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quarta-feira, 30 de maio de 2012

N'«O Setubalense» de hoje - José Luís Neto e a identidade pela arqueologia


«Depois desta provocação, comecemos então a discussão». Assim se conclui a obra Túbal te fez – Arqueologia, património e cultura periférica, de José Luís Neto, recentemente aparecida (Setúbal: Prima Folia, 2012), que, ao longo de uma introdução e de uma dúzia de capítulos, se passeia por questões da identidade sadina, num percurso que decorre entre 1721, registo de nascimento da Academia Problemática e Obscura de Setúbal, e 2007, data do aparecimento da Prima Folia.
O contributo para esta identidade ressalta do mundo da arqueologia, área e saber problematizado que ajuda a questionar verdades que foram deixando de o ser ao longo do tempo porque também na arqueologia há correntes, caminhos, modas.
José Luís Neto não esconde na nota introdutória a sobrevalorização da perspectiva arqueológica que dominará o livro, seja porque confessa analisar os arqueólogos que foram descobrindo Setúbal (e a sua obra), seja porque decide criar uma teia em que a arqueologia se emaranha com os poderes e com os cidadãos, seja porque segue o princípio de que esta área de investigação concilia dois tempos – o passado sobre que se investiga e o presente sob que se analisa.
Da junção de tais ingredientes ou princípios, só pode sair uma leitura airosa e arejada sobre o que em Setúbal tem feito história, questionando métodos, confrontando limites, passando os movimentos à lupa, destacando as figuras que têm tentado descobrir a identidade setubalense, insistindo na inscrição, necessária para que haja memória.
O título da obra parte, aliás, de uma tentativa de interpretação das origens – Túbal, a personagem bíblica, associada à arca e ao dilúvio. Não é que José Luís Neto vá por aí, mas é a associação de vários saberes que não podem ser confrontados no sentido de uns anularem os outros, antes de todos se complementarem. E pelo caminho vem também a história de Cetóbriga, acentuada, de resto, com as escavações do século XIX. Duas interpretações que não colidem, antes são apresentadas como sinais dos tempos em que foram geradas como sinais de leitura explorados à saciedade.
Compreender o que tem sido a história desta terra sadina ajuda a explicar os fenómenos de sucesso temporário, bem como os tempos de insucesso que se lhes seguem, uma rotina que não é de agora, que não é recente, que já polvilha as margens do Sado desde que é possível fazer história, aí se mesclando indústria, comércio, religião, política, internacionalizações, auges e declínios, algo que ajuda a compreender ainda a miscigenação de populações que têm construído Setúbal desde sempre, não faltando símbolos, sejam eles vultos da cultura local (Todi e Bocage são incontornáveis) ou marcas deixadas na pedra e no património construído (igualmente imprescindível é o Convento de Jesus, além de outros sítios como a Fonte Nova, a Anunciada, Fontainhas, entre outros).
Esta leitura é um passeio pelas formas de problematizar e fazer a história, algo que José Luís Neto só claramente diz quase no final, assumindo reflectir «sobre a história da arqueologia sadina», sobre «conceitos como o da identidade local», embora andando na companhia de nomes importantes na área da colecção de saberes ou da descoberta, como sejam os de Almeida Carvalho, Arronches Junqueiro, Marques da Costa, Tavares da Silva e muitos outros.
Túbal te fez é um contributo importante para se ler a história de Setúbal, obra a ser vista para que haja entendimento, não tanto certezas mas ligações das histórias em que Setúbal navega àquelas que fazem mover o mundo, apesar de uma apresentação gráfica que necessitaria de mais cuidado, de uma capa que pode induzir em leituras pouco consentâneas com a riqueza de pensamento que por esta centena de páginas se nos dá e de algumas informações que carecem de correcção ou, pelo menos, de explicação (o Centro de Estudos Bocageanos, CEB, não nasceu do MAEDS, Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, como é dado a entender, antes promoveu algumas das suas actividades no espaço daquele Museu; a LASA, Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, não pode ter nascido do Museu de Setúbal, como é dito, uma vez que a LASA foi criada em 1955 e o Museu de Setúbal foi instituído em 1961).

terça-feira, 29 de julho de 2008

Para uma antologia da região de Setúbal (6): "Nossa Senhora da Anunciada", por Carlos Fernando Russo

Nossa Senhora da Anunciada, em Setúbal, é paróquia desde 1553, instituída pelo mesmo diploma que criou a paróquia de S. Sebastião. O nome da freguesia anda associado a lenda desde o século XIII, mas revela o fervor que ali despontou, ao longo de uma história que nem sempre foi pacífica. O espaço que constituiu a primitiva igreja da Anunciada e o hospital que lhe foi anexo são hoje serviços diocesanos, com estrutura remodelada recentemente, pretexto que levou ao aparecimento do livro Nossa Senhora da Anunciada – Devoção e História no Povo de Setúbal, de Carlos Fernando Russo (Prior Velho: Paulinas, 2008).
Ao longo de meia centena de páginas, Carlos Russo traça a história dos dois edifícios: a igreja, desde o que seria a ermida fora de muralhas em honra da Senhora da Anunciada, passando pela criação da Confraria respectiva, pela protecção régia, pelos desastres provocados pelos terramotos de 1531 e de 1755, pela criação da paróquia, pela igreja que foi dos jesuítas, pelas vicissitudes das misturas de momentos políticos conturbados (implantação da República), pelas utilizações do espaço que foi da igreja para fins absolutamente diferentes dos religiosos; por outro lado, o hospital, desde a sua função de aplicação dos princípios da caridade e das obras de misericórdia até à passagem para a Santa Casa da Misericórdia, com referências à enfermaria dos frades (onde morreu Frei Agostinho da Cruz). O autor confessa a dificuldade na obtenção de documentos que contem a história, mas insere alguns que se revelam importantes para demonstrar a importância deste espaço e deste serviço para Setúbal ao longo dos tempos, seja através de crónicas e testemunhos, seja por meio de diplomas régios.
O livro é ainda constituído por mais três textos, que surgem como “apêndices” – José Luís Neto, arqueólogo, escreve sobre “A intervenção arqueológica no Hospital da Confraria de Nossa Senhora da Anunciada – Dados Preliminares”, tarefa exigida pelo facto de este espaço se situar no centro histórico de Setúbal e ter carecido de movimentações de terras, em que historia a arqueologia urbana em Setúbal e dá conta das sondagens que ali efectuou em 2006; Nathalie Antunes-Ferreira assina “Os indivíduos exumados na Igreja de Nossa Senhora da Anunciada”, a partir da quase centena de inumações, concluindo sobre doenças várias que afectaram os indivíduos (85 adultos, 10 não-adultos, sendo os de sexo feminino mais do dobro relativamente ao masculino); Angelino Gomes, arquitecto, subscreve “Memórias do Projecto de Remodelação da Cúria de Setúbal, Novos Tempos”, apresentando uma memória descritiva das obras de adaptação levadas a cabo, que constituíram tarefa “de difícil génese devido à ocupação de numerosos espaços com paredes anteriores ao terramoto de 1755, o que dificultou a leitura do espaço na sua integralidade”.
Torna-se útil esta obra pelos recuos que faz na memória e na história e por congregar um interessante conjunto de informação pluridisciplinar sobre um espaço importante para a consolidação da cidade de Setúbal.
Carlos Fernando Russo (n. 1961), setubalense, é pároco de Alcochete e é ainda autor de A Ordem de Santiago e o Papado no tempo de D. Jorge: De Inocêncio VIII a Paulo III (Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2007), que constituiu a sua tese de mestrado.