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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

No Gerês, o banco do Ramalho Ortigão, por Raul Lino

Um mapa do concelho de Terras de Bouro indica, bem próximo da vila de Gerês, o “Banco de Ramalho Ortigão”. No entanto, na estrada, não há qualquer registo do monumento. Em conversa com um natural, fica-se a saber da localização – no lugar de Assureira, num jardim com ar abandonado, junto de uma rotunda, à esquerda de quem desce do Gerês para Rio Caldo. “Mas olhe que vai encontrar aquilo em mísero estado, ninguém conserva aquilo, tem sido destruído, já partiram parte da obra, mas ainda lá há uma inscrição.”
Aquilo terá sido espaço ajardinado e terá sido cuidado… há muito tempo, embora haja marcas de limpeza florestal recente. O banco lá permanece, com marcas evidentes de vandalismo, já sem a tal inscrição. “Até isso desapareceu há uns tempos… Sei lá se foi por ser em bronze…”, comenta outro local.
Muitas considerações poderiam ser feitas a partir daqui quanto ao estado do património ou quanto à responsabilidade de quem detém os espaços públicos. Aliás, os dois interlocutores confessavam que, desde que aquele espaço passou para a responsabilidade do Parque [Nacional da Peneda Gerês], a degradação do sítio tem sido crescente.
Ramalho Ortigão não se sentou naquele banco. Tendo falecido em 1915, a peça escultórica, com a assinatura de Raul Lino, só seria inaugurada em 1920, por iniciativa da Sociedade de Propaganda de Portugal, para homenagear o escritor. Ramalho Ortigão era visita do Gerês e escreveu sobre aquela região e sobre as suas termas. Amante das caminhadas, conta-se que as fazia longas e, no sítio onde foi implantado o monumental “Banco de Ramalho Ortigão”, costumava ele sentar-se sobre uma pedra, tendo sob o alcance da vista a paisagem do Rio Caldo.
Quanto à inscrição contida na placa, o seu texto contava a história e ainda se consegue ler na net (num blogue) a transcrição: “Em umas toscas pedras que os frequentadores do Gerez chamavam os bancos do Ramalho costumava vir aqui sentar-se lendo e escrevendo o notável escritor José Duarte Ramalho Ortigão que tanto honrou a sua terra e tanto quis a esta região. A Sociedade de Propaganda de Portugal no mesmo lugar mandou levantar-lhe esta singela homenagem delineada pelo arquitecto Raul Lino de Lisboa no ano de 1920”.
Assim, vale a pena que o mapa editado pela Câmara Municipal de Terras de Bouro indique a existência do “Banco de Ramalho Ortigão”, podendo o visitante conhecer uma obra de Raul Lino, manter a memória dessa figura importante da cultura do século XIX que foi Ramalho e… contemplar o que vai havendo de incúria e de menosprezo neste país! Que boa “farpa” estes quotidianos merecem!...

[fotos: Banco do Ramalho Ortigão em postal sem data e na actualidade]

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Inês Gato de Pinho, "Vilegiatura Marítima em Setúbal"

O que poderia ser Setúbal se tivesse sido dada continuidade àquilo que, no início do século XX, se prefigurava na margem do Sado como uma estância balnear? A resposta pertencerá a uma espécie de história virtual, mas a pergunta pode ser feita com toda a legitimidade se pensarmos no complexo que ali existiu a cargo da Empresa Setubalense de Banhos e se quisermos especular a partir da forma como se conclui o livro Vilegiatura Marítima em Setúbal (Setúbal: Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, 2010), de Inês Gato de Pinho, quando a autora regista: “Resta-nos reavivar a memória de um período pouco documentado e deixar em aberto a reflexão sobre o futuro que Setúbal teria como estância balnear.”
No final do século XIX, Setúbal era um destino de férias, motivado por condições climáticas e pelas suas praias (umas e outras excelentes), recomendado pela medicina e pelos publicistas (destacando-se, neste último grupo, o nome de Ramalho Ortigão, autor de obras como Banhos de Caldas e Águas Minerais, de 1875, e As Praias de Portugal, de 1876, ambas sugerindo sítios saudáveis de Portugal).
Sendo esta vocação sadina uma área mal conhecida na história setubalense, Inês Gato de Pinho consultou autores da época, como Arronches Junqueiro ou o próprio Ramalho Ortigão, leu recortes jornalísticos da Gazeta Setubalense ou de A Folha de Setúbal, cruzou informações trazidas pelas investigações de Rogério Peres Claro e de Carlos Mouro, por fotografias e postais da época, verificou processos e projectos de arquitectura, e reconstruiu o que seria Setúbal enquanto cidade acolhedora de turistas nesse início do século XIX.
O leitor pode assim circular no Passeio do Lago, ao mesmo tempo que lê os conhecimentos da altura ou que passa os olhos pelos escritos de Paulino de Oliveira, pode contemplar a paisagem já centenária e sentir o olfacto invadido pela labuta piscatória, venha ela do afã com que as redes são tratadas ou dos odores que ressaltam das fábricas de conservas de peixe, pode mirar as páginas da revista social Ilustração Portuguesa, pode penetrar no luxo que dominaria o Cais do Trindade ou vaguear pelas alas do estabelecimento de banhos que a Empresa de Banhos Setubalense levantou a partir do projecto do arquitecto seixense Ventura Terra. Tudo suficientemente documentado e ilustrado. Simultaneamente, o leitor pode ainda ver como a cidade de Setúbal tem sido um ponto de encontro (ou de choque) entre modas nem sempre conciliáveis com uma visão de ordenamento da cidade, antes preferencialmente sujeitas àquilo que no momento mais dá….
E termino quase como comecei. “Um momento supôs-se que, desde Setúbal até ao Portinho da Arrábida, se estenderia, em poucos anos, uma linha de construções marginais, chalets de luxo e vivendas formosas, em volta das quais iriam tomando vulto povoações de recreio e de repouso. Viriam a finança e a aristocracia semear o seu ouro fecundo, transformando a encosta inútil em uma admirável estação marítima, que só teria rivais na margem do Tejo, de Lisboa a Cascais, e na margem do Douro, do Porto a Leça da Palmeira.” Quem assim escrevia era Câmara Reis, na já referida Ilustração Portuguesa, em Junho de 1918, citado pela autora. Desse sonho, algo visionário, ficou o palacete da Comenda, mandado construir pelo representante da França em Portugal, o Conde Armand, e projectado por outro arquitecto português de renome, Raul Lino. O resto… pertence às memórias que a autora percorreu e à tal história virtual.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Em Setúbal, na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910 e depois


Revolução na rua e fogo na Câmara
O jornal setubalense O Elmano, que se publicava aos sábados, na sua edição de 15 de Outubro de 1910, a primeira depois da implantação da República, trazia para primeira página, com letra destacada, a seguinte proclamação: "Viva a República Portuguesa - Está proclamada a República em Portugal! Implantou-a a Armada, o Exército e o Povo, no dia 5 de Outubro de 1910, para redenção deste belo país que a monarquia hora a hora ia mergulhando no charco lamacento da abjecção e da desonra. Foi a vontade suprema do Povo, do Exército e da Armada que salvou do aviltamento a nossa Pátria, erguendo-a tão alto que o nome português é hoje proferido em todo o mundo civilizado com respeito e admiração, fazendo recordar os antigos feitos, a bravura e heroísmo dos valentes e esforçados de Aljubarrota, Ormuz, Malaca e Buçaco, etc. Está proclamada a República! Honra e glória a todos que contribuíram para a sua implantação. Viva a República Portuguesa!"
por causa de uma bandeira
Esta adesão republicana manifestada pelo jornal não podia ser desligada do que em Setúbal se passara uns dias antes, precisamente na passagem de 4 para 5 de Outubro. Em texto de reportagem, a mesma edição do jornal conta que, no dia 4, corria na cidade a informação de que rebentara a Revolução. Pela falta de referências precisas, "crescia a ansiedade nos setubalenses", até que, pelas 19 horas, o republicano Leão Azedo chegava para recomendar prudência e aconselhar o povo a não fazer "manifestações desagradáveis com as quais a causa da República nada ganharia". Porém, grande manifestação andava já nas ruas, com entusiasmo difícil de conter. Pelas 21 horas, os manifestantes estavam na Praça do Bocage, dirigindo-se aos Paços do Concelho, onde havia uma esquadra de polícia, e pediram ao chefe que fosse hasteada no edifício a bandeira republicana. A pretensão foi negada, houve tiros de revólver e a multidão invadiu a esquadra. Pouco depois, conta o repórter, "manifestava-se o incêndio que rapidamente se comunicou a todo o edifício onde funcionava a recebedoria do concelho, administração, repartição de fazenda, terreiro municipal, tesouraria da Câmara, biblioteca pública, repartição de impostos, etc." E, mais adiante, ainda impressionado, o autor conta que "todo o edifício dos Paços do Concelho ficou destruído, não podendo salvar-se um único livro de escrituração municipal e da fazenda. Um puro vandalismo, no qual os republicanos não tiveram a menor intervenção, nem, dada a exaltação de ânimos, podiam evitar".
A multidão dirigiu-se depois para as instalações que pertenciam aos jesuítas, destruindo o que encontraram, e para Brancanes, onde havia o convento dos franciscanos, que foi também incendiado. Após uma noite de chamas e de manifestações, o dia 5 de Outubro faria chegar à cidade a notícia oficial da implantação da República pelas 10 horas. Os foguetes acompanharam então a alegria da população e as filarmónicas que desfilaram pela cidade a entoar "A Portuguesa". Pelas 17 horas, na varanda dos Paços do Concelho, era proclamada a Comissão Administrativa da Câmara, à frente da qual estava Leão Azedo.
edifício de azares
Após o incêndio, os serviços da Câmara passaram a funcionar nas instalações do Liceu, tendo as obras de recuperação dos Paços do Concelho sido demoradas.
Foi entre 1526 e 1533 que o edifício municipal fora construído na então Praça do Sapal, tendo a obra sido entregue ao mestre pedreiro Gil Fernandes, residente em Lisboa. Cerca de dois séculos mais tarde, por 1722, vendo que o edifício necessitava de obras, a população setubalense ofereceu-se para, durante três anos, contribuir para tal reconstrução. Em 1733, foi concluída a varanda. No entanto, o terramoto de 1755 viria a danificar tão fortemente a construção que houve uma disposição régia a criar um imposto sobre a carne para serem angariados fundos para a reconstrução que se impunha. O incêndio de 1910 foi a última vicissitude por que passou o edifício. Mas só em 1927 o arquitecto Raúl Lino foi convidado pela Câmara para elaborar o projecto de reconstrução dos Paços do Concelho, tendo o mesmo sido entregue no ano seguinte. Pelos finais de 1932, as reuniões do executivo camarário eram ainda no Liceu e, em 1933, um decreto do Presidente da República Óscar Carmona estabeleceu que o Governo receberia o Liceu e, em troca, avançaria com a construção do edifício da Câmara. A entrega da obra concluída viria a efectuar-se apenas em Maio de 1939.
O incêndio havido em 1910 deixou a marca de perdas irreparáveis ao nível de documentação e de fontes para a história e cultura locais. Lembra Fran Paxeco na obra Setúbal e as Suas Celebridades (Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografia, 1930) que Luciano de Carvalho, responsável da Biblioteca Municipal que estava nos Paços do Concelho, chorou, porque "as chamas lhe tinham consumido o labor oculto de largos anos", centrado nas "pilhas da sua Bocageana, acompanhada por uma completa iconografia e o esboço do catálogo biográfico dos escritores setubalenses". Numa tentativa de compreensão dos acontecimentos, Paulino de Oliveira interveio numa sessão de Câmara, uma semana depois, para apreciar o sucedido, argumentando que o incêndio só se podia dever à "profunda má vontade do povo setubalense à polícia cruel, cuja esquadra se encontrava no mesmo edifício, pelas perseguições extremas que sobre ele exercia", sustentando que os factores determinantes terão sido o facto de a polícia ter recebido a tiro os manifestantes que queriam içar a bandeira republicana e o facto de os dirigentes não terem explicado à multidão as consequências do acto que iam praticar.
Uma das medidas imediatas tomadas pelo executivo foi a da decisão de serem publicados editais "convidando todos os credores do município a apresentarem as suas contas dentro de 30 dias", uma vez que a documentação desaparecera. Sem instalações próprias e num regime novo, a equipa do executivo municipal era constituída por Leão Azedo, Ezequiel Soveral Rodrigues, Manuel Livério, António Arronches Junqueiro, José da Rocha, Joaquim Brandão, Joaquim dos Santos Fernandes, José Augusto Coelho e Eduardo Mendes Belo, um grupo que, no jornal O Elmano, de 15 de Outubro, merecia a seguinte apreciação: "O que podemos já dizer é que todos os seus membros estão no firme propósito de trabalhar para o engrandecimento de Setúbal e para a melhor regularização dos serviços municipais".
João Reis Ribeiro. Histórias da região de Setúbal e Arrábida (vol. 1).
Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003, pp. 175-178.
[foto: reprodução a partir de O Setubalense de hoje]

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O Palacete da Comenda e uma dormida de Raul Lino ao luar

Na sua edição de 18 de Março de 1877, o jornal Gazeta Setubalense informava: “Esteve quinta-feira nesta cidade o sr. Conde Armand, distinto diplomata, ministro da França em Lisboa. S. Exª foi visitar a pitoresca propriedade que possui no sítio da Comenda.” A dita propriedade estava na posse do francês Armand desde o início de Março de 1872 por compra que este fizera a Henrique Maria Albino, morador em Beja. Ernest Armand, viúvo, era o representante do governo francês em Lisboa. Em 1870, alugara o Palácio de Santos para aí instalar a Legação francesa, imóvel que o governo francês acabaria por comprar em 1909, aí mantendo a sua representação, mesmo depois que a Legação foi elevada ao nível de Embaixada em 1948.


Comenda e Sado vistos por Américo Ribeiro

[a partir da obra Américo Ribeiro Todos os Dias (Madureira Lopes, coord. Setúbal: Livraria Hemus, 2006)]

Duas décadas depois da notícia da Gazeta Setubalense, em Março de 1898, o Conde fez uma doação ao filho, Abel Henri George, Visconde Armand, residente em Paris, aí incluindo o terreno da Comenda. Passaram cinco anos e o jornal A Construção Moderna, de 10 de Agosto de 1903, publicou o texto “Casa do Exmo. Sr. Conde de Armand na Quinta da Comenda em Setúbal – Arquitecto sr. Raul Lino”, aí dando a conhecer o projecto da obra que viria a erguer-se: “A construção é feita num pequeno promontório, de luxuriante vegetação, sobranceiro ao rio Sado, em Setúbal, posição extremamente pitoresca, como podem atestá-lo aqueles que têm visto as ridentes margens do belo rio, junto à lida cidade de Bocage. No citado promontório existe actualmente uma velha casa, cujas paredes, em parte, se aproveitam pois foram levantadas sobre as muralhas de um antigo forte. As grandes varandas da nova construção deitam para sobre o rio.” Em anexo ao texto de apresentação vinham os desenhos da casa, com as quatro fachadas e as plantas do subsolo, do rés-do-chão e do primeiro andar.

Comenda: rés-de-chão , em desenho de Raul Lino (in A Arquitectura Portuguesa, 1908)
Conta-se que o Conde Armand pedira a Raul Lino (1879-1974) para desenhar a casa, convite acompanhado de uma sugestão singular: que, antes de começar a projectar a construção, o arquitecto dormisse no sítio uma noite ao luar. O repto foi aceite e o resultado foi o palacete da Comenda, que teve a responsabilidade da construção civil nas mãos de Augusto Vitorino da Rosa. Na edição de Junho de 1908, a revista A Arquitectura Portuguesa publicava um texto assinado por Henrique das Neves, em cujas três páginas (mais duas com estampas devidas ao fotógrafo sadino Manuel Rodrigues Aldegalega) era feita a apologia das linhas: “Eis uma casa de habitação em cujo traçado colaboraram não somente o intento do seu destino, como também a região, o clima e a paisagem”.
A apreciação do autor resultou de um passeio que ele fizera até ao Outão na companhia de Ana de Castro Osório, tendo o enquadramento suscitado o espanto: “Na curva da estrada que decorre sobre um outeiro e oferece o melhor ponto de vista sobre o chateau do sr. Conde, estacionou o trem; e ali nos demorámos, absortos, a ver, a admirar e a… invejar. Ele ergue-se aprumado airosamente como a Torre de Belém, mas sobranceiro ao rio Sado, destacando a sua alvura contra os tons: verde-bronze da vegetação, sanguíneo da argila do solo e azul das águas do rio. Como o olhar se me absorvia naquelas varandas! E o gozo espiritual que acordavam em mim!” Depois de algumas considerações sobre arquitectura em Portugal, o autor acentua as características que foram desejadas pelo proprietário do solar e da quinta: sujeição a muralhas e paredes que já lá existiam, cobertura com “telha nacional, em forma de canal” e linhas simples de forma a ser exaltado o enquadramento natural.
Comenda: 1º andar, em desenho de Raul Lino (A Arquitectura Portuguesa, 1908)
O texto de Henrique das Neves serve ainda para dar umas pinceladas sobre o que seria a personagem Conde de Armand, que passava na Comenda alguns meses afastado da buliçosa Paris, através do retrato que lhe foi traçado por um amigo setubalense: “De chapéu de grandes abas, uma vara na mão e botas altas é assim que encontramos o sr. Conde, fidalgo de primorosa educação, percorrendo esta sua propriedade, que ele ama. Considero-o um artista-filósofo. Nas horas de calor, enquanto descansa, tira da algibeira o seu Virgílio e assim se deleita sub tegmine fagi, imaginando ter diante de si, quando ergue o olhar do livro, as verdadeiras paisagens que acaba de ver tracejadas naquelas églogas”. E não é sem uma ponta de ironia que o texto termina: “Do sr. Conde de Armand direi ainda de minha lavra: foi uma homenagem que prestou à classe dos arquitectos portugueses, confiando a um deles a dispendiosa edificação da sua nova casa da Comenda. Suspeito que não terá de arrepender-se. Algum português talvez haja que, no seu caso, tivesse mandado vir… arquitecto francês”.
O Conde Armand, Abel Henri George, faleceu no final de Abril de 1919, passando a propriedade para os herdeiros – a esposa, Condessa de Armand, Françoise de Brantes, e cinco filhos. Mais tarde, em 1952, o registo da propriedade era feito em nome da Sociedade Agrícola da Quinta da Comenda de Mouguelas, constituída pelos descendentes de Abel George. Nos anos 80, a Quinta da Comenda seria adquirida por António Xavier de Lima, que, em conversa com o jornal O Setubalense, publicada na edição de 17 de Abril de 1989, dizia: “Enquanto a Comenda for minha, nenhuma árvore será derrubada”. Com efeito, uma das apostas levadas a cabo pelo Conde Armand no início do século XX foi o da riqueza da flora, quer pela preservação das espécies existentes, quer pela plantação de outras – Henrique das Neves chamava a atenção no seu artigo para o parque que o Conde pretendia construir e para uma plantação “de cerca de 1000 pés de palmeira” que tinha visto a cerca de um quilómetro da residência da Comenda.

Palacete da Comenda (Agosto de 2005)

O palacete que Raul Lino projectou para a Comenda inseria já algumas das linhas que viriam a definir a arte do arquitecto: o respeito pela Natureza e o equilíbrio entre a construção e o lugar. O solar da Comenda foi um dos seus primeiros projectos, mas também um marco para um percurso que assinou obras como o Cine-Teatro Tivoli (Lisboa, 1919-1924), a Casa dos Patudos (Alpiarça, 1905) e muitas outras construções, sobretudo na zona de Sintra e Estoril. Em Setúbal, o nome de Raul Lino esteve também ligado ao projecto de reconstrução do edifício dos Paços do Concelho, na Praça de Bocage (destruído por um incêndio na noite de 5 de Outubro de 1910, a reconstrução, que Raul Lino foi convidado para projectar em 1927, foi concluída em 1939).