quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Sobre a "fúria" de legislar... (1)

Chama-se Maria Luísa Abreu, é de Lisboa e teve o seu comentário publicado nas "Cartas ao Director" do Público de hoje, sob o título "A diarreia legislativa do Ministério da Educação". Transcrevo porque muitas das questões levantadas são universalmente sentidas, com a agravante de não ter havido explicações atempadas para dúvidas que foram levantadas...
"Este título não é metafórico, é a tradução literal do que se passa hoje em dia em matéria legislativa na educação.
Todos os dias (em sentido literal) chegam às escolas novos e extensos diplomas: decretos, normas regulamentares, portarias e toda a espécie de documentos para serem implementados 'ontem'. Perante as páginas e páginas que urge conhecer, os professores e professoras, em vez de prepararem o seu trabalho e de dedicarem o seu tempo aos seus alunos e alunas, dedicam hoje a maior parte do seu tempo a tentar interpretar leis confusas e desconexas, que não encaixam no puzzle total. (...)
O melhor e mais recente exemplo vindo dos gabinetes é a famosa 'republicação' do Estatuto do Aluno. A meio de um ano lectivo (ninguém parece saber se é ou não de aplicação imediata, o que é particularmente elucidativo), surge este famoso documento, modificando o antigo, que era efectivamente menos mau que este - é pior a emenda que o soneto.O caso é tão grave que, no que diz respeito ao regime de faltas, é literalmente impossível aplicar o que está estipulado na lei. Corre-se o risco de ficar totalmente paralisado, dadas as implicações que as faltas acarretam. Se o objectivo é impedir que alguns alunos percam o ano por excesso de faltas, o que só acontecia em casos raros, com a existência de uma prova de recuperação obrigatória o processo complica-se inevitavelmente e não se compadece com o horário lectivo habitual de alunos e professores. Ou então é um mero artifício formal, isto é, o faz de conta à maneira bem portuguesa.
Perante este estado de coisas, só nos resta, a nós professores e professoras, fazer um apelo aos pais deste país para que reivindiquem o direito de ser informados da letra e das consequências de uma lei que penalizará por igual, na prática, tanto o aluno desleixado e preguiçoso como o aluno doente que faltou à escola por motivos de força maior. Este mesmo princípio penalizador se aplica já no regime de avaliação dos professores. A cegueira jurídica actual comprova mais uma vez a nossa tradição de campeões na feitura de leis, mas pouco eficazes na sua aplicação.
Neste momento chegou-se ao mais alto grau de produção legislativa descontrolada em matéria educativa, uma verdadeira diarreia jurídica que está a matar lentamente mesmo os mais motivados e verdadeiramente dedicados à escola. Os outros, os que não sentem e vivem a escola, já morreram há muito para a causa da educação.
"

1 comentário:

Raul Martins disse...

Políticas a retalho, que nos fazem perder o nosso tempo e a nossa energia, sem dúvida. Tem razão a nossa amiga Teresa quando desabafa (ela que me perdoe eu estar a usar as palavras dela neste contexto, mas penso que são a propósito):
" É assim que quero gastar o meu tempo. Ao serviço deles e não de políticas retalhadas que esvaziam a escola de sentido e são concebidas por quem se esquece do mais básico e elementar:
nas escolas há... alunos!
(Que precisam de tempo, do nosso tempo, da nossa maior e melhor energia...)"

E se esquecem que nós antes de sermos professores somos pessoas.

O espírito de direito parte do princípio de que os outros são tão bons como nós. O espírito dos "finórios" partem do princípio de que os outros não valem nada e que é preciso subjugá-los.

Eis chegada a hora, nesta hora, de mostrarmos também a nossa fúria.