segunda-feira, 31 de março de 2008

"Parva", a professora?

A questão dos telemóveis na escola do Porto tinha que vir à baila, depois de mais metade do período de interrupção lectiva em tempo de Páscoa ter sido aquele em que o país, a sociedade, todos nós, fomos invadidos e massacrados com a história. Assim, na aula de hoje, com alunos na ordem dos 13 anos, logo que uma aluna acenou com o telemóvel que tinha recebido como prenda (satisfeita, claro!), saltou o comentário de um colega: “Naquela cena do Porto, a professora foi parva! Devia era ter deixado a miúda…” Outra dizia: “A rapariga estava histérica…” Outro perguntava: “O que é que o professor fazia?”
Comecemos pela última para chegar à primeira: que, na situação, se veria que decisão tomar; que não se sabia se havia antecedentes, que clima existia; que, a frio, era fácil dizermos como reagiríamos, mas, a quente, as coisas não eram tão previsíveis ou tão “analisáveis”… que olhassem para as próprias reacções deles quando se irritavam ou quando, depois, pensavam sobre essa muitas vezes injustificada irritação. Mas onde pretendi chegar foi ao primeiro comentário: “parva”, a professora? Em primeiro lugar, deveria ter respeito na forma como falava da professora. “Sim, mas ela…” Não, não, vai referir-se à pessoa com educação, só. “Sim, mas…” Não, primeiro respeite. “Está certo, pronto. A professora…” Duvido que tenha sido apenas para me calar, mas o mais importante era estar assumido perante a turma que aquela não fora a forma de tratamento adequada para a professora, que o jovem tinha que respeitar os adultos para também ser respeitado, que na aula (como na vida) tinha que haver princípios e educação, sobretudo respeito.
Depois, conversou-se sobre o episódio, calmamente, ainda que sem delongas porque a história já estava gasta… assim como a dar razão ao jovem dirigente da Associação de Estudantes do Carolina Michaelis que hoje pediu aos jornalistas: "Parem com isto, deixem os alunos em paz, deixem-nos começar as aulas com tranquilidade".
[foto a partir de www.bloganything.net]

Ainda a história do telemóvel... ou de como não vale a pena fazer de conta que não se sabia

Carla Machado escreve no Público de hoje texto intitulado "Um pouco mais de eduquês", que pode constituir uma reflexão sobre o assunto, sem o estigma de ter que tomar partido, mas chamando a atenção para o facto de ninguém poder fazer de conta que não sabia... A questão merecerá tanto mais cuidado quanto se soube, através do mesmo jornal, que a Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) terá sugerido que o 3º período da escola portuense Carolina Michaelis se iniciasse com uma reflexão sobre a história que tem sustentado o debate sobre a educação e a disciplina em Portugal, a propósito dos dois mais famosos telemóveis de que há conhecimento. Fica um excerto da peça de Carla Machado, mesmo para que ninguém faça de conta que a escola é outra coisa qualquer...
«(...) A escola é hoje palco de tensões e conflitos porque é a arena onde mais visivelmente tentamos realizar um projecto de integração social que está em crescente ruptura; o espaço onde se encontram aqueles que a percebem como um patamar para o futuro e aqueles que não vislumbram qualquer futuro possível. Na medida em que inclui e mistura, em que confronta mundos e expectativas díspares, a escola pública converte-se, paradoxalmente, num contexto em que o sentimento de exclusão, o ressentimento e a raiva se agudizam. E os professores, vistos como representantes "do outro lado", mas ao mesmo tempo como frágeis no seu estatuto social, no seu prestígio e na sua autoridade moral, tornam-se alvos privilegiados deste ressentimento. Suficientemente "acima" para serem percebidos como inimigos e suficientemente "abaixo" para poderem ser atacados com razoável segurança.
Muitos factores contribuíram para esta fragilização do seu papel: a banalização do "dar aulas" como forma de desenrascanço para quem não consegue outro emprego, a perda de reconhecimento social da profissão, a falta de empenho de alguns professores confundida com a conduta da maioria.
Mudar este estado de coisas exige dignificar a profissão docente e restaurar o seu prestígio social. Mas temo que tal não baste. Os conflitos que hoje têm a escola como palco não são só confrontos entre alunos mal-educados e professores enfraquecidos, são sintomas de um mal-estar social mais profundo. Quando a escola falha, a raiva dos perdedores não se dissipa; simplesmente deixamos de a ver. Se a escola falhar, para muitos destes miúdos, falhou a sua derradeira oportunidade de permanecer "do lado de cá". E é por isso que as medidas punitivas, embora legítimas e talvez necessárias, devem ser aplicadas de forma a não funcionarem como aceleradores deste processo. Sob a pena de ganharmos na escola para perdermos na sociedade.Talvez a linguagem da facilidade, do imediatismo e da falta de esforço tenha alguma coisa a ver com tudo isto. Seguramente. Mas essa não é a linguagem do "eduquês" nem da psicologia, é linguagem das sociedades ocidentais e da ética de consumo que tão avidamente perseguimos e entendemos como sinal de desenvolvimento. A mesma que quotidianamente produz os sonhos frustrados e o ressentimento de que a escola é palco.
(...)»

domingo, 30 de março de 2008

A cena do telemóvel

Quem há que não tenha ainda dado opinião sobre os telemóveis da sala de aula na escola do Porto? O que vai variando são os ingredientes, entre opiniões mais arrojadas e outras... "que sim, mas que talvez". Gostaria de ver muitos dos opinadores na situação que aconteceu, no papel da professora... para saber se a frieza era a mesma. Obviamente, há que haver medidas; obviamente, há que prezar a disciplina. A cena dos telemóveis é apenas uma gota no percurso que tem sido o (do enfraquecimento) da autoridade e da educação na escola.
Ficam dois "cartoons" sobre o assunto: um, do Público, de 22 de Março, devido a Luís Afonso; outro, do Sol, de ontem, pela mão de Augusto Cid. É só "clicar" sobre as imagens...

sábado, 29 de março de 2008

Rostos (40)


Estremoz, Convento das Maltezas (Centro Ciência Viva)

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 78
António Fortuna I – Quando, em 9 de Março, recebi telefonicamente a notícia da morte de António Matos Fortuna, fiquei triste. Acabava de perder a possibilidade de voltar a conversar com um amigo que sempre me abriu as suas portas de saber, de humanismo, de solidariedade, de amizade. A partir desse momento, António Fortuna passou para a memória, lugar onde estão todos os marcos importantes de uma vida, e a conversa com ele passou a ser apenas metafórica, através da leitura dos seus textos, uma boa vintena de títulos em livro e uma quantidade de artigos, sempre sob a batuta da região que palmilhou e cuja história esgaravatou.
António Fortuna II – Sinto-me privilegiado por me ter cruzado com António Matos Fortuna. Sobretudo pelo que com ele aprendi. E quero que essas imagens se mantenham na minha memória. Conheci-o há uns 20 anos, cruzámo-nos em várias situações, ou porque eu o procurava para saber mais e, às vezes, para conversar, ou porque ele me fazia o favor de se lembrar de mim para alguns dos seus projectos. Foi uma das pessoas que mais me impressionou pela simplicidade que punha em cima do seu saber e do seu conhecimento, ele que foi um recurso para muita gente que quis saber a história de Palmela e muitas histórias da região sadina, que abriu caminhos para que muitos enveredassem pelo passeio da história local.
António Fortuna III – Um dos seus últimos sonhos era preparar uma edição com os escritos de Almeida Carvalho sobre Palmela, misto de recolha e de antologia, com algumas anotações. Muitas vezes o vi às voltas com a caligrafia e com as minúcias desse setubalense do século XIX! No entanto, de há uns meses a esta parte, esse entusiasmo parecia esmorecer, num decréscimo que era proporcional ao seu agastamento – “sabe, sinto-me cada vez com menos forças, eu que sempre tive a presunção de ser um tipo de acção, de fazer, de antes quebrar que torcer, não pensava que isto pudesse acontecer comigo”, desabafava. E era este um dos seus maiores desgostos, um dos seus maiores inconformismos.
António Fortuna IV – Em cada livro de Matos Fortuna, o texto vai correndo e relatando, assim à maneira de quem conta uma historieta, recheado de apartes, com muitas ironias (por vezes subtis, outras vezes plenamente assumidas, sobretudo quando resultam da comparação entre as formas de viver no passado e no presente), com muitos ensinamentos a propósito, num jeito próprio de quem conversa, de quem reporta, mais parecendo anunciar um qualquer Fernão Lopes dos tempos de hoje, pondo alma no que conta, não perdendo o fito de que uma história não é apenas ela mas também é o conjunto de todas as outras que se podem – e devem – meter lá dentro.
António Fortuna V – Com a sua obra e com o seu testemunho, António Fortuna foi, talvez, uma das pessoas que mais fixou a identidade da região de Palmela, pelo menos naquilo que é descobrir os traços dessa mesma identidade, assumi-los e mantê-los, num jeito de inscrição e de memória. Valorizou o “palmelão” e o “montanhão”, pugnou pela genuinidade das suas raízes e do meio em que sempre viveu. Desenterrou documentos, reconstruiu o “puzzle” da história, estudou o falar, valorizou as personagens no seu quotidiano, pesquisou as lendas, actualizou grafias, estudou o património, num trabalho incessante em prol da afirmação do local e do regional, associado a uma vontade de ferro de partilhar, de levar as pessoas a conhecerem as suas origens, a entreterem-se com as suas próprias histórias, no fundo, de as levar a … conhecerem-se!

sexta-feira, 28 de março de 2008

Ficha de leitura (4) - O telefone de Gianni Rodari

Gianni Rodari (1920-1980), escritor italiano, recebeu o Prémio Andersen em 1970 e é autor de Histórias ao Telefone (Lisboa: Teorema), publicadas pela primeira vez em 1962.
O que une todas estas histórias é o telefone, pretexto apresentado no título inicial do livro, intitulado “Era uma vez…”: Bianchi, um caixeiro-viajante de Varese, circulava em trabalho em seis dias da semana, apenas estando um dia com a família; sempre que partia, a filha recordava-lhe que não se esquecesse de lhe contar uma história todas as noites; e, pontualmente, às nove, o pai distante tornava-se próximo, ao ligar para casa para contar uma história à filha.
Necessariamente, as histórias são curtas, porque as chamadas eram caras. E, para conferir mais legitimidade a esta história, duas confidências do narrador: a primeira – “Só de vez em quando, depois de um bom negócio, se permitia uns impulsos a mais”, como a justificar a maior extensão de uma ou outra história; a segunda – “disseram-me que quando o senhor Bianchi fazia as suas chamadas para Varese as meninas dos telefones suspendiam todas as outras chamadas para ouvir as suas histórias.” Recordações de um tempo que se alonga: o da infância, reduto feliz de histórias, de fantasia e de maravilha. Recordação de um outro tempo: o da dificuldade em algumas chamadas, de ligações demoradas, mas, mesmo assim, cumpridas e úteis.
As narrativas, eivadas de maravilhoso, não sustentam uma estrutura fixa que as aproxime. Reina a diversidade, tanto podendo o pretexto ser banal (comer um gelado), como rebuscado (comprar uma cidade), tanto havendo personificações como alegorias, tanto ressaltando a brincadeira com as histórias e com as palavras (o “des-país”, por exemplo, que é também a defesa de um mundo novo e em paz) como alguma dose de moralidade ou aprendizagem ou, até, visão crítica sobre os hábitos (a história em que alguns provérbios são personagens é disso exemplo).
Recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, este livrinho (96 páginas, 34 curtas narrativas – sem contar com a do caixeiro Bianchi) diverte, ao mesmo tempo que valoriza a simplicidade. Por outro lado, sem o afirmar explicitamente, convoca também os educadores – especialmente os pais – a serem contadores de histórias.

Cinco máximas de Rodari, aliás, do caixeiro Bianchi:
1. “O descanhão é o contrário do canhão, serve para desfazer a guerra. (…) Até uma criança consegue manejá-lo. Quando há guerra, tocamos a descorneta, disparamos o descanhão e a guerra desfaz-se imediatamente. Que maravilha, o des-país!”
2. “A lágrima de um menino mimado pesa menos que o vento, a de um menino esfomeado pesa mais que toda a Terra.”
3. “Qualquer criança que vem a este mundo torna-se dona e senhora de todo ele, sem ter que pagar um tostão. Basta-lhe arregaçar as mangas, estender as mãos e agarrá-lo.”
4. “Certos tesouros apenas existem para quem primeiro se aventura numa nova estrada.”
5. “Não há ninguém mais feliz no mundo do que o velho que ainda tem alguma coisa que valha a pena oferecer a um menino.”

quinta-feira, 27 de março de 2008

Ainda na sequência da história do telemóvel...

Depois das preocupações manifestadas pelo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, quanto à violência nas escolas (preocupações assinaladas mais do que uma vez, assinale-se) e depois da surpreendente resposta do Secretário de Estado Valter Lemos, a minimizar a existência da violência nas escolas, eis uma opinião, com base em histórias que confirmam a preocupação. É de Constança Cunha e Sá, no Público de hoje (clicar sobre a imagem para ler).

quarta-feira, 26 de março de 2008

Oito máximas de Agustina (2)

De Vento, areia e amoras bravas (2ª ed. Lisboa: Guimarães Editores, 2007)

1. “Entre as fantasias que a ternura tem e o insulto, há um abismo."
2. “Toda a gente anda assustada neste mundo. Só que alguns fingem ou não o dizem. Há um monte de coisas que as pessoas não dizem.”
3. “As nossas esquisitices sempre nos parecem sensatas. Estamos sempre prontos a censurar os outros por motivos perfeitamente naturais se forem os nossos motivos."
4. “A vida das pessoas parece-se às vezes com as fitas, só que se passa mais devagar."
5. “Não se gosta todos os dias de tudo, nem dos pais, nem dos irmãos. É preciso pôr espaço entre nós e os outros, senão a malícia entra no coração como uma erva que cresça com o amor.”
6. “Há em destruir um prazer que não tem sentido, e por isso é um prazer. As crianças sabem isso. Abrem um brinquedo, dão-lhe outro significado, usam-no como se criassem algo de novo.”
7. “As coisas muito lindas assustam um bocadinho, como se não as merecêssemos e seja pecado olhar para elas. É por isso que tudo quanto é feio parece que nos dá força.”
8. “Um irmão que morre fecha a porta da infância para sempre.”

terça-feira, 25 de março de 2008

O caso do telemóvel no "You Tube"

Obviamente, é caso que continuará a apaixonar a opinião, porque, de repente, todos fomos confrontados com o que "parecia" não existir por cá. Entre a falta de educação e a falta de autoridade da escola (e dos professores), entre as acusações ao passado e as intrigas com o presente, entre as frases e explicações foleiras e bacocas e as teorias sobre as origens deste descrédito, entre a política a aproveitar-se e a política que não sabe resolver... há de tudo. No fundo, a questão permanece: como resolver problemas de violência na escola e na sala de aula? qual a política para lidar com este tipo de situações? Três excertos de opiniões sobre a história do telemóvel que originou uma cena lamentável e foi posta a correr no "You Tube": dois, dos diários de hoje; um, da blogosfera.
1. João Miguel Tavares, “Nem anjos inocentes, nem geração rasca”, Diário de Notícias, hoje - "(...) Doses cavalares de mimo, desaparecimentos de Maddies e problemas de consciência de pais ausentes compõem uma fórmula de tal forma explosiva que as criancinhas se transformam em flores de jarra às quais parece mal tocar até com um dedo. O meu pai contou-me no outro dia que em miúdo levou um tabefe porque ao cumprimentar um adulto o tratou por "você" em vez de "senhor". Não é a este tempo que queremos voltar. Mas é preciso encontrar o equilíbrio entre distribuir sopapos por faltas de cortesia e não poder puxar uma criança para um canto sem se ser ameaçado com a polícia. Já é hora de acabar com o mito do bom rebelde. As crianças não são seres angélicos que o mundo corrompe. São bicharocos nem sempre encantadores, muitas vezes cruéis, que têm de ser educados para a vida e para se comportarem devidamente em sociedade. Alguém se esqueceu de fazer esse trabalho com aquela miúda do Porto, dez anos atrás. Tão simples - ou tão complicado - quanto isso."
2. Miguel Gaspar, “A turma do You Tube”, Público, hoje - "(...) A reacção dos actores políticos não ajudou. Toda a gente procurou contornar o caso à sua maneira. A direita recuperou-o para atacar o dificilmente defensável estatuto do aluno, mas o ponto não era esse. A ministra chegou à brilhante conclusão de que "o Código da Estrada não evita os acidentes" (e por isso julgo que a receita que melhor serve o Ministério da Educação é a do senador John McCain para o Irão: "Bomb, bomb, bomb, bomb"). Na reflexão à volta do caso há a tendência do costume para filosofar sobre as causas profundas e mergulhar em discursos apocalípticos em vez de pensar numa solução. Sendo inegável que a desautorização dos professores pelo Governo tornou obviamente mais fáceis comportamentos deste tipo. Como é verdade que este episódio apenas trouxe à luz do dia uma realidade conhecida há muito. Não tenho respostas para o problema; só sei que aqui está em jogo uma questão de direitos. Aqueles alunos não foram capazes de respeitar os direitos daquela professora e nenhuma pedagogia democrática pode excluir o respeito pelos direitos do outro. Não é um problema de "autoridade" ou de "liberdade". Nenhum sistema de ensino que tolere este tipo de comportamentos pode sequer funcionar. Por isso eu esperaria que os actores políticos respondessem a uma pergunta concreta - como combater a violência na escola e na sala de aula - em vez de divagarem ou de negarem o problema. Isso é repetir o equívoco que o sistema não conseguiu superar há três décadas."

sexta-feira, 21 de março de 2008

Dia Mundial da Poesia - é hoje!

Na 30ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, em 15 de Novembro de 1999, foi decidido criar o Dia Mundial da Poesia, a ter lugar em 21 de Março, com início de celebração no ano de 2000.
Honra aos Poetas, pois! Escolho António Manuel Couto Viana para os representar. Razões? Porque tem lindos poemas; porque tem levado a vida a poetar (já com dezenas de livros publicados); porque é considerado um dos mais importantes poetas portugueses do século XX; porque sou seu amigo; porque tem vários poemas alusivos à quadra festiva que agora passa. Assim, ligando este Dia com as celebrações que marcam este tempo, apresento, de António Manuel Couto Viana, o poema

Páscoa
É tempo de Páscoa no Minho florido.
Já se ouvem os trinos dos sinos festeiros
Na igreja vestida de branco vestido,
Entre o verde manso dos altos pinheiros.

Caminhos de aldeia, que o funcho recobre,
Esperam, cheirosos, que passe o “compasso”
À casa do rico, cabana do pobre...
Já voam foguetes e pombas no espaço.

Lá vêm dois meninos, com opas vermelhas,
Tocando a sineta. Logo atrás, o abade
Já trôpego e lento. (As pernas são velhas?
Mas no seu sorriso tudo é mocidade.)

Com que unção o moço sacristão, nos braços,
Traz a cruz de prata que Jesus cativa,
Para ser beijada! Enfeitam-na laços
De fitas de seda e uma rosa viva.

Um outro, ajoujado ao peso das prendas
(Não há quem não tenha seu pouco pra dar...)
Traz, num largo cesto de nevadas rendas,
Os ovos, o açúcar e os pães do folar.

Mais um outro, ainda, de hissope e caldeira
Cheia de água benta, abre um guarda-sol.
Seguem-nos, e alegram céus e terra inteira,
Estrondos de bombos e gaitas de fol’.

Haverá visita mais honrosa e bela?
Famílias ajoelham. A cruz é beijada.
(Pratos de arroz-doce, com flores de canela,
Aguardam gulosos na mesa enfeitada.)

Santa Aleluia! Oh, festa maior!
Haverá mais bela e honrosa visita?
É tempo de Páscoa. O Minho está em flor.
Em cada alma pura, Jesus ressuscita!
António Manuel Couto Viana. Postais de Viana.
Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1986, pp. 12-14.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Por causa de um telemóvel...

... vê-se o que por aí vai! A notícia é da edição on-line do Expresso, que até apresenta o video dos acontecimentos: "Na Escola Secundária Carolina Michaelis - Professora brutalizada por tirar telemóvel na aula - Numa escola do Porto, uma aluna resistiu à professora que tentou retirar-lhe o telemóvel durante uma aula."
O filme é uma pérola: quer pela atitude da aluna que se confronta com a professora, quer pela atitude do aluno que filmou, quer pela decisão de quem resolveu divulgar o video. Outra pérola é a capacidade de realização, com conselhos à mistura que o autor do video vai fazendo. Felizmente, este tipo de atitudes não é norma! Mas tem que haver acção rápida e sem hesitações. Imagino que muitos dos que têm contestado os professores estão agora contentes... porque vêem a obra-prima que coroa a contestação! Lamentável, a todos os níveis! Lamentável! Solidarizo-me na amargura com a professora envolvida, que não conheço.

Rostos (39)

Cristo, na igreja paroquial de Castelo de Neiva

Minudências (23)

E que tal um "choque anímico"?
Quando, na última edição de "Quadratura do Círculo", Jorge Coelho considerou o comício do Partido Socialista no Porto como um "suplemento de alma" para os militantes que lá acorreram, ficou a certeza de que a festa partidária é uma manifestação de uma outra religião, com regras e sermonário a preceito, circulando entre uma espiritualidade de facções. A dita "alma" tem, assim, cor. E tem partido. Desenganem-se os que pensavam que a alma era algo mais elevado, que fazia mover a vida e o mundo... Afinal, ela está ali, na esquina das nossas passagens; o que é preciso é um "suplemento" de quando em vez, assim como quem dá uma dose vitamínica para mais uns tempos, talvez um "choque de alma" (um "choque anímico"), porque a tecnologia ainda não encontrou espaço para a dita... Ah, o poder das metáforas!

A avaliação de professores com comentários de Santana Castilho

Santana Castilho escreve hoje no Público, mostrando, por um lado, um conjunto de variáveis que influenciam (e determinam) a escola, muito para lá da questão do desempenho profissional dos professores (que tem que ter em conta essas mesmas variáveis porque com elas convive), e, por outro, apontando dúvidas (na concepção, na apresentação e no provável interesse) quanto ao sistema de avaliação de professores proposto pelo Ministério da Educação.
«(...) A qualidade do desempenho profissional dos professores é uma das variáveis que contribuem para a qualidade da formação dos jovens e que, por isso, deve ser seriamente considerada na gestão educativa. Mas antes dela abundam muitas outras, que nem a escola nem os professores podem controlar. Lembro algumas, sem as esgotar: baixos níveis de literacia dos progenitores, com a consequente impossibilidade de continuarem em casa o trabalho da escola; empobrecimento das famílias (dois milhões de pobres, dois milhões de assistidos), num cenário de crescente aumento das desigualdades económicas e sociais, que favorecem o abandono precoce do estudo em busca de trabalho, ainda que mal pago; desvalorização do papel social da escola, numa sociedade onde a posse de uma formação longa é cada vez menos garantia de acesso ao trabalho remunerado (fala-se sempre da escola formar para o desemprego, nunca se fala de o mercado não gerar empregos suficientes para todos); universalização do emprego precário e aumento do desemprego; políticas urbanísticas inadequadas, geradoras de guetos étnicos e sócio-económicos propiciadores da exclusão e da marginalidade; aceitação e promoção de um paradigma de vida em que a escola deve substituir os pais (as crianças do básico já passam 39 horas por semana na escola e a medida moderna proposta é estender o estranho conceito de "escola a tempo inteiro" ao secundário, guardando os jovens na escola 55 horas em cada semana).
Outras variáveis, directamente actuáveis pela gestão educacional, permanecem intocáveis ou sofreram intervenções degradantes: planos curriculares e programas disciplinares; orientações metodológicas; prestações exigíveis aos alunos e seu estatuto disciplinar; modelo de gestão das escolas; políticas de formação inicial e contínua dos professores; estruturas de supervisão; políticas de rede escolar e de modernização de equipamentos.
No meio de tudo isto, a avaliação do desempenho está longe de ter o impacto que muitos lhe atribuem. Mas vamos a ela e falemos dos erros que subjazem ao decreto que a regulamenta, sob a forma de perguntas que endereço aos que apoiam a ministra da Educação:Onde está a evidência mínima, a simples presunção fundamentada, ao menos em experiências similares, que, cumprido o proposto, os resultados dos alunos melhorariam? Que países, daqueles que servem habitualmente de modelo aos arautos da modernidade, ou outros, puseram em prática modelos similares e que resultados foram obtidos? Que análise custo-benefício fizeram os arquitectos do monstro, antes de o parir? Quanto custa observar três aulas por ano (pelo menos, como manda a lei) multiplicadas pelo número de professores a avaliar? Surpreendem-se se adiantar que, só para isso, estaremos a falar de qualquer coisa como 700 salários anuais de professores de topo de carreira? Quanto tempo e quanto custa preencher a loucura de fichas e papéis que o sistema supõe? Não é verdade que, entre outras, sublinho, entre outras, teremos uma ficha de objectivos individuais, uma ficha de auto-avaliação do avaliado, uma ficha de avaliação de um avaliador (coordenador do departamento), outra ficha de avaliação de outro avaliador (presidente do conselho executivo), uma ficha de observação de aulas, uma ficha de avaliação do portefólio do avaliado e o próprio portefólio do avaliado? Poderão e deverão as escolas dedicar um tempo desproporcionado à avaliação dos professores, tempo que retirarão ao ensino, missão primeira da escola? Não é verdade que poderemos ter licenciados a avaliar doutorados? Não estamos, por essa via, a envenenar irremediavelmente o clima relacional entre os docentes, já perigosamente aviltado pela grosseira injustiça que dividiu professores em titulares e outros? Não é verdade que se reduziu ao ridículo a tradicional lógica dos saberes instituídos, quando poderemos ter um professor de Biologia a avaliar um colega de Matemática ou um de Física a perorar sobre o desempenho doutro de Informática? Não será aberrante um biólogo ir observar a aula de um matemático? Não é inaceitável que a ministra argumente que todos os professores avaliadores estão preparados para avaliar colegas, já que toda a vida avaliaram alunos, como se a supervisão pedagógica fosse simples diletância de universitários lunáticos? Não teremos um conflito insanável de interesses, quando avaliando e avaliador podem ser concorrentes a uma mesma menção de "excelente" e o segundo pode driblar o primeiro, esgueirando-se pela porta estreita das quotas? Não é certo que o sucesso dos alunos é muito mais provável numas disciplinas que noutras? Não é verdade que a avaliação externa não se aplica a todas as disciplinas? Como aceitar que a inteligência diferente dos alunos, a sua aplicação e interesse, as deficiências transitadas de anos anteriores, etc., possam rotular o trabalho dos professores, ao menos sem um acurado mecanismo ponderador? Como indexar, assim, parte da classificação dos docentes a critérios tão vulneráveis? Como negar que a curta história do diploma em apreço seja a macabra história de comportamentos continuados de desrespeito da própria lei por parte dos seus autores, como a insensatez das datas, a não regulamentação do essencial e a trapalhice continuada para salvar a face suja? As perguntas que ficam não são mera retórica. São a evidência de um sinistro disparate. (...)
»

quarta-feira, 19 de março de 2008

Matemática em boa conta...

Há uns tempos, vários “mails” foram gastos para a circulação de uma análise a um suposto exercício aritmético mal resolvido. Transcrevo, com o atraso necessário, essa história. Perante a soma resolvida de “6+7=18”, o autor da anedota escrevia, quanto ao item “Análise”: “A grafia do número seis está absolutamente correcta; o mesmo se pode concluir quanto ao número sete; o sinal operacional + indica-nos, correctamente, que se trata de uma adição; quanto ao resultado, verifica-se que o primeiro algarismo (1) está correctamente escrito e corresponde ao primeiro algarismo da soma pedida; o segundo algarismo pode muito bem ser entendido como um três escrito simetricamente – repare-se na simetria, considerando-se um eixo vertical! Assim, o aluno enriqueceu o exercício recorrendo a outros conhecimentos... a sua intenção era, portanto, boa.” O texto continuava com o segundo item, designado como “avaliação” [que o executor da operação obteria]: “Do conjunto de considerações tecidas nesta análise, podemos concluir que: a atitude do aluno foi positiva, ele tentou; os procedimentos estão correctamente encadeados, os elementos estão dispostos pela ordem precisa; nos conceitos, só se enganou (?) num dos seis elementos que formam o exercício, o que é perfeitamente negligenciável; na verdade, o aluno acrescentou uma mais-valia ao exercício ao trazer para a proposta de resolução outros conceitos estudados – as simetrias... –, realçando as conexões matemáticas que sempre coexistem em qualquer exercício... Em consequência, podemos atribuir-lhe um EXCELENTE e afirmar que o aluno... PROGRIDE ADEQUADAMENTE!!!”
Obviamente, esta história não vale mais do que o ser uma boa caricatura de muitas teorias que minaram a educação, um bom exagero do “eduquês” e da sua aplicação. Mas, enquanto caricatura – é para isso que ela existe –, cada leitor percebe perfeitamente o que se quer dizer e o que se pretende veicular…
Vem isto a propósito do tema que José Manuel Fernandes trouxe para o editorial do Público de hoje: a questão da Matemática e de uma anunciada “revolução” no seu ensino na América. Não sendo professor da área, reconheço que, enquanto aluno, me deixei levar, muitas vezes, pelo fascínio da Matemática e ainda hoje não compreendo que os jovens (e muitos colegas) olhem a Matemática como algo tenebroso e medonho. Tenho tentado provar aos meus alunos que o estudo da Matemática e da língua são contributos essenciais para o quotidiano, assim como lhes tenho dito que não alinho na versão pirata de que… quem é bom em línguas não é bom em Matemática, ideia muito apregoada, infelizmente. Aliás, a comprovar o contrário deste aforismo bacoco está o facto, por estes dias divulgado, da jovem que foi premiada nas Olimpíadas de Matemática e que já tinha sido premiada, no ano passado, no concurso de língua portuguesa que o Expresso tem promovido…
Transcrevo, então, a parte que me interessa do editorial do Público: «Em Setembro de 2004, estava eu de férias, ia-me dando um colapso quando olhei para a manchete do PÚBLICO (honestamente, devo confessar que não foi a primeira nem a última vez, mesmo sem estar de férias). Cito de memória o título: "Sócrates ganha PS com mais de dois terços dos votos"; e o texto: "Sócrates deverá ter recolhido mais de 75 por cento dos votos..."
Sucede que dois terços corresponde a 66,6 por cento, enquanto 75 por cento é igual a três quartos. Esta evidência não chocou muitos dos meus colegas quando, logo na segunda-feira seguinte, regressei ao trabalho. A maioria não tinha dado pelo erro. De resto, julgo que nem um só leitor protestou. E isso deixou-me desesperado: não ter a mínima ideia do valor real de uma fracção, ou de uma percentagem, afligiu-me. Mas a verdade é que pouco podia fazer a não ser recomendar que se utilizassem títulos mais fáceis de entender. Como, por exemplo, "Mais de três em cada quatro militantes do PS escolheram Sócrates". Num país de tão dramática iliteracia aritmética (já nem falo de iliteracia matemática...), assim ao menos far-nos-íamos entender.
Conto este episódio porque ontem me chamaram a atenção para um documento que, espero, já deve estar entre os papéis que Maria de Lurdes Rodrigues meteu na mala para ir lendo nos seus (eventuais) tempos livres destas férias: o relatório sobre o ensino da Matemática que os melhores especialistas dos Estados Unidos entregaram, no passado dia 13, ao departamento federal de Educação. Lá, como cá, a iliteracia matemática é um problema nacional. Só que lá entregaram a um painel de excepcional qualidade (os documentos podem ser consultados em
www.ed.gov) a análise do problema e a formulação de sugestões.
Os documentos são demasiado ricos para serem sintetizados neste espaço, mas devo dizer que não pude deixar de recordar o episódio atrás relatado quando, entre as conclusões síntese, li a seguinte frase: "O conhecimento de fracções é a mais importante competência que não se encontra devidamente desenvolvida entre os estudantes americanos" (e os jornalistas portugueses, acrescentaria eu).
Só que, para além de saberem lidar com fracções, e entenderem intuitivamente a que correspondem, o painel considerou fundamental que os estudantes americanos de Matemática deviam ter um conjunto de competências solidificadas de acordo com o grau de ensino, evitando regressar, e regressar, a conceitos básicos ano após ano; que a aritmética simples (como a malfadada tabuada) devia ser decorada, por forma a que existisse uma memória "viva" que os ajudasse a resolver problemas mais complexos; nenhum estudante deve terminar o oitavo ano sem ter aprendido os conceitos fundamentais da álgebra, saber resolver equações lineares e quadráticas, funções, polinómios, cálculo combinatório e de probabilidades.
Ou seja: acabe-se com as facilidades e regressemos ao essencial. De nada serve ter um computador ou uma máquina calculadora sofisticada à mão se não soubermos raciocinar. E nunca conseguiremos raciocinar se não compreendermos, sem um milésimo de segundo de hesitação, que dois terços e 75 por cento correspondem a valores diferentes. (…)
E o pior é que somos capazes de acabar a preferir a máquina calculadora à tabuada, na ilusão de que podemos inventar uma roda melhor do que a roda...
»
Obviamente, concordo e aplaudo. Mesmo porque é preciso ressuscitar a ideia de que a memória tem um papel fundamental e não faz adoecer quem a pratica. Traumático será ficar-se com a memória de que nos ensinaram a não memorizar nada!...

Poemas para os pais

O livro termina com uma “inverdade” que pretende ser simpática: “aos dezanove de março de dois mil e oito imprimiu-se na EGRAFE, SA esta primeira edição portuguesa de poesia da Prisa Innova para comemorar o dia do pai e a chegada da primavera”. Ora, acontece que o livro foi impresso para assinalar esses dois acontecimentos mas não nesse dia; na verdade, o livro foi posto à venda ontem, dia em que saiu para a rua a acompanhar o diário Público. Fala-se de Em nome do Pai – Pequena antologia do Pai na poesia portuguesa, volume com cerca de 120 páginas por onde perpassam textos de meia centena de poetas que trouxeram o pai para motivo da sua poesia, organizado por José da Cruz Santos e prefaciado por Vasco Graça Moura, que, além desta função, é também um dos antologiados. A direcção gráfica é de Armando Alves.
O texto introdutório de Graça Moura chama a atenção para a raridade que foi a entrada da figura do pai na poesia portuguesa anterior ao século XX, altura em que surgiu esplendorosa no poema de Jorge de Sena “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya” (em Metamorfoses, de 1963). Por outro lado, é acentuada a ausência que envolve o tratamento da figura paterna na poesia – “embora alguns [poetas] façam a sua referência ao momento da morte, poder-se-á dizer que predominam as recordações da figura do pai na infância do autor e de um convívio determinante com ela.” A explicação de Graça Moura termina, aliás, com uma conclusão inevitável: “como se vê dos poemas aqui compendiados, todos os pais desaparecidos se tornaram fantasmas melancólicos”. Pelo caminho, ficou ainda uma explicação para o facto de a figura da mãe, essa sim, ter intensa presença na literatura poética portuguesa, fenómeno a que não está alheia a promoção da imagem materna “ao longo dos séculos pela devoção religiosa que veio mais tarde a encontrar a sua transposição laica para o plano da maternidade comum”.
O leque de autores reunidos começa com três nomes do século XIX – Camilo, António Nobre e Cesário Verde. Seguem-se nomes que entraram pelo século XX, logo a partir do quarto autor escolhido, Ângelo de Lima. Para falarmos de nomes relacionados com a região de Setúbal (um critério que justifica que não se liste a meia centena de autores seleccionados), citem-se António Osório (com fortes ligações à Arrábida e a Azeitão), Ruy Belo (que prefaciou o livro Pelo sonho é que vamos, de Sebastião da Gama, em 1970), Jorge Reis-Sá (o poeta que quase “fecha” a antologia e foi vencedor da 6ª edição do Prémio Literário Bocage, organizado pela LASA em 2004) e Amadeu Baptista (que foi o vencedor do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, organizado pelas Juntas de Freguesia de Azeitão em 2007).
Se o livro, enquanto objecto, é bonito, pena é que a antologia não contenha indicações sobre os autores (pelo menos as datas dos períodos de vida) e sobre os livros de onde os textos saltaram!
E, porque se está em Dia do Pai, dou a palavra a José Tolentino de Mendonça, aqui antologiado com o poema “A casa onde às vezes regresso” (reunido em A noite abre meus olhos, de 2006):
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo

tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração

terça-feira, 18 de março de 2008

Luiz Pacheco lembrado por Serafim Ferreira

O texto vem n'A Página da Educação deste mês (Porto: Profedições, nº 176, Março.2008, pg. 40). Vale bem a pena lê-lo por ser uma boa memória, feita por quem bem conheceu Luiz Pacheco.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Máximas em mínimas (16)

A Guerra (em quatro andamentos)
A próxima guerra será silenciosa, esteticamente organizada, não haverá necessidade do ruído desagradável das bombas e da visão traumática e em último caso perfeitamente dispensável das cidades arrasadas, porque as cidades ficarão intactas, só as pessoas e os seres vivos morrerão, mas em silêncio, sem estertores nem gritos, nem nada de excessivo ou patético, tudo será eficiente, limpo, límpido.
Teolinda Gersão. O Silêncio (1981)
****
Não vale grande coisa, a felicidade. Por vezes, está presa por um fio, outras por um braço. A guerra é o mundo de pernas para o ar: consegue fazer de um amputado o mais feliz dos homens.
Philippe Claudel. Almas Cinzentas (2004)
****
As guerras em geral, como as tragédias da natureza, são impessoais, diluem-se na abstracção dos grandes números. Falar de milhares ou milhões de mortos não choca e só teoricamente ofende, mesmo aqueles que são capazes de chorar quando vêem uma criança com o rosto sulcado por um fio de sangue. A magnitude das tragédias é a sua fraqueza, porque ninguém consegue sentir, ou sequer imaginar, a desgraça particular dos milhares de mortos que jazem sobre um campo de batalha. É uma forma de fuga, pois todos receiam não resistir a um horror que ultrapassa a sua própria sensibilidade. Por outro lado, há sempre algum tipo de álibis, usados sem o menor pudor: não seriam assim tantos os mortos, a fotografia é a ilusão da aparência, as estatísticas enganam-se, é impossível existir tanta maldade…
Mário Ventura. O Reino Encantado (2005)
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A guerra massacra, mutila, macula, suja, esventra, decepa, esmaga, tritura, mata, mas por vezes também acerta o passo a muita gente.
Philippe Claudel. Almas Cinzentas (2004)

Rostos (38)

Balões, em Sesimbra, no Carnaval

domingo, 16 de março de 2008

Memória: Saint-Exupéry, 64 anos depois

“- Adieu, dit le renard. Voici mon secret. Il est très simple: on ne voit bien qu’avec le cœur. L’essentiel est invisible pour les yeux.
- L’essentiel est invisible pour les yeux, répéta le petit prince, afin de se souvenir.
- C’est le temps que tu as perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.
- C’est le temps que j’ai perdu pour ma rose… fit le petit prince, afin de se souvenir.
- Les hommes ont oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l’oublier. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé. Tu es responsable de ta rose…
- Je suis responsable de ma rose… répéta le petit prince, afin de se souvenir.”

Esta é, talvez, uma das passagens mais bonitas da obra mais divulgada de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), Le Petit Prince, publicada em 1943. Trouxe para aqui este excerto por essa razão e também porque os jornais de hoje falam de como foi o final de Saint-Exupéry, uma vez que, até aqui, se sabia que tinha levantado voo da Córsega, em 31 de Julho de 1944 , e dele não houve regresso. Transcrevo a notícia do Público.
«Ex-piloto alemão reconhece ter matado Saint-Exupéry - Um antigo piloto alemão, Horst Rippert, reconheceu ter sido o autor dos disparos que abateram o avião de Antoine de Saint-Exupéry em 1944 sobre o Mediterrâneo. Não sabia quem pilotava o aparelho. "Foi só depois que soube que era Saint-Exupéry. Esperava que não tivesse sido ele, porque na nossa juventude todos tínhamos lido os seus livros e adorávamo-lo", declarou ao jornal francês La Provence, que investigou o caso. O autor do Principezinho, a mais conhecida das suas obras, traduzida para mais de cem idiomas, foi abatido a 31 de Julho de 1944. Descolara na sua base na Córsega para uma missão de reconhecimento a bordo de um avião Lightning P38. Era um piloto experimentado. Não voltou à pista. O corpo do aviador francês nunca foi encontrado. Em 1998, um pescador achou entre as suas redes uma pulseira que lhe pertenceu. Seis anos depois, os restos do seu avião foram encontrados em frente à costa de Marselha. Mas nunca se esclareceu o caso. "Podem deixar de o procurar. Fui eu quem abateu Saint-Exupéry", dis-se o piloto alemão, hoje com 88 anos, quando foi referenciado pelos investigadores do jornal francês. Horst Rippert estava há duas semanas de serviço no Sul da costa francesa, quando naquela manhã viu o Lightning e se dirigiu para ele. Perseguiu-o e disparou contra ele vários tiros. Reparou no avião a cair mas não se inteirou do que acontecera ao piloto.»
Rippert, que trabalhou na televisão alemã ZDF, contou ao jornal La Provence o momento que foi fatal para Saint-Euxpéry: : "Après l’avoir suivi, je me suis dit, mon gars, si tu ne fous pas le camp, je vais te canarder. J'ai plongé dans sa direction et j'ai tiré, non pas sur le fuselage, mais sur les ailes. Je l’ai touché. Le zinc s’est abîmé. Droit dans l’eau. Il s’est écrasé en mer. Personne n’a sauté. Le pilote, je ne l’ai pas vu. J’ai appris quelques jours après que c’était Saint-Exupéry. J’ai espéré, et j’espère toujours, que ce n’était pas lui. Dans notre jeunesse, nous l’avions tous lu, on adorait ses bouquins. Il savait admirablement décrire le ciel, les pensées et les sentiments des pilotes. Son œuvre a suscité la vocation de nombre d’entre nous. J’aimais le personnage. Si j’avais su, je n’aurais pas tiré. Pas sur lui."
[foto a partir de O Principezinho (Lisboa: Editora Caravela, 1994)]

De que se está à espera para haver mediação?

A crónica de Daniel Sampaio que o Público divulga hoje foi escrita no dia que seguiu à manifestação de professores em Lisboa. No dia 9, portanto. Significativamente, intitula-se “E agora?”
Na primeira parte, Sampaio inventaria os erros cometidos pela equipa da Ministra da Educação, responsáveis pela conflitualidade com os professores: «O seu primeiro erro foi procurar demonstrar que os professores trabalhavam pouco, publicando as suas faltas: aí, começou a perder uma eventual base de apoio para a mudança e a sua queda começou a ser anunciada. Depois, as famosas aulas de substituição (de que sou um defensor) foram postas em prática de modo pouco claro, porque foi acentuada a necessidade do preenchimento das horas lectivas, em vez de ter sido enfatizada a sua importância para os alunos. Seguiu-se muita legislação, dificultando a nível central a prometida autonomia das escolas, com destaque para o concurso para professor titular, o estatuto do aluno (já por mim analisado) e a avaliação. A grande contestação iniciou-se com a progressão na carreira, processo que deixou marcas e muitas dúvidas: como pode alguém aceitar que sejam apenas considerados os últimos sete anos, em pessoas com um longo e difícil desempenho profissional? E continuou com a avaliação: quem pode avaliar, se o sistema não se avalia a si próprio? O método proposto contribuirá para o aumento da conflitualidade interpessoal nas escolas (docentes a dar notas a colegas do lado) e não será susceptível de comparação, porque se baseia em critérios de muita subjectividade.»
Depois, vêm as que poderiam ter sido possíveis alternativas de acção – a autonomia das escolas, com resultados medidos; a formação de professores voltada para questões concretas das dificuldades da escola; dotar o sistema de instrumentos de avaliação.
A única solução que Sampaio antevê é a da mediação, questão que, numa edição do “Prós e Contras”, foi aventada por João Lobo Antunes e que, incrivelmente, ainda não teve realização prática, mais parecendo que se quer que tudo se vá desgastando rumo ao caos. Esta mediação (que está a pecar por tardia) é assim corroborada por Daniel Sampaio: «O impasse a que se chegou merece medidas concretas. Compreende-se que a equipa do ME se mantenha, porque o PR, o governo e o representante (?) dos pais a apoia; percebe-se que a contestação não vai parar, porque a crítica foi personalizada e o descontentamento é grande. Que fazer? Como em qualquer conflito grave, é necessária uma mediação, como já foi sugerido. O Conselho Nacional da Educação (CNE), que tem por função propor "medidas destinadas a garantir a adequação permanente do sistema educativo aos interesses dos cidadãos" tem de intervir: os seus 68 conselheiros não podem permanecer num silêncio que se estranha e, como "estrutura de representação ampla", têm de "propor consensos alargados relativamente à política educativa". Um parecer do CNE sobre a avaliação dos professores e uma mediação professores-ME a cargo do seu Presidente (Prof. Júlio Pedrosa) parecem-me essenciais para sair da crise. Se tudo continuar como até aqui, todos dirão que não recuam, mas não haverá reformas na educação, o clima escolar sofrerá progressiva deterioração e os alunos (a quem ninguém pede opinião...) serão os mais prejudicados. Uma mediação bem conduzida mostrará alguns aspectos positivos desta equipa do ME: os cursos profissionais, o Plano Nacional de Leitura, o inglês no primeiro ciclo, a permanência por três anos dos professores nas escolas; e evidenciará a necessidade de outras formas de escuta e participação dos docentes no futuro da educação, afinal aquilo que falhou de forma tão clara.»

sábado, 15 de março de 2008

Memória: Chiara Lubich (1920-2008)

A notícia da morte de Chiara Lubich, ocorrida na madrugada de ontem, fez-me recuar alguns anos. Procurei nos livros mais antigos e encontrei um que me cativou no início dos anos 70: Pensamentos Gen (2ª ed. São Paulo: Cidade Nova, 1971), então comprado numa feira do livro por 10$00 (o preço está lá anotado e corresponde a algo como 0,05 € de hoje). Estava num meio em que se ouvia falar muito do pensamento e da acção de Chiara, fosse pelo movimento Focolar, fosse pelos seus pensamentos. Andava pelos 13-14 anos quando comprei o livrinho, um amontoado de 66 páginas de pensamentos, em que se cruzavam parágrafos de Chiara com citações do evangelho e de encíclicas de João XXIII e de Paulo VI. Deixei-me fascinar pela mensagem e até assinalei à margem as reflexões que mais me tocavam… Fui então, agora, à procura do livrinho (jeito de quem quer recuar nas lembranças...) e de lá retirei alguns dos meus sublinhados da altura, que aqui partilho, sobretudo porque, relendo-os, continuo a achar que vale a pena acreditar neles.
* “O sorriso que floresce sobre a dor abranda os corações mais endurecidos.”
* “Devemos estar no mundo mas não ser do mundo.”
* “O ideal mais genuíno da juventude de hoje, que protesta, não pode ser senão Jesus, sinal de contradição.”
* “Em Nazaré, toda a vida de Jesus era trabalho.”
* “Estudando, iluminados pela sabedoria, seremos levados a aprofundar a vida do corpo místico para vencer as heresias hodiernas. De facto, aprendemos bem uma verdade quando a estudamos, mas aprendemos melhor quando é preciso defendê-la.”
* “Quem não estuda é um inconsciente; quem estuda pela nota é um orgulhoso; quem estuda para fazer a vontade de Deus é um Gen.”
* “Tudo deve circular: alegrias e dores, sofrimentos e lutas, de modo que ninguém fique isolado dos outros.”
* “Você pode morar num palácio ou num barraco, mas deve conseguir fazer da sua casa um paraíso.”
* “Cada ideia pode ser uma responsabilidade.”
* “Devemos dar um grande valor ao estudo porque hoje ele é o nosso trabalho.”
* “O último exame será só sobre o amor.”

Máximas em mínimas (15)

No baloiço
"Balançar é o melhor remédio para a depressão. Quem balança torna-se criança de novo. Razão por que eu acho um crime que, nas praças públicas, só haja balancinhos para crianças pequenas. Há-de haver balanços grandes para os grandes! Já imaginaram o pai e a mãe, o avô e a avó, balançando? Riram? Absurdo? Entendo. Vocês estão velhos. Têm medo do ridículo. O seu sonho fundamental está enterrado debaixo do cimento."
Ruben Alves. Gaiolas ou asas (2004, edição portuguesa)

Rostos (37)

Bustos do Cónego Manuel Martins Cepa e de Monsenhor António Fernandes Gonçalves, em Alvarães

sexta-feira, 14 de março de 2008

Cansaços (i)merecidos

Um colega (e amigo) enviou-me hoje uma mensagem por e-mail que me fez pena. Não porque dela me distancie, mas porque estamos cada vez mais perto desta situação. Transcrevo uma parte, que deve ser o retrato do sentimento de muitos...
«(...) Estou (estão a fazer-me!) a chegar aos limites... Ontem o CE teve de chamar a Polícia de Intervenção para distribuir uns "mimos" a "malta infiltrada na Escola". Um dos envolvidos na "provocação" é meu aluno! Uma vergonha para todos! ... mas viva a ministra e abaixo os professores que são uns "madraços"! Enfim, ao fim 35 anos de serviço estou "saturado" com isto tudo... Estou a pensar "abandonar" mesmo com penalização... Ao fim e ao cabo é isso mesmo que eles querem. É convicção da ministra e dos seus acólitos que os professores da minha geração são "forças de bloqueio". ... Eu quero ver, se a partir de Outubro, deixo de "bloquear". Já perguntei, superiormente, se é possível devolver o "titular" a que ingenuamente (reconheço-o hoje) concorri..., pois quero reformar-me só como professor, pois foi para isso que eu "nasci". ... e, enquanto não chega o dia, "vou-me dando sem limites", embora já muito "limitado". (...)»

quinta-feira, 13 de março de 2008

A escola e 4 vozes do "Público" de hoje

1. Esther Mucznik, "Ainda acabas a dar aulas!" - «(…) O próprio sistema foi minando o papel dos professores, desprestigiando-o aos olhos dos pais e dos próprios alunos que, pouco a pouco, passaram a considerar como "bonzinhos" os pouco exigentes e "maus" os que tentavam ensinar alguma coisa. Contrariamente ao que afirma um leitor em carta ao PÚBLICO, não me parece que os professores gozem "de enorme capital de prestígio perante a opinião pública em Portugal". Basta ouvir as exclamações que se sucedem à escolha de alguns cursos: "Assim ainda "acabas" a dar aulas". E a verdade é que há cada vez mais pessoas "a dar aulas" e cada vez menos professores... (…) Seria bom lembrar, embora este aspecto esteja arredado do actual debate, que esta visão pedagógica "lúdica" tem uma correspondência ideológica, "progressista" e bem pensante, que se reflecte nos programas e manuais escolares, veiculando uma visão "politicamente correcta", em detrimento de uma reflexão crítica, que é ou deveria ser uma das finalidades de qualquer sistema educativo. (…) O mal-estar dos professores não é de hoje. Nem sequer de há três anos, com o início das reformas da actual ministra da Educação. Vem de muito mais longe, produto precisamente da política educacional das últimas décadas, de um sistema simultaneamente complacente e desvalorizante. (…) Nenhuma reforma é bem sucedida sem o apoio, a colaboração e a participação de, pelo menos, uma parte dos seus principais agentes. O ministério está a lidar com seres humanos, muitos dos quais dão o seu melhor num universo cada vez mais adverso. Não está a lidar com números, critérios ou estatísticas. Professores e pais têm de sentir que estas reformas são feitas para melhorar o ensino e devem ser feitas com eles e não contra eles. É por vezes, mais uma questão de clima de confiança do que do próprio conteúdo das reformas. A sua aplicação exige tempo, experimentação e acima de tudo a colaboração dos alvos dessas reformas. Esta é a primeira condição de sucesso. A segunda é que qualquer reforma de fundo só será bem sucedida num quadro de descentralização e desburocratização, o único que permite uma adaptação à diversidade e pluralidade de situações. Porque é evidente que não é possível avaliar da mesma forma aquilo que é diferente e o melhor sistema de avaliação é a livre escolha de pais e alunos de mudar ou não de escola, são os resultados dos alunos, é a própria gestão escolar. (...)»
2. Nuno Pacheco, "A festa de Sócrates, os foguetes de Vitalino e o azul de Menezes" - «Portugal não se leva a sério. O Governo auto-elogia-se e não "perde tempo" com coisas más. A educação move-se a birras. E o PSD iludea crise interna com um pano azul. Na manhã do dia em que 100 mil professores desfilaram em Lisboa, o porta-voz do Partido Socialista, Vitalino Canas, afirmou publicamente que "o PS olhará com atenção para os sinais que vêm da manifestação". Parecia uma afirmação sensata. Mas Vitalino avisava já que não haveria mudanças de rumo. Para quê, então, olhar "os sinais"? Por simples deleite contemplativo? Anteontem, ficou tudo mais claro. No final de uma reunião no ministério, o secretário de Estado Jorge Pedreira disse que poderia haver "soluções flexíveis"; e ontem, no Parlamento, a deputada do PS Isabel Coutinho, dizendo que essas tais "soluções flexíveis" já estavam previstas (coisa em que ninguém deve ter reparado), garantiu que "não há recuo do Ministério da Educação, nem do Governo". Ou seja: não há recuo porque as "soluções flexíveis" já faziam parte dos planos do Governo. Já a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, decerto furiosa com os jornais que lhe apontavam recuos, garantia depois, em conferência de imprensa, que as avaliações prosseguem. Tudo o que era para ser feito será. Com umas simplificações, claro, contornando algumas regras, sim, mas cumprindo o calendário. Vão-se os anéis, ficam os dedos. E nos dedos ficam avaliações que até podem não sê-lo, de facto, mas sempre são as tais 7 mil do plano. É o que tem de ser. Simplificadas ou flexibilizadas, lá as teremos. E o Governo pode dar por cumprida mais uma meta dos seus planos, mesmo que sirva apenas para isso: para dizer que foi cumprida e para a ministra não perder a face. O país, esse, vai perdendo tempo. (...)»
3. Idalina Jorge, "Cartas ao Director" - «(...) O sr. Presidente da República e o sr. primeiro-ministro haviam de ir à televisão fazer um aviso sério aos pais para que ponham os meninos a estudar. O país não se pode dar ao luxo de ter as crianças convencidas de que não precisam de estudar para passarem de ano.»
4. Rui Silvares, "Cartas ao Director" - «(...) O ministério da 5 de Outubro deve estar convencido que, produzindo constantemente páginas imensas de uma legislação enigmática, está a contribuir para solucionar os problemas da educação. Quem trabalha nas escolas sabe que as ordens e contra-ordens com que têm sido bombardeadas nos últimos meses apenas têm servido para lhes complicar o trabalho. É tempo de explicar a todos os que circulam nos gabinetes ministeriais que na quantidade é possivelmente mais difícil encontrar alguma qualidade e que a aparente complexidade de um problema não obriga a uma resposta igualmente confusa. (...)»

quarta-feira, 12 de março de 2008

Intervalo (5)

Acabadinha de receber...
Depois do choque tecnológico, no Portugal de 2019
Telefonista: Pizza Hot, boa noite!
Cliente: Boa noite, quero encomendar Pizzas...
Telefonista: Pode-me dar o seu NIN?
Cliente: Sim, o meu Número de Identificação Nacional é o 6102 1993 8456 5463 2107.
Telefonista: Obrigada, Sr. Lacerda. O seu endereço é na Avenida Pais de Barros, 19, Apartamento 11, e o número do seu telefone é o 21 549 42 36, certo? O telefone do seu escritório na Lincoln Seguros, é o 21 574 52 30 e o seu telemóvel é o 96 266 25 66, correcto?
Cliente: Como é que conseguiu todas essas informações?
Telefonista: Porque estamos ligados em rede ao Grande Sistema Central.
Cliente: Ah, sim, é verdade! Quero encomendar duas Pizzas: uma Quatro Queijos e outra Calabresa...
Telefonista: Talvez não seja boa ideia...
Cliente: O quê...?
Telefonista: Consta na sua ficha médica que o senhor sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a saúde.
Cliente: Claro! Tem razão! O que é que sugere?
Telefonista: Por que é que não experimenta a nossa Pizza Superlight, com Tofu e Rabanetes? O senhor vai adorar!
Cliente: Como é que sabe que vou adorar?
Telefonista: O senhor consultou a página 'Receitas Gulosas com Soja' da Biblioteca Municipal, no dia 15 de Janeiro, às 14:27 e permaneceu ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha sugestão...
Cliente: Okay, está bem! Mande-me então duas Pizzas tamanho familiar!
Telefonista: É a escolha certa para o senhor, a sua esposa e os vossos quatro filhos, pode ter a certeza.
Cliente: Quanto é?
Telefonista: São 49,99.
Cliente: Quer o número do meu Cartão de Crédito?
Telefonista: Lamento, mas o senhor vai ter que pagar em dinheiro. O limite do seu Cartão de Crédito foi ultrapassado.
Cliente: Tudo bem. Posso ir ao Multibanco levantar dinheiro antes que chegue a Pizza.
Telefonista: Duvido que consiga. A sua Conta de Depósito à Ordem está com o saldo negativo.
Cliente: Meta-se na sua vida! Mande-me as Pizzas que eu arranjo o dinheiro. Quando é que entregam?
Telefonista: Estamos um pouco atrasados. Serão entregues em 45 minutos. Se estiver com muita pressa pode vir buscá-las, se bem que transportar duas pizzas na moto, não é lá muito aconselhável. Além de ser perigoso...
Cliente: Mas que história é essa? Como é que sabe que eu vou de moto?
Telefonista: Peço desculpa, mas reparei aqui que não pagou as últimas prestações do carro e ele foi penhorado. Mas a sua moto está paga e então, pensei que fosse utilizá-la.
Cliente: Foooooo.......!!!!!!!!!
Telefonista: Gostaria de pedir-lhe para não ser mal-educado... Não se esqueça de que já foi condenado em Julho de 2006 por desacato em público a um Agente Regional.
Cliente: (Silêncio).
Telefonista: Mais alguma coisa?
Cliente: Não. É só isso... Não. Espere... Não se esqueça dos 2 litros de Coca-Cola que constam na promoção.
Telefonista: O regulamento da nossa promoção, conforme citado no artigo 095423/12, proibe a venda de bebidas com açúcar a pessoas diabéticas...
Cliente: Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou atirar-me pela janela!!!!!
Telefonista: E torcer um pé? O senhor mora no rés-do-chão...!

Escolas: sobre o processo em curso...

A notícia é da edição online do Público (de hoje, às 19h35): «Maria de Lurdes Rodrigues garante que processo está em curso nas escolas - Ministra da Educação nega recuo na avaliação dos professores - O processo de avaliação dos professores não vai ser adiado nem suspenso, garantiu hoje a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, em conferência de imprensa. No entanto, ressalvou que as escolas poderão simplificar os procedimentos previstos no diploma, abdicando por exemplo da observação de aulas. “A avaliação de desempenho dos professores não está adiada nem suspensa, não será adiada nem suspensa, está em curso nas escolas”, afirmou a ministra, citada pela TSF.Apesar disso, a titular da pasta da educação garantiu que houve um avanço no entendimento com os sindicatos, ao se aceitar prolongar o prazo e dar maior autonomia às escolas, pelo que cada estabelecimento de ensino poderá definir o seu calendário de avaliação. (...)»

Reflexão sobre a "rua" - 2

Intitula-se "O poder da rua", é assinado por Baptista-Bastos e vem no Diário de Notícias de hoje.

As impressionantes manifestações registadas nas últimas semanas, e continuadas um pouco por toda a parte, assumem a forma e o conteúdo de um severo depoimento contra o Governo. Não se trata de turbulências comunistas, como já o disse José Sócrates e, iradamente, o repetiu Augusto Santos Silva, cujas "verdades" surgem cada vez mais avariadas. A "rua" foi a demonstração categórica do desequilíbrio entre quem pensa em termos estatísticos e quem é vítima desse equívoco. E uma vigorosa afirmação de civismo. Há dias, conversei com Raul Solnado sobre a natureza do Estado e o domínio pelo domínio exercido, repetidamente, pelo Governo, esquecido de que a força da República é a virtude, e a sua fraqueza a soberba. Sobre ser um amigo de há mais de 40 anos, Solnado é homem sábio, de frase pensada e advertida inteligência, com quem apetece discretear. Disse: "Gostaríamos de sentir que este Governo tem vontade de transformar e de modernizar o País. Por outro lado, a sua arrogância e autismo quer arrastá-lo para uma democracia musculada, o que é assustador. Eles distanciaram-se de nós."
A tentação de se construir contra o outro destrói o laço social, fonte e apoio do tecido colectivo, assinalado por Solnado como silogismo. E essas regras perturbadoras têm por objectivo limitar a interferência cívica e proteger o autoritarismo governamental. O facto de este Governo dispor de maioria absoluta não significa que actue em absolutismo. Há, manifestamente, ausência de diálogo e um poderoso dispositivo autoritário que liquidam a coexistência de duas sinalizações fundamentais em democracia: a dos governantes e a dos governados.
Perdeu-se de vista o reconhecimento da igualdade, do direito de protesto e do dever de memória. Este Governo criou uma tensão dramática de tal ordem e um destempero de tal jaez que levaram o primeiro-ministro a afirmar-se indiferente para com a imponente manifestação dos professores, invocando uma "razão" cuja natureza só poderá ser explicada através da nebulosa em que ele parece viver.
A arrogância é uma deformação moral; o preconceito, uma doença de educação; o desdém, uma chaga de quem se presume superior. Sócrates criou uma criatura que escapou ao seu controlo. Não pode mudar: de contrário, deixa de ser quem julga ser. E, sendo-o, na obstinação de quem não tem dúvidas, perde o respeito daqueles para os quais a democracia não existe sem comunicação.
Ao contrário de alguns preopinantes, suponho que, se a ministra da Educação fosse embora, abrir-se-iam as portas ao diálogo. Porque (é inevitável) irão aparecer novas regras de jogo e outras instâncias de organização que terão em conta as específicas oscilações históricas. Nascidas, não o esqueçamos, da "rua".

Reflexão sobre a "rua" - 1

Intitula-se "Pelas ruas da amargura", é assinado por Rui Ramos e vem no Público de hoje.

Quase ninguém resistiu ao apelo da rua - nem o Governo.
Há uns meses, a CGTP fez uma coisa em Lisboa a que, a título póstumo, se chamou "a maior manifestação de todos os tempos". Ninguém reparou. Talvez por isso, toda a gente resolveu reparar na "marcha da indignação" de sábado passado. Como seria de prever, poucos souberam dosear o esforço. Na ânsia de compensar a primeira desatenção, quase todos trataram agora, não de meter o Rossio na rua da Betesga, mas Portugal inteiro numas quantas ruas de Lisboa.
Houve quem, sugestionado pelos números prometidos na véspera, descobrisse na "rua" a verdadeira "realidade" do país. E ainda quem, a partir daí, não hesitasse em dar o passo de uma espécie de revisão constitucional imaginária. Vimos assim a rua promovida a órgão de soberania e quarto poder do Estado. Democracia? Mas quem precisa de democracia com ruas como as nossas, ainda para mais sob este abençoado clima, tão apropriado para a vida ao ar livre? Enfim, quase ninguém resistiu ao apelo da rua. Nem o Governo, que logo fez constar que também ia sair, numa manifestação depois reformada em comício. Que dizer perante isto? O actual Governo conta com uma maioria absoluta no Parlamento, a colaboração do Presidente da República, sondagens de opinião favoráveis e até, segundo gosta de reclamar, toda a razão do mundo. Mas não lhe chega: quer ser avaliado na rua. Eis um dado significativo para o debate nacional em curso sobre a caracterização dos nossos governantes. A questão de saber se Sócrates é como Salazar está longe de resolvida, apesar da intervenção de pensadores tão subtis como Mendes Bota. Em contrapartida, a comparação com Marcello Caetano ficou definitivamente comprometida. Na tarde de 25 de Abril de 1974, Caetano chamou um general para o "poder não cair na rua". É uma cautela que os actuais ministros decidiram dispensar: são eles próprios a quererem pôr o poder na rua.
Não nos devemos surpreender com este desvario geral. Perante o mais prolongado impasse económico desde a década de 1930 e quando a oposição, por intermédio do impagável Luís Filipe Menezes, confirma não ter alternativa, que fazer, senão perder a cabeça? Mas antes de descermos todos à rua, não valeria a pena pensar bem sobre que tipo de vida política é possível assentar na ocupação temporária do espaço entre dois prédios?
A rua não é um sítio para ter razão. Na rua não valem os argumentos, valem os números, vale a presença física. Na rua, o adversário não se ouve, não existe, não conta: é referido apenas para ser assobiado, insultado, queimado em efígie. Na rua, a multidão torna-se uniforme: não se divide, não discute - não é real. A rua das manifestações é um espaço privatizado, ocupado e delimitado pelos "organizadores", onde não se ouvem outras vozes - é a negação do espaço público democrático, que é por definição aberto e plural. Que regime se pode fundar na rua, a não ser o da guerra civil, aberta ou latente? Foi assim em Portugal no ano de 1975, durante o "período revolucionário", quando a rua de um lado se confrontou e mediu com a rua do outro. As democracias podem nascer na rua - mas também lá podem morrer.
Está a "realidade" na rua, como a verdade estava no vinho? Curiosamente, a marcha de sábado foi como a pescada: um dia antes de ser realizada, já era a "maior de sempre", com o número de antemão registado de 70.000 participantes. A ninguém pareceu necessário dar uma chance à realidade para confirmar o recorde. A rua é, como sempre foi, uma questão de "organização" e "relações públicas". Com 600 autocarros preenche-se uma avenida. Mas não basta. É preciso depois discutir os números com a polícia e fazer pressão sobre as televisões e os jornais para darem as "imagens" certas. A rua, hoje, é um espectáculo tão fabricado como qualquer outra cerimónia de Estado. Não é a realidade. A realidade é a vida de um país, que se não cabe numa assembleia, ainda menos cabe numa rua.
Onde irão dar estas ruas? Menezes parece convencido de que o levarão ao governo. Perante a marcha de sábado, roubou uns preciosos minutos à operação de mudança de ramo do PSD (de maior partido da oposição para o que promete ser, segundo um seu antigo secretário-geral, a maior rede de lavandarias do país) para saudar com emoção a "ponte 25 de Abril" de Sócrates. Não lhe ocorreu que nunca poderia governar, se por acaso Sócrates caísse assim. Com esta direcção, o PSD aderiu de vez ao clube do PCP e do BE. Quanto ao Governo, fica esta dúvida: os marchantes de sábado pediram a demissão de um ministro; e o Governo, no seu comício, vai pedir o quê? A demissão do país? Por estas ruas não iremos certamente a lado nenhum.

O momento da educação e dos professores em análise episcopal

O bispado português pronunciou-se sobre a situação que se está a viver na relação entre o Governo e os professores. Se ainda havia dúvidas, cai agora por terra a teoria dos "comunistas" a agitarem as águas... Mas o mais interessante desta posição é o ponto de vista humanista sobre a educação e sobre as profissões, numa dimensão que está muito distante do "economês" que tem minado todo o relacionamento. Transcrevo as duas notícias a partir da agência Ecclesia, uma a dar conta da opinião da Conferência Episcopal Portuguesa, outra a citar o Patriarca D. José Policarpo. Há uma coisa que convém não esquecer: é que a Igreja portuguesa também sabe do que fala quando fala de educação.

Bispos portugueses preocupados com a educação
Mal-estar pode reflectir-se numa crise emergente, alerta o secretário da Conferência Episcopal - O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa está a acompanhar com “interesse e alguma preocupação a situação dos professores” – disse à Agência ECCLESIA D. Carlos Azevedo, secretário da Conferência Episcopal Portuguesa.
Reunido esta Terça-feira (11 de Março), em Fátima, o Conselho Permanente preparou também Assembleia Plenária da CEP a realizar de 31 de Março a 3 de Abril.
“Sendo os agentes mais responsáveis pelo futuro de Portugal – os alunos são a razão de ser do seu trabalho -, este mal-estar pode reflectir-se numa crise emergente na educação” – referiu D. Carlos Azevedo. No futuro próximo, os bispos irão pronunciar-se sobre a questão da educação em Portugal. “Há um documento sobre a escola, mas deixaremos para mais tarde uma tomada de posição”. E adianta: “é um assunto muito complicado, Bento XVI publicou, recentemente, um documento pequeno, mas sugestivo sobre a crise emergente da educação”.
A “cultura de exigência” é fundamental na educação. Por outro lado – refere o Secretário da CEP – “deve existir um respeito grande por aqueles que são os mais directos agentes desse trabalho educativo que são os professores”.
Professores são «decisivos» para o país, diz Cardeal-Patriarca
D. José Policarpo avançou à Agência ECCLESIA a preocupação que a Conferência Episcopal tem sobre a actual situação da educação.
O Cardeal Patriarca de Lisboa afirmou que “os professores e educadores neste país são um grupo decisivo para o futuro, porventura mais decisivo que os políticos, financeiros ou técnicos”.
A educação foi um dos temas discutidos na reunião do Conselho Permanente da CEP que ontem decorreu em Fátima.
D. José Policarpo afirmou que apesar de "não estarmos por dentro de todos os pormenores", a CEP acompanha com “interesse e solicitude”, manifestando “muita compreensão pelas dificuldades sentidas”.
O Cardeal Patriarca de Lisboa admitiu que a CEP poderá voltar a “este assunto, com uma reflexão mais profunda” e que “todos estão à procura do melhor”, apesar dos conflitos.
D. José Policarpo deixou uma palavra de “estima por todos aqueles que no nosso país se dedicam a esta tarefa fundamental, inventiva e árdua de educar”.

terça-feira, 11 de março de 2008

Rostos (36)


D. Sebastião no Algarve - em Pêra (escultura em areia, no FIESA 2006) e em Lagos (obra de João Cutileiro, 1972)

segunda-feira, 10 de março de 2008

E não se pode ignorá-los? Pode, porque a educação e ser professor é assunto sério...

Na sala de professores, o ambiente estava marcado pelo texto que alguém afixara num dos placards. Era fotocópia de um artigo vindo a lume recentemente num jornal diário, em que o cronista (?) despejava o seu fel sobre os professores, em linguagem caceteira e de malcriadez. Na verdade, a linguagem usada confirma o estatuto de criação e de respeito que o dito autor merece e mais comentários não são para aqui chamados, porque a prosa da dita fotocópia os não merece e porque, como diz o ditado… “o bom julgador por si se julga”.
Obviamente, sabemos que há quem não apoie as causas que os professores têm apontado, seja por fidelidade à estrutura partidária (ou a quem a dirige), seja por convicção, seja mesmo por ter traumas acumulados quanto a professores e à escola, seja por alinhar sempre no grupo dos que protestam contra a parte social do Estado e a sua organização. Mas isso não determina o universo, sabemo-lo. E aceitarmos que uma prosa de fel e vinagre pretenda condicionar a moral, a consciência e o profissionalismo docentes… é dar demasiado crédito a quem o não merece.
Na verdade, há que olhar para quem connosco reflecte sobre a causa da educação sem demagogia, mas com o espírito de dúvida, de análise e de respeito que a causa merece, mesmo que não estejam na nossa linha. Esses merecem ser divulgados por nós, merecem a nossa abertura, mesmo para que a conversa e a discussão enriqueçam, mesmo para que a educação vença, mesmo para que a cidadania saia valorizada. Já se viu que só assim se podem conseguir consensos e partilhas. O resto, o que passa pelo atirar contínuo de pedras, só serve para alargar o fosso em que há quem quer que a gente caia. E por aí não devemos ir. Deixe-se o canto de sereia da cacetada para quem com ela se coça!

A manifestação dos professores e os ângulos da democracia

Segundo o Público de hoje, o Primeiro-Ministro "disse compreender que os professores estejam a confrontar-se com muitas mudanças ao mesmo tempo, mas garantiu que não vai alterar o seu rumo". E o jornal continua, citando o discurso de José Sócrates: "As pessoas têm o direito de se manifestar. Mas era o que faltava se a acção governativa dependesse agora do nível das manifestações. (...) Quem determina a acção governativa são os portugueses quando escolhem o Governo. É bom que não nos esqueçamos disso".
Assumir estas coisas como verdade esconde uma outra verdade, que é a da demagogia assente no princípio das maiorias absolutas, porque se sabe muito bem que significativa parte dos eleitores não corre atrás dos programas eleitorais dos partidos mas atrás da fidelidade ao partido ou das circunstâncias histórico-políticas do momento.
A resposta ao Primeiro-Ministro surge, aliás, no próprio jornal pela pena de André Freire, na crónica "A democracia não se esgota no voto". De facto, para os ganhadores de eleições, a participação dos cidadãos parece esgotar-se no próprio acto eleitoral. Para os cidadãos, o desencanto quanto à participação mais passa por se confrontarem cada vez mais com a instrumentalização da participação, o que é um paradoxo, é claro. Ceda-se a palavra a André Freire, que escreve na sequência da manifestação de professores ocorrida no sábado, a mesma que, para o Primeiro-Ministro, parece resultar apenas de "um direito de se manifestar[em]" as pessoas:
"(…) Apesar de regularmente se lamentar a fraqueza da sociedade civil e se exortarem os cidadãos a fortalecê-la, nomeadamente para todos termos uma melhor governação, temos assistido recentemente a uma demonização dos sindicatos, que estão entre as maiores organizações da sociedade civil. Ou será que só os empresários representam a sociedade civil?
(…) Seria muito empobrecedor considerar o mecanismo eleitoral como o único veículo das funções de representação e de responsabilização. (…) Temos que concluir que a maioria absoluta tem levado o presente Governo não só a uma enorme arrogância na sua relação com os cidadãos, mas também a uma grande incapacidade de diálogo social. (…) Se algumas tendências de mudança na governação democrática europeia existem, nomeadamente dos anos 1960 para cá, elas vão no sentido de se defender e estimular uma crescente participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, muito para além do voto. (…) O uso de formas não convencionais será tanto maior quanto menos bem funcionarem os mecanismos tradicionais de concertação. Passando ao caso português, é imperioso concluir que a gigantesca manifestação de cerca de 100 mil professores não só demonstra uma enorme insatisfação de cerca de dois terços desta classe profissional, como evidencia que os mecanismos de concertação não têm funcionado, dando razão aos sindicatos. Mas esta manifestação, com pessoas de todos os partidos e quadrantes ideológicos (nomeadamente muitíssimos votantes PS, em 2005...), foi também uma grande lição de participação cívica. (...)
"
E, ainda no Público de hoje, Rui Tavares traça as linhas do conceito de "reforma", que não pode ser apresentado como algo contra as pessoas, sejam elas quais forem. O que lhe serve de ponto de partida é também a questão dos professores, assunto que poderá servir para que os políticos recebam lições (apesar de muitos entenderem que... não têm que receber lições de ninguém, esquecendo-se de que... assim também as não podem dar a ningém):
"(...) Reformas impopulares, claro está, só se conseguem com maioria absoluta. Ninguém quis ver o lado perverso desta lógica: com maioria absoluta não é preciso que as reformas sejam boas, basta dizer que elas são impopulares e que quem se lhes opõe é contra as reformas. Funciona, pelo menos no início.E quando precisamos da colaboração dos seres humanos lá em baixo? O problema é mesmo esse: as reformas fazem-se com as pessoas que temos, não com as que fabricamos. Insistir numa reforma apenas porque é "impopular" é uma desculpa fácil. Difícil é fazer uma reforma compreensível e motivadora para quem vai ter de participar nela. Mas às vezes é possível, e nesses casos é essencial.Um discurso que nos diz que todo o ensino público está mal não é nem nunca será reformista. O verdadeiro reformismo é realista: quer concentrar as suas forças no que está mal e não disparar em todas as direcções. E no ideal, o reformismo é progressista: só funciona quando dá às pessoas um horizonte de expectativas atingível e honesto. Quem quer um governo reformista não pode consegui-lo aliando-se à opinião mais pessimista e destrutiva, ainda que tacticamente. Se o fizer, começa com demonstrações de autoridade vácuas e acaba batendo com a cabeça no muro. Que isto sirva de lição ao PS."

domingo, 9 de março de 2008

Memória: António Matos Fortuna (1930-2008) - 3

Para uma bibliografia de António Matos Fortuna
  • Memórias Paroquiais de 1758. Col. "Monografia de Palmela" (1). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1982.

  • "O Castelo de Palmela - Charneira dos Sete Castelos da Região dos Três Castelos" e "A Exploração Didáctica de Velhos Monumentos - Um Exemplo Concreto: O Castelo de Palmela". Livro do Congresso - Primeiro Congresso Sobre Monumentos Militares Portugueses - 1982. Lisboa: Património XXI - Associação Portuguesa para a Protecção e Desenvolvimento da Cultura, 1982, pp. 34-38 e 39-43.

  • Alguém que "Agarrou" o Evangelho - Evocando Carmita Fortuna. Quinta do Anjo: Comunidade Cristã de Quinta do Anjo, 1983.

  • Reflexões sobre a História Social de Palmela. Palmela: ed. policopiada, 1984.

  • Aspectos da Linguagem Popular de Palmela. Palmela: Direcção-Geral de Apoio e Extensão Educativa / Coordenação Concelhia de Palmela, 1987.

  • "Digressões à Volta do Nome de Palmela". História de Palmela ou Palmela na História - Jornadas de Divulgação e Análise do Passado de Palmela – 1987. Col. "Estudos Locais" (1). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988, pp. 37-49.

  • "Recordando Três Páginas da História Esquecida do Castelo de Palmela". O Castelo de Palmela - Emissão de Selos. Lisboa: Correios e Telecomunicações de Portugal, 1988, pp. 5-8.

  • Quinta do Anjo - Capital da "Ovelharia" Entre Tejo e Sado. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1988.

  • Contava-se em Terras de Palmela... - As Lendas Perdidas do Concelho de Palmela. Col. "Estudos Locais" (2). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1989.

  • "O Castelo de Palmela". A Ordem de Sant'Iago - História e Arte - Catálogo da Exposição. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1990, pp. 41-46.

  • Da Uva Por Nascer ao Vinho Pronto a Beber - Catálogo da Exposição - Vindimas 90. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1990.

  • Misericórdia de Palmela - Vida e Factos. Palmela: Santa Casa da Misericórdia de Palmela, 1990.

  • "Um Inventário da Ordem de Sant'Iago ou Caderno de Problemas de Múltiplas Incógnitas". As Ordens Militares em Portugal - Actas do 1º Encontro sobre Ordens Militares – 1989. Col. "Estudos Locais" (3). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1991, pp. 131-139.

  • A Igreja de S.Pedro de Palmela. Palmela: Igreja Paroquial de S.Pedro, 1991.

  • "História Vitivinícola da Península de Setúbal - Breves Apontamentos". Vinhos da Costa Azul. Setúbal: Região de Turismo da Costa Azul, 1992.

  • Chafariz D.Maria I - Bicentenário - 1792 / 1992. Palmela: ed. policopiada, 1992.

  • Priores-Mores do Real Convento Provedores da Santa Casa da Misericórdia de Palmela. Palmela: Santa Casa da Misericórdia de Palmela, 1994.

  • Roteiro do Cortejo Evocativo "Portugal e o Vinho". Palmela: Festa das Vindimas, 1994.

  • Quando se Levantou o Chafariz - Reinado de D.Maria I. Col. "Monografia de Palmela" (2). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1994.

  • Extinção e Restauração do Concelho - Um Combate Singularmente Duro. Col. "Monografia de Palmela" (3). Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 1995.

  • Ordem Enófila de Sant'Iago - Primeiras Parras - Volume-Arquivo de Documentos Iniciais. Palmela: Ordem Enófila de Sant'Iago, 1996.

  • "A Riqueza Fundiária da Ordem de Sant'Iago no Distrito de Setúbal em 1834". As Ordens Militares em Portugal e no Sul da Europa - Actas do II Encontro sobre Ordens Militares – 1992. Col. "Actas & Colóquios" (10). Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 1997, pp. 231-268.

  • Memórias da Agricultura e Ruralidade do Concelho de Palmela. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1997.
  • "A Ordem de Sant'Iago - Perspectivas Vitivinícolas Ontem e Hoje". Ordens Militares - Guerra, Religião, Poder e Cultura - Actas do III Encontro Sobre Ordens Militares – 1998 (vol. 1). Col. "Actas & Colóquios" (17). Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 1999, pp. 185-192.
  • "Jogo do Pau". Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela – 1999. Pinhal Novo: Rancho Folclórico da Casa do Povo de Pinhal Novo, 2000, pp. 27-32.

  • 8º Centenário do Foral de Palmela – Memorial das Comemorações. Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2001.

  • Palmela – Sobre Todas, Mais Alta e Formosa. Lisboa: Elo, 2001.

  • Os Vinhos da Península de Setúbal. Col. “Enciclopédia dos Vinhos de Portugal” (7). Lisboa: Chaves Ferreira, 2001 (em co-autoria com Vasco Penha Garcia e António Homem-Cardoso).

  • Marateca Que Já Foi. Col. “Estudos Locais” (5). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2002.

  • “Um Castelo em Sucessiva Destruição e Reconstrução”. Actas do III Congresso “Monumentos Militares Portugueses” – Junho de 1985. Lisboa: Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, 2002, pp. 69-77.

  • Roteiro do Cortejo Evocativo “Portugal Vinícola” – Festa das Vindimas – 2002. Palmela: Festa das Vindimas, 2002.

  • Um Distrito sob o Signo do Futebol. Setúbal: Associação de Futebol de Setúbal, 2002.

  • Outros Tempos. Col. “Monografia de Palmela” (4).Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002 (com desenhos de Duarte Fortuna).

  • Quinta do Anjo – Terra singular. Col. “Estudos Locais” (6). Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2005.