal viva.”
4. “Nunca pensamos nos vivos com a intensidade que merecem e que só a morte consegue despontar dentro de nós. Não olhamos para os vivos.”
5. “Todos nós transportamos cruzes modernas, suportamos o insuportável num corpo destinado ao comércio, num corpo que já não nos pertence. Tudo o que não marca não existe. Os jovens empenham o cérebro e a alma num pequeno crocodilo verde, em três faixas pretas, numa vírgula horizontal: fora disso, não existem. Lacoste, Adidas e Nike tornaram-se a trindade de uma religião oca, cada dia mais cheia de santos e que condena os homens a mascarar-se de hambúrguer para ganhar a vida. Ganhar a vida, mas que vida?”
6. “Toda a gente tem a sua ética, todas as profissões, e mesmo as piores, sobretudo as piores. A moral morreu mas inventaram uma nova alma, a ética, mais volátil, evanescente, mais moderna e majestosa.”

domingo, 22 de março de 2009

À volta de poemas, na noite de ontem

A noite de ontem na Culsete, em Setúbal, foi de partilha de poesia, iniciativa levada a cabo pela livraria e pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal para celebrar o Dia Mundial da Poesia. “E porque não há um Dia Mundial do Romance?”, perguntava Hélder Moura Pereira. “E porque não do Ensaio?”, acrescentava Fernando Gandra. Mas era o Dia da Poesia ou das poesias e era por isso que as pessoas ali estavam.
Ouviu-se Joaquina Soares, Fernando Gandra, Jorge Faria, Arlindo Mota, Cidália Fonseca, Resendes Ventura (Manuel Medeiros), Luís Filipe Estrela, Arnaldo Ruaz, Helena de Sousa Freitas e Hélder Moura Pereira. Todos disseram da sua poesia e leram poemas. Outros nomes, aliás, outros poetas foram trazidos: Maria Angélica de Andrade (que viveu em Setúbal entre 1840 e 1874, mulher de Cândido de Figueiredo) chegou com Anita Vilar; e entraram também outros poetas setubalenses como Tomás António dos Santos e Silva (1751-1816), Caetano de Moura Palha Salgado (padre, 1845-1905) e Sebastião da Gama (1924-1952). Houve ainda referências a muitos outros, como Alberto de Lacerda, José Afonso, Bocage, Eugénio Lisboa.
Foi de poesia a noite e foi agradável. Entre vozes, versos, palavras e livros. Entre poemas.

sábado, 21 de março de 2009

No Dia Mundial da Poesia, a esperança

A Filomena anda pelos 15 anos e é minha aluna há quase três anos. Gosta de ler e de escrever e, de vez em quando, poeta. Na madrugada de hoje, a propósito do Dia Mundial da Poesia, enviou a muitos colegas e a alguns professores um mail com dois poemas. Escolhi "A Esperança" para aqui reproduzir. Em jeito de oferta e de partilha da escrita da Filomena e por causa da poesia...

Esperança

Na neblina da manhã,
Eu olhei para o céu
E vi esta artimanha
Da minha esperança.
O mundo de hoje,
Na claridade da escuridão,
Esqueceu-se da amizade
E penetrou na solidão.
Mas, no fundo do mar
E nas montanhas esculpidas
Pelo olhar
Das pessoas adoradas,
Pela fama de sonhar,
Há sempre um canto
De amor e solidariedade.
Apesar de caladas
As razões da criação
De esperança,
Há sempre um coração
Disposto a ajudar...
O canto dos pássaros,
O pôr-do-sol,
O mar, o amar
E até o ar puro.
Março de 2007

O mais badalado (e infeliz) anúncio visto por Luís Afonso

Luís Afonso. "Cartoon". Público: 21.Março.2009

Outras leituras - O estado das coisas anormais

Mais um dia em que quase nada foi normal
Não é normal que passe na televisão do Estado um anúncio a uma rádio do Estado em que se dá a entender que as manifestações são "contra quem quer chegar a horas". Que a locução seja feita pela directora adjunta da Antena 1, Eduarda Maio, autora do livro Sócrates: O Menino de Ouro. Que o ministro Augusto Santos Silva considere que isso é um assunto editorial. Que o anúncio tenha estado vários dias no ar sem ninguém se incomodar (ou ver?) e que só se tenha tornado tema controverso quando o PÚBLICO pediu a dirigentes sindicais para se pronunciarem sobre o seu conteúdo. Como também não é normal que o PSD reaja considerando que "a tutela da Antena 1, rádio paga pelos contribuintes, (...) deve tomar uma atitude digna, e só há uma: demitir os responsáveis que puseram o anúncio", pois a tutela é o Governo e não deve caber ao Governo nomear ou demitir responsáveis editoriais. Por isso não é normal o silêncio dos directores editoriais da RDP.
A única coisa que se salva no meio de tudo foi o parecer dos provedores do telespectador, Paquete de Oliveira, e do ouvinte, Adelino Gomes, que recomendaram que o spot fosse imediatamente retirado, utilizando uma argumentação seca e sólida.
Não é normal que o Governo tenha imposto aos proprietários envolvidos na identificação e abate dos pinheiros afectados pela doença do nemátodo o dever de segredo sobre a dimensão do problema, como o PÚBLICO noticiou ontem. Não há nenhuma "questão sanitária" que justifique esse segredo, da mesma forma que não houve quando, por exemplo, se detectavam "vacas loucas" ou aviários contaminados. Ou há uma explicação racional - o que parece difícil, pois não há aqui segredos comerciais ou segredos de Estado - estamos perante a aplicação discricionária de uma nova "lei da rolha".
Não é normal, é mesmo uma vergonha, o tempo que está a demorar a nomeação de um novo provedor de Justiça. Não é normal que os nomes dos putativos candidatos saltem para a praça pública. Ou que não se esclareçam os critérios que devem presidir à escolha dessa figura, em especial se é ou não conveniente que numa democracia se evite uma excessiva concentração de cargos públicos nas mãos de figuras próximas do partido no poder. Ou que ninguém fale - nem o PSD, pelo que se percebeu da argumentação de Ferreira Leite - da importância de existirem sistemas estáveis de pesos e contrapesos e não apenas trocas de nomes, ou rotatividades, entre os dois maiores partidos.
Não é normal defender, como ontem defendeu o primeiro-ministro José Sócrates, que os bancos europeus sejam proibidos de trabalhar com paraísos fiscais, mesmo que essa decisão não seja tomada a nível mundial durante a próxima reunião do G20. Uma coisa é defender uma maior transparência e regulação nos mercados financeiros - algo de que Portugal nem se deve orgulhar muito face ao que se tem vindo a saber sobre os casos BPN e BPP, para não falar do que antes se passou no BCP e do que ainda não se sabe sobre a forma como a CGD tem actuado... -, outra bem diferente é defender o suicídio do sistema financeiro europeu que, forçado a actuar em condições mais desfavoráveis que os outros sistemas bancários, só poderia definhar, agravando ainda mais a crise.
Não é normal que, depois ter impedido a entrada em Angola de qualquer jornalista do PÚBLICO, do Expresso e da SIC aquando das recentes eleições legislativas, as autoridades de Luanda tenham voltado a fazê-lo agora quando estes três órgãos de informação solicitaram vistos para acompanharem a visita do Papa Bento XVI. Tal como não é normal que então e agora não se tenha ouvido uma voz, um tremor, nem sequer um tímido zumbido de protesto por parte das autoridades portuguesas.
Não é normal, mas é assim quase sempre, quase todos os dias. Por isso o que é mesmo anormal é sobrevivermos como nação independente há quase nove séculos. Isso, sim, é um feito. Até porque foi previsto pelos romanos, que terão dito que por aqui vivia um povo que não se governava nem se deixava governar. Será que já então se desgovernava em silêncio?
José Manuel Fernandes. Público: 21.Março.2009

Em louvor da poesia, no seu dia

Em meados de Setembro de 1951, Sebastião da Gama estava no Norte de Portugal. Um dos objectivos dessa viagem, feita na companhia de Joana Luísa, sua mulher, era visitar Teixeira de Pascoaes e assim conhecê-lo, por fim, pessoalmente. Esse encontro realizou-se e é público, por testemunho publicado pelo poeta da Arrábida, que entusiasmou os dois escritores.
Chegado desse périplo nortenho, Sebastião da Gama escrevia, em 22 desse mês, uma carta a Manuel Breda Simões, director da revista Sísifo, respondendo a uma missiva chegada de Coimbra. O teor era um conjunto de respostas a quatro perguntas, que Breda Simões tinha enviado, em jeito de questionário, esclarecimentos que constariam, segundo o seu autor, numa antologia da poesia portuguesa a publicar.
A quarta (e última) pergunta era: "Que pensa da Poesia em geral e da sua própria Poesia?". Sebastião da Gama respondeu-lhe desta forma: "Minhas ideias acerca da poesia. Vide: 'Louvor da Poesia', in Campo Aberto. Será tudo? Olhe que a resposta ao nº 4 não é para posar. É que só nos versos sei o que penso da Poesia."
Sebastião da Gama já não chegou a ver as suas respostas impressas. Elas saíram no nº 4 da Sísifo, número que abria com a notícia da morte de Sebastião da Gama, entretanto ocorrida (7 de Fevereiro de 1952). Além dessa notícia e da carta de Sebastião da Gama, a revista publicava ainda o poema "Anunciação", até aí inédito (integrado no livro póstumo Pelo sonho é que vamos, publicado em 1953), e o referido "Louvor da Poesia" (que fora publicado em Campo aberto, em 1951).
Este poema ficou, então, como um testamento poético, quase. Mais recentemente, aquando da construção do Parque dos Poetas, em Oeiras, em 2003, esse poema foi escolhido para ser gravado no chão do Parque, numa das entradas, a chamar a atenção para a defesa da poesia.
Foi também esse o texto que escolhi para assinalar o Dia Mundial da Poesia que hoje se celebra.


Louvor da Poesia


Dá-se aos que têm sede,
não exige pureza.
Ah!, se fôssemos puros,
p'ra melhor merecê-la...


Sabe a terra, a montanhas,
caules tenros, raízes,
e no entanto desce
da floresta dos mitos.


Água tão generosa
como a gente que a bebe,
fuja dela Narciso
e quem não tenha sede.
[Foto: Parque dos Poetas, em Oeiras]

terça-feira, 17 de março de 2009

Sócrates ouve Soares?

Mário Soares reprovou a polémica que Sócrates estabeleceu com os sindicatos a propósito da manifestação de há dias e aconselhou o Partido Socialista a ouvir a sociedade, tendo em vista a maioria absoluta.
É claro que José Sócrates, politicamente, tem muito a aprender com Mário Soares. No entanto, desejar que este governo mude e comece a dialogar é conselho que já devia ter sido dado há muito tempo, porque a ideia generalizada é a de que a capacidade de diálogo está esgotada.
Por outro lado, as palavras de Soares, ao invocar a maioria absoluta, remetem para esse mito tão actual da “governabilidade”, que os amigos de um só partido no poder vão defendendo como magia para a resolução dos problemas.
Está visto que esse caminho não tem funcionado. E está visto que um dos deveres dos políticos é o de construir a “governabilidade” a partir das diferenças, a partir de pactos, a partir de uma definição conjunta do que é verdadeiramente importante para o país e para a sociedade, mesmo para que haja consistência e credibilidade. É esta dimensão que tem faltado. Enquanto isso não acontecer, todos os partidos apostarão na maioria absoluta como sonho, em vez de apostarem no país como meta. Enquanto isso não acontecer, a democracia vive de um só partido no poder, o que chega a ser paradoxal. E, obviamente, as vias do diálogo ficam bem estreitas… e cada partido que chega ao poder pensa que a história do mundo se inicia nesse dia!
A notícia, dada pela LUSA e reproduzida no Público online, é aqui reproduzida nos seus excertos mais importantes:
«O ex-Presidente da República Mário Soares criticou hoje o primeiro-ministro por entrar em polémica com os manifestantes contra o Governo e aconselhou o PS a dialogar e ouvir a sociedade se quiser ter maioria absoluta nas eleições. (…) Mário Soares considerou que a manifestação de sexta-feira passada, convocada pela CGTP-IN, "impressionou pelo seu volume e pela indignação que foi demonstrada pelas pessoas, numa época de crise global, que vem de fora para dentro". (…) O ex-chefe de Estado defendeu que o Governo socialista "faria bem em dialogar e ouvir, em vez de entrar em polémicas sobre uma manifestação". (…) Confrontado com a acusação do primeiro-ministro de que a manifestação de sexta-feira foi instrumentalizada pelo PCP e Bloco de Esquerda, Mário Soares demarcou-se e respondeu: "não vejo vantagem nenhuma que ele diga isso". (…) Para Mário Soares, "num momento em que vai tudo para pior e em que há muitas razões para indignação, o primeiro-ministro não deveria estar a polemizar a propósito das manifestações". (…) "Ele pode ganhar a maioria absoluta se houver diálogo com os sindicatos, com os partidos e com as pessoas. Num momento tão grave da vida nacional, os partidos têm de pôr um pouco de lado as suas pretensões próprias e devem ter a humildade de ouvir e de falar", avisou. (…) "O PS tem de dialogar com as pessoas. E, para dialogar com as pessoas, não pode ser de uma maneira em que todos fiquem zangados uns com os outros", acrescentou.»

Política caseira (6) - O candidato, a Concelhia e a Distrital do PSD, em Setúbal

O Setubalense: 16.Março.2009

segunda-feira, 16 de março de 2009

Intervalo - Razões divinas para uma reforma antecipada

A história que segue foi acabada de receber de um amigo, que não é o seu autor. Não sei se é por estarmos na altura quaresmal ou se será por outra razão, mas a trama adequa-se. É um retrato. Com humor, claro. Mas bem próximo daquilo que muitos fazem, que outros querem fazer e que outros rejeitam. É caricatura, mas não deixa de ser o que é: um retrato. Por onde passa muita coisa, incluindo a (des)educação.

Naquele tempo, Jesus subiu ao monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Depois, tomando a palavra, ensinou-os dizendo:
- Em verdade vos digo: bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; bem-aventurados os misericordiosos, porque eles…
- Temos que aprender isso de cor? - interrompeu Pedro.
- Temos que copiá-lo para o caderno? - quis saber André.
- Vamos ter teste sobre isso? - perguntou Tiago.
- Não trouxe o papiro-diário... - lamentou-se Filipe.
- Temos de tirar apontamentos? - perguntou Bartolomeu.
- Posso ir à casa de banho? - pediu João, levantando a mão.
- Para que é que serve isto tudo? - gritou Judas.
- Há fórmulas? vamos resolver problemas? - inquietou-se Tomé.
- Mas porque é que não nos dás a sebenta e… pronto!? - reclamou Tadeu.
- Eu não entendi nada… ninguém entendeu nada! - queixou-se Mateus.
Um dos fariseus presentes, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada, tomou a palavra e dirigiu-se-Lhe, dizendo:
- Onde está a tua planificação? Qual é a nomenclatura do teu plano de aula nesta intervenção didáctica mediatizada? E a avaliação diagnóstica? E a avaliação institucional? Quais são as tuas expectativas de sucesso? Tens para a abordagem da área em forma globalizada, de modo a permitir o acesso à significação dos contextos, tendo em conta a bipolaridade da transmissão? Quais são as tuas estratégias conducentes à recuperação dos conhecimentos prévios? Respondem estes aos interesses e necessidades do grupo de modo a assegurar a significatividade do processo de ensino-aprendizagem? Incluíste actividades integradoras com fundamento epistemológico produtivo? E os espaços alternativos das problemáticas curriculares gerais? Propiciaste espaços de encontro para a coordenação de acções transversais e longitudinais que fomentem os vínculos operativos e cooperativos das áreas concomitantes? Quais são os conteúdos conceptuais, processuais e atitudinais que respondem aos fundamentos lógico, praxeológico e metodológico constituídos pelos núcleos generativos disciplinares, transdisciplinares, interdisciplinares e metadisciplinares?
Caifás, o pior de todos, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações do primeiro, segundo e terceiro períodos e reservo-me o direito de, no final, aumentar as notas dos teus discípulos, para que ao Rei não lhe falhem as previsões de um ensino de qualidade e não se lhe estraguem as estatísticas do sucesso. Serás notificado em devido tempo pela via mais adequada. E vê lá se reprovas alguém! Lembra-te de que ainda não és titular e não há quadros de nomeação definitiva.
… E Jesus pediu a reforma antecipada aos trinta e três anos…

domingo, 15 de março de 2009

Rostos (113)

Figura feminina, no monumento ao Dr. Barahona, em Évora

sexta-feira, 13 de março de 2009

Máximas em mínimas (45)

Para os cábulas (dos exames de outros tempos)...
"Ficaram no ânimo de muitos papás e de muitas mais mamãs ódios, maledicências contra os professores e o sistema de prestação de provas. Há-de suceder assim todos os anos e o drama há-de repetir-se, não sabemos durante quanto tempo ainda. É que esses papás e mamãs se esquecem de que na maioria dos casos, não é o sistema de exames que está errado, não são os professores os culpados dos fracassos do 'jovem e esperançoso rebento'. Enquanto reinar nas nossas escolas o prestígio da cábula, do copianço, do assopro; enquanto os nossos estudantes não se habituarem a, durante o ano lectivo, estudar para saber, em vez de tentarem fazer acreditar ao mestre que de facto estudaram, não há sistema de exames que contente os pais desses jovens embusteiros.
Não, senhor pai de família: quando o seu filho se gabar de que conseguiu copiar pela cábula as respostas às questões do ponto escrito, castigue-o e faça-lhe ver que isso não é digno dele nem do grupo que sauda a proeza com risos satisfeitos. Eduque-o; não deixe a educação dele ao cargo exclusivo do liceu; e verá que depois não terá motivo de queixa, nem dos mestres, nem dos examinadores do seu filho."
Aqui e Além - Revista de Divulgação Cultural. Dir.: Carlos A. Dias Ferreira. Dafundo: nº 2, Maio-Agosto.1945, pg. 80

Tróia fica mais longe...

Correio de Setúbal: 13.Março.2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 96
Internet tem tudo? – O rapaz só gosta de futebol. A propósito de tudo e de nada, o futebol, especialmente o seu clube, é base para todas as sustentações. Com isto, distrai-se do essencial. Ler? Difícil para o que esteja para lá dos jornais desportivos… Recomendei-lhe um livro com uma história passada no universo do futebol: Desporto Rei, de Romeu Correia. Que o procurasse em biblioteca, porque já há muito tempo que não era reeditado. “Não faz mal, vou à net e faço uma cópia…”, disse-me orgulhoso com a solução. E lá está como se generalizou a ideia de que a net é a salvação de todas as almas! Não é, não. Absolutamente. Não tem tudo, não ensina tudo, não informa tudo. Expliquei-lhe e admirou-se. Ficou mesmo decepcionado com a revelação… Paciência!
Solidariedade – Aproximam-se no intervalo, dizendo que me querem falar. Era por causa de um amigo, colega de turma, que, argumentando querer curtir a vida, estava a transitar em caminhos um pouco esconsos: tabaco e outros fumos, agressividade nas respostas, descida na qualidade de trabalhos realizados na escola, um ar estranho e de solidão e álcool à mistura. Era a minha vez de demonstrar estupefacção… ou de comprovar aquilo de que suspeitava… “Mas tem que se fazer alguma coisa por ele, professor!” “Pois é, somos amigos e amigas dele e não gostamos de o ver assim.” “Lembrámo-nos de vir ter consigo, embora muitas coisas se passem fora da escola…” “Os pais dele não sabem, mas era melhor o professor fazer alguma coisa…” “Connosco, ele também já não liga e quer que o deixemos em paz…” E lá se parte para mais uma história em pedaços, engrenando na solidariedade e amizade dos colegas de turma. É o mínimo a fazer.
Língua Portuguesa – O tratamento que lhe foi dado pelo computador “Magalhães” é inacreditável. Não porque fosse impossível (não foi); não porque seja caso único. O semanário Expresso descobriu-lhe, nas instruções de actividades, 80 erros de ortografia, de acentuação, de sintaxe. Estas instruções eram para ser lidas por alunos. Não houve nenhuma tarefa de revisão linguística, que era o mínimo que devia ter sido feito. Incompetência a vários níveis, claro!
Vida – “A vida dos homens, a sua transformação, é rápida, vertiginosa; a da terra, a das coisas, leva séculos e dá-nos por isso uma impressão de eternidade.” (Américo Olavo, Na Grande Guerra, 1919).

Lendo a "Autobiografia" de Charles Darwin

Na aula de hoje (melhor: de ontem), leitura de Darwin e da sua Autobiografia. Nos seus 12-13 anos, os jovens seguiram com atenção a escrita do velho cientista, produzida quando tinha 67 anos, texto com que pretendeu passar a sua história para os filhos e, depois, para os filhos dos filhos, segundo diz no capítulo de abertura. Esta intenção foi contrariada em 1958, ano em que a neta Nora Barlow resolveu publicar a edição total da Autobiografia, cuja tradução portuguesa data de 2004 (Charles Darwin. Autobiografia. Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2004).
A leitura foi apenas da parte respeitante à infância e juventude de Darwin, com algumas chamadas de atenção para pormenores da sua formação. Afinal, Darwin fez coisas que seriam comuns a qualquer jovem, delas falou não escondendo o seu entusiasmo e bem podem constituir alternativas para a educação. Bem vi, aliás, pelo entusiasmo que a miudagem revelava…
Recordações de Darwin? Com pouco mais de 8 anos, o coleccionismo cativava-o. Quando entrou para o externato de Shrewsbury, o seu gosto “pela história natural, e especialmente por coleccionar objectos, estava bem desenvolvido”. Coleccionar o quê? “Toda a espécie de coisas: conchas, carimbos, sobrescritos, moedas e minerais.” E os riscos. “A paixão por coleccionar, que leva uma pessoa a ser um naturalista sistemático, um antiquário ou um avarento, era muito forte em mim”. Aqui chegados, um intervalo para que todos falem das suas colecções.
Darwin foi também uma criança a quem o pai, um dia, zangado, disse que era a vergonha da família. Já passaram 200 anos… e, depois, vêm os ensinamentos: “Olhando para o meu passado e considerando do melhor modo possível o meu carácter durante os anos de liceu, as únicas qualidades que tinham qualquer promessa para o futuro eram os meus gostos intensos e diversificados, muito zelo relativamente ao que me interessava, e um grande prazer em compreender qualquer assunto ou objecto complexo.”
Muito a aprender nas biografias, pois. E, quando nem todos sabiam quem era Darwin, a vida desta personagem suscitou-lhes questões, dúvidas e querer saber. Sintetizaram mesmo o que tinha sido a infância do cientista e conseguiram captar o essencial da mensagem que o homem das longas barbas brancas quis transmitir aos netos. Fiquei com a ideia de que gostaram. Pelo menos, a maioria. Não só pelo tempo de leitura (que entusiasma muitos), mas sobretudo porque, por um bocado, eles pareceram iguais a Darwin…

terça-feira, 10 de março de 2009

Máximas em mínimas (44)

O homem, esse conhecido
Os homens são iguais em todas as épocas, com os seus defeitos, contradições, crueldades, mentiras e algumas qualidades laboriosamente construídas e aperfeiçoadas à sombra do que se convencionou chamar civilização, e se algo mudou, até ao nosso tempo, foram as artimanhas, as justificações e os meios disponíveis para produzir o mal.
Mário Ventura. O reino encantado. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 2005.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Rostos (112) [nos 150 anos de João Vaz]

"Grupo do Leão", por Columbano Bordalo Pinheiro (1885)
No "Grupo do Leão", podemos ver: em pé, da esquerda para a direita - João Ribeiro Cristino, um dos proprietários do estabelecimento, o empregado de mesa Manuel Fidalgo, Columbano Bordalo Pinheiro, outro dos proprietários e Cipriano Martins; sentados, da esquerda para a direita - Henrique Pinto, José Malhoa, João Vaz, Silva Porto, António Ramalho, Moura Girão, Rafael Bordalo Pinheiro e José Rodrigues Vieira.

O pintor setubalense João Vaz nasceu há 150 anos (2)

Na manhã de hoje, junto ao busto de João Vaz, em Setúbal, houve homenagem ao pintor sadino, patrocinada pela Câmara Municipal de Setúbal (vereador Rui Higino, à direita) e pela LASA - Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (Carlos Silveira, presidente da Direcção, à esquerda).
[foto de Quaresma Rosa]

Política caseira (5) - Jorge Santana escolhido pelo PSD de Setúbal

O Setubalense: 9.Março.2009

João Vaz nasceu há 150 anos

O Largo do Carmo, que abre para a sadina Avenida Todi ali nas imediações da igreja do Carmo, alberga o busto de uma das mais importantes figuras da cultura setubalense, o pintor João Vaz, voltado para o Sado, o rio que constituiu pretexto para muitas das suas telas.
O pintor sadino, nascido em 1859, foi discípulo de Tomás da Anunciação e de Silva Porto e fundador do designado "Grupo do Leão", criado na cervejaria de Lisboa "Leão de Ouro", que durou até 1889 (constituído por nomes da cultura da época, o Grupo foi retratado por Columbano em 1885 numa tela em que se podem ver, entre outros, José Malhoa, João Vaz, Silva Porto, Rafael Bordalo Pinheiro e o próprio Columbano). Professor e director da Escola Afonso Domingues, expôs em Portugal e no estrangeiro e recebeu vários títulos, entre os quais o de Oficial da Ordem de Sant'Iago. Além de ter sido responsável pela decoração da representação portuguesa na Exposição Universal de Paris de 1900 e nas exposições internacional de St. Louis (1904) e nacional do Brasil (1908), João Vaz colaborou também na decoração de uma sala da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, da sala dos "Passos Perdidos" da Assembleia da República, do Hotel do Buçaco, dos Teatros Luísa Todi (então, D. Amélia, em Setúbal) e Garcia de Resende (Évora), entre outras obras.
Após o seu falecimento em 1931 (que O Setubalense, de 18 de Fevereiro desse ano, noticiou de forma discreta, ainda que traçando um curto percurso biográfico e considerando-o "insigne pintor, setubalense ilustre" e "um dos mais lídimos e distintos representantes de artistas notáveis"), logo no ano seguinte a Sociedade Nacional de Belas Artes e os familiares do pintor organizaram uma exposição em Janeiro, reunindo mais de uma centena de peças da obra de João Vaz. No catálogo, escreveu António Arroyo, considerando o pintor setubalense o "mais ilustre pintor de marinhas", com "paleta de perene e jovial mocidade" e uma obra "consoladoramente luminosa".
O tom poético da pintura de João Vaz foi assinalado em texto não assinado do catálogo de exposição efectuada em Setúbal em 1949, que regista o facto de a sua obra não ter marcas de "feitura amaneirada, rebusca vã de efeitos estranhos e de falsos contrastes", antes as evidências de uma "arte, sobretudo, emotiva e lírica".
Para além de motivos ligados a Setúbal (preponderantes na sua obra) e ao Tejo, João Vaz retratou também outras regiões do país (Algarve, Buarcos, Vila do Conde, Funchal) e do estrangeiro (Rio de Janeiro, Roma, Florença).
O espólio do Museu de Setúbal tem algumas obras de João Vaz, mas, um pouco por todo o país, podem ser encontradas obras suas noutros museus e em várias colecções particulares.
Busto de João Vaz tem 60 anos
Inaugurado em 18 de Setembro de 1949 por iniciativa da Câmara Municipal de Setúbal, o busto é reprodução de um outro que foi erigido em Lisboa, na Escola Afonso Domingues, em 1926, da autoria do escultor José Pereira.
Nesse Setembro de 1949, quando já passavam dezoito anos sobre o falecimento de João Vaz, Setúbal decidiu prestar a homenagem que nunca fizera ao pintor, promovendo ainda uma exposição retrospectiva no Salão Nobre dos Paços do Concelho, que reuniu 48 quadros.
Segundo o periódico local O Setubalense, de 19 desse mês, as celebrações em honra de João Vaz iniciaram-se com uma missa na igreja de S.Julião presidida pelo beneditino Fr. Vicente Morais Vaz, filho do pintor, que teve a assistência de familiares, das entidades oficiais e de figuras gradas do mundo da cultura como Diogo de Macedo (a representar a Academia das Belas Artes) e os pintores Celestino Alves e Álvaro Perdigão. Depois, pelas cinco da tarde, "no Largo do Carmo, cujas janelas ostentavam colgaduras, procedeu-se à inauguração do monumento perante numerosa assistência", tendo o busto sido descerrado por Maria José, uma neta do pintor. Os discursos da praxe enalteceram, segundo o mesmo jornal, "o significado espiritual do acto e realçaram apologeticamente a figura de João Vaz e o seu sentido artístico". No final da cerimónia, Rui Carlos de Morais Vaz, neto do homenageado, agradeceu em nome da família.
O repórter finaliza o relato com a informação de que, "durante a noite, o pequeno jardim do Largo do Carmo, onde se ostenta a memória e que se encontrava artisticamente iluminado, foi visitado por vários milhares de pessoas".
No dia anterior à inauguração do monumento, em 17 de Setembro, a edição de O Setubalense publicava em primeira página um artigo do pintor Álvaro Perdigão intitulado "Um Rio, Uma Cidade, Um Pintor", que preparava os caminhos para o reconhecimento que a população de Setúbal devia a João Vaz. Invocando elementos ligados à vida do rio e à agitação do mar, Perdigão apelava: "Pescadores do Sado! Homens de rija epiderme e mimoso coração, homens que tratam por tu o Mar e os perigos do Mar, homens que veneram muito especialmente a Senhora do Cais e a Senhora da Arrábida, não procureis, desta vez, na prestimosa Rosa dos Ventos, a causa de tão insólita, desusada agitação. O mesmo sopro invisível, estranho aos pontos cardeais, passou alguma vez pelo coração dum pintor setubalense, aquele que será recordado, duradouramente, por um monumento singelo mas devidamente justo no tranquilo recanto do Largo do Carmo".
Quanto à retrospectiva, Perdigão anunciava que "o Salão Nobre vai ser pequeno para conter a surpresa, a admiração, o orgulho de todos os setubalenses, seja qual for a sua posição social, a sua formação mental". Desta forma, João Vaz era catapultado para figura cimeira da vida setubalense, quer pelo papel que atingiu no domínio da pintura, quer pela intervenção que teve no universo da educação, designadamente no ensino técnico, assim se justificando perante a cidade a imponência do vulto que tinha dado nome à sua Escola Industrial e Comercial (a actual Escola Secundária Sebastião da Gama). Uns anos mais tarde, em 1957, Luciano Santos prestar-lhe-ia também a sua homenagem, integrando-o no tríptico dos notáveis de Setúbal, exposto no Salão Nobre da Câmara Municipal sadina.
A grande retrospectiva da obra de João Vaz havia de surgir bem mais tarde, em 2005, em Lisboa, na Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, com edição de catálogo intitulado João Vaz (1859-1931) – Um pintor do Naturalismo. Setúbal vai homenagear o seu pintor neste ano de 2009 com uma conferência a ter lugar na noite de hoje, pelas 21h30, no Salão Nobre da Câmara, por Fernando António Baptista Pereira, e com uma palestra, amanhã, pelas 22h00, no café-galeria La Bohème, por António Galrinho. Segundo a edição de Março do Guia de Eventos (Setúbal: Câmara Municipal, nº 51), no final do ano, haverá “uma exposição de pintura do artista setubalense”.
[fotos: quadros "Fragatas no Tejo junto a Alcochete", "A praia", "Setúbal - Doca de pesca", "Torre das Freiras - Mosteiro de Jesus (Setúbal)" e "Póvoa de Varzim"; busto em Setúbal fotografado por Quaresma Rosa]

domingo, 8 de março de 2009

Entre a honestidade e a legalidade

"O direito à honestidade" é o título da crónica que António Barreto assina no Público de hoje e cujo final transcrevo.
«(...) Os recentes episódios que colocaram em crise a política e as finanças mostraram bem esta nova concepção dos valores sociais. Toda a gente pensa hoje que algo não está certo no que a Caixa Geral de Depósitos tem feito. Perdas de rendimentos. Empréstimos para especulação e manipulação do mercado e de outras empresas, nomeadamente de bancos. Criação de grupos de controlo de outros bancos. Encobrimento de negócios de amigos. Ajuda especial a amigos e favoritos. E operações discutíveis seguidas de transferência de administradores. Estas são apenas algumas acusações que se fazem, aqui e ali. No BPN, os casos são ainda mais flagrantes. No BPP, mais misteriosos. Nos cimentos e nos petróleos, mais estranhos. Nas obras públicas, mais esquisitos. Por cima de todos eles, voa a acusação de interferência dos partidos PS e PSD, assim como dos últimos quatro ou cinco governos. Nenhuma das acusações ou suspeitas acima referidas está provada. Mas os mais visados defendem-se mal. Governantes e magistrados têm o dever de ajudar a população a compreender, mas fazem-no mal ou não o fazem. Comentadores e especialistas desdobram-se em desculpas e justificações, invocando a lei e o mercado. Mas a verdade é que nem aquela nem este se deveriam sobrepor à honestidade. Mas, infelizmente, a honestidade e a lei não casam bem no nosso país. Aposto que muito do que referi, em particular relativamente à Caixa, é legal. Mas não tenho a certeza de que seja honesto. Aliás, com os exemplos recentes da distinção entre corrupção para fins lícitos e para fins ilícitos, percebe-se bem que a honestidade não está protegida pela lei. Tanto não exijo. Como não quero ser ingénuo nem parvo, não espero que a lei promova a honestidade ou a virtude. Mas creio ser razoável que a lei proíba, condene e castigue a desonestidade, o favor e a corrupção. É o que não temos.»

As consequências dos erros do "Magalhães" vistas por Luís Afonso

Luís Afonso. Público: 08.Março.2009.

Máximas (asneiras) do "Magalhães"

O Expresso de ontem transcrevia algumas das cerca de 80 "pérolas" da língua portuguesa utilizada no "Magalhães":
1. "Neste processador podes escrever o texto que quiseres, gravar-lo e continuar-lo mais tarde.”
2. “Dirije o guindaste e copía o modelo.”
3. “Quando acabas-te, carrega no botão OK”
4. “Quando o tangram for dito frequentemente ser antigo, sua existência foi somente verificada em 1800.”
5. “Este processador é especial em que obriga o uso de estilos”
6. “Se os jogadores se acordam no facto que o jogo está num ciclo…”
O Público de hoje revela mais algumas:
7. "Ao princípio do jogo 4 sementes são metidas em cada casa. Os jogadores movem as sementes por vês."
8. "A cada torno o jogador escolhe uma das seis casas que controla. Pega todas as sementes nela e as distribui (...)."
9. "Se a penúltima semente também fês um total de 2 ou 3 (...)."
10. "Carrega outra vês no chapéu para as fechares."
11. "Com o teclado, escreve o número de pontos que vês nos dados que caêm."
12. "Carrega em cada elemento que tem uma zona livre ao lado dele. Ele vai ir para ela."
13. "O objectivo do quebra-cabeças é o de entrar cifres entre 1 e 9 em cada quadrado da grelha, frequentemente grelhas de 9 X 9 que conteêm grelhas."

sábado, 7 de março de 2009

Erros acompanharam o "Magalhães"

É possível que os jogos educativos do computador “Magalhães” – o tal “bezerro de ouro” de que fala António Barreto – contenham instruções repletas de erros de escrita? É. Melhor: foi. Sem bater muito na questão, há um pormenor que me apoquenta sobretudo: como foi possível que essas instruções chegassem às escolas e aos utilizadores sem revisão? Ironia do destino: no fim-de-semana passado, no Porto, a editora ASA promoveu um encontro para apresentação dos novos programas de Língua Portuguesa até ao 3º ciclo, acção em que uma das tónicas apresentadas pelos responsáveis desses programas recaía sobre a insistência que vai ser proposta no plano da revisão de texto (a praticar nos vários níveis de ensino), premente sobretudo quando as novas tecnologias permitem a revisão com facilidade!…
Torna-se óbvio que o erro do "Magalhães" vai ser reparado. Mas este foi um erro que não deveria ter existido. Numa altura em que tanto se questiona a qualidade dos manuais escolares, como é possível que uma ferramenta como o “Magalhães”, com toda a propaganda que lhe tem andado associada, tenha chegado nestas condições, com a língua portuguesa a sofrer tratos de polé?
A questão foi trazida para cena pelo deputado José Paulo Carvalho. O Expresso de hoje reporta-a e, numa breve, fala do tradutor das instruções. É emigrante em França desde os 10 anos, tem a 4ª classe e diz: “O problema da tradução é que nenhum português de Portugal se dedicou a ela”, acrescentando o jornal que “ninguém até hoje reviu a versão que ele criou”. Só quem não sabe os efeitos do afastamento de um falante da sua língua para adoptar outra língua no seu quotidiano pode ter deixado que as coisas assim tenham corrido…
Custa-me que a área da Educação esteja envolvida nisto, tal como me custa ter tomado conhecimento através da net da muito deficiente redacção de um ofício da DREN (estrutura do Ministério da Educação) que, há dias, por aí circulou. Não serão cabalas, não; mas é incompetência em excesso. Pelo menos, linguística. E também de identidade. E a área da Educação deveria estar fora disto.

Manuel Alegre no "Expresso"

Manuel Alegre é entrevistado no Expresso de hoje, com um antetítulo que diz que o entrevistado “quebra o silêncio”. Não sei se terá sido boa ideia esta para apresentar um homem que se tem comprometido contra o silêncio…
Obviamente, a entrevista fala da política e do mal-estar que o deputado e poeta (tem) causa(do) e muitas pistas podem ser tomadas. Mas há uma que não deixo em claro: sendo Alegre um “militante do PS”, uma “referência histórica do PS”, não deixa de ser interessante o seu discurso sobre os partidos e o seu papel, que o mesmo é dizer sobre os partidos e as suas vantagens e perigos.
Diz Alegre: “Os partidos não esgotam a democracia. Até a podem estragar. Sempre fui renitente em relação à lógica partidária. Mesmo na clandestinidade, fui um homem do partido por força das circunstâncias históricas, mas fui sempre um rebelde. As pessoas devem preocupar-se, a começar pelos líderes, com este fenómeno de os partidos se transformarem na entronização de um líder, seja ele qual for. É o grau zero da política, da discussão, da ideologia. Neste congresso [do PS em Espinho, no fim-de-semana passado], nem a moção do secretário-geral foi discutida!”
Aviso para os de fora e para os de dentro. Vale a pena repensar o papel dos partidos. Ou, pelo menos, na forma como muita gente chega aos lugares dos partidos e nas transformações que depois lhes imprime. Um partido é feito de pessoas, sabemos. Mas, atrás delas, vão muitos interesses, que, por vezes, falam mais alto do que a cidadania. Um partido deve ser um fim, um meio ou um contributo?

Vale do Neiva - coleccionismo em revista

A Associação de Filatelia e Coleccionismo do Vale do Neiva, com sede em Barroselas (Viana do Castelo), existe desde o segundo semestre de 1996. Entre as diversas iniciativas que tem promovido (exposições, publicações, divulgação), chegou agora a vez do primeiro número da revista Vale do Neiva Filatélico, publicação que pretende ser semestral e que tenciona, segundo o seu presidente, Marcial Passos, regista no “Editorial”, assumir este recurso como um “espaço aberto de informação”, que apresente “a filatelia como um elemento cultural do desenvolvimento humano numa perspectiva de partilha de conhecimento e informação”.
Por este número inaugural passam textos como “A telegrafia eléctrica em Portugal” (Pedro Vaz Pereira), “Curiosidades filatélicas – Correio-Andorinha” (Mota Leite), “Entrevista ao Jurado FIP Eduardo Sousa” (Núcleo Juvenil de Filatelia da Escola EB 2, 3/S de Barroselas), “Para a história do correio no Vale do Neiva – O correio em Balugães” (Mota Leite), “A 1ª Exposição Filatélica portuguesa” (Eduardo Sousa), “Coleccionando… Postais ilustrados” (José Manuel Pereira) e “Para a história da Associação” (Mota Leite). Há ainda lugar para diversos textos de carácter noticioso que lembram a recriação medieval do percurso a cavalo da mala-posta entre Barroselas e Viana do Castelo (que aconteceu em 28 de Outubro), a XX Exposição Filatélica Nacional e Inter-Regional “Viana 2008” (ocorrida entre 28 de Outubro e 2 de Novembro), entre outros eventos, sendo ainda antologiadas as emissões filatélicas nacionais do 2º semestre de 2008.
Neste número, é evidente a apresentação do coleccionismo – e da filatelia, em particular – como recurso alternativo para a ocupação dos jovens, quer pela intervenção de um núcleo filatélico da escola local, quer pela mensagem de um dos principais coleccionadores da região, com vários prémios já obtidos, Eduardo Sousa, que, em entrevista, recomenda aos jovens: “agarrem a filatelia como um meio instrutivo, como um meio educativo, de investigação, de estudo, que nos pode trazer novos conhecimentos.”
É uma publicação curiosa, a seguir com interesse, que apresenta outras facetas da história local e regional, não a desligando de factores identitários que a todos dizem respeito.
Com este número da revista, foram ainda distribuídos quatro postais, com fotografia de Olindo Maciel, a preto e branco, de uma série intitulada “Usos e costumes do Vale do Neiva” (“ida à feira”, “ida à fonte”, “lavadeira” e “o namoro”), que teve a colaboração do Grupo Folclórico S. Paulo de Barroselas.

António Barreto - mais umas dicas sobre leitura

A revista Ler (Lisboa: Fundação Círculo de Leitores), na sua saída mensal, é referência indispensável pela vida que dá aos livros, à leitura, à opinião e à cultura. O número de Março, o 78, já está nas bancas. E motivos de interesse não lhe faltam. Destaco a entrevista a António Barreto, figura de capa também, feita por Carlos Vaz Marques, num estilo em que a personagem (se) fala, (se) diz e (se) pensa. E, dela, sete excertos. Que são análise, leitura e conselhos.
Leitura online –O modo de leitura, a pausa, o sossego, a ponderação, a moderação, a reflexão, a nota, a posição pessoal, geográfica, física com que você lê jornais e lê livros, tudo isso está em vias de extinção, a benefício dessas novas formas que são mais rápidas, que seguramente proporcionam menos reflexão. (…) O que você lia no comboio, o que lia num sítio fora de casa, sem o computador na mão, o que lia voltando para a frente e para trás, escrevendo notinhas, escrevendo no canto dos livros, escrevendo num caderninho que tem ao lado, não creio que seja possível fazê-lo com um palm (…) ou com um laptop, onde tudo está feito para ter uma informação rápida. Com um telemóvel, você, hoje, já consegue ter inúmera informação: tudo sintético, tudo compacto, tudo resumido. Os sentimentos são resumidos, são condensados. As palavras, as frases, o discurso, a narrativa – é tudo cada vez mais concentrado. Porque já se está a viver de uma maneira diferente, a correr.
Ler –Ler implica ter uma vida para a leitura; que na sua vida tem de haver espaço para a leitura. Quando você já não tem espaço para a leitura, não é o cheiro [do livro] que vai substituir o que quer que seja, não é o objecto físico que conta.
Ler em Portugal –Os portugueses aprenderam a ler muito tarde. (…) Eu não tenho nenhuma crença mística nas nações, mas elas existem. Os povos existem. Há uma memória colectiva. Quando, na nação portuguesa, metade ou dois terços das pessoas souberam ler, isso aconteceu com mais de um século de atraso, pelo menos, em relação a países como a Inglaterra, a Dinamarca, a Suécia.
Escola e leitura, dantes –A escola foi uma ajuda muito madrasta da leitura, em Portugal. (…) Se não fosse a minha família (…) e se não fosse um ou dois professores cujos nomes mais de 50 anos depois eu recordo, a escola não me tinha ajudado. A escola do meu tempo não incitava à leitura. Os que gostavam de ler era por outras razões, não era por causa da escola.
Escola e leitura, hoje –Passaram 50 anos e, por razões diferentes, a escola hoje destrói a leitura. Seja com a análise estruturalista e linguística dos textos, seja pela ideia de que a escola tem de ser mais a acção e tem de ser mais projecto e mais mil coisas que fazem a nova escola. A leitura na escola é a última das preocupações.
MagalhãesDa maneira como o Governo aposta na informática, sem qualquer espécie de visão crítica das coisas, se gastasse um quinto do que gasta, em tempo e em recursos, na leitura, talvez houvesse em Portugal um bocadinho mais de progresso. O Magalhães, nesse sentido, é o maior assassino da leitura em Portugal. Chegou-se ao ponto de criticar aquilo a que chamaram cultura livresca. O que é terrível. É a condenação do livro. Quando o livro é a melhor maneira de transmitir cultura. Ainda é a melhor maneira. (…) O Magalhães (…) foi transformado numa espécie de bezerro de ouro da nova ciência e de uma nova cultura, que, em certo sentido, é a destruição da leitura.
Levar um jovem até à leitura –No essencial, chamar-lhe a atenção para o sentido, para a narrativa, para a história. É como o amor – ou o sexo, para ser mais bruto e cru: você sabe que os sentimentos amorosos e sexuais têm, algures, uma componente bioquímica. São uns produtos que se chamam feromonas ou lá o que é e que desencadeiam umas operações no cérebro, no hipotálamo, no sistema nervoso, mas não é isso que faz o amor. (…) Você não diz a ninguém: as minhas feromonas e as tuas… Não é isso que conta. O que conta é o sentimento, o ver, o beijar. Isso é que conta. É isso que se deve ir buscar à literatura, não a química.

sexta-feira, 6 de março de 2009

António Barreto: quatro dicas

António Barreto foi recentemente nomeado para presidir às comemorações do 10 de Junho. A revista Visão, na sua edição de ontem, fez-lhe curta entrevista, de que respigo alguns excertos:
10 de Junho - "Trata-se de uma comemoração institucional, que apela à memória da comunidade nacional. Poderá também ser, mais do que uma festa de júbilo narcisista, um momento de estímulo à consciência colectiva. (...) Não se espere que esta comemoração seja rica em soundbites ou escândalos. Não é o momento para isso. A melhor inspiração é a do discurso de Jorge de Sena, no 10 de Junho de 1977, na Guarda. É oportuno hoje voltar a ler!"
Balanços - "Muito crítico e preocupado relativamente à situação actual de crise nacional, europeia e mundial. E obcecado com a procura de caminhos e de soluções."
Congresso Socialista - "Uma enorme solidão. Muito bem organizada."
Temas para Livros Brancos - "Justiça, Educação, acesso à Universidade, Serviço Nacional de Saúde, desemprego jovem, em particular dos mais qualificados, com o 12º ano ou cursos superiores. Todos estes são excelentes temas."

segunda-feira, 2 de março de 2009

Livro - Nova Feira, nova polémica

Ainda todos nos lembramos do que foi a polémica da Feira do Livro de Lisboa no ano passado em torno de uma diferente concepção e disposição de stands a cargo do grupo editorial Leya, tendo mesmo sido alvitrada a hipótese de a Feira não se realizar ou, pelo menos, de ter deficiente participação. Afinal…
Estamos a quase dois meses da nova edição da Feira do Livro e novas polémicas (para uma nova viagem), de acordo com o Público de hoje, surgiram: uma polémica com várias faces – a alteração do horário de funcionamento (abertura a partir das 12h30 em vez das habituais 16h30 e encerramento às 20H30 em vez de ser às 23h00, com propostas diferentes para o fim-de-semana); atribuição do subsídio camarário para a realização do evento a apenas uma das associações de livreiros (a APEL, Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), contrariando assim o hábito da distribuição com a UEP (União de Editores Portugueses).
Enfim, estão lançados os ingredientes para novas discussões e paixões. Será, no entanto, bom que a Feira do Livro não perca. Continua a ser uma grande possibilidade de encontro dos leitores com os livros, com os autores e com os próprios leitores. Continua a ser uma hipótese de levar mais gente até à leitura. De um ponto de vista de afinidades pessoais, teria muita pena de não a poder considerar nos acontecimentos a visitar e que, sempre, me tem levado, a mim e aos filhos, a visitá-la várias vezes em cada edição…

domingo, 1 de março de 2009

Rostos (111)

Monumento aos "carreiros", no Funchal (Monte)