domingo, 30 de abril de 2017

Sobre a vida e a sua alegria, de acordo com José Tolentino Mendonça



"Resmungamos com a vida. Falta-lhe alguma coisa, nunca nada é perfeito, nada está acabado ou resolvido. É como se estivéssemos a jogar um jogo insolúvel: se temos o poço, falta-nos a corda; se temos a corda, falta-nos o balde; se temos a corda, o balde e o poço, falta-nos a força de ir até ao fundo da nascente buscar a água que nos dessedente. (...) Cada um de nós tem tudo o que precisa para experimentar a alegria. Não é um problema de conhecimento, é uma questão de olhar. Olharmos para o que somos e para o que nos rodeia com um coração simples, capaz de perceber o dom que nos habita. Pois, se encostarmos o ouvido até mesmo junto das nossas maiores derrotas compreenderemos que a nossa vida canta!"
José Tolentino Mendonça. "Do uso do fracasso".
(Expresso - revista E: nº 2322, 2017-04-29, pg. 94)
Foto: Convento dos Capuchos, Sintra

sábado, 29 de abril de 2017

A propósito da "gorda" que é a "Menina da Mala", de João Duarte, em Setúbal, e de outras possíveis esculturas



As celebrações do 25 de Abril em Setúbal foram a oportunidade para a inauguração de uma escultura na Avenida Luísa Todi da autoria de João Duarte, “Menina com Mala”, de uma série de três, conhecidas como “as gordas” (outra escultura, “Menina com Cadeira”, no Largo Francisco Soveral, de 2016, e uma outra, "Dolce Vita", no Largo da Misericórdia, de 2015).
Esta, que transporta a mala, tem também a máquina fotográfica. Turista à procura da identidade dos outros ou apenas curiosa por ver a sua congénere que está no largo mesmo em frente, depois de passado o túnel que lhe dá acesso?
Quanto à máquina fotográfica, não podemos esquecer a cada vez mais presente prática de os visitantes quererem registar o visto (incluo-me no rol). Mesmo quando nos deixamos ofuscar pela prática dos turistas orientais que bombardeiam a paisagem e os museus com disparos de máquinas fotográficas!... A este propósito, não posso deixar de me lembrar de António Ferro, que, a propósito de uma visita aos Estados Unidos no final da década de 1920, registava a seguinte nota de viagem: “O ‘Overland Limited’ vai passar o Great Salt Lake. É uma linha férrea construída milagrosamente, sobre um lago imenso, um lago que sonha com o mar. Uma travessia de mais de duas horas. O ‘Observation Car’ tem uma enchente. Todos os passageiros querem ver o espectáculo único. Os japoneses, na plataforma da carruagem, apontam kodaks, como pistolas, para todos os lados.” (Novo Mundo Mundo Novo. Lisboa: Portugal-Brasil Sociedade Editora, 1930, pg. 158). Já nessa altura os disparos das máquinas fotográficas dos japoneses eram o que se vê... só não haveria os “sticks”!
Mas vamos às esculturas “gordas”. Por mim, gosto! É uma forma de o transeunte, turista ou não, parar, contemplar e rir. Ainda ontem, quando fui ver a escultura, me entretive a ouvir os comentários de alguns passantes. E não fomos em grupo nem combinámos, cruzámo-nos lá. Bem divertido! E todos ríamos com gosto, como se a escultura estivesse ali para suscitar os comentários, para nos interpelar... E estava!
Nas redes sociais, a discussão tem sido acalorada. Normal, num espaço onde se discute tudo, mesmo que não se saiba o quê. Com concordâncias e discordâncias fundamentadas, mas também com apreciações a fazer o jeito à ideologia... Por mim, gosto das esculturas, insisto!
Recordo o momento em que, há uns anos, em Monchique, me cruzei com estátuas nos passeios ou em que elas se cruzaram comigo. E o passeio parava por momentos, como se fôssemos convidados a parar. E gostei.
Por mim, insisto outra vez, gosto. E divirto-me a olhar as esculturas e a ver os outros a olharem-nas e a comentarem-nas. Como gosto das manifestações de “street art” que têm animado a cidade. Ainda bem que, em Setúbal, se está a dar importância à arte pública! Aliás, estamos a dar importância! E digo isto sem qualquer compromisso com o poder, que não o tenho.
É claro que podemos propor a quem de direito outros monumentos. Sobretudo num tempo em que as rotundas vão ganhando espaço. E, por mim, avanço com três propostas: José Afonso, Vasco Mouzinho de Quebedo e Hans Christian Andersen. Discutíveis, eu sei, sobretudo se pensarmos que poderiam ser outras três e outros três os motivos e os homenageados. Mas dou a cara por estas: a do José Afonso, por ser um símbolo de Abril, por ser uma marca dos cantautores e da música de intervenção, por ser um poeta-músico e ter ligação intensa às terras de Setúbal; a de Quebedo, por ter sido o autor da segunda maior epopeia em língua portuguesa, assim considerado pela cultura, e pela sua filiação setubalense; a de Andersen, por ter sido um estrangeiro que visitou Setúbal e de Setúbal disse e escreveu muito bem, justificada ainda porque seria uma forma de honrarmos quem nos visita com a dedicação ao outro, neste caso um estrangeiro (Málaga, em Espanha, que ele visitou e sobre a qual escreveu, erigiu-lhe monumento em lugar nobre da cidade, com cerimónia que envolveu o reino da Dinamarca; Nova Iorque - que ele não conheceu e sobre a qual não escreveu, mas que tem dinheiro - ergueu-lhe estátua grandiosa no Central Park).
Haja espaços e patrocinadores e a identidade de Setúbal continuará a passar também por estas manifestações!

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Memória: Padre Carreira das Neves (1934-2017)



Tive a sorte de contactar o padre Carreira das Neves há mais ou menos três décadas, a propósito de um congresso que houve na Católica, ali levado por uma amiga, a Maria Tabita (que já não vejo há anos). Impressionou-me a sua inteligência e a sua simplicidade, o seu à-vontade e o seu pôr os outros à vontade, a sua disponibilidade e o seu humor.
Nunca mais nos encontrámos, mas fui seguindo algumas das suas intervenções (algumas marcantes na televisão) e alguns dos seus textos. E sempre admirei o seu raciocínio e forma de ser cristão esclarecido, aberto e interventivo, bem como a capacidade para tornar simples aquilo que nos estudos bíblicos parece complexo. A sua entrevista de cunho autobiográfico publicada em 2013 (Edições Paulinas) trouxe para título uma frase elucidativa: “O coração da Igreja tem de bater”, que é um absoluto compromisso com a vida e um manifesto.
Obrigado, padre Joaquim Carreira das Neves!    

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Dois quadros para o dia de hoje: entre Delacroix e Picasso

No plano das efemérides, o dia de hoje pode receber as cores de dois quadros, um e outro relacionados com momentos históricos bem conhecidos, ambos repletos de energia e de significado quanto ao que o poder tem de mais enérgico ou de mais macabro, os dois pintados quase sobre o momento dos acontecimentos (no mesmo ano em que sucederam, numa leitura que distou dois a três meses dos factos evocados).
A revolução decorrente dos acontecimentos de 1830 em França encontra expressão no quadro "A Liberdade guiando o Povo", de Delacroix (1798-1863), pintor romântico, nascido em 26 de Abril. Os acontecimentos a que o quadro respeita ocorreram em Julho e, poucos meses volvidos, no outono desse ano, Delacroix passava à tela a sua interpretação heróica, por vezes considerada panfletária também.


A outra tela escolhida é de Picasso e está relacionada também com um acontecimento histórico, muito triste acontecimento, diga-se. Também em 26 de Abril, mas em 1937, a população de Guernica foi bombardeada durante mais de três horas, com o apoio alemão, um ataque sob o regime franquista de que ainda hoje parece não haver certezas quanto ao número de mortos. Picasso (1881-1973), a viver em Paris na altura, fora convidado pelo governo espanhol no início do ano para pintar um mural que representasse a Espanha, com o objectivo de ser exposto na Exposição Universal de Paris, que se realizaria nesse ano (abertura em 12 de Julho). A ideia original de Picasso era pintar um elogio à arte; porém, ao saber dos acontecimentos em Guernica, mudou de opinião e o quadro que apresentou, cheio de movimento e de contrastes entre preto, cinzento e branco, teve o título de "Guernica", homenagem ao sofrimento e à dor, grito contra a destruição pela guerra.


terça-feira, 25 de abril de 2017

O espírito de Abril - Pelo 25 de Abril!




O espírito de Abril, do 25 de Abril, sempre o vi desenhado em dois cartazes, hoje emblemáticos do tempo e do momento, mas depositários de uma mensagem que devemos manter viva: o que reproduz uma fotografia da autoria de Sérgio Guimarães, com a criança a colocar o cravo na arma, e o de Vieira da Silva, com a frase "A poesia está na rua". Pelo 25 de Abril!

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Duas notas de fim de semana: entre concertos e livros



Primeira: Assisti aos dois concertos promovidos conjuntamente pelo Coro Gospel de Azeitão e pelo Coro do Conservatório Regional de Setúbal. Foi o concerto “Happy Days”, primeiro em Azeitão, no auditório da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, em 21 de Abril, e depois em Setúbal, no Forum Luísa Todi, em 22 de Abril.
Uma combinação perfeita, dominada por espirituais negros tradicionais, experiência inicial entre os dois coros, com público entusiasmado e participativo, com coralistas empenhados e um trabalho notado. Valeu bem a pena! E, por isso, o agradecimento a todos os participantes, a todos os “fazedores” deste evento, sobretudo a John Fletcher, professor do CRS e orientador do Coro Gospel, que dinamizou a actividade e lhe emprestou uma marca pessoal.


Segunda: Passou o Dia Mundial do Livro, homenagem ao objecto livro, aos autores e aos leitores. Poderíamos dizer que também somos o que lemos. Tive pena, ao passar pela FNAC, por ver que não houve este ano a edição antológica de contos O Prazer da Leitura. Desde 2008 que a FNAC (em conjunto com a editora Teorema nos três primeiros anos e com a Teodolito nos seguintes) tem vindo a publicar, no Dia Mundial do Livro, esta antologia, um volume por ano, reunindo contos inéditos de autores portugueses contemporâneos, já num total de 50 autores e correspondente número de contos (o volume de 2008 integrou 10 autores e cada um dos seguintes foi alimentado por 5 autores). Não posso esquecer o entusiasmo dos meus alunos mais novos quando lhes leio um conto que surgiu no primeiro volume, “Verba volant, scripta manent”, de João Aguiar, experiência que tenho repetido quando tenho alunos novos, conseguindo sempre o mesmo entusiasmo... Esperava encontrar-me com a edição deste ano, mas... Pena, porque é um interessante projecto e dinamiza a leitura do conto e a diversidade de propostas de leitura!

domingo, 23 de abril de 2017

Para a agenda: Almeida Carvalho em conferências



O bicentenário do nascimento de João Carlos de Almeida Carvalho continua a ser assinalado em Setúbal também através de conferências, que demonstram, pelos temas abordados, a personalidade multímoda que Almeida Carvalho cultivou. Para os tempos mais próximos, estão previstas três palestras: já em 28 de Abril, Albérico Afonso Costa fará o retrato de "Setúbal no tempo de Almeida Carvalho" (Biblioteca Municipal de Setúbal, às 21h30). Em Maio, Carlos Mouro, reputado (nem sempre reconhecido) investigador em história local setubalense, será autor de duas comunicações: uma, em 17, na Biblioteca Municipal de Setúbal, sob o título "Almeida Carvalho: Notas Biográficas" (às 16h00); a segunda, em 19, na Associação de Socorros Mútuos Setubalense, consagrada a "Almeida Carvalho e o pioneiro mutualismo local" (às 21h30).
Para a agenda!


sábado, 22 de abril de 2017

Para a agenda: Azeitão pela lente de Américo Ribeiro



Américo Ribeiro (1905-1992) é nome incontornável para a documentação fotográfica da região de Setúbal ao longo do século XX, havendo já várias publicações consagradas à sua obra, em formato livro ou em formato postal, em alguns casos em forma de abordagem temática (desporto, Bocage, vida religiosa, indústria conserveira, etc.).
Agora vai ser a vez de Azeitão se poder observar através da lente de Américo Ribeiro. Integrando o programa de realizações da comemoração do 25 de Abril, nesse mesmo dia, em Azeitão, nas instalações da Junta de Freguesia, em Vendas de Azeitão, pelas 17h00, vai ser apresentado o livro Azeitão vista por Américo Ribeiro. A não perder. Para a agenda!

sexta-feira, 21 de abril de 2017

"Portugal Futurista": um número de uma revista que é marco na cultura portuguesa



"Vida complexa e admirável a de hoje. Novas ambições e mais largos desejos. O homem como um divino génio do mal emancipa-se da tutela vergonhosa do Passado e da Tradição, liberta-se de si próprio e ele que tinha a cobardia da vida e a cobardia da morte - porque não sabia viver a grande Vida e não sabia morrer, ignorando que a morte é uma renovação - emancipado e liberto, audacioso e revoltado, agressivo e febril, sobe a todas as alturas, vai a toda a parte, reduz distâncias, detém a marcha do tempo e iguala-se a Deus, e ultrapassa Deus ainda...
Vida de agitação e velocidade... Correr, correr, correr vertiginosamente, não para chegar depressa ao fim, mas para que o fim não chegue tão depressa... Correr é criar a sensação e multiplicar a nossa vida... E a vida é longa não pelos anos que conta, mas pelas sensações que contém.
Todo o homem que sabe viver e quer viver desdobra-se, multiplica-se... O automóvel, o telefone, a telegrafia sem fios, os grandes transatlânticos, o cinematógrafo, o gramofónio, o aeroplano, modificaram o organismo humano, dando-lhe a omnividência e a ubiquidade. Os seus sentidos geraram novos sentidos..."

O leitor lê e, por momentos, pensa que está perante uma reflexão contemporânea, feita neste tempo; depois, à medida que avança a leitura, começam a surgir sinais de que o tempo de produção não será este, mas um outro que nos precedeu. É um texto actual, mudássemos-lhe nós os aparelhos e as máquinas com que finaliza a citação. Pois é: são os parágrafos iniciais do texto "O Futurismo", assinado por Bettencourt Rebelo, composição que se debruça sobre a "vida de hoje", o "homem dominador" e outras questões da época - um "hoje" que diz respeito a 1917, ano em que foi publicado o primeiro e único número de Portugal Futurista, revista dirigida por Carlos Filipe Porfírio, que teve assinaturas de Almada Negreiros, de Guillaume Appolinaire, de Mário de Sá-Carneiro, de Fernando Pessoa, de Blaise Cendrars e outros e desenhos de Santa-Rita Pintor e de Amadeo de Sousa Cardoso. Uma revista que, apesar de ser número único, ficou na história da literatura e da cultura portuguesas, em 42 páginas que constituíram uma pedrada no charco e que mereceram a apreensão das autoridades.
Está-se na celebração do seu centenário e o Público, em associação com a editora A Bela e o Monstro, fez sair hoje uma edição facsimilada da revista, uma obra a ler/ver e a guardar. As justificações podem ser muitas e abranger várias áreas do saber - Nuno Júdice, no Público de ontem, escreveu uma página sobre a história da revista, suficientemente esclarecedora e apelativa quanto ao interesse. Mas, para quem queira saber mais, pode-se recomendar, também de Nuno Júdice e de Teolinda Gersão, os textos introdutórios à edição facsimilada desta mesma revista, saída em 1981 (Lisboa: Contexto Editora). Se já não conseguir a edição saída em 1981, aproveite, pelo menos, a que veio com o Público de hoje...

quarta-feira, 19 de abril de 2017

19 de Abril de 1860: Setúbal já é cidade!



O número do periódico O Curioso de Setúbal publicado no dia 29 de Abril de 1860, domingo, iniciava-se com a seguinte afirmação: "Setúbal já não é vila e Portugal conta mais uma cidade", frase que não esconde a satisfação de uma pretensão local. O semanário referia-se ao decreto que tinha sido assinado em 19 de Abril, no Paço das Necessidades, a elevar a vila de Setúbal à categoria de cidade.
O processo para a atribuição do título de cidade a Setúbal começara a ganhar forma com o requerimento apresentado dois anos antes, em 14 de Junho de 1858, dirigido ao rei, em que a vereação da Câmara Municipal, com o objectivo de "aumentar o esplendor e grandeza da povoação" que representava, se dirigia a Sua Majestade a fim de "pedir a graça de elevar aquela grande povoação à categoria de cidade".
As razões invocadas pelos signatários tentavam atestar a importância da localidade, incidindo sobre factores como a produção regional, a população, a vida portuária e os pergaminhos históricos. Para o presidente da Câmara, Aníbal Álvares da Silva, e para os vereadores José Joaquim Correia, Francisco Joaquim Peres, João Sezinando de Freitas Sénior, Joaquim Maria Guerreiro e Manuel José de Araújo, a vila sadina era "conhecida em toda a parte do mundo pela extensão de seu comércio de sal, laranja, cortiça e cereais". Ao nível populacional, o concelho compreendia "mais de sete mil fogos, com perto de trinta mil almas", a rivalizar "em população e grandeza com todas as cidades do reino, exceptuando Lisboa e Porto". Quanto às comunicações com o exterior, a vila estava "todos os dias recebendo em seu magnífico porto o preito que lhe pagam as principais nações do mundo, cujos estandartes ali flutuam", e, por outro lado, havia a garantia da ligação "pelo já contratado ramal à linha férrea do Alentejo". Quanto a antecedentes históricos de enobrecimento, era invocado o facto de, em 1525, o rei D.João III ter feito a mercê de atribuir à vila o título de "muito notável".
O requerimento terminava com uma mensagem para agrado do rei, dizendo que "o foro de cidade concedido a Setúbal é o reconhecimento de um facto material que não se pode contestar, é um acto de justiça" que passará a constituir "padrão de glória para o feliz reinado" de Sua Majestade.

TRÊS  MESES  PARA  UMA  PATENTE

O decreto assinado em 19 de Abril de 1860 por Fontes Pereira de Melo, que fez passar Setúbal de vila para cidade, surgiu com a confirmação dos argumentos que o requerimento da Câmara Municipal utilizara. Razões determinantes para tal título foram a "sua grande população e excelente posição topográfica", a "quantidade dos edifícios que avultam dentro de seus muros", o "movimento e vastidão do seu comércio, devido ao porto de mar", a "ligação de Setúbal à cidade de Lisboa por meio de uma linha de vapores no Tejo e de um caminho de ferro desde o Barreiro" e "os constantes testemunhos que os seus habitantes têm dado de nobre dedicação ao trono e às instituições constitucionais da monarquia".
Seis dias depois, em 25 de Abril, a Câmara, ainda presidida por Aníbal Álvares da Silva mas já com alteração ao nível de alguns vereadores, redigia um agradecimento dirigido a Sua Majestade, no sentido de, "com o maior respeito, em seu nome e no dos povos do município, assegurar os protestos do seu mais acrisolado reconhecimento".
Ao reproduzir o texto dos documentos na sua edição de 29 de Abril, O Curioso de Setúbal aproveitava para traçar um curto retrato das imagens de progresso na cidade: Setúbal era apresentada como a "terceira terra do reino em população e a quarta em comércio" e dois outros factores de desenvolvimento eram o caminho de ferro (cujos carris "já cortam e atravessam nossos montes e estradas") e o gaz ("que dentro em pouco iluminará nossas ruas"). O redactor do jornal exultava, dando os parabéns aos moradores da cidade e desejando que a data de 19 de Abril de 1860 ficasse marcada "com letras de ouro na história da terra".
No entanto, a carta patente para que Setúbal passasse a cidade não foi feita de imediato. Em 26 de Abril, morria o Duque da Terceira, António José de Sousa Manuel e Meneses Severim de Noronha, chefe do governo. A Presidência do Conselho seria assumida por Joaquim António de Aguiar, mas os tempos corriam na instabilidade. Só pelo início de Julho o Marquês de Loulé, Nuno Rolim de Moura Barreto, formaria governo e a carta patente seria assinada em 23 desse mês.

A  VIDA  NA  CIDADE

O mês de Abril de 1860 trouxe ainda outras emoções à cidade. Na sua edição do dia 22, O Curioso de Setúbal noticiava o acontecimento que tinha sensibilizado a população uma semana antes: a 15, "dia de verdadeira festa nacional para esta bela terra", cerca das duas da tarde, chegava a Setúbal o comboio, em viagem inaugural, com a presença do Ministro das Obras Públicas, tendo havido festa, música e a população na rua. Pelas cinco da tarde, já o comboio regressava ao Barreiro, entre as despedidas dos setubalenses. E o repórter terminava a descrição com um comentário curto: "a locomotiva assobiando e fumando é objecto desejado por aqueles que, gostando do progresso do nosso país, desejam vê-lo caminhar a passos gigantescos". Setúbal teria de esperar até ao ano seguinte para que o funcionamento do comboio passasse a ser regular, uma espera que não agradou muito à população como se pode verificar em opinião registada na edição de 6 de Maio do mesmo jornal: "A questão que hoje se agita nesta cidade é a da abertura do nosso caminho de ferro. Todos esperam ansiosos esse dia, mas todos duvidam quando ele seja".
Com tal marca, como na obra Setúbal nos Primórdios da Sua Elevação a Cidade (Col. “Ensaio”. Setúbal: SALPA, 1985) Lúcia Castelo dos Santos e Francisco Castelo dos Santos assinalaram, "o progresso atravessa o Tejo em direcção ao Sul". Para lá de todos os factores que tinham sido evocados para atestar a importância de Setúbal, a indústria começava também a afirmar-se, sobretudo ao nível conserveiro, no domínio das mais modernas técnicas, havendo ainda referências a fábricas produtoras de fósforos e de gás para iluminação e de indústrias transformadoras nos ramos da cortiça e das bebidas. Simultaneamente, era também sentida a necessidade de melhoramentos aos mais diversos níveis para o bem-estar na cidade, em áreas como a saúde pública, a apresentação ao nível de limpezas na cidade e a educação. Na mesma edição de 6 de Maio d'O Curioso, um articulista chamava a atenção para as novas necessidades: "O progresso não consiste só em fazer caminhos de ferro, colocar fios eléctricos e edificar monumentos. Não. É necessário também tratar de educar e civilizar o povo".
A marcha para aquilo que Setúbal viria a ser no século XX estava, assim, a ser influenciada pelas novas necessidades e por uma atitude crítica de exigências que os jornais da época não esqueciam e a elevação de Setúbal a cidade não fora elemento estranho a este conjunto de inovações. A toponímia viria, de resto, a perpetuar a data de 19 de Abril numa rua entre o Largo do Carmo e Praça Teófilo Braga e não esqueceria o nome de Aníbal Álvares da Silva numa artéria entre a Avenida dos Combatentes e a Rua Acácio Barradas.

No dia em que Darwin morreu, uma referência na Caparica



Passam hoje 135 anos sobre a morte de Charles Darwin, o autor de A Origem das Espécies (1859). Hoje mesmo, em visita ao "Dia Aberto" da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, no Monte da Caparica, um elemento escultórico alusivo a Darwin chamava a atenção num recanto do "campus" universitário...

terça-feira, 18 de abril de 2017

Para a agenda - Os 100 Melhores Livros



Escolher "Os 100 Melhores Livros de Todos os Tempos" vale pelo título e pela curiosidade suscitada pelas opções. Poderíamos perguntar quais são os segundos 100 melhores, bem como poderíamos fazer depender a lista das vontades, prazeres e descobertas de cada leitor... Confessemos que, mesmo assim, entre os "100 Melhores" deverá haver alguns títulos de concordância quase universal...
Entre 24 de Abril e 6 de Maio, a Biblioteca Pública Municipal de Setúbal vai "atrever-se" a mostrar "Os 100 Melhores Livros de Todos os Tempos", que é como quem diz: vai desafiar o leitor para essa centena de títulos, que se deixará tentar - tem de ser - pela correspondência entre as leituras que fez e as que lhe são mostradas e poderão servir como motivação para novas leituras... O pretexto, além da dinamização da leitura, será o da celebração do Dia Mundial do Livro.
Quase no final da exposição, em 5 de Maio, está prevista tertúlia a propósito, pelas 18h00.
Para a agenda!

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Para a agenda: Carlos Pé-Leve em retrospectiva



"Ouro sobre Azul" não é apenas forma popular de enaltecer a estética; é também o título que Carlos Pé-Leve (n. 1956) escolheu para a sua exposição, acrescentando em subtítulo "30 anos de Pintura e Escultura". Uma retrospectiva, afinal. A abertura acontecerá em 22 de Abril, pelas 16h00, na Galeria Municipal do Onze (Av. Luísa Todi).
Carlos Pé-Leve, que recebeu a sua formação na Escola de Artes Decorativas António Arroio e tem exposto em Portugal e no estrangeiro, apresenta obras evocativas da sua carreira, numa escolha pessoal, apresentando um quase balanço em associação com as dominâncias das suas linhas: “Uma carreira de 30 anos feita com muito custo, pois todos sabem o quão difícil é em Portugal seguir uma carreira artística, seja ela em que área for, mas principalmente nas artes plásticas. Amar aquilo que fazemos e com persistência naquilo que queremos, muito embora com muitas dificuldades e muito esforço, conseguimos o suficiente para nos mantermos ligados àquilo em que acreditamos. Na minha arte circula o concreto e o abstracto, o plural e o singular, o passado e o futuro, definidos por uma linha de prumo, que não consegue analisar com precisão toda a arte, que se encontra em constante metamorfose.”
Para a agenda!

Quando as portas se abriram para Colombo chegar à América...


Encontro entre Colombo e os Reis Católicos (Córdoba, Alcázar)

Foi em 17 de Abril de 1492 que Cristóvão Colombo firmou contrato com os Reis Católicos, Fernando e Isabel de Castela, para ter apoio na constituição de uma Armada que o levasse à Índia por via marítima. No entanto, essa "descoberta" só seria levada a cabo por Vasco da Gama uns anos mais tarde, quando a frota portuguesa saiu de Lisboa em 1497.
Contudo, o acordo de Colombo com os Reis Católicos, sobre o qual passam hoje 525 anos, levaria o genovês, sob o patrocínio espanhol, até ao novo mundo da América, território que ficaria associado ao nome deste navegador.
A propósito do papel de Colombo, bem podemos recordar o que escreveu José Sarmento de Matos: "Genovês de nação, como diz João de Barros, lisboeta por aprendizagem e sevilhano por aposta, Cristóvão Colombo evidencia bem a interligação da vasta área de cultura mediterrânea que pouco a pouco se foi abrindo para a largueza do Atlântico. Nessa simbiose de experiências e conhecimentos, Colombo funciona como um europeu, participante num processo de expansão que a todos dizia respeito. Além desse carácter supra-nacional, uma outra característica sua é especialmente atraente para os dias que correm: o marcado individualismo da sua acção, que faz do Almirante uma espécie de 'self-made man' singrando entre interesses poderosos e contraditórios."
E continua Sarmento de Matos, em comparação entre Colombo e Vasco da Gama: "Aos invés das viagens portuguesas, elos de uma cadeia que a política régia ia desenvolvendo numa sucessão estudada de etapas, o gesto de Colombo é um acto isolado, fruto de um misto de teimosia, ambição e visionariam, que encontrou na Rainha de Castela um patrono à altura. Enquanto Vasco da Gama prestava contas ao Rei, Colombo prestava-as a si mesmo, ou seja, confiava ao seu Diário certezas e dúvidas, quimeras e frustrações, produtos exclusivos da inabalável fé na sua tenacidade." E, a concluir sobre a importância desta figura: "Esta dupla caracterização faz dele, sem dúvida, uma personagem ímpar, uma das poucas mesmo cuja solitária obstinação influenciou o curso factual da história." (Oceanos. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, nº 10, Abril.1992, pg. 26).

Encontro entre Colombo e os Reis Católicos (Córdoba, Alcázar)

domingo, 16 de abril de 2017

Para a agenda: Clube Setubalense - Musealização segundo Anita Serafim



O Clube Setubalense vai ser tema no Dia da Cidade, em Setúbal. Anita Serafim, com mestrado na área da Museologia e da Museografia e tese defendida em 2014 sobre esta instituição setubalense de meados do século XIX (sob orientação de Jorge dos Reis), vai assinar palestra sujeita ao tema "Para a Reabilitação do Clube Setubalense: Programa Museológico, Projecto Museográfico e Cultural" a ter lugar no Museu de Setúbal, em 19 de Abril, pelas 18h00. Para a agenda!


sábado, 15 de abril de 2017

Para a agenda: Diogo Ferreira palestra no Dia da Elevação de Setúbal a Cidade



Em 19 de Abril, passam 157 anos sobre a elevação de Setúbal a cidade, estatuto obtido em tempo de D. Pedro V e por decreto assinado por Fontes Pereira de Melo. Diogo Ferreira, que mereceu o título de "Jovem Revelação 2016" devido ao seu trabalho de investigação no âmbito da História (e particularmente da história local) proferirá "Aula Aberta" pelas 15h00 no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal, iniciativa da responsabilidade da UNISETI. Para a agenda!

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Letras ComVida - Entre outras coisas, a Grande Guerra na literatura



O mais recente número da revista Letras ComVida - Revista de Literatura, Cultura e Arte (Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras - CLEPUL, nº 8, 2016-2017), dirigida por Annabela Rita e Miguel Real, nas suas 330 páginas, dedica cerca de um terço à Primeira Grande Guerra sob o título “A Primeira Guerra Mundial - Grande Guerra - Impactos e Modelações Culturais”.
Nesse dossiê, pode o leitor aprofundar assuntos como: “Impactos e Modelações Culturais”, por Ernesto Castro Leal; “José de Macedo - O Conflito Internacional e a Renascença Portuguesa”, por Teresa Nunes; “Memorialismo de Guerra - Os Exemplos de Carlos Selvagem e João Pina de Morais”, por Miguel Real; “História de uma Guerra Esquecida - A Tropa d’África”, por Bruno J. Navarro; “Ilusões e Desilusões de um Repórter Português na Guerra”, sobre Adelino Mendes, por Manuel M. Cardoso Leal; “Pincéis, Lápis e Baionetas - A Ilustração como Instrumento de Propaganda durante a Primeira Guerra Mundial”, por Vera Mariz; “Entre a Memória e a Recriação Literária - O Testemunho de Alexandre Malheiro”, por Rui Sousa; “Os Modernistas e a (Des)Construção do Ineludível”, por Dionísio Vila Maior, e “Nacionalismo, Darwinismo, Guerra e Paz”, por Joaquim Miguel de Morgado Patrício.
Obviamente, a revista tem muito mais (e com interesse): trabalho sobre José Blanco, de Onésimo Teotónio de Almeida; leitura de Não é Meia Noite Quem Quer, de Lobo Antunes, por Norberto do Vale Cardoso; estudos sobre Aquilino Ribeiro (de Carlos Nogueira), Eça de Queirós (de Elisabete Correia Campos Francisco); entrevista com Mário Cláudio (por Annabela Rita, Miguel Real e Carla Sofia Luís); dossiê sobre João Rui de Sousa; textos sobre Gago Coutinho e Manuel Sérgio.
Um número com muito interesse (como, aliás, se deve dizer relativamente a todos os anteriores). Para consultar, para ler!

terça-feira, 11 de abril de 2017

Memória: Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017)



Não fui aluno de Maria Helena da Rocha Pereira (1925-2017), mas, enquanto interessado na cultura e na literatura portuguesas, socorri-me dos seus estudos sobre a cultura clássica e, particularmente, dessas duas obras-antologias que são Hélade - Antologia da Cultura Grega e Romana - Antologia da Cultura Latina. Esta última, registo contente, em 3ª edição (Coimbra: Universidade de Coimbra, 1994), tem o seu autógrafo, numa impecável caligrafia, a acompanhar a seguinte dedicatória: “Ao Mestre dos Mestres Professor Doutor Orlando Ribeiro, afectuosamente” (obtive o exemplar em alfarrabista lisboeta há uma dúzia de anos).
A “Advertência Preliminar” a esta edição de Romana, fecha com um desejo: “Possa esta segunda versão da antologia, ainda que limitada e imperfeita, contribuir para dar uma visão mais completa dos pilares em que assenta grade parte da cultura ocidental”. Sublinho a modéstia e humildade, por um lado, e a dívida do Ocidente à cultura clássica, por outro. Não que o não soubéssemos, mas a professora Maria Helena da Rocha Pereira sempre fez desse reconhecimento devedor uma máxima e uma constante, tanto mais de ser lembrado quanto o declínio da cultura clássica no estudo das Humanidades tem sido galopante (veja-se o que sucedeu no ensino secundário nos últimos anos de degradação do estudo das línguas latina e grega...)! Felizmente, começa a surgir um horizonte melhor para essa área!...
E, já agora, o final do prefácio da 1ª edição de Hélade (reproduzido na 2ª edição, em 1963) junta a simplicidade com a alegria da leitura dos clássicos: “Cumpre-me desejar que as páginas que vão seguir-se, a despeito de todas as imperfeições que possam manchá-las, proporcionem longas horas de prazer espiritual”. Haverá melhor contentamento para um leitor?
Pelo contributo dado à cultura portuguesa e pelas portas que nos abriu, muito obrigado, Senhora Professora!

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Sebastião da Gama, 93 anos, hoje



Fosse Sebastião da Gama vivo e faria hoje 93 anos. A sorte não quis, contudo, que assim fosse e, quando os 27 anos lhe corriam nas veias, a vida quebrou-se. E, a partir daí, ficou a memória, ficaram as memórias.
Sebastião da Gama é hoje lembrança de muitos que ainda o conheceram - alunos (de Setúbal, de Lisboa, de Estremoz), amigos e alguns familiares, gente que recorda a bom humor, a delicadeza de trato, a pedagogia, a graça e a poesia que o caracterizavam. Sebastião da Gama é hoje memória para muitos mais, uma memória trazida pela escrita de um poeta compulsivo e não menos compulsivo leitor, uma memória advinda da poesia que se cruzou com a Arrábida (a "serra-mãe"), com o divino, com a Natureza, com a vida e as suas coisas simples, com a tradição literária portuguesa, uma memória intensa trazida também pelo seu Diário, que, como alguém disse (creio que foi Maria de Lourdes Belchior), se tivesse tido um autor francês, inglês ou americano, seria estudado em todo o mundo culto.
Sebastião da Gama é autor a ler e a divulgar pelo seu importante contributo para a poesia portuguesa de meados do século XX. Sebastião da Gama é autor a ler porque das suas obras jorra um sempre contínuo fluxo de descoberta e de mergulho na beleza da vida! 

domingo, 9 de abril de 2017

Parabéns, Synapsis!



Corria Setembro de 2010, com o mês para lá de meio, e O Setubalense noticiava em título: “Novo projecto cultural nascem em Setúbal”. Depois, vinha um parágrafo que era quase um manifesto: “O Synapsis apresenta-se como um movimento informal de gente livre e de espírito aberto, não alinhando com correntes de opinião nem com organizações de carácter ideológico, religioso, político ou partidário.” Mais adiante, referia como objecto do grupo “o livre acesso à expressão de ideias e ao desenvolvimento de uma reflexão crítica através das diversas formas de expressão artística”. 
Quase um ano depois, no mesmo jornal, acabava Agosto, um texto resultante de conversa com Salvador Peres, do grupo Synapsis, reproduzia algo que ajuda ao essencial num grupo como este: é que “não tem quotas, nem sede, nem corpos gerentes, apenas um gosto comum pela cultura e pela cidadania”. Assim se cumpria o nome e se dava razão àquilo que define as sinapses: os pontos de contacto, as permutas, as partilhas, construindo-se o salto para um saber universal, quase numa exigência que pareceria imbuída de alguma ideia renascentista (no que essa época teve de melhor).
Em sete anos, o grupo Synapsis promoveu actividades variadas, empenhadas, interessantes. Por lá passou a pintura, a música, a literatura, a política, o ambiente, a história local, a ciência, a medicina, a religião. Por lá passou a cultura. Por lá passou a partilha.
Parabéns, Synapsis!