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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Efemérides 2014


O ano de 2014 é marcado pelo centenário do início da Grande Guerra (28 de Julho de 1914), vulgarmente conhecida como Primeira Guerra Mundial, acontecida na sequência do assassinato do arquiduque Francisco Fernando de Áustria, ocorrido um mês antes em Sarajevo (28 de Junho de 1914), e pelo 40º aniversário da “Revolução dos Cravos”, em Portugal, em 25 de Abril de 1974.
Assinalando centenários de nascimentos de figuras destacadas, o ano de 2014 verá passar os de escritores como William S. Burroughs (5 de Fevereiro), Álvaro Salema (11 de Março), Octávio Paz (31 de Março), Marguerite Duras (4 de Abril) e Julio Cortázar (26 de Agosto); o do pensador jesuíta Lúcio Craveiro da Silva (27 de Novembro); os dos artistas Dorival Caymmi (30 de Abril), Maria Keil (9 de Agosto) e António Dacosta (3 de Novembro).
Relativamente ainda a nascimentos com celebrações “redondas”, poderão ser recordados 620 anos do infante D. Henrique (4 de Março de 1394), os 500 anos de Frei Bartolomeu dos Mártires (Maio de 1514), os 450 anos de Galileu (15 de Fevereiro), os 140 anos de Churchill (30 de Novembro de 1874), os 120 anos de Florbela Espanca (8 de Dezembro de 1894) ou os 90 anos de Sebastião da Gama (10 de Abril de 1924), António Ramos Rosa (17 de Outubro de 1924) e Alexandre O’Neill (19 de Dezembro de 1924), passando ainda neste ano os 90 anos do nascimento de Fernando Campos (23 de Abril de 1924) e de Mário Soares (7 de Dezembro de 1924).
Da vida se libertaram outros nomes, acontecimento sobre que passam também aniversários “redondos” em 2014, alguns deles correndo o risco de esquecimento: 2000 anos da morte de Augusto (19 de Agosto de 14), primeiro imperador romano; 490 anos da de Vasco da Gama (24 de Dezembro de 1524), descobridor; 90 anos da de Kafka (3 de Junho de 1924), escritor; 50 anos da de Daniel Filipe (6 de Abril de 1964), poeta; 40 anos das de Ferreira de Castro (29 de Junho de 1974) e Branquinho da Fonseca (7 de Maio de 1974), ambos escritores; 30 anos das dos poetas Raul de Carvalho (3 de Setembro de 1984) e Pedro Homem de Mello (5 de Março de 1984) e do professor e ensaísta Jacinto do Prado Coelho (19 de Maio de 1984); 20 anos da do pensador Agostinho da Silva (3 de Abril de 1994); 10 anos das dos poetas Sophia de Mello Breyner Andresen (2 de Julho de 2004), Emanuel Félix (14 de Fevereiro de 2004) e José Augusto Seabra (27 de Maio de 2004).
Efemérides ainda importantes são os 150 anos do jornal Diário de Notícias (29 de Dezembro de 1864) ou os 100 anos da criação da União Portuguesa de Futebol (31 de Março de 1914, mais tarde – a partir de 1926 – designada Federação Portuguesa de Futebol). Lembrando datas “redondas”, podemos ainda mencionar (nunca será em excesso pelo que os dois acontecimentos significaram) os 70 anos sobre a primeira utilização da câmara de gás de Auschwitz e sobre o gesto do cônsul português em Bordéus, Aristides Sousa Mendes, de começar a passar vistos a refugiados, contrariando as ordens do governo português.
Se perspectivarmos 2014 em função de Setúbal, vários acontecimentos podem ser memorados: 500 anos sobre a atribuição do foral novo a Setúbal por D. Manuel I (27 de Junho de 1514); 150 anos sobre a colocação da lápide na casa em que se presume que tenha nascido Bocage (a cargo de uma comissão presidida por Manuel Maria Portela, em 10 de Abril de 1864); 150 anos sobre os nascimentos de José Maria Rosa Albino (8 de Março de 1864) e de Paulino de Oliveira (22 de Junho de 1864), sendo que este último viria a falecer em 1914 (13 de Março), acontecimento sobre que passa o primeiro centenário. Um século passa ainda sobre a nomeação de João Vaz para director interino da Escola de Desenho Industrial Gil Vicente, em Setúbal, que, nesse 1914, iniciou o curso de comércio, passando a designar-se Escola Industrial e Comercial de Gil Vicente; 50 anos sobre a reabertura do Hotel Esperança no actual edifício (28 de Março de 1964); 25 anos sobre a inauguração do busto de Francisco Sá Carneiro (10 de Junho de 1989).
Em Palmela, pode também ser assinalado o ano de 2014 como o da passagem do centenário sobre a criação de um movimento de cidadãos (5 de Abril) visando a restauração do concelho de Palmela, que estava incluído no de Setúbal desde 1855 (e só se autonomizará em 1926) e o dos 150 anos da Sociedade Filarmónica Humanitária (8 de Outubro).
OBS.: Este postal teve a colaboração de António Cunha Bento, que agradeço.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Mistérios que o tempo resolve: a lápide que lembrava Tomás António Santos Silva, em Setúbal

Em 28 de Fevereiro de 2001, o Jornal da Região (na sua edição de Setúbal e Palmela) publicou um texto meu sobre o poeta Santos Silva, que se iniciava da forma seguinte: «O nome de Tomás António dos Santos e Silva não dirá muito à maioria dos setubalenses, apesar de constar na toponímia da cidade. O jornal A Mocidade, de 1 de Março de 1909, disse ter sido este poeta cruelmente perseguido pela fatalidade e, se isso foi verdade em vida, não foi menos verdade depois da sua morte. Com efeito, a memória tem tido tendência para apagar o nome de Santos e Silva: por um lado, o largo que tem o seu nome e onde se localizava a casa em que nasceu é incaracterístico e de escassa circulação; por outro lado, a casa foi demolida há anos, surgindo no seu lugar um edifício de vários andares; a acrescer, houve ainda o facto de a lápide que estava no exterior da casa que foi berço do poeta ter sido removida com a demolição e não ter havido a iniciativa de assinalar a ligação do poeta ao dito arruamento; finalmente, a sua obra não está divulgada, tendo o poeta sido remetido para o rol dos esquecidos.»
O tempo desvenda-nos sempre alguns mistérios e a edição de O Setubalense de hoje mostra aos leitores o destino da dita lápide numa reportagem sobre alguns sem-abrigo que usam a divisão de um prédio renovado, na Rua Francisco José da Mota. Segundo o jornal, as obras de recuperação terão abrangido também o prédio traseiro, onde nasceu, em 1751, o poeta setubalense Tomás António dos Santos e Silva, amigo de Bocage. A lápide que existia nessa casa, alusiva ao poeta ali nascido, terá ficado abandonada no chão e um morador arrecadou-a e preservou-a, “devido ao seu significado histórico”. O mesmo morador lamenta ao jornal que a lápide “não tenha sido devidamente conservada e afixada na fachada da renovada casa”.
Pois ainda se está a tempo, assim haja conjugação de vontades! A memória desta terra agradeceria o gesto da reposição.
Aqui reproduzo a fotografia de O Setubalense com a lápide encontrada, cuja inscrição é a seguinte: "N'esta casa nasceu em 12 de Abril de 1751 o distincto Poeta Thomaz Antonio dos Santos Silva na Arcadia Thomino Sadino /A redacção de A Mocidade por subscripção publica mandou collocar esta lapide no anno de 1909".
Uma lápide pela memória, em 1919
Foi no seu número centenário, em 1 de Março de 1909, que o quinzenário sadino A Mocidade, em artigo sobre o poeta Santos e Silva, lançou o seguinte repto aos leitores e à população de Setúbal: "sendo hoje conhecida a casa onde este poeta nasceu, bom seria tratar-se da colocação de uma lápide comemorativa de tal facto, para que de futuro se não perca a indicação desta casa célebre".
A ideia teve logo adeptos e, ao longo de vários números, o jornal foi publicando listas de subscritores, informando, no número do início de Abril, que já obtivera de António João Guerreiro, proprietário da casa, autorização para a colocação da lápide. Tal manifestação aconteceu em 30 de Dezembro de 1909, tendo a lápide sido descerrada por José Maria da Rosa Albino, vereador representante da Câmara Municipal, com os seguintes dizeres: "Nesta casa nasceu em 12 de Abril de 1751 o distinto poeta Tomás António dos Santos e Silva - na Arcádia, Tomino Sadino. A redacção de 'A Mocidade' por subscrição pública mandou colocar esta lápide no ano de 1909".
O trabalho de cantaria foi da responsabilidade de João Gomes e a colocação da lápide deveu-se ao mestre de obras Francisco Augusto Martins, que ofereceu os trabalhos. Na subscrição, foi conseguida a verba de vinte mil e quinhentos réis, de que foram gastos dezoito mil réis para pagar a pedra e o trabalho de cantaria. Quanto aos dois mil e quinhentos réis sobrantes, por iniciativa do jornal, foram parar direitinhos "ao estimado poeta popular Sr. António Maria Eusébio, o Cantador de Setúbal", como referia a edição do jornal do dia 15 de Janeiro de 1910.
Tomás António Santos Silva:
notas para uma biografia
Em 12 de Abril de 1751, nasceu numa casa que se situava no Largo do Cemitério, mesmo em frente da porta do Cemitério da Misericórdia, o filho de Manuel António dos Santos e de Francisca Inácia. A criança recebeu o nome de Tomás António dos Santos e Silva.
A casa tinha, no princípio do século XIX, o nº 2 sobre a porta e o largo tem hoje o nome de Santos e Silva e apresenta uma configuração incaracterística, estando reduzido a dois becos, ambos a sair da Avenida Jaime Cortesão, com circulação restrita. Tendo a casa sido demolida, hoje pode ser vista através de postais que circulavam no início do século XX ou por meio de reproduções fotográficas.
Os pais de Santos e Silva eram pobres e a criança apresentava deficiências nos pés logo à nascença. A família cedo reparou que Tomás tinha inclinação para as letras e, graças à protecção do seu padrinho, o desembargador Tomás da Costa de Almeida Castelo Branco, o jovem estudou, tendo chegado a frequentar a Faculdade de Medicina coimbrã. No entanto, devido ao falecimento do seu protector, os estudos foram abandonados e o jovem dedicou-se à escrita, pois já versificava desde os 15 anos e dominava várias línguas. A marca do desgosto não o largou e a morte roubou-lhe a mulher com quem estava para casar.
Com cerca de 30 anos, vivia já em Lisboa, onde se dedicava à literatura dramática. Integrou a academia "Nova Arcádia", onde escolheu o nome de Tomino Sadino, numa evocação da sua terra, tal como o fizera Bocage, conterrâneo com o qual Santos Silva privou e de quem foi amigo. Com 45 anos, adveio-lhe a cegueira e passou a viver no Hospital de S.José, graças à protecção dos enfermeiros-mores D.Lourenço de Lencastre e D.Francisco de Almeida Melo e Castro. Porém, a administração seguinte retirou-lhe os privilégios e não lhe deu abrigo. Santos e Silva voltaria para o hospital, em 1814, já aniquilado pela doença, falecendo em 19 de Janeiro de 1816.
Depois de ter cegado, Santos e Silva não parou na escrita e socorreu-se de amanuenses que lhe preparavam os seus textos e com quem repartia o pouco que tinha. Num texto com cunho autobiográfico, que serve como introdução à sua epopeia Brasilíada ou Portugal Imune e Salvo (1815), Santos e Silva fez alusão às circunstâncias em que escrevia, considerando que muita gente não as supunha: "Nesta Casa [o Hospital], eu entrei totalmente cego, estropiado, em uma idade já provecta; e nela eu me conservo sem outro auxílio mais que o proveniente de meus tais ou quais escritos, de pouco ou nenhum momento em dias tão calamitosos, e a Caridade, que diariamente recebo, da qual me vejo comummente obrigado a repartir com os meus amanuenses, aproveitando-me dos primeiros que me aparecem, qualquer que seja o seu préstimo". Para Santos e Silva, a urgência era escrever e tal desejo e as suas possibilidades não eram compatíveis com grandes escolhas quanto aos amanuenses. Aliás, noutro passo do mesmo texto, referiu não ter possibilidades de grande revisão, publicando o poema a partir "do seu primeiro borrão".
Nessa mesma memória, Santos e Silva revela profundos conhecimentos sobre autores clássicos e sobre as mais recentes sumidades e sobre as características da epopeia, antecipando uma defesa quanto a eventuais críticas ao poema épico de uma dúzia de cantos que editava.
Os antecedentes do poema Brasilíada (que teve 314 subscritores, conforme lista apresentada no final do volume) são curiosos e reflectem o sentir do início do século XIX. Santos e Silva era admirador de Napoleão e, depois da batalha de Austerlitz (ocorrida em Dezembro de 1805), iniciara um poema em honra do corso, intitulado "Napolíada". Mas, em 1807, devido à primeira invasão francesa com Junot, Santos e Silva rasgou o poema e compôs Brasilíada com o objectivo de manifestar o seu "zelo e amor da Pátria".
Entre outras obras, Santos e Silva deixou Écloga de Tomino e Laura (1781), Estro de Tomás António dos Santos e Silva Cetobricense (1792), Por Ocasião do Sempre Deplorável Falecimento do Excelentíssimo Senhor D.Pedro Caro e Sureda (1806), Silveira (1809) e El-Rei D.Sebastião em África (póstumo, 1817). Um dos seus poemas mais conhecidos, com várias edições, é "Sepultura de Lésbia - Poema em 12 Prantos", em memória da noiva falecida.
João Reis Ribeiro. Histórias da região de Setúbal e Arrábida (vol. 1).
Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003, pp. 72-76.
[Fotos: Lápide na actualidade (trissemanário O Setubalense, de 03.Set.2008); Tomás António Santos Silva, por Luís Resende e F. T. de Almeida (1815); rostos de Poesias Originais e Traduções (1806) e de Brasilíada (1815)]