segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Memória: Silva Duarte (1918-2011)

Conheci Silva Duarte através do Manuel Medeiros, numa daquelas ações a que o Livreiro Velho me habituou na sua Culsete, já lá vão uns anos. Fiquei nessa altura a saber que o maior andersenista português era setubalense, com estudos e traduções de Hans Christian Andersen, o escritor e viajante que andou por Portugal em 1866 e que também esteve nas terras do Sado.
Li a biografia Andersen e a sua obra (Lisboa: Livros Horizonte, 1995) e li Uma visita em Portugal em 1866 (Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984) e as Histórias e contos completos (Vila Nova de Gaia: Gailivro, 2005), uma e outras devidas a Silva Duarte, a primeira de sua autoria e as restantes, de Andersen, por si traduzidas.
Num dos poucos encontros que me foram proporcionados – acontecidos quando da Alemanha rumava até cá para ver a sua Setúbal e alguns amigos –, falámos do poeta limiano Feijó e da sua passagem enquanto diplomata pelos países nórdicos. E Silva Duarte, gentilmente, regressado a Würzburg, apressou-se a enviar-me pelo correio a sua obra António Feijó e a Suécia (Lisboa: 1961).
Já há uns anos que não o via, mas ia sabendo pelo Manuel Medeiros informações que davam conta do seu débil estado de saúde. Agora, que acabei de ler a notícia final (recuada a 23 de outubro), recordo o trato fino, uma sensibilidade enorme, um saber grande e a presença afável que revestiam o artista que era Silva Duarte. Gostei de o ter conhecido e, sempre que ler Andersen ou Feijó, terei de o lembrar.´
[foto: retirada de chapéu e bengala]

sábado, 29 de outubro de 2011

A "felicidade" dos 100 mil

O jovem sai da motorizada, tira o capacete e o inquérito sobre a felicidade surge. O clube? Não o faz feliz. A escola? Só o faz feliz nos intervalos. A namorada? Ainda não o faz feliz. Então o que o pode fazer feliz? Talvez uns 100 mil!
O desempenho é artificial, o anúncio é dos “25 dias Jumbo”, passa na televisão em horário nobre.
A gente vê e questiona-se. A cadeia de hipermercados só encontra a felicidade pelo dinheiro; não entende a felicidade pelas opções próprias ou pela vida aprendida com vitórias e com derrotas; não entende a felicidade valorizada pelo saber; não entende a felicidade da relação humana. E um jovem adolescente é empurrado para todo este mundo, aniquilando outros valores que não os do dinheiro… Nem sequer se levanta o véu de uma educação para o consumo, nada!
Uma sociedade que se interessasse consigo mesma teria já repudiado a história deste anúncio. Que pode ela esperar de jovens adolescentes que se vendem ao fascínio do dinheiro, desprezando o fascínio da formação humana? Entretanto, os dias felizes do hipermercado correm… enquanto o jovem vê a felicidade de contribuir para o anúncio dos 100 mil que não para ficar com eles… As sociedades têm os deuses que merecem, não é?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Na agenda: sobre o "Diário", de Sebastião da Gama

Da memória e da escola

«(...) A memória parece ter andado arredada da escola. O aprender de cor adquiriu uma conotação negativa entre nós, porque foi sempre associado a aprender sem qualquer "ganho hedónico". Entendo que não há melhor forma de aprender do que de cor (de cuore ou com o coração), ou seja, com esforço. Estou certo de que este esforço se traduz na aquisição de alguns automatismos que libertam a memória para o recurso a outras estratégias mais elaboradas. Devemos por isso encorajar e ensinar as nossas crianças a usarem estratégias de memória (e.g., mnemónicas motoras, mnemónicas verbais, cantilenas, etc.).
Trazer a memória para a escola dando às crianças algumas armas cognitivas que lhes permitam usá-la sem esforço e valorizá-las por as adquirirem pode ser mais um pequeno passo no sentido da melhoria do seu desempenho escolar.»
Pedro B. Albuquerque. "É preciso levar a memória de trabalho para a escola?".
Em Causa: Aprender a Aprender. Col. "Questões-Chave da Educação".
Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos / Porto Editora, 2011, pg. 92.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lembrar Rui Serodio (3) - Eu e o Rui, por Jorge Calheiros

Nunca gostei muito de escrever. E muito menos de escrever muito. Sempre fui mais dado, quando estudava, às Fisícas e Matemáticas. Mas hoje senti um enorme impulso para o fazer e partilhar com todos os que se derem ao trabalho de ler este texto aquilo que foi a minha convivência com o Rui Serodio.
Estaríamos em meados da década de 90 quando, através de um amigo do meu irmão, o Paulo Silva, conheci o Rui Serodio. O Rui estava a tocar num bar num Hotel do Montijo. Ficou desde esse momento claro para mim que era um executante brilhante.
Eu estava a desenvolver nessa altura um projecto para a criação e edição de karaoke em português e o contacto com o Rui vinha no sentido de ele poder colaborar na produção musical dos “covers” de que eu necessitava.
Fizemos umas tentativas, mas a coisa não resultou. Fiquei mesmo embaraçado sem saber o que lhe dizer, quando ouvi as primeiras provas. Iria perceber rapidamente que fazer igual ao que os outros criaram não era para o Rui.
E, com esta primeira experiência fracassada, foi começando aquilo que viria a ser uma amizade muito forte. O Rui foi, é, e será sempre um dos meus Amigos, daqueles que se contam pelos dedos de uma mão… e, às vezes, são dedos a mais.
Em 96 ou 97, já não me recordo, perguntei ao Rui: “Já tanta gente tem escrito, pintado, fotografado a Arrábida, mas nunca ninguém musicou a Arrábida. E que tal se o fizesses?”.
O Rui olhou para mim, algo surpreendido e disse-me: “Boa ideia! Vamos a isso!”
Eu, nessa altura, tinha uma empresa editora e um pequeno estúdio de gravação e disponibilizei-me para trabalharmos em conjunto. Ainda me recordo do primeiro dia de gravações em que o Rui entrou no estúdio, sentou-se ao piano e disse: “Vamos começar por colocar um RÉ”. E premiu uma tecla do piano eléctrico e manteve o som do Ré por vários minutos.
Tudo aquilo era novo para mim e pensei: “Um RÉ? Só isto?”
Assim nasceu a primeira obra que o Rui editou em CD, apenas com instrumentais seus, e que era para chamar-se ARRÁBIDA, mas que mudou o nome para SINTRA, pois acabou por ser editada pela Strauss Evolution e o nome SINTRA era mais adequado pela sua divulgação internacional. O CD SINTRA foi editado em 1998.
O Rui desenvolveu uma capacidade única de acompanhar poesia ao piano, improvisando e colocando as notas no local certo onde as palavras iam batendo. Fê-lo com muitos poetas e declamadores, ao vivo, durante toda a sua vida.
Quando em 1996 surgiu uma oportunidade de criar os fundos musicais para um CD de Sonetos de Bocage cuja produção foi da LASA-Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, o Rui mais uma vez demonstrou o seu enorme talento. O CD “SONETOS DE BOCAGE” saíu em 1996 e eu tive o previlégio de ter sido o Produtor Executivo.
O Rui não nasceu em Setúbal, mas os vários anos que viveu nesta cidade deram-lhe uma capacidade, aliada à sua enorme sensibilidade, de amar tudo o que tinha a ver com esta cidade. E tanto para ele como para mim o facto de não ter sido possível “cantar” a Arrábida era algo que nos angustiava.
Assim, começámos a preparar um novo CD, em colaboração com a empresa SAL, que, entre muitas outras actividades, tem diversos percursos pedestres na Serra da Arrábida. E nasce em 2001 o CD “Caminhos da Arrábida” com 9 temas sintetizados, muito influenciados pela música tradicional portuguesa, que sempre foi uma base de inspiração para o Rui. Este CD teve uma versão em Inglês denominada “Sounds of the Mountain”. Mais uma vez, tive o privilégio de ser o Produtor Executivo deste CD e acompanhar todo o trabalho criativo do Rui.
E cumpriu-se um desígnio: se Sebastião da Gama foi o poeta da Arrábida, Rui Serodio foi sem dúvida o músico da Serra Mãe.
O Rui adorava desafios, principalmente aqueles que punham à prova a sua capacidade de criação e de execução técnica. Um dia, depois de jantar e na minha casa, nas nossas longas conversas, perguntei-lhe: “Rui: serias capaz de contar 15 anos de história de uma empresa em música, ao piano?”. Com alguma estepefacção pela pergunta e afagando a barba esbranquiçada, respondeu-me: “Isso é muito giro... Vamos fazê-lo!”
E, durante 2 ou 3 horas, eu estive a contar 15 anos de história de uma empresa que eu tinha fundado e da qual era Presidente: a Setcom.
O Rui anotou numa folha A4 dobrada ao meio aquilo que lhe pareceu importante da vida da empresa. Em Novembro de 2001, nos estúdios Shangrilá, o Rui sentou-se ao piano e com apenas aqueles apontamentos na sua frente, criou uma obra musical com 3 partes, cada uma delas correspondendo a um período da vida da empresa. Tudo de improviso e gravado à primeira, sem “picagens” nem repetições. A parte mais curta tem 9:42. Isto demonstra a capacidade ímpar de improvisação do Rui. O CD saíu em 2 versões: uma, personalizada, para a SETCOM e outra com o título “Insights”.
Trabalhar com Rui na música e edição de discos era um prazer enorme. E, para mim, acompanhar de perto a sua genialidade era algo de indescritível.
O Rui, com toda a sua capacidade criativa fora do comum, era uma pessoa simples, humilde e por vezes até ingénua demais. Para ele, a amizade e amor pelos outros estava sempre à frente. E ouvia os outros. Eu funcionava para ele como uma espécie de consultor/produtor para a área do audio, para lhe dizer se as misturas estavam boas, se não havia ruídos, o que é que eu achava da estrutura de certos temas, etc. E que prazer eu tinha em lhe dar as minhas opiniões!
Mas a música e a poesia teriam de continuar juntas. Em 2006 e 2007, mais uma vez trabalhámos juntos na edição de 2 discos de poesia de Celeste Saiedi, editados pela minha editora, a JGC, e com a música de fundo, claro, do Rui.
Em 2007, o Centro de Estudos Bocageanos promoveu a edição de um CD com poemas de Bocage e com a música do Rui, “Perscrutando a inquietude”, no qual também colaborei, tendo a JGC sido a editora.
O nosso último trabalho em conjunto, materializado na forma de CD foi o “ Meu caminho é por mim fora”, um CD promovido pela Associação Cultural Sebastião da Gama, com textos e poemas do poeta da Arrábida e música do Rui Serodio. Mais uma vez tive o grande privilégio de ter sido o editor e ter trabalhado na mistura e masterização do CD. O disco foi editado em 2010.
A produção musical e criatividade do Rui eram inesgotáveis. Ele estava constantemente a compor e a enviar aos amigos os MP3 das suas obras. O que o Rui mais desejava era que as pessoas o escutassem e comentassem os seus trabalhos musicais.
Adaptou-se de forma ímpar à produção musical assistida por computador, o que é de todo invulgar para alguém que nasceu nos anos 30 do século passado.
Ao longo dos anos em que o conheci, o Rui passou musicalmente por várias fases. Depois do uso dos sintetizadores, que podem ser reconhecidos nos trabalhos SINTRA e CAMINHOS DA ARRÁBIDA, o Rui acabou por se dedicar à música de apenas piano, ou quando muito com umas mantas de cordas por detrás, mas tendo o piano como instrumento base e solista. E, com piano, o Rui era imbatível...
Estávamos a preparar um novo CD: “The Mystic of the Piano”. Ele já tinha tudo pronto, faltando apenas algum trabalho de estúdio de mistura e masterização e composição gráfica.
Aliás, alguns dos temas que ele escolheu para o alinhamento até já são conhecidos de muitos dos seus amigos: “An old fashioned pianist”, “Arrábida minha”, “Theme waiting for a movie”, são apenas alguns exemplos.
Na generalidade destes temas ao piano, encontramos uma carga nostálgica muito forte, uma combinação perfeita de linhas melódicas muito simples, pegando em temas de meia dúzia de notas e desenvolvendo esses temas sobre harmonias complexas e brilhantes como ele sabia fazer.
Eu sei que o Rui queria muito este CD. E vai tê-lo, pois eu irei tratar da sua produção e divulgação, para que o maior número de pessoas possam conhecer a arte impar e invulgar de um homem que adotou Setúbal como a sua cidade, e à qual deu muito: a sua ligação à Universidade Sénior de Setúbal e como maestro do coro Afina Setúbal, da CMS, são apenas alguns exemplos.
No dia 22 de Outubro de 2011 o Rui partiu. De uma forma que teve tanto de brutal como de inesperada.
É lugar comum falar bem das pessoas quando partem. Parece que as pessoas ficam maiores e mais importantes do que eram antes da Grande Viagem. Passam a ter o seu nome em ruas ou praças e alguns até passam a estátuas ou bustos.
Mas o Rui já era enorme antes de partir e eu tive o raro previlégio de privar com ele, de trabalhar com ele, de rir com ele, ou, simplesmente, de conversar.
O meu Amigo partiu. A última vez que estive com ele foi no dia 15 de Setembro de 2011 na merecida homenagem na CMS com a entrega da Medalha da Cidade. Que bom ele a ter recebido antes da sua partida!... Nesse dia, vi-o muito debilitado, mas nunca imaginei que o destino seria tão brutal como foi.
Eu e o Rui éramos grandes amigos. Não daqueles que as tecnologias vieram banalizar, mas daqueles que estão sempre num lugar muito especial dentro do nosso coração.
Por vezes, o Rui parecia um Pai. O seu cabelo e barba branca, a sua disponibilidade, a sua compreensão. Outras vezes era o irmão mais velho. Não é por acaso que na intimidade ele me tratava por Mano Novo e eu o tratava por Mano Velho... Outras, parecia um irmão mais novo... A sua simplicidade, às vezes roçando a ingenuidade, própria dos grandes seres humanos como ele era, levava-me a dar-lhe conselhos e sugestões como fazemos aos irmãos mais novos.
Ficou muita coisa por fazer. Fica sempre, é verdade, mas neste caso falamos de coisas concretas, de projectos que ele tinha e onde eu estava sempre disponível para colaborar.
Mas uma coisa é certa: tudo o que estiver ao meu alcance vou fazer, no sentido de dar cumprimento ao que o Rui mais queria: que as pessoas conhecessem a sua música. O site www.ruiserodio.com foi feito e mantido por mim. Irei trabalhar neste site no sentido de o tornar o grande portal da obra de Rui Serodio.
Só uma coisa não consigo fazer. Nem eu nem ninguém. Tocar e criar música como ele o fazia.
Tenho comigo centenas de temas que ele criou e me enviava por email. Alguns são apenas ensaios; outros, obras lindíssimas. Vou tratar de todo este espólio e dar , cumprimento à sua vontade, muitas vezes expressa, e a mim particularmente.
Um deles foi enviado em 30 de Agosto de 2011. Provavelmente o último que ele criou. Deu-lhe o nome GOOD NIGHT, MY BABY... inquietante, este nome...
O Rui partiu mas não morreu. Enquanto a sua música for por todos nós escutada e apreciada, ele estará sempre vivo nas nossas almas e nos nossos corações.
Apenas partiu... só isso...
Até logo, Mano Velho!
Jorge Calheiros

Lembrar Rui Serodio (2) - Tributo a Rui Serodio, por José Luís Nobre

Sábado, 22 de Outubro de 2011.
Ainda a consciência estava trôpega, espreguiçando o corpo e adaptando a mente aos firmes traços da realidade, já o telefone tocava. Não conhecia o número mas atendi. Tinha acabado de dizer bom dia à vida, do outro lado contaram-me da morte de um amigo. Desliguei, senti uma súbita pancada na cana do nariz, foi essa a sensação, e os soluços compulsivos que se seguiram esclareceram-me do que já suspeitava há algum tempo – o Rui Serôdio não era só um amigo. Era meu avô, pai, o tio que ensinava música e coisas da vida, e ainda o irmão mais novo (!) que recebia conselhos, atento, como um miúdo que não se cansava de tentar aprender a desenlear os nós tramados do amor e da amizade.
As causas do sucedido deixaram-me estupefacto pois ele teve o extremoso cuidado de poupar os amigos a qualquer sobressalto, e por isso o choque foi muito maior para todos. Para o Rui seria desnecessário que andássemos por aí preocupados, ele sabia que havíamos de receber notícias brevemente, fossem elas boas ou más.
Com ele percorri um caminho de trabalho, de estudo, de amizade e de generosidade cultural que muito me enriqueceu artisticamente e pessoalmente. Estou-lhe grato pelo que aprendi, honrado e orgulhoso pela nossa parceria, e devassado pela sua perda – o mundo (Cidade de Setúbal naturalmente incluída) ficou com menos um homem bom.
Domingo, 23 de Outubro de 2011
Mais de uma centena de amigos, familiares, conhecidos e admiradores juntaram-se no Cemitério da Paz para a cerimónia do derradeiro adeus.
O Outono, que pedira emprestado o sol que o Verão desperdiçou, parecia apreensivo como se de ontem para hoje, tal como os presentes, tivesse bruscamente alterado os seus humores. A cerimónia prosseguiu, rezou-se, vimos desaparecer o caixão coberto pela terra. Chorámos, e o céu juntou-se a nós no pranto.
Rui Serôdio, Eterna Amizade, Eterna Saudade!
José Nobre

Lembrar Rui Serodio (1)

Rui Serodio é um daqueles nomes que quero não esquecer. Pela amizade que me dispensou, pelo que lhe vi dar pela arte, pela atitude humana e cívica que sempre demonstrou, pela rota que sempre o vi seguir. Quero ter memória para o lembrar e para ouvir a sua música.
Esta introdução vem a propósito de dois testemunhos que recebi, originários de duas pessoas que privaram com o Rui - o actor José Luís Nobre, do TAS (Teatro Animação Setúbal), e o empresário e produtor Jorge Calheiros. São duas pessoas de quem o Rui sempre me falou com a maior veneração, ainda antes de eu ter conhecido pessoalmente qualquer um deles. Depois, acabámos por nos cruzarmos no projecto conjunto do cd com os textos de Sebastião da Gama e, a partir daí, lançar pontes de amizade.
Partilho com os leitores esses dois testemunhos. Por aquilo que eles são de retrato e de sentimento e porque, provavelmente, encontrarão eco no que muitos dos amigos do Rui também sentem e sentiram.

sábado, 22 de outubro de 2011

Memória – Rui Serodio (1937-2011)


A notícia chegou brutal: morreu o Rui. Do lado de lá, o Jorge Calheiros falava emocionado. E foram uns segundos de silêncio a tentar aceitar o destino… ou o abismo.
Há dois dias, enviei-lhe uma mensagem a saber da sua saúde e a dizer-lhe que tinha saudades de nos encontrarmos. Não respondeu. Como já não respondia a vários amigos há algum tempo. O estado de saúde não deixava…
Logo que o Jorge acabou de me dar a notícia, telefonei a outros amigos comuns. Espanto, desgosto, dor. Refugiei-me a ouvir, porque a tinha no carro, a música “Arrábida Minha”, que o Rui Serodio integrou no cd “The mystic of the piano”, homenagem que ele merece.
Tenho saudades do Rui. Muitas. Do seu humor fino. Do seu saber musical. Da sua vontade de animar projectos. Dos seus sonhos envolvidos em pautas e em sonoridades afáveis. Do seu estar. Do nunca saber dizer que não. Do seu olhar sobre a música – deixou registado no seu blogue: “Passei toda a minha vida integrado no mundo activo da música e estou intensamente ligado ao passado. A minha música pode parecer, muitas vezes, enigmática, mas é, frequentemente, o reflexo de duas formas de arte combinadas, a poesia e a pintura.”
Fico satisfeito porque tive a oportunidade de finalizar um projecto com ele – o do cd “Sebastião da Gama – Meu caminho é por mim fora”, cuja música é de sua autoria. Um dia, telefonou-me a dizer algo como: “Tenho arranjado música para muitos poetas e sinto-me mal por ainda não ter musicado Sebastião da Gama. Vamos fazer esse projecto?” Disse-lhe logo que sim e só depois fui ouvir os meus colegas da Associação Cultural Sebastião da Gama. Todos concordaram e o projecto começou a andar. E chegou a bom porto. A nossa satisfação foi grande. E a do Rui também, mesmo porque sentia que pagava um tributo ao poeta da Arrábida!
Tenho saudades do Rui, tenho. E vou continuar a ouvi-lo, porque ele merece. E a nossa amizade também. Fico contente por ter conhecido o Rui!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Rostos (171)

Vendedora de galinhas e de ovos, de Augusto Cid (2011), em Setúbal, no Mercado do Livramento

Rostos (170)

Vendedora de flores, de Augusto Cid (2011), em Setúbal, no Mercado do Livramento

Rostos (169)

Homem do talho, de Augusto Cid (2011), em Setúbal, no Mercado do Livramento

Rostos (168)

Descarregador de peixe, de Augusto Cid (2011), em Setúbal, no Mercado do Livramento

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Faces do Mercado do Livramento


Na semana passada, o Mercado do Livramento, em Setúbal, reabriu nas suas já antigas instalações, remodelado, repensado, atraente. Obra de recuperação ainda não concluída, merece uma visita e um olhar de simpatia. Merca-se, aprecia-se, leva-se o olhar a saborear, sente-se a vida e a história - talvez a identidade também - de uma região.
Uma novidade são as esculturas de Augusto Cid alusivas a profissões ligadas aos mercados, particularmente ao Mercado de Setúbal. Quatro esculturas - quatro - de outras tantas figuras características deste espaço, em que o traço do humorista e do escultor vingou, deixando retratos apetitosos e elucidativos... Por lá nos encontramos com a vendedora de galinhas e de ovos e a vendedora de flores (ambas em cima) ou com o descarregador de peixe e o homem do talho (ambos em baixo). Um pormenor sobre estas quatro obras: foram oferecidas pela Fundação Buehler-Brockhaus, uma instituição que tem apoiado projectos vários na cidade sadina.

A crise debatida em Setúbal

O Setubalense: 17.outubro.2011

domingo, 16 de outubro de 2011

Máximas em mínimas (73) - Regina Samagaio

Muito e pouco - "Quem não tem muito para oferecer, o pouco que vem à tona é uma preciosidade a lapidar."

Corrida - "A gente não consegue viver. Quer correr, chegar primeiro à meta, não olha para a paisagem ao redor dos passos."

Elogio - "Enaltecer os outros é uma boa forma de os atrair. O elogio é uma teia de aranha, cativante e discreta no propósito. (...) É a vitamina principal dos relacionamentos humanos."

Regina Samagaio. "Entrevistas de Emprego". Novos Talentos FNAC Literatura 2011. Lisboa: FNAC / Teodolito, 2011.

sábado, 15 de outubro de 2011

Manuel da Fonseca - "Tejo que levas as águas", por Adriano Correia de Oliveira

Em 1975, Adriano Correia de Oliveira dava a conhecer o disco Que Nunca Mais, colectânea que reunia poesia de Manuel da Fonseca (“Tejo que levas as águas”, “O senhor gerente”, “As balas”, “No vale escuro”, “Tu e eu meu amor”, “Recado a Helena”, “Dona abastança”, “Cantiga de Montemaior” e “Prá frente”) musicada pelo próprio Adriano. Aqui fica “Tejo que levas as águas”, pescado no youtube.

No centenário de Manuel da Fonseca - "Aldeia"


Aldeia

Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar
se assustam pombos bravos
e acordam ecos no descampado.

Planície (1942)

De Manuel da Fonseca e do Neo-Realismo

Manuel da Fonseca faria hoje 100 anos. Ainda neste ano, em 29 de Dezembro, passarão também os 100 anos do nascimento de Alves Redol. E já neste ano, em 7 de Agosto, passaram os 100 anos do nascimento de Políbio Gomes dos Santos. Três nomes ligados ao neo-realismo literário português, três nomes a não serem esquecidos nas escolhas de leituras que se devem fazer.
Uma boa sensibilização para estes nomes e para o que foi a importância do neo-realismo pode partir do dossiê “O neo-realismo ainda conta?” que a revista Os Meus Livros deste mês (nº 103) publicou. Por lá passam abordagens destes três autores; lá se fala da importância de títulos como a colecção “Novo Cancioneiro” ou os periódicos O Diabo, Sol Nascente ou Vértice; ali se evoca ainda Mário Dionísio e Carlos de Oliveira, bem como se podem ver as ligações de Júlio Pomar ou de Manuel Ribeiro de Pavia ao movimento. Por ali vogam as palavras de escritores de hoje como Urbano Tavares Rodrigues (para quem o neo-realismo levou adiante “esse empenho em ser verdadeiro, em mostrar como se é, porque se é”), Paulo Vieira (que rejeita a necessidade de “a literatura doutrinar o leitor”), David Machado (que associa o neo-realismo à datação) ou Valter Hugo Mãe (com as preferências pela poesia de Carlos de Oliveira). Por lá ressaltam também as palavras de David Santos, director do Museu do Neo- Realismo vilafranquense, a requerer estudos críticos e equilibrados sobre a época, bem como as de Maria Alzira Seixo, que, sobre Manuel da Fonseca, diz que “nada [na sua obra] é simplista” e que “cumpre todos os parâmetros de análise literária para ser considerado um autor que não merece não ser lido”.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Rogério Fernandes em Palmela

Hoje, Rogério Fernandes faria 78 anos. Coincidentemente, hoje, em Palmela, no cine-teatro S. João, foi inaugurada a exposição “Rogério Fernandes – Vida e Obra – 1933/2010”, integrada no programa da Recepção à Comunidade Educativa, promovido pela Câmara Municipal de Palmela.
A exposição, resultante de parceria entre a Universidade Lusófona e a Fundação Calouste Gulbenkian, perpassa pelas diversas áreas de intervenção em que Rogério Fernandes ficou conhecido: a literatura, o jornalismo, o ensaísmo, a educação, a intervenção cívica e política e a investigação. Além dos painéis concebidos por Henrique Cayatte, o visitante poderá ainda apreciar considerável número de espécimes bibliográficos da obra de Rogério Fernandes nas áreas da investigação, da literatura e da tradução. A abertura da exposição teve ainda a participação de Daniel Pires, do Centro de Estudos Bocageanos, que traçou o perfil do homenageado, abordando não apenas o percurso biográfico, mas também o seu legado, sobretudo na afirmação da Seara Nova.
Recordo o que se passou há pouco mais de 31 anos, quando, em 27 de Maio de 1980, com mais três colegas, entrei no gabinete de Rogério Fernandes, ali para os lados de Picoas. Andávamos às voltas com um trabalho sobre o conto “Idílio Rústico”, de Trindade Coelho, destinado a uma cadeira da Faculdade de Letras orientada pela professora Fátima Freitas Morna. Entre a bibliografia de que obtivemos informação, constava o Ensaio sobre a Obra de Trindade Coelho, de Rogério Fernandes (Lisboa: Portugália Editora, 1961). A rapariga que integrava o grupo obteve o contacto do local de trabalho de Rogério Fernandes e resolvemos telefonar-lhe a pedir um encontro para nos falar sobre o autor transmontano. Acedeu e marcou-se data. Quando lá chegámos, nesse dia 27, Rogério Fernandes recebeu-nos com a oferta de um exemplar da obrinha para cada um de nós, já previamente autografado e com dedicatória individualizada. Fiquei impressionado e comovido com o gesto, porque, estudante universitário que era, ainda no início da licenciatura, não esperava tão especial atenção de um autor, que conhecia já de nome… Mais entusiasmado fiquei depois com a conversa – durante quase duas horas, conversámos sobre Trindade Coelho, sobre a universidade, sobre participação. Rogério Fernandes desfez-se em bonomia, em atenção, em generosidade, em empenho e pediu que, depois, lhe fizéssemos chegar uma cópia do nosso trabalhito…
Cruzei-me mais duas vezes com Rogério Fernandes – uma vez, numa reunião em que se debateu o papel da Inspecção-Geral de Educação, promovida por Marçal Grilo, então Ministro da Educação; outra vez, em Setúbal, em 2005, quando Rogério Fernandes aqui veio palestrar no programa do segundo centenário da morte de Bocage. Em ambas as ocasiões lhe relembrei o fascínio que o seu gesto de 1980 tinha exercido sobre mim e a conversa era acompanhada de um sorriso de bonomia, não sei se por lembrança, se por contentamento de ver a memória do meu fascínio, se porque o relacionamento deve ser apenas assim.
Hoje, tive de lembrar estes fragmentos de vida que me deixaram saudade. E houve uma frase patente no catálogo da exposição que me revelou parte do quase mistério daquele sorriso – “educar é aceitar e respeitar a pessoa, ajudando-a a criar a sua felicidade e a participar na felicidade dos outros.” Na memória, agradeci, uma vez mais, a Rogério Fernandes o privilégio daqueles momentos.
Por tudo o que foi o percurso de Rogério Fernandes, esta exposição não pode passar em vão. Ela pode ser vista naquele espaço até 15 de Dezembro.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Do discurso de Jardim

O senhor Jardim voltou a garantir o seu lugar de presidente no governo regional da Madeira. O discurso de vitória foi confrangedor, mesmo com aquela rábula dos óculos que lhe faltavam… Leu o discurso – triste discurso – com as armas apontadas a Lisboa. Sem novidade. Continua igual a si mesmo…
Questiono-me como é que um homem que terá dito que se arrependeu de não ter feito ainda mais dívida, que chama vigaristas aos governantes nacionais, que lhes garante luta e oposição por uma Madeira que é a sua e não a portuguesa, que os acusa de facadas nas costas… continua a merecer a confiança político-partidária.
Não me venham com questões de estilo e outras que tais! É apenas uma questão de decência democrática e de respeito pelos portugueses, inclusive os madeirenses (todos os madeirenses, que é impossível que vejam o continente com o tom grotesco com que o senhor Jardim o descreve!); o que se lhe tem ouvido é tanga!

Face da terra (5)

Na Lapa de Santa Margarida, na Arrábida

domingo, 9 de outubro de 2011

Rostos (167)

João Baptista Machado (mártir), em vitral, na Sé de Angra do Heroísmo (Terceira, Açores)

sábado, 8 de outubro de 2011

António Damásio entre Shakespeare e Fitzgerald

Uma fotografia de António Damásio faz a capa da última edição do JL, saída na quarta-feira, abrindo porta para uma entrevista assinada por Maria Leonor Nunes e Luís Ricardo Duarte. Ciência, cultura e um percurso pessoal dão as mãos nesta conversa, de onde ressaltam as ligações com a literatura. Num trajecto entre a representação e a alma humana, entre Shakespeare e Fitzgerald, entre Hemingway e Hamlet.
Shakespeare – “Não tenho um autor preferido. Se tivesse que ter um ele seria, possivelmente, Shakespeare. (…) [Ele] foi muito mais longe no campo da observação do humano. Será nesse sentido o autor mais importante de todos os que li. E é especial, porque sendo um dramaturgo acaba também por no ser representado.”
Alma humana – “Todos os grandes escritores lidam com a mente e são capazes de fazer muitas observações interessantes e descobrir muito sobre os seres humanos. Mas não creio que mais profundas do que aquelas que fez Shakespeare ou quem quer que seja que escreveu aquelas peças.”
Hemingway – “Hoje olho para Hemingway e já não o acho espectacular como aos 16 anos. Vejo muito mais as limitações da pessoa e dos cenários em que trabalhou. Estive mais do que uma vez na sua casa, onde se suicidou, até experimentei a sua máquina de escrever. E pensando na cor das paredes, horrorosa, teria sido impossível para mim escrever em salas com aquela cor. Tudo isso pesa muito nos juízos que acabamos por fazer ao longo dos anos sobre os homens que achávamos extraordinários. Mas também tem que ver com a profundidade das obras. Há 40 anos, Hemingway era para mim mais interessante do que Fitzgerald. Hoje, é precisamente o contrário.”
Hamlet – “Só há uma personagem de ficção sobre a qual podemos reflectir a vida inteira: Hamlet. Aliás, grandes actores têm desempenhado o papel, dirigidos por grandes encenadores, e com tantas interpretações possíveis. O último Hamlet de Peter Brook e o mais antigo são muito diferentes. Porque Brook mudou e os actores são diferentes. O Hamlet de Christoph Clark não tem nada a ver com o de Lawrence Olivier, ou de Tony Richardson ou de Richard Burton. Tudo depende das personalidades que estão em jogo.”
Representar – “Tanto o teatro como o cinema são metáforas muito poderosas em relação ao que se passa na mente. Só que os filmes que se projectam no ecrã, tal como uma representação num palco, por melhores que sejam, são sempre incompletos em relação ao ser humano. Porque lhes falta o corpo. Ou seja, aplicam-se bem ao espírito humano, à maneira como o cérebro analisa o mundo exterior, assim como certos aspectos do interior, mas falta-lhes a ressonância que só pode vir de um corpo vivo. Aquilo que nós somos é muito mais completo. (…) O ser humano é o mais completo cinema possível, enquanto que o cinema propriamente dito é uma pálida representação do espírito humano.”

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tomas Transtromer, Nobel da Literatura 2011


Lisboa

No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.

“Mas aqui!”, disse o condutor e riu à sucapa como se cortado ao meio,
“aqui estão políticos”. Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.

Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
“será verdade ou só um sonho meu?”

Tomas Tranströmer (poema de 1966)
(21 Poetas Suecos. Lisboa: Vega, 1980. Tradução de Vasco Graça Moura)

Steve Jobs (1955-2011)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Máximas em mínimas (72) - Livro

"Um bom livro é como um jardim que se leva no bolso." (provérbio árabe)
José H. Barros de Oliveira. Sabedoria Popular - Provérbios Portugueses e Estrangeiros. Prior Velho: Paulinas, 2004.

Dia Mundial dos Professores

Proclamação da República

domingo, 2 de outubro de 2011

Verdades de Rui Zink

A propósito da publicação do seu mais recente romance, O amante é sempre o último a saber, Rui Zink é entrevistado na edição deste mês de Os Meus Livros (Antanhol: CELivrarias, nº 103), em conversa conduzida por João Morales. É daí que reproduzo os seguintes excertos:
Espaço Virtual e Misticismo – “Quantas pessoas há na igreja e quantas estão online? Outro inquietante sinal dos tempos: começo a ver mais taxistas ao telemóvel do que com emblemas do Benfica.”
Vida e Realidade Virtual – “Cada vez mais, cabeças e corações vão estar mais separados do corpo, como não se via desde a corte de Henrique VIII. O lado bom é que o índice de doenças venéreas vai diminuir entre os jovens. O lado mau é que os vírus de computador vão passar a provocar herpes.”
Futuro – “Somos uma espécie tramada. Pelo menos os homens, que são quem mais tem mandado nisto tudo. Pessoalmente, acho que não somos bons para ninguém excepto quando estamos a ler um livro. E mesmo assim, depende do livro. Por alguma razão hoje quem mais lê são as mulheres. Benditas mulheres. Deus existe? Sim, mas existiria ainda mais se fosse no feminino. Não seria tão bom podermos dizer que, mais do que amor, Deus é amora?”
Ironia e Humor – “Acho apenas que há muito pouca coisa verdadeiramente grave, e devemos guardar os nós na garganta para essas ocasiões. Entre outras coisas, o humor é uma força moral, no triplo sentido da palavra: traduz uma ética, dá ânimo, desmascara hipocrisias. Mais económico e mais limpo não há.”

Inês Pedrosa entre a morte da literatura e os direitos de autor

Na revista Ler deste mês (Lisboa: Círculo de Leitores, nº 106), Inês Pedrosa escreve sobre "A morte da literatura", onde diz, a dado passo:
Quando morre um escritor os seus livros têm um pico de vendas – derradeiro e irónico prémio. Depois desaparecem das notícias e, estando impedidos de dar entrevistas provocatórias (embora às vezes apareça uma ou outra inédita, a título póstumo…), vão-se sumindo. Ficam os livros – enquanto houver editores que entendam a edição como um serviço ao futuro.
A protecção dos direitos dos autores mortos é, demasiadas vezes, o seu segundo enterro. Durante 70 anos a publicação fica à mercê dos herdeiros – que muitas vezes se desentendem, ou pretendem fazer do seu antepassado uma potencial mina de ouro. Vinte e cinco anos seria justo – para honrar os filhos ou os mais próximos. José Rodrigues Miguéis, por exemplo, não merecia estar tão morto como está, por falta de edição. Isso, sim, é a morte da literatura.”
Acrescentar alguma coisa? Quanto aos herdeiros, há também os que desvalorizam a obra e contribuem para o esquecimento. E, quanto a Miguéis, bem recordo que, quando há cerca de três anos, pensámos, na minha escola, que os alunos deveriam ler Uma Aventura Inquietante, rapidamente tivemos de desistir porque não era possível encontrá-la no mercado… E de quantos outros autores podemos falar nas mesmas circunstâncias?