sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Como Luís Afonso viu um estudo da OCDE que tem dado que falar...

Luís Afonso. Público: 30.Janeiro.2009

Rostos (108)

Painel granítico, Museu do Traje (Viana do Castelo), por Rui Roque Gameiro

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Aí está ele, o nº 1000 do "JL", isto é, o "Jornal de Letras"!

Primeira página da milésima edição do JL, tirada do Público,
que hoje lhe dedica duas páginas no suplemento "P2".

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

"JL"! Olhó número 1000!...

Estávamos a 3 de Março de 1981. Quase há 28 anos. Às bancas dos periódicos chegava mais um título. “Quinzenalmente, às terças-feiras”. Por 25$00, algo como 0,125 € (a assinatura anual, para o continente e ilhas, custava 520$00, algo como 2,60 €, o preço de cada edição hoje). Duas iniciais ocupavam quase metade do cabeçalho: JL, início de Jornal de Letras, sempre assim conhecido, apesar de o seu nome de baptismo ser um pouco mais comprido – Jornal de letras, artes e ideias. Assim mesmo. E, logo na página 2, José Carlos Vasconcelos, o director, justificava o nascimento e o nome: “Queremos ser um quinzenário de cultura potencialmente para toda a gente. (…) Se a literatura e as artes são o nosso primeiro campo operatório, não é por acaso que no cabeçalho também aparecem as ideias. Queremos que nas nossas páginas também possam ter o seu lugar, por exemplo, questões relacionadas com o urbanismo ou a informação, a ecologia ou a antropologia, a história ou a psicologia, mesmo com a política, embora não na sua visão imediatista e conjuntural”. Pertencia ao grupo Projornal e associava-se aos irmãos O Jornal, Jornal da Educação, História e Se7e.
Os nomes da ficha técnica eram (são) de peso: Augusto Abelaira, Eduardo Prado Coelho e Fernando Assis Pacheco, como coordenadores; João Abel Manta, como responsável artístico. Entre os colaboradores, uma plêiade quase, como se pode ver pelos que intervieram logo no número inaugural: Agustina Bessa Luís (“Cura na montanha e corrupção”, a partir de Dostoievski), Fernando Assis Pacheco (a entrevistar José Cardoso Pires), Francisco Bélard (sobre cinema português), Eduardo Prado Coelho (sobre cinema húngaro e sobre o primeiro volume de Conta-Corrente, de Vergílio Ferreira, de quem eram publicadas algumas páginas já do segundo volume), José Vaz Pereira (sobre televisão), Maria Estrela Serrano e José Manuel Nunes (sobre rádio), Eduardo Lourenço (evocando encontros com Jorge de Sena, de quem também eram publicados três poemas inéditos), Augusto Abelaira (“Ao pé das letras”), David Mourão-Ferreira (sobre o Arquipoeta de Colónia), Fernando Belo (“A crise dos cristãos de esquerda”), José Sesinando (sobre música), Alexandre Pinheiro Torres e Nuno Bragança (cronistas), Manuel Maria Carrilho (sobre livro de José Gil), Paula Morão (sobre vários livros e a propósito do número inicial de Nova Renascença), Urbano Tavares Rodrigues (sobre Fernando Namora), Miguel Serras Pereira, José Palla e Carmo e Fernando Pereira Marques (crítica literária), João Mário Grilo e Guilherme Ismael (sobre cinema), J. Nuno Martins e João de Freitas Branco (sobre música), Maria João Brilhante (sobre teatro), Sílvia Chico (sobre exposições). E notícias, entre outras: Poesia Toda, de Herberto Hélder; 40 anos de vida literária de Óscar Lopes; prémio "Montaigne" para Miguel Torga; morte de António de Sousa; exposição e livro de Júlio Pomar. E os anúncios: top livro da Bertrand; nº 4 da Persona; livrarias ("Leitura", "A Bibliófila", "O Mundo do Livro", "Portugal"); TAP; Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa; obras de Sena e de Cardoso Pires na Moraes; O dia dos prodígios, de Lídia Jorge; editoras ("O Oiro do Dia", "Presença", "Assírio e Alvim", "Valentim de Carvalho", "Multinova"); espectáculos (Pasolini na "Casa da Comédia").
36 páginas de novidades. 30 mil exemplares. Até ao número seguinte. Que sairia a 17 de Março e em que o director se regozijava com a recepção: a primeira edição estava praticamente esgotada e, em simultâneo com o nº 2, sucedia a reimpressão do número anterior, assim elevando a tiragem para 40 mil exemplares.
Cerca de dois anos e meio depois, em Novembro de 1983, passou a ser semanal (nº 72). Mas o andar dos tempos levou-o de regresso à sua periodicidade de origem. Em Fevereiro de 1992, saía o nº 500. Há duas semanas, em 14 de Janeiro, era o fim dos três dígitos, com o número 999. O título mantinha-se; o director também; as memórias também (provado pela evocação de Rodrigues da Silva); a riqueza e diversidade da cultura de língua portuguesa também.
A perspectiva da lusofonia tem sido, aliás, condimento forte, fortíssimo, nas páginas do JL e fácil é concluir que qualquer estudo da cultura lusófona a partir do início da década de 80 do século passado não poderá passar sem a consulta deste jornal. Obrigatoriamente.
Amanhã, 28 de Janeiro, sai o nº 1000. Olhó "JL"! Olhó número 1000!
Venha o nº 1000, pois! Venham muitos mais!

domingo, 25 de janeiro de 2009

O tempo que Galileo explica

Em certa ocasião, alguém perguntou a Galileo Galilei:
- Quantos anos tens?
- Oito ou dez... - respondeu Galileo, em evidente contradição com a sua barba branca, logo continuando - Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais, como não temos mais as moedas que já gastámos.
[foto: Galileo, por Justus Sustermans (1636)]

Rostos (107)

Na fonte ornamental do Rossio (Lisboa), peça da Fundição Val d'Osne (séc. XIX)

Ainda o discurso de Obama, visto por Ferreira Fernandes

O bom desenho (publicado ontem no Herald Tribune) dizia muito ao primeiro olhar. Obama, uma multidão em delírio e um diálogo. Dizia um (anónimo): "Nunca vi tanto entusiasmo. Quem é esta gente?" Respondia outro (também anónimo): "Gramáticos." Por falar em alguém, alguém disse na televisão portuguesa: "Foi um discurso banal..." E já vi, também sobre o facto da semana - o discurso de posse de Barack Obama -, algumas pessoas a encolher os ombros. Nunca me espantarei o suficiente sobre a capacidade do género humano português em sentir-se enfastiado.
Vulgar, então, o discurso de Obama? Mas o que têm servido a esta gente, há longuíssimos anos, nos discursos de Ano Novo? Que ouvem em discursos de tomada de posse, presidenciais ou ministeriais? Que textos empolgantes, que arte oratória, que temas grandiosos (está bem, houve essa magna questão do Estatuto dos Açores...), que palavras - palavras simples, claras e directas - nos deixaram ligados (mesmo que só o espaço de um discurso) a um político português? Que político, falando, une uma redacção de jornal à volta de um televisor, jornalistas escutando as palavras, não tentando adivinhar as tricas? Quem cala um café inteiro? Quem faz parar o garfo, no jantar solitário na cozinha, e nos remete para a condição de ouvinte, simples ouvinte e nada mais do que ouvinte? Que eu me lembre - e refiro-me a quem exerce o seu magistério essencialmente dirigindo-se ao país e, portanto, quem mais devia cuidar da palavra -, de cada vez que fala um Presidente português saltam sete tradutores, cada um interpretando à sua maneira. E cada um dos sete podendo ter razão, tão vagos, tão impenetráveis, tão óbvios, tão nada, têm sido 98,7% dos discursos presidenciais a que tivemos direito nas últimas décadas.
O discurso de Obama teve aquilo a que aludo no princípio desta crónica, gramática. Gramática aplicada a um discurso, o que quer dizer, muito para lá da concordância do sujeito com o predicado, uma fluência de palavras que encontrou o ritmo capaz de nos galvanizar durante 18 minutos de uma tarde fria. Artifícios estilísticos, metáforas, antíteses...
Mas não, do que eu sinto falta não é tanto da arte oratória mas, tão-só, da função instrumental do discurso. Não, nem peço tiradas - "A capital foi abandonada. O inimigo avançava. A neve estava marcada pelo sangue..." -, como as usadas por Obama por ter encontrado o seu país em crise e querer galvanizar os seus para sair dela. Não, para o que me falta, não me chega ler o padre António Vieira (e esse tenho-o, e melhor do que Obama). Preciso é de políticos que, virados para mim, não digam: "Portugueses", como se eles pairassem sobre o barco. Quero que digam, como Obama virado para os seus, "nós." E que esse nós me faça sentir que há nós.
Ferreira Fernandes. "Em defesa de curta e boa palavra". Diário de Notícias: 25.Jan.2009

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sobre a votação no Parlamento da avaliação dos professores

1. Segundo noticia o Público de hoje, há uma frase do socialista António José Seguro, a propósito da situação vivida na área da educação, entre os professores e o Ministério, que tem constado no e-mail de resposta aos docentes que lhe escreveram: "Tudo tenho feito, na maioria das vezes em privado, para ajudar a resolver este impasse". No entanto, logo a seguir, o jornal reproduz a garantia do seu voto no que respeita à discussão do projecto que o CDS apresentou: "Votarei como sempre de acordo com a minha responsabilidade política." Estávamos conversados: a “responsabilidade” partidária – diferente da responsabilidade “política” – falava mais alto.
2. A votação aconteceu, pois. O projecto apresentado pelos centristas quanto à avaliação do desempenho docente foi derrotado por três votos. Interessantes foram as declarações que antecederam a votação feitas por Alberto Martins, considerando que, no caso de o diploma centrista passar, tinham que ser tiradas conclusões políticas! Dramatizar dá jeito, por vezes. Transformar esta questão num terramoto é tão descabido como não lhe dar importância nenhuma. A emotividade funcionou. A razão nem tanto. Mas a propaganda é assim…
3. Durante o debate parlamentar, o ministro Santos Silva classificou a reprovação do projecto centrista como "a vitória dos deputados livres que não se deixam chantagear, daqueles que não estão na câmara corporativa a defender interesses profissionais" e que "estão na Assembleia da República a defender os interesses dos portugueses", diz a edição online do Público. Que riqueza de argumentos ministeriais! Que confusão! A lógica será: “deputados livres” = deputados que não defendem interesses profissionais = deputados que defendem os interesses dos portugueses = deputados socialistas! Alguma vez a visão parlamentar democrática foi tão maniqueísta?
4. Certo é que esta questão ficará para a história. Tão mau é o projecto ter sido reprovado por três votos como seria a sua aprovação pelos mesmos três votos! A fronteira entre o que é necessário ou o que não é resolve-se num país e numa democracia por três votos, que, na verdade, nada acrescentam ao essencial – a fractura e a divisão, as duas sensibilidades em partes iguais! Provavelmente, esta é a questão: não é a discussão sensata dos problemas que alicia; o que entusiasma é este tipo de resultado, semelhante a um jogo (mesmo que seja político), tanto mais emocionante quanto os pontos sejam marcados taco a taco… E os interesses nacionais são resolvidos desta maneira! Nestes termos, fácil é que Santos Silva diga o que diz. Mas, como dizia o outro… lá porque é não quer dizer que deva ser!
5. A única conclusão possível: não era preciso ter-se chegado aqui, sobretudo para se saber o que se ficou a saber!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Rostos (106)

João de Deus, lembrado em Faro

Ler, ler, ler…

A propósito do Congresso Internacional de Promoção da Leitura, levado a cabo pela Fundação Calouste Gulbenkian hoje e amanhã, o suplemento “P2” do Público de hoje traz o trabalho “Leiam tudo o que puderem”, assinado por Rita Pimenta, um título que funciona quase como recomendação. Vários teóricos da leitura foram ouvidos para este trabalho, dos quais reproduzo as afirmações principais:
Peter Hunt, professor da Universidade de Cardiff (Reino Unido): "Se quisermos formar 'leitores funcionais', pessoas que conseguem ler o suficiente para ter uma vida normal, como saberem ler anúncios ou um aviso para que não caiam num buraco mais adiante, então pouco importa o que lêem. Para isso, servem os jogos de computador, os jornais, as bandas desenhadas ou a televisão. Se quisermos formar leitores que consigam compreender uma linguagem complexa, para que a sua vida seja também mais complexa e interessante, então, provavelmente, estes leitores precisarão de ler ficção, romances – livros.”
Teresa Colomer, da Universidade Autónoma de Barcelona: "A leitura é uma operação que amplia as capacidades do nosso cérebro. Permite-nos recriar experiências perceptivas, diferentes perspectivas intelectuais e emotivas e dar sentido às situações. Permite-nos dominar as possibilidades da linguagem e essa é a matéria-prima do nosso pensamento. O mundo torna-se mais inteligível (e por conseguinte torna-nos mais inteligentes). É uma forma de desfrutar melhor o nosso tempo de vida."
Galeno Amorim, escritor e jornalista brasileiro: "É fundamental ler, não importa o suporte. Ler (ou ouvir ou tactear!) livros, revistas, jornais, histórias aos quadradinhos, tudo. Mas, sobretudo, ler literatura, nos seus mais diferentes géneros". Virtudes da leitura: "Ler para ampliar o próprio universo, para se apropriar do conhecimento universal. Para desenvolver a inteligência, mas, principalmente, para olhar com o olhar do outro e, assim, se tornar mais tolerante, mais humano. Nos países pobres ou em desenvolvimento, ler é fundamental como meio de promover a cidadania."
Sandra Beckett, professora da Universidade de Brock, Canadá: “Mais adultos estão neste momento a ler literatura para a infância, porque alguns dos melhores escritores são desta área. Redescobrem assim o prazer de uma boa história, como nos casos das imaginadas por J.K. Rowling, Philip Pullman e outros."
Depois de todas estas considerações, o jornal ouviu alguns leitores sobre os livros que leram em crianças. Para Júlio Machado Vaz, Eduarda Abbondanza, Miguel Guilherme e José Rodrigues dos Santos, a colecção dos “Cinco”, de Enid Blyton é comum. Depois, vêm outros nomes: “Cavaleiro Andante”, Sandokan, Condessa de Ségur, Tom Sawyer, Principezinho, Walt Disney, Tintin, Alexandre Dumas, Flaubert, Golding, Tarzan, Spirou, Astérix, colecção “Argonauta”, tudo numa mistura de heróis, colecções e autores, até chegar a Camus, Luiz Pacheco e Henry Miller, tirados do recanto dos livros mais distantes ou “proibidos” lá em casa. Um aluno de 6º ano, João Pedro Lucas, acompanha o ritmo de descoberta com as colecções “Uma Aventura “ e “Viagens no Tempo” e com heróis como Harry Potter, Marley ou Eragon.
Não é difícil revermo-nos em muitas das opções, quer porque os títulos também nos entusiasmaram, quer porque, de repente, somos levados até à infância e às sensações que destas leituras e desses tempos nos ficaram. Hoje, continuo a ver que muitos destes heróis, à mistura com os do mais jovem leitor entrevistado, despertam o interesse dos alunos com quem trabalho e… continuo a ver o interesse que o Tintin desperta – além de ser seu leitor, e com repetições, vejo que os filhos também lá vão, mesmo o que ainda não chegou aos 6 anos, que tem no Tintin uma personagem favorita…

O texto de Lídia Jorge sobre a escola situado entre o racionalismo e o humanismo...

Em 9 de Janeiro, Lídia Jorge escreveu no Público um texto sobre a escola e os professores, que transcrevi para este blogue. Passados dias, a 13, um leitor do mesmo jornal escreveu uma "carta ao director", que foi publicada na rubrica respectiva e que também aqui transcrevi por concordar com o seu teor e porque gostei do texto de Lídia Jorge. Obviamente, o assunto não ficava fechado. Um leitor e bloguista deixou-me na caixa de comentários a recomendação para ler a sua apreciação ao texto de Lídia Jorge. Fui ler e quero partilhar. A análise é desapaixonada, tem pontos certeiros, concordo com algumas observações. Vale a pena ler para que vejamos as várias faces e não embarquemos na teimosia com que outros nos incentivam...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Alteração de critérios de avaliação em exames nacionais do 12º ano - O que se avalia?

«Exames Biologia e Geologia e Português – Alteração de critérios de correcção de exames nacionais preocupa professsores – A anunciada alteração nos critérios de correcção nas respostas fechadas de "verdadeiro/falso" nos próximos exames nacionais de Biologia e Geologia e de Português está a indignar e a preocupar professores e alunos. Mónica Maia-Mendes, da Ordem dos Biólogos (OB), considera que, a verificar-se, as consequências são "muito graves"; Edviges Ferreira, vice-presidente da Associação de Professores de Português (APP), pensa que será "um escândalo".Para se perceber o que está em causa, basta comparar o que se verificou no ano passado com o que pode acontecer este ano. Por exemplo: na prova de exame de Biologia e Geologia da 2.ª fase de 2008 existiam quatro questões de resposta fechada "verdadeiro/falso". E essas quatro tinham, cada uma, oito afirmações que os alunos deviam assinalar como verdadeiras ou como falsas. Obtinham a classificação máxima, 10 pontos (ou um valor), se acertassem sete, ou seja, ainda que errassem uma. E havia classificações intermédias - sete pontos (para quem tivesse cinco ou seis respostas certas) e três pontos (para três ou quatro). Este ano é diferente no que respeita às provas da disciplina de Biologia e Geologia e da de Português, ambas para o 11.º ou 12.º anos. De acordo com o Gave - Gabinete de Avaliação Educacional (http://www.gave.min-edu.pt/), a cotação total do item só é atribuída "às respostas que identifiquem correctamente todas as afirmações". "São classificadas com zero pontos as respostas em que pelo menos uma das afirmações é identificada de forma incorrecta", "não há lugar a classificações intermédias", pode ler-se. (...)»
O que se pretende avaliar com um exame? O que se pretende avaliar com um teste? O que o aluno sabe ou o que o aluno não sabe? Não é apenas um jogo de palavras; é uma interrogação com que fui confrontado na minha formação e que me preocupa aquando da elaboração de um teste.
Há dias, li a justificação que Sebastião da Gama apresentou para um projecto de ponto de exame em Março de 1950 (publicada na 13ª ed. do Diário). E assim dizia o primeiro considerando: “Quero que o exame seja apenas mais uma aula – e, daí, que seja ameno e agradável; que ensine ainda – em vez de se limitar a averiguar do aprendido; que apareça tão naturalmente, tão fatalmente, como aparece uma aula qualquer: flor que tem a sua raiz, o seu caule, as suas folhas, a sua seiva, em muitas aulas anteriores; inadmissível, sem elas, a sua existência.”
Que distância de princípios! Que diferença de princípios! Para melhor? Por justiça com o saber?

Cinco medidas para uma escola diferente (e melhor)

«(...) Li as proclamações do primeiro subscritor da Moção Política de Orientação Nacional ao XVI Congresso do Partido Socialista. No que toca à Educação é um exercício de puro estardalhaço sobre o que tem conduzido as escolas ao caos e deixa sem tocar o que produz resultados: mais conhecimento à saída do sistema. Sendo aquilo, obviamente, o embrião do próximo programa eleitoral, dei por mim a pensar em cinco medidas que fariam a diferença, a saber: uma intervenção radical em matéria de planos de estudo e correspondentes programas, redesenhando tudo o que hoje é um vazadouro de modas pedagógicas sem nexo e de problemas sociais que não pertencem às escolas; uma intervenção de verdadeira ruptura com o modelo de formação de professores, cuja exigência é inaceitavelmente pobre no plano científico, cultural e didáctico; uma intervenção de corte com a tradicional estrutura orgânica da Educação, dando verdadeira autonomia às escolas, trazendo para a sua gestão os melhores e reservando estritamente para o Ministério da Educação a estratégia nacional, a supervisão e o controlo da qualidade; uma intervenção criando um serviço nacional de testes e registos educacionais, que sustentasse racionalmente as tomadas de decisão e subtraísse o futuro dos estudantes ao simples capricho, não fundamentado, dos políticos; uma ruptura total com o paradigma lúdico da escola e consequentes intervenções: devolução da autoridade aos professores, redesenho dos estatutos dos alunos e dos docentes e redefinição dos conceitos de escola inclusiva e a tempo inteiro.»
Santana Castilho. "Um rotina insustentável". Público: 21.Janeiro.2009

Sobre o discurso de Barack Obama feito ontem

O discurso de Barack Obama (que ontem aqui pus em inglês por só ter tido acesso a essa versão, mas que agora pode ali ser lido em português) comove. Não apenas por ser uma peça literária interessante e bem construída, mas sobretudo porque revela um assumir a América e o mundo segundo valores e de acordo com um espírito de cidadania notáveis. Nele coexistem a verdade sobre a crise e a esperança na renovação e na reconstrução, o compromisso individual e o empenhamento colectivo e mundial, a atenção e a afirmação, o apelo a uma responsabilidade total e universal, os valores e o incitamento a esses valores.
Creio que será um grande discurso para a História e para o século XXI, com respeito pela memória de um país, com veneração pelo passado, com o apregoar de uma identidade que se pretende mais vasta e capaz de interferir pela paz. Não há apelos a globalizações nem a outros modismos que só têm sido responsáveis por políticas que nos afastam e que têm lançado o mundo e os países numa onda de incapacidade. É a palavra da confiança, com um desafio às pessoas e aos países. Quem não se sentiu um pouco a querer partilhar aquela alegria de contribuir para a esperança?
Ah… e os valores. Algo que nos faria bem admitir e encarar, agarrando, praticando e promovendo, algo que contribuirá para um mundo melhor – “Our challenges may be new. The instruments with which we meet them may be new. But those values upon which our success depends – hard work and honesty, courage and fair play, tolerance and curiosity, loyalty and patriotism – these things are old.” Isso mesmo: o haver ao lado de um povo e de um país valores como “trabalho intenso e honestidade, coragem e fair play, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo”, independentemente do que surja de novo, num respeito pela História e pela tradição, porque aí estão os fundamentos. O apelo está feito a todos. E que bom seria adoptarmo-los para nos sentirmos envolvidos na mudança, que não pode ser só dos outros!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O que disse Obama, o 44º presidente americano?

My fellow citizens,
I stand here today humbled by the task before us, grateful for the trust you have bestowed, mindful of the sacrifices borne by our ancestors. I thank President Bush for his service to our nation, as well as the generosity and cooperation he has shown throughout this transition.
Forty-four Americans have now taken the presidential oath.
The words have been spoken during rising tides of prosperity and the still waters of peace. Yet, every so often the oath is taken amidst gathering clouds and raging storms. At these moments, America has carried on not simply because of the skill or vision of those in high office, but because we the people have remained faithful to the ideals of our forebears, and true to our founding documents.
So it has been. So it must be with this generation of Americans.
That we are in the midst of crisis is now well understood.
Our nation is at war, against a far-reaching network of violence and hatred. Our economy is badly weakened, a consequence of greed and irresponsibility on the part of some, but also our collective failure to make hard choices and prepare the nation for a new age. Homes have been lost; jobs shed; businesses shuttered. Our health care is too costly; our schools fail too many; and each day brings further evidence that the ways we use energy strengthen our adversaries and threaten our planet.
These are the indicators of crisis, subject to data and statistics. Less measurable but no less profound is a sapping of confidence across our land _ a nagging fear that America's decline is inevitable, and that the next generation must lower its sights.
Today I say to you that the challenges we face are real.
They are serious and they are many. They will not be met easily or in a short span of time. But know this, America _ they will be met.
On this day, we gather because we have chosen hope over fear, unity of purpose over conflict and discord.
On this day, we come to proclaim an end to the petty grievances and false promises, the recriminations and worn out dogmas, that for far too long have strangled our politics.
We remain a young nation, but in the words of scripture, the time has come to set aside childish things. The time has come to reaffirm our enduring spirit; to choose our better history; to carry forward that precious gift, that noble idea, passed on from generation to generation : the God-given promise that all are equal, all are free and all deserve a chance to pursue their full measure of happiness.
In reaffirming the greatness of our nation, we understand that greatness is never a given. It must be earned. Our journey has never been one of shortcuts or settling for less. It has not been the path for the faint-hearted _ for those who prefer leisure over work, or seek only the pleasures of riches and fame. Rather, it has been the risk-takers, the doers, the makers of things _ some celebrated but more often men and women obscure in their labor, who have carried us up the long, rugged path towards prosperity and freedom.
For us, they packed up their few worldly possessions and traveled across oceans in search of a new life.
For us, they toiled in sweatshops and settled the West; endured the lash of the whip and plowed the hard earth.
For us, they fought and died, in places like Concord and Gettysburg; Normandy and
Khe Sahn.
Time and again these men and women struggled and sacrificed and worked till their hands were raw so that we might live a better life. They saw America as bigger than the sum of our individual ambitions; greater than all the differences of birth or wealth or faction.
This is the journey we continue today. We remain the most prosperous, powerful nation on Earth. Our workers are no less productive than when this crisis began. Our minds are no less inventive, our goods and services no less needed than they were last week or last month or last year. Our capacity remains undiminished. But our time of standing pat, of protecting narrow interests and putting off unpleasant decisions _ that time has surely passed.
Starting today, we must pick ourselves up, dust ourselves off, and begin again the work of remaking America.
For everywhere we look, there is work to be done. The state of the economy calls for action, bold and swift, and we will act _ not only to create new jobs, but to lay a new foundation for growth. We will build the roads and bridges, the electric grids and digital lines that feed our commerce and bind us together. We will restore science to its rightful place, and wield technology's wonders to raise health care's quality and lower its cost. We will harness the sun and the winds and the soil to fuel our cars and run our factories. And we will transform our schools and colleges and universities to meet the demands of a new age.
All this we can do. And all this we will do.
Now, there are some who question the scale of our ambitions _ who suggest that our system cannot tolerate too many big plans. Their memories are short. For they have forgotten what this country has already done; what free men and women can achieve when imagination is joined to common purpose, and necessity to courage.
What the cynics fail to understand is that the ground has shifted beneath them _ that the stale political arguments that have consumed us for so long no longer apply. The question we ask today is not whether our government is too big or too small, but whether it works _ whether it helps families find jobs at a decent wage, care they can afford, a retirement that is dignified. Where the answer is yes, we intend to move forward. Where the answer is no, programs will end. And those of us who manage the public's dollars will be held to account _ to spend wisely, reform bad habits, and do our business in the light of day _ because only then can we restore the vital trust between a people and their government.
Nor is the question before us whether the market is a force for good or ill. Its power to generate wealth and expand freedom is unmatched, but this crisis has reminded us that without a watchful eye, the market can spin out of control _ and that a nation cannot prosper long when it favors only the prosperous. The success of our economy has always depended not just on the size of our gross domestic product, but on the reach of our prosperity; on our ability to extend opportunity to every willing heart _ not out of charity, but because it is the surest route to our common good.
As for our common defense, we reject as false the choice between our safety and our ideals. Our founding fathers, faced with perils we can scarcely imagine, drafted a charter to assure the rule of law and the rights of man, a charter expanded by the blood of generations. Those ideals still light the world, and we will not give them up for expedience's sake. And so to all other peoples and governments who are watching today, from the grandest capitals to the small village where my father was born : know that America is a friend of each nation and every man, woman, and child who seeks a future of peace and dignity, and that we are ready to lead once more.
Recall that earlier generations faced down fascism and communism not just with missiles and tanks, but with sturdy alliances and enduring convictions. They understood that our power alone cannot protect us, nor does it entitle us to do as we please. Instead, they knew that our power grows through its prudent use; our security emanates from the justness of our cause, the force of our example, the tempering qualities of humility and restraint.
We are the keepers of this legacy. Guided by these principles once more, we can meet those new threats that demand even greater effort _ even greater cooperation and understanding between nations. We will begin to responsibly leave Iraq to its people, and forge a hard-earned peace in Afghanistan. With old friends and former foes, we will work tirelessly to lessen the nuclear threat, and roll back the specter of a warming planet. We will not apologize for our way of life, nor will we waver in its defense, and for those who seek to advance their aims by inducing terror and slaughtering innocents, we say to you now that our spirit is stronger and cannot be broken; you cannot outlast us, and we will defeat you.
For we know that our patchwork heritage is a strength, not a weakness. We are a nation of Christians and Muslims, Jews and Hindus _ and non-believers. We are shaped by every language and culture, drawn from every end of this Earth; and because we have tasted the bitter swill of civil war and segregation, and emerged from that dark chapter stronger and more united, we cannot help but believe that the old hatreds shall someday pass; that the lines of tribe shall soon dissolve; that as the world grows smaller, our common humanity shall reveal itself; and that America must play its role in ushering in a new era of peace.
To the Muslim world, we seek a new way forward, based on mutual interest and mutual respect. To those leaders around the globe who seek to sow conflict, or blame their society's ills on the West _ know that your people will judge you on what you can build, not what you destroy. To those who cling to power through corruption and deceit and the silencing of dissent, know that you are on the wrong side of history; but that we will extend a hand if you are willing to unclench your fist.
To the people of poor nations, we pledge to work alongside you to make your farms flourish and let clean waters flow; to nourish starved bodies and feed hungry minds. And to those nations like ours that enjoy relative plenty, we say we can no longer afford indifference to suffering outside our borders; nor can we consume the world's resources without regard to effect. For the world has changed, and we must change with it.
As we consider the road that unfolds before us, we remember with humble gratitude those brave Americans who, at this very hour, patrol far-off deserts and distant mountains. They have something to tell us today, just as the fallen heroes who lie in Arlington whisper through the ages. We honor them not only because they are guardians of our liberty, but because they embody the spirit of service; a willingness to find meaning in something greater than themselves. And yet, at this moment _ a moment that will define a generation _ it is precisely this spirit that must inhabit us all.
For as much as government can do and must do, it is ultimately the faith and determination of the American people upon which this nation relies. It is the kindness to take in a stranger when the levees break, the selflessness of workers who would rather cut their hours than see a friend lose their job which sees us through our darkest hours. It is the firefighter's courage to storm a stairway filled with smoke, but also a parent's willingness to nurture a child, that finally decides our fate.
Our challenges may be new. The instruments with which we meet them may be new. But those values upon which our success depends _ hard work and honesty, courage and fair play, tolerance and curiosity, loyalty and patriotism _ these things are old. These things are true. They have been the quiet force of progress throughout our history. What is demanded then is a return to these truths. What is required of us now is a new era of responsibility _ a recognition, on the part of every American, that we have duties to ourselves, our nation, and the world, duties that we do not grudgingly accept but rather seize gladly, firm in the knowledge that there is nothing so satisfying to the spirit, so defining of our character, than giving our all to a difficult task.
This is the price and the promise of citizenship.
This is the source of our confidence _ the knowledge that God calls on us to shape an uncertain destiny.
This is the meaning of our liberty and our creed _ why men and women and children of every race and every faith can join in celebration across this magnificent mall, and why a man whose father less than sixty years ago might not have been served at a local restaurant can now stand before you to take a most sacred oath.
So let us mark this day with remembrance, of who we are and how far we have traveled. In the year of America's birth, in the coldest of months, a small band of patriots huddled by dying campfires on the shores of an icy river.
The capital was abandoned. The enemy was advancing. The snow was stained with blood. At a moment when the outcome of our revolution was most in doubt, the father of our nation ordered these words be read to the people : "Let it be told to the future world ... that in the depth of winter, when nothing but hope and virtue could survive...that the city and the country, alarmed at one common danger, came forth to meet (it)." America, in the face of our common dangers, in this winter of our hardship, let us remember these timeless words. With hope and virtue, let us brave once more the icy currents, and endure what storms may come. Let it be said by our children's children that when we were tested we refused to let this journey end, that we did not turn back nor did we falter; and with eyes fixed on the horizon and God's grace upon us, we carried forth that great gift of freedom and delivered it safely to future generations.
[a partir de Le Monde]

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Associação Cultural Sebastião da Gama - Boletim nº 6

Saiu o nº 6 do Boletim Informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama. Conteúdos: “O Diário tem 60 anos”, “Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama 2009”, “Serra-Mãe oferecida a alunos”, “Monumento a Sebastião da Gama em Azeitão vai ter preservação”, “Sebastião da Gama estudado por Alexandre Santos" (com intervenções de D. Carlos Azevedo, José Eduardo Franco e João Reis Ribeiro), “Uma medalha para Sebastião”, “Pintores homenageiam Sebastião da Gama”, “Assinalados os 60 anos do Diário” e “Algumas achegas muito avulsas para a bibliografia (activa e passiva) de Sebastião da Gama (1)” (por Luís Amaro). São oito páginas de informação sobre a vida da Associação e sobre o seu patrono.
Pode ser pedido directamente para a Associação ou para o e-mail que figura ali em cima.

Novidades?

A gente lê os jornais e o que fica da moção apresentada por José Sócrates no Centro Cultural de Belém, documento que deverá ser orientador para uma política do PS no caso de obter maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, é pouco: continuação das grandes obras públicas (como se não se soubesse já da insistência nesta linha!), escolaridade obrigatória até ao 12º ano (algo de que já se vem falando há muito), alívio da carga fiscal da classe média (rica classe, que tantos votos dá!), regionalização (mais gente no poder) e casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ah, e pedido de maioria absoluta, claro!
É evidente que os comentários de hoje fugiram para a história do casamento. Muito mais fácil para deixar as agruras da vida, muito mais expedita para que os debates ajudem a desviar atenções da dificuldade que se sente! Estratégico quase.
É também por isto que se vai ouvindo a voz da descrença. Porque existe a noção da política como jogo e pouco mais. Ainda hoje, na emissão aberta da Antena 1, passou um ouvinte que apelou à abstenção, em nome da recusa em pactuar com os políticos que têm servido Portugal. Obviamente, é um ponto de vista bem escorregadio, porque os partidos continuarão a reivindicar as decisões através de votos e os votos só para si. Obviamente, o ouvinte não tinha razão porque, devido a tão elevada abstenção, é que os resultados eleitorais têm sido o que são. A diminuição da abstenção implicaria resultados diferentes e as maiorias poderiam ser mais equilibradas. Já deu para perceber que, em Portugal, as maiorias absolutas têm uma linha de fronteira muito ténue com o autoritarismo, além de o mundo assumir mais um estatuto de encenação do que de realidade e só a verdade da governação contar.
Não há dúvidas de que a campanha eleitoral está em marcha. E os problemas também. E a classe média (querida classe média, sempre lembrada quando convém!...) ouvirá cantos de sereia a preceito.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Máximas em mínimas (41)

Dia e noite
"O dia é a morada dos homens e durante o dia tudo lhes pertence, as casas, as ruas e as árvores, mas à noite as sombras envolvem o mundo e apoderam-se de tudo. A noite, então, é a morada de quem?"
Álvaro Magalhães. Sete dias e sete noites. Col. "Triângulo Jota" (2). Porto: ASA, 1989.

sábado, 17 de janeiro de 2009

O comentário de D. Manuel Martins

No costumeiro “Bilhete Postal” que sai semanalmente no Notícias de Setúbal, D. Manuel Martins (bispo emérito de Setúbal) escreve, na edição desta semana, sobre três assuntos: a desigualdade, que atinge os direitos humanos, provocada pelo facto de 85% dos bens pertencerem a 15% de pessoas; a atitude do Arcebispo de Milão, que criou um fundo para ajudar os carenciados, aí depositando os seus bens pessoais; a instabilidade institucional, a nível de topo, que se tem feito sentir em Portugal. Palavras certeiras, todas elas. Com destinatários não menos certos. E para que todos pensemos.

D. Manuel Martins. "Bilhete Postal". Notícias de Setúbal: nº 338, 16.Jan.2009.

Rostos (105)

Monumento de Homenagem ao Forcado, por José Miguel Franco de Sousa, em Vila Franca de Xira

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 93
Em Setembro passaram 50 anos sobre a publicação póstuma do Diário de Sebastião da Gama. Agora, em 11 de Janeiro, passaram 60 anos sobre a data em que a mesma obra começou a ser redigida.
Janeiro, 11 – Para começar, falou connosco durante uma hora o senhor Dr. Virgílio Couto. De acordo com o que disse, vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar a conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. (…) Houve nesta conversa uma palavra para guardar tanto como as outras, mais que todas as outras: «O que eu quero principalmente é que vivam felizes».
É este o primeiro registo que o leitor pode encontrar no Diário, começado a ser redigido em 11 de Janeiro de 1949, por recomendação do próprio professor metodólogo, apresentado como um exercício de reflexão da prática lectiva. E Sebastião da Gama respeitou a sugestão e usou-a a rigor: por estas páginas, passa o mais impressionante de um ano da relação de um professor com uma turma, as reflexões de um docente, a palavra dos alunos (que aqui têm voz própria, são transcritos e referidos), uma formação humanista extraordinária, uma cultura vastíssima, um conhecimento da literatura alargado, a discussão de práticas e a adopção de modelos, uma sensibilidade espantosa para a causa educativa, muitas reflexões pessoais. Mantém, volvidas seis décadas, toda a frescura da juventude de um professor e dos seus alunos, toda a crença na formação humana, todo o respeito pelo outro, ambos comungando numa vida de sinceridade e de aprendizagem do mundo. Ainda hoje se torna pertinente lê-lo e, provavelmente, a sua leitura ajudaria a encontrar soluções para muitos dos problemas de que a educação enferma no presente.
“O que eu quero principalmente é que vivam felizes” bem poderia ser o lema a adoptar para a área da educação nos tempos que correm. Este desafio é, simultaneamente, a chave que convida para a leitura e para a apreciação de uma obra cujo conhecimento se afigura incontornável, apesar dos seus 60 anos, sobretudo para quem tenha interesse na causa da educação, independentemente da função que aí desempenha.
[adaptação de postal aqui colocado nas vésperas de 11 de Janeiro]

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Como o prémio de Cristiano Ronaldo nos faz lembrar a "escola inclusiva"...

Há dias, houve grande regozijo generalizado com o facto de Cristiano Ronaldo ter sido eleito o melhor jogador de futebol do mundo. E não se pode dizer que o motivo não justifique tal regozijo! Podemos mesmo acrescentar, em nome da lusofonia e do que une os falantes da língua portuguesa, que o regozijo deveria ainda ter sido maior porque a melhor jogadora de futebol do mundo, Marta, comunica também na nossa língua. E Pélé, outro falante de português (apesar de ter discursado em inglês) e jogador famoso, entrou também na equipa de palco na cerimónia de entrega dos galardões. A lusofonia tem, assim, razões para se sentir bem. Nós temos razões para sentir orgulho, pois, sem que isso signifique criação de mitos. Por outro lado, esta situação, que despoleta em muitos jovens a vontade de imitar Cristiano Ronaldo (conhecemos estas tendências de imitação associadas a desejo de sucesso e de possibilidade de se ser herói), pode merecer uma série de leituras, talvez todas úteis, talvez todas para nos provocarem o pensar. É o caso da opinião de Helena Matos, saída no Público de hoje – a gente lê e não pode ficar indiferente. O prémio atribuído a Cristiano Ronaldo não nos pode causar apenas orgulho e alegria; também tem que nos fazer pensar. Reproduzo desse texto a parte final, muito válida pela ligação à ideia da “escola inclusiva”…
«(…) O falhanço de todas as incensadas políticas em favor de uma "escola inclusiva", "que promova a igualdade", "que não seja para ricos"... não só criou assimetrias sociais tremendas como, por grotesca ironia, converteu os filhos dos pobres no bode expiatório do falhanço ideológico e profissional daqueles que construíram confortáveis carreiras na política e na administração sob o lema do combate à pobreza e à discriminação. Que em qualquer actividade uns são melhores do que os outros é algo que o próprio Ronaldo mostra à exaustão, mas que a nossa escola dita inclusiva demorou a assumir (sendo certo que no dia em que tal assumiu adoptou como doutrina a tese de que os filhos dos pobres nivelam por baixo). Desgraçadamente, não só este determinismo social se instituiu na escola portuguesa - e recordo que nem sempre assim foi - como vemos banalizar-se também um discurso igualmente vexatório para os mais pobres quando se associam baixos rendimentos e desemprego com aumento da criminalidade. Confrontado com um problema de violência nas escolas, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, explicou o fenómeno acusando os desempregados ou quiçá os seus filhos: "Se há gente a mais no litoral, se não há emprego, se fecha a indústria, o que é que a gente nova vai fazer? Estamos a falar de gente nova, porque não são as pessoas de 50 ou 60 anos que estão a criar problemas. O que vão fazer as pessoas que estão a começar a vida? (...) A escola é um reflexo disto". E o próprio procurador-geral da República, Pinto Monteiro, entendeu por bem avisar-nos de que o desemprego e a exclusão social podem motivar neste ano de 2009 uma verdadeira "explosão de violência".
Por outras palavras, caso Ronaldo não tivesse optado pelo futebol, e a fazer fé nas profecias sociológicas vigentes, não só teria deixado a escola cumprindo o que dele se esperava - ou seja, nada - como os seus baixos rendimentos levariam a que também, segundo as mesmas doutrinas, pudesse vir a integrar os números da delinquência violenta, aquela que se estima venha a aumentar por causa da crise e do desemprego.
Numa sociedade que passa a vida a vasculhar sinais de discriminação, não encontro nada mais discriminatório do que estas teses aparentemente consensuais da nossa Justiça e Educação. Tal como também não consegui encontrar até agora qualquer notícia sobre assaltantes e outros criminosos mais ou menos violentos que se tenham dedicado a essas práticas por terem ficado desempregados.
Ao contrário do que se gosta de acreditar, os pobres raramente se revoltam. O mais que se consegue é que ocupem o seu lugar mais ou menos folclórico em revoltas que outros, mais abonados, lideram e arquitectam. Quanto a dizer em Portugal, no ano de 2009, que a criminalidade nasce da pobreza parece-me um óbvio insulto àqueles que todos os dias saem de casa para receberem ordenados baixíssimos e terem uma vida muito mais massacrada pelo Estado com taxas, contribuições, multas e demais imposições do que aqueles seus vizinhos que se dedicam ao crime.
Por tudo isso, honra seja feita ao mundo do futebol e doutras modalidades desportivas que, ao contrário da Escola e da Justiça, manda os fatalismos sociológicos às malvas e faz milhares de miúdos acreditar que podem ser os melhores do mundo. E sobretudo que não se chega ao topo por passagem administrativa e muita caridadezinha.
»
Helena Matos. “E se o Ronaldo não jogasse futebol?”. Público: 15.01.2009.

Rostos (104)

D. Quixote, em Alcalá de Henares (olhado por Quaresma Rosa)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Um retrato alternativo (que nada nos agrada, mas que é um retrato)

«(...) Vivemos um embuste que, apesar de todos os esforços de propaganda, começa a surgir lentamente aos olhos dos portugueses. Com algumas excepções - caso da reforma da Segurança Social, que mesmo assim podia ter ido mais longe do que foi -, o problema do nosso famoso défice não foi resolvido, pois tudo indica que vai regressar em todo o seu esplendor. Na aparência diminuiu, mas isso aconteceu sobretudo porque pagamos hoje mais impostos, nos reformamos mais tarde e o Estado cortou drasticamente no investimento público, amealhando para este ano eleitoral. O resto, ou boa parte do resto, ficou lá, mas escondido debaixo do tapete. O famoso défice da saúde para os hospitais-empresa e, quando estes não pagam aos fornecedores, tudo segue directamente para a contabilidade da dívida. O mesmo se está a passar nas empresas públicas que, como segunda-feira se soube após uma auditoria do Tribunal de Contas, já acumulam uma dívida equivalente a 11 por cento do produto interno bruto. Anteciparam-se receitas através de esquemas manhosos, como sucedeu na prorrogação dos prazos de concessão das barragens. Fizeram-se despesas que terão de ser pagas pelos nossos filhos e netos, como acontece com as Scut. E até se conseguiu o "milagre" de deixar de gastar dinheiro na rede rodoviária e passar a receber receita. Agora, que a crise internacional expôs a fragilidade da nossa economia e os limites das reformas do "grande chefe reformista", há sinais de que se está a perder o norte e, também, o pudor. A notícia dada ontem pelo Jornal de Negócios de que o ministro das Obras Púbicas, Mário Lino, enviou uma circular a todas as empresas sob a sua tutela, e até a empresas privadas cotadas em bolsa, como a Portugal Telecom, para que o informassem de todas as inaugurações ou anúncios para deles fazer uma festa da propaganda é apenas uma pequena parte da ponta do icebergue e a confirmação da notícia que demos em Dezembro sobre a utilização pelo Governo das empresas e dos seus orçamentos para acções em que o protagonismo é dos ministros ou mesmo do primeiro-ministro. E a insistência despudorada na dispensa de concurso público para obras até cinco milhões de euros (a França fez o mesmo mas colocou o tecto nos... 20 mil euros) mostra que começa a valer tudo menos arrancar olhos.Tudo isto custa mesmo muito. Sobretudo porque o que a Standard & Poor's nos disse ao prever um crescimento anémico para os próximos cinco anos foi que estamos apenas a meio de mais uma década perdida.»
José Manuel Fernandes. "A meio de mais uma década perdida". Público: 14.01.2009.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A propósito do texto de Lídia Jorge sobre a excelência da educação que (não) se tem discutido

Há dias, no Público, Lídia Jorge escreveu um texto excelente (a meu ver e, por isso, aqui o reproduzi) sobre a escola e os critérios de excelência, bem elucidativo sobre o que se tem passado nas escolas portuguesas quanto a esse fenómeno (porque assim o têm tratado) que vai sendo a avaliação de desempenho docente. Hoje, nas cartas dos leitores, o Público editou a opinião de António Reis, de Santa Maria da Feira, que eu perfilho. Também por isso, aqui a transcrevo.
«Estas palavras que aqui escrevo são motivadas pelo texto de Lídia Jorge publicado neste jornal, página 38, no dia 9 de Janeiro. Aí Lídia Jorge escreve sobre a política educativa do Ministério da Educação e, particularmente, sobre as medidas ministeriais relativas ao estatuto e carreira profissional dos professores, e, simultaneamente, sobre a função desempenhada por estes profissionais na escola de hoje. Depois de ler e ouvir tantas opiniões, mais ou menos informadas, alternadas com escritos desprovidos de sentido e de propósito, muitas vezes veículo de mentiras de tão desinformados, eis que leio um texto bem escrito, como só uma grande escritora o poderia escrever, mas, para mim mais premente, fundamental, um texto sensato e razoável, não porque ataque figuras do Governo e as suas políticas, como se ser-se "do contra" justifique, só por si, a crítica, mas porque o faz argumentando com razões e factos, transmitindo, assim, uma crítica fundamentada. Estou certo de que Lídia Jorge deixou muita gente perturbada; muitos, até, amantes da sua escrita literária. Num instante ocorre-me lembrar esse outro escritor que, quando opina sobre os professores, despeja, descontroladamente, críticas e adjectivos azedos, sem tino nem razão. Nunca lhe ouvi, nem li, uma crítica onde demonstrasse conhecer a realidade da escola e do trabalho do professor e um qualquer conhecimento teórico ou prático que o autorizasse, pelo saber, a falar e escrever, a pensar até, dessa forma sobre os professores. Que diferença, então, para estas palavras que Lídia Jorge nos deixou.Com este contributo, Lídia Jorge mostra-nos que os escritores, pensadores pela palavra escrita, ao escreverem sobre a sociedade real, devem usar essa arma com saber, razão, sensatez, enfim, com argumento válido e a propósito. Ela ensina-nos a sermos cidadãos da única forma que se pode ser: colaborarmos com as nossas capacidades para a a construção de um país e de uma sociedade onde se viva com dignidade.»

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Em Azeitão, entre histórias e memórias, no presente

O presente também se faz de memórias e de necessidades. Em Azeitão, foi reabilitado um lavadouro público. E O Setubalense de hoje noticia o facto.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Hoje, 60 anos sobre o "Diário" de Sebastião da Gama

Em 11 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama iniciava o seu estágio de professor na Escola Veiga Beirão, em Lisboa. E escrevia também a primeira página de um Diário (publicado postumamente, em 1958) que viria a ser uma referência na área da educação. Pena que, muitas vezes, seja esquecido! Passam hoje 60 anos sobre essa página inaugural. Mensagem forte: "O que eu quero principalmente é que vivam felizes". Na escola.
[foto: manuscrito original da primeira página de Diário]

sábado, 10 de janeiro de 2009

Máximas em mínimas (40)

"Lá porque é não significa que deva ser."
Drover, personagem de Australia (filme de Baz Luhrmann, 2008)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

"A educação tornou-se uma fábula", diz Lídia Jorge

Educação: os critérios da excelência
A titularidade foi dada a professores bons, excelentes, maus e muito maus. Não premiou nada, porque baralhou tudo
1.Ficarão por muito tempo célebres os braços-de-ferro que Margaret Thatcher manteve com os sindicatos do Reino Unido, como conseguiu vencê-los, e como à medida que os humilhava, mais ia ganhando o eleitorado do seu país. Na altura a primeira-ministra britânica era a voz da modernidade liberal, criou discípulos por toda parte, e ainda hoje, apesar do negrume da sua era, há quem se refira à sua coragem como protótipo da determinação governativa. Mas neste diferendo que opõe professores e Governo, está enganado quem associa o seu perfil ao de Maria de Lurdes Rodrigues. Se alguma associação deve ser feita - e só no plano da determinação -, é bom que o faça directamente com a pessoa do primeiro-ministro.
De facto, a equipa deste Ministério da Educação tem-se mantido coesa, iniciou reformas aguardadas há décadas, soube transferir para o plano da realidade as mudanças que em António Guterres foram enunciadas como paixão, conseguiu que o país discutisse a instrução como assunto de primeira grandeza, fez habitar as escolas a tempo inteiro, fez ver aos professores que o magistério não era mais uma profissão de part-time, arrancou crianças de espaços pedagógicos inóspitos, e muitos de nós pensámos que a escola portuguesa ia partir na direcção certa. Quando José Sócrates saía com todos os ministros para a rua, nos inícios dos anos lectivos, via-se nesse gesto uma determinação reformista que augurava um caminho de rigor. Não admira que o primeiro-ministro várias vezes tenha falado do óbvio - que era necessário determinar quem eram, na escola portuguesa, os professores de excelência. Era preciso identificá-los, promovê-los, responsabilizá-los, outorgar-lhes credenciais de liderança. Era fundamental que se procedesse à sua escolha. Mas a sua equipa legislou sobre o assunto e infelizmente errou.
2.Errou ao criar, de um momento para o outro, duas categorias distintas, quando a escola portuguesa não se encontrava preparada para uma diferenciação dual. A escola portuguesa tinha o defeito de não diferenciar, mas tinha a virtude de cooperar. O prestígio do professor junto dos alunos e dos colegas não era contabilizado, mas era a medida da sua avaliação. Pode dizer-se que era uma escola artesanal que necessitava de uma outra sofisticação. Mas, para se proceder a essa modificação com êxito, era preciso compreender os mecanismos que a sustentavam há décadas, e tomar cuidado em não humilhar uma classe deprimida, a sofrer dia a dia o efeito de uma erosão educacional que se faz sentir à escala global. Só que em vez da aplicação cuidadosa e gradual de um processo de mudança, a equipa do Ministério da Educação resolveu criar um quadro de professores titulares, a esmo, à força e à pressa. No afã de encontrar a excelência, em vez de se aplicar critérios de escolha pedagógica e científica, aplicaram-se critérios administrativos, de tal modo aleatórios que deixaram de fora grande percentagem de professores excelentes, muitas vezes os responsáveis directos pelo êxito pedagógico das escolas.
O alvoroço que essa busca de um quadro de excelência criou está longe de ser descrito devidamente. Basta visitar algumas escolas para se perceber como a titularidade está distribuída a professores bons, excelentes, mas também a maus e muito maus, e foi negada a professores competentes. Isto é, criou-se um esquema que não premiou nada, porque baralhou tudo. Os erros foram detectados por muita gente de boa fé, em devido tempo, mas o processo avançou, a justiça não foi reposta, nem sequer a nível da retórica política. Pelo contrário, aquilo que a razão mostrava à evidência foi sendo desmentido, adiado, ridicularizado, ou desviado para o campo da luta sindical dita de inspiração comunista.
3.O segundo instrumento ao serviço da excelência não teve melhor sorte. Era preciso inaugurar nas escolas uma cultura de responsabilidade que até agora fora relegada para determinismos de vária ordem, menos os estritamente pedagógicos, o que era um vício da escola portuguesa, pelo menos até à publicação dos rankings. Mas aí, de novo, a equipa do Ministério da Educação funcionou mal. Se os campos de avaliação do desempenho dos professores estão mais ou menos fixados, e começam a ser universais, os parâmetros em questão foram pensados por mentes burocráticas sem sentido da realidade, na pior deturpação que se pode imaginar em discípulos de Benjamin Bloom, porque um sistema que transforma cada profissional num polícia de todos os seus gestos, e dos gestos de todos os outros, instaura dentro de cada pessoa um huis clos infernal de olhares paralisantes. Ninguém melhor do que os professores sabe como a avaliação é um logro sempre que a subjectividade se transforma em numerologia. Claro que não está em causa a tentativa de quantificação, está em causa um método totalitário que se transforma num processo autofágico da actividade escolar. Aliás, só a partir da divulgação das célebres grelhas é que toda a gente passou a entender a razão da pressa na criação dos professores titulares - eles estavam destinados a ser os pilares dessa estrutura burocrática de que seriam os pivots. Isto é, quando menos se esperava, e menos falta fazia, estavam lançadas as bases para uma nova desordem na escola portuguesa. Como ultrapassá-la?
4.Não restam muitos caminhos. Ultimamente, almas de boa fé falam de cedência de parte a parte. Negociação, bondade, comissões de sábios. A questão é que não há, neste campo, nenhuma justiça salomónica a aplicar. O objecto em causa não é negociável. Tendo em conta uma erosão à vista, só a Maria de Lurdes Rodrigues, que sabe que foi longe de mais, competiria dizer "Não matem a criança, prefiro que a dêem inteira à outra", mas já se percebeu que não o vai fazer. Obcecada pela sua missão, que começou tão bem e está terminando mal, quererá ir até ao fim, mesmo que do papel dos mil quesitos que alguém engendrou para si só reste um farrapo. É pena. Depois de ter tido a capacidade de pôr em marcha uma mudança estrutural indispensável para a modernização do ensino, acabou por não ser capaz de ultrapassar o desprezo que desde o início mostrava ter em relação aos professores. E, no entanto, numa política de rosto humano, seria justo voltar atrás, reparar os estragos, admitir o erro sem perder a face. Ou simplesmente passar o mandato a outros que possam reiniciar um novo processo.
De facto, em Portugal existem vários vícios na ascensão ao poder. Um deles consiste em não se saber entrar no poder. Pessoas sem perfil técnico, ou humano, aceitam desempenhar cargos para os quais não foram talhados. Parece que toda a gente gosta de um dia dizer ao telefone, no telejornal, "Papá, sou ministro!", com o resultado que se conhece. Outro é não se saber sair do poder. Houve um tempo em que Mário Soares ensinou ao país como os políticos saem no tempo certo, para retomarem, quando voltam a ser úteis. Os grandes políticos conhecem a lei do pousio. E o objecto da disputa deve ser sempre mais alto do que a própria disputa. É por isso estranho e desmedido o que está a acontecer.
5.José Sócrates deverá estar a pensar que pode ter pela frente um golpe de sorte - Margaret Thatcher teve a guerra das Falklands - e até pode vir a ter uma maioria absoluta outra vez. Aliás, pelo que se ouve e vê, a frase da ministra da Educação "Perco os professores mas ganho o país", cria efeitos de grande admiração junto duma população ansiosa por ver braços-de-ferro no ar, sobretudo se eles vierem do corpo de uma mulher. Não falta quem faça declarações de admiração à sua coragem, como se a coragem prescindisse da razoabilidade. E até é bem possível que a Plataforma Sindical um dia destes saia sorridente da 5 de Outubro com um acordo qualquer debaixo do braço, como já aconteceu.
Mas a verdade é que, a insistir-se neste plano, despropositado, está-se a fomentar uma cadeia de injustiças e inoperâncias que só a alternância democrática poderá apagar. Se José Sócrates pediu boas soluções e lhe ofereceram estas, foi enganado, e deveria repensar nos seus contratos. Mas se ele mesmo acredita neste processo kafkiano, é uma desilusão, sobretudo para os que confiaram na sua capacidade de ajudar o país a mudar. Neste momento, entre nós, a educação tornou-se uma fábula.
Lídia Jorge. "Educação: os critérios da excelência". Público: 09.01.2009.

O "Diário" de Sebastião da Gama quase nos 60 anos

Em Setembro, passaram 50 anos sobre a publicação póstuma do Diário de Sebastião da Gama. Agora, em 11 de Janeiro, passam 60 anos sobre a data em que a mesma obra começou a ser redigida.

“Janeiro, 11 – Para começar, falou connosco durante uma hora o senhor Dr. Virgílio Couto. De acordo com o que disse, vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar a conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. E dentro dessa convivência, como quem brinca ou como quem se lembra de uma coisa que sabe e vem a propósito, ir ensinando. Depois, esta nota importantíssima: lembrar-se a gente de que deve aceitar os rapazes como rapazes; deixá-los ser: «porque até o barulho é uma coisa agradável, quando é feito de boa-fé». Houve nesta conversa uma palavra para guardar tanto como as outras, mais que todas as outras: «O que eu quero principalmente é que vivam felizes».”

É este o primeiro registo que o leitor pode encontrar no Diário. E logo aqui surgem as personagens da vida real que vão protagonizar todas as narrativas do livro: o professor (Sebastião da Gama, de seu nome), o professor metodólogo (Virgílio Couto) e os rapazes que constituíam uma turma da Escola Veiga Beirão, em Lisboa.
O Diário, começado a ser redigido em 11 de Janeiro de 1949, foi concluído em Março de 1950, data a partir da qual Sebastião da Gama ficou a aguardar a colocação para o ano lectivo seguinte, que não foi em Setúbal, como ele gostaria (já tinha leccionado na Escola João Vaz antes de ter entrado para o estágio), mas na Escola Industrial e Comercial de Estremoz.
O Diário surgiu por recomendação do próprio professor metodólogo, apresentado como um exercício de reflexão da prática lectiva. E Sebastião da Gama respeitou a sugestão e usou-a a rigor: por estas páginas, passa o mais impressionante de um ano da relação de um professor com uma turma, as reflexões de um docente, a palavra dos alunos (que aqui têm voz própria, são transcritos e referidos), uma formação humanista extraordinária, uma cultura vastíssima, um conhecimento da literatura alargado, a discussão de práticas e a adopção de modelos, uma sensibilidade espantosa para a causa educativa, muitas reflexões pessoais.
O Diário, de Sebastião da Gama, é um poema pedagógico e mantém, volvidas seis décadas, toda a frescura da juventude de um professor e dos seus alunos, toda a crença na formação humana, todo o respeito pelo outro, ambos comungando numa vida de sinceridade e de aprendizagem do mundo. Ainda hoje se torna pertinente lê-lo e, provavelmente, a sua leitura ajudaria a encontrar soluções para muitos dos problemas de que a educação enferma no presente.
Ao longo de 2009, vão começar a ser publicadas as “Obras Completas” de Sebastião da Gama, escritor, professor e poeta da Arrábida e português. O primeiro volume da colecção será precisamente o Diário, que será pela primeira vez publicado na sua versão integral. Este projecto confirmará a Sebastião da Gama o lugar merecido na divulgação, na memória e na cultura portuguesa.
“O que eu quero principalmente é que vivam felizes” bem poderia ser o lema a adoptar para a área da educação nos tempos que correm. Este desafio é, simultaneamente, a chave que convida para a leitura e para a apreciação de uma obra cujo conhecimento se afigura incontornável, apesar dos seus 60 anos, sobretudo para quem tenha interesse na causa da educação, independentemente da função que aí desempenha.
[foto: capa da 1ª edição de Diário (Lisboa: Ática, 1958)]

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Quando D. Manuel Martins fala...

Foi no programa radiofónico “O Caminho de Emaús” no domingo passado. O entrevistado, uma personalidade bem conhecida em Setúbal, em Portugal mesmo: D. Manuel Martins, bispo na cidade do Sado desde 1975 até 1998, hoje Bispo Emérito de Setúbal. Da sua conversa, de pouco mais de dez minutos, quatro registos, todos eles fortes, uns por emoção, outros pela mensagem, outros ainda pela convicção.
Bispo de Setúbal – “Deus deu-me a graça de incarnar naquela terra. Procurei viver os problemas daquela gente. Ali passei 23 anos.”
Missão da Igreja – “A igreja tem como missão evangelizar. (…) Na evangelização há também uma missão profética e a igreja tem a missão essencial de proclamar a dignidade da pessoa humana. A igreja deve estar mergulhada até ao pescoço na vida dos homens.”
Direitos do Homem – “Falta tudo [para ser cumprida a Declaração Universal dos Direitos do Homem]. Muito do que é fundamental está a ser esquecido. Não vou mais longe. Falo só no que diz respeito ao trabalho e, se quiser, ainda afunilo mais e digo no chamado código do trabalho.”
Direitos – “A igreja deve incitar as pessoas a que reconheçam a sua dignidade, os seus direitos. Aqueles que têm responsabilidade estejam muito atentos para se evitar uma sublevação social onde tudo pode acontecer.”

Umas quantas perguntas que deveriam ter resposta... a bem da educação e da escola

Há mais vida para lá da avaliação
Para que serve o sistema educativo? Para promover o conhecimento ou para explorar o seu valor económico?
Que poderia eu dizer, em jeito de balanço de 2008, que não tivesse já dito? Não seria pura perfídia fazer bons votos para um 2009 que, todos sabemos, não pode ser bom? Falemos então da vida que está para lá da avaliação. A evolução dos sistemas educativos das sociedades democráticas jamais dependerá da vontade exclusiva dos governos. A eficácia das transformações que aí se produzam será sempre função da capacidade de gerir os dinamismos que relacionam uma multiplicidade de actores: professores, alunos, pais, sindicatos, partidos políticos, empresas e comunicação social, entre outros. Quando se avança (ou recua, segundo a perspectiva) sem que os movimentos sejam precedidos de suficiente debate social, a sua duração é efémera. Apesar de submersos em mudanças, os sistemas educativos podem, então, regredir. Quando se estudam os processos de desenvolvimento dos países mais ricos e industrializados, é fatal que se evidencie uma correlação positiva entre esses processos e a melhoria do nível de educação das respectivas populações. Mas quando se estudam os processos de desenvolvimento dos seus sistemas educativos, a dificuldade de apreensão das suas enormes complexidades brinda-nos com mais hipóteses que evidências. Em todo o caso, a persistência na análise permitirá verificar que, em todos eles, houve um momento importante de debate social visando encontrar respostas que legitimem as decisões políticas. Nas democracias adultas, as questões que se seguem foram sempre alvo desse debate. Para que serve o sistema educativo? Para promover o valor intrínseco do conhecimento ou para explorar o valor instrumental do conhecimento? Deve ter por objectivo a formação das mulheres e dos homens, em obediência a um quadro de referência concebido pela sociedade que o paga? Ou deve ter por objectivo o desenvolvimento de cada ser, em todas as suas dimensões, por forma a tentar transformar em acto as potencialidades diferentes de cada um, sem sujeição a quadros de chegada? Deve dar prioridade ao desenvolvimento igual de todos ou deve-se orientar para a selecção e formação de elites?
Que fazer para democratizar os sistemas educativos, sendo certo que factores exteriores continuam a influenciar de forma determinante os percursos dos estudantes? Que fazer para injectar qualidade na quantidade?
Como se combatem o insucesso e o abandono escolares, os sentimentos de perda e falhanço, sem diminuir a exigência e o rigor? Como interiorizar, em todos, que a corrida, a qualquer preço, aos diplomas e a falsos resultados não promove a verdadeira realização pessoal a que os alunos têm direito, nem gera a eficácia colectiva de que as economias carecem?
Que valorizar mais na formação dos professores? O conhecimento científico ou os métodos para os transmitir aos alunos? As dimensões psicológica e pedagógica ou a dimensão estritamente disciplinar? Como mantê-los actualizados ao longo da carreira? Como motivá-los em permanência? Como compatibilizar a tendência para tudo pedir à Escola com os limites humanos dos seus profissionais? O que podem os critérios administrativos impor a um professor sem ferir a sua indispensável autonomia intelectual e pedagógica?
Que esforço de financiamento está a sociedade disponível para fazer pela sua Escola, que esforço é legítimo esperar que ela faça, no cotejo com os outros sistemas vitais para o bem-estar colectivo?
Amanhã vota-se na Assembleia da República a suspensão da avaliação do desempenho dos professores. No dia 19 há de novo greve. Gastámos um ano perfazendo um círculo de conflitos violentos. Encerrámo-lo, rodeados de cacos, no ponto de partida. Entramos 2009 como passámos 2008, sem atender a que há mais vida para lá da avaliação. Um dia acordaremos. E seja em que ano for, esse será um bom ano!
Santana Castilho. "Há mais vida para lá da avaliação". Público: 7 de Janeiro de 2009.

E como se constrói a diferença?

2009 e a escola portuguesa
Neste novo ano, o país deveria assumir como prioridade o combate sem tréguas à indisciplina e a promoção de uma cultura de exigência nas nossas escolas. No nosso sistema de ensino, são estes os problemas credores de uma resposta imediata.
Não se ignoram as deformações estruturais do "sistema": o centralismo burocrático castrador de diversidade e inovação, os programas e currículos desfasados ou a insustentável taxa de abandono escolar. Do que aqui se pretende tratar hoje é, porém, do curto prazo. Da "crise", do impasse, da angústia que se vive nas nossas escolas.
Se quisermos encontrar atenuantes para o aumento do número de casos de desrespeito, indisciplina e até violência, não nos faltarão munições. Ele é o contexto familiar, as dificuldades de integração, a exclusão social ou até a influência dos videojogos. Contudo, a crescente pressão do lado das "causas externas à escola" só deve ampliar a responsabilidade daqueles de quem se espera que defendam, sem tibiezas, que a escola é um espaço de formação cívica e não um recreio para delinquentes. Exige-se uma atitude diferente, de intransigência, de pais e professores. Mas, em primeira instância, impõe-se uma inversão da complacência que tem caracterizado o ministério. A desvalorização permanente dos casos mais mediáticos é um factor reprodutor de indisciplina nas salas de aula.
O país tem assistido à imposição ideológica de uma cultura de facilitismo. A coberto da "escola inclusiva", despreza-se o esforço, desincentiva-se o mérito e alarga-se a distância entre os que podem recorrer a outras fontes (familiares e privadas) e os que têm de se resignar à decrepitude do ensino estatal. Este Governo tem horror a exames, fomenta os "diplomas" a granel e rejeita reprovações de "potenciais excluídos", isto é, de quem pouco ou nada sabe. Esta política pode criar rosadas ilusões, mas conduz o país para uma mediocridade que as novas gerações pagarão a um preço elevado. Portugal precisa do oposto: de uma aposta na exigência, trabalho, mérito, conhecimento, nas competências e na qualidade de ensino. Não há outra via para o sucesso. É por isso que é incompreensível a obsessão governativa na imposição de um modelo de avaliação de professores que só tem causado instabilidade, desmotivação e perda de autoridade dos professores.
O Governo tem exibido uma confrangedora impotência para ultrapassar o impasse em que se atolou. É hora de acabar com esta teimosa e insuportável guerrilha e de encontrar uma solução equilibrada que garanta que os professores passarão a ser avaliados, com um modelo justo e fazível. Só falta vontade política.
Enquanto não há arte e engenho para dar este simples passo, o ambiente nas escolas degrada-se e o Governo vai perdendo força e energia para se concentrar nas questões verdadeiramente relevantes e complexas do nosso modelo de ensino. Um novo ano pode ser um bom pretexto para uma nova atitude.
Pedro Duarte. "2009 e a escola portuguesa". Público: 7 de Janeiro de 2009.
Tudo bem. E como se poderá construir a diferença? É que votar no Parlamento uma moção a favor ou contra, defendendo a permanência ou exigindo a suspensão, é algo que depende do número de votos, que nem sempre das opiniões, isto é, depende, em muitos casos, do jogo político, como se tem estado a ver. E as consequências? E as alternativas? Umas devem ser medidas (e nem sempre o são), outras devem ser apresentadas (é para isso que as diferenças existem no Parlamento e entre as pessoas). O debate tem que primar por mais incisão, informação e coerência.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Dia de Reis

Conta o evangelista Mateus (2: 1-12) que os Reis Magos vieram do Oriente, seguindo uma estrela que lhes indicaria o caminho até à gruta em que estava a Sagrada Família com o Menino recém-nascido. Depois, vieram pormenores que o tempo se foi encarregando de adornar, assim enriquecendo a trama da história.
A tradição baptizou-os como Baltasar, Gaspar e Belchior (ou Melchior), cada qual representante de uma raça, todos representantes de tronos. Idades não se sabem, apesar de já ter havido quem as atribuísse a cada uma das três personagens. Na visita, cada Rei levou o seu presente: ouro, a cargo de Belchior; incenso, pelas mãos de Gaspar; mirra, ofertada por Baltasar. A cada um destes elementos têm sido atribuídas simbologias diversas.
Simpáticos, os Reis Magos têm lugar marcado na toponímia portuguesa, como consta num lugar da freguesia de Barroselas (distrito de Viana do Castelo). O calendário regista também que 6 de Janeiro é o seu dia, supostamente dando ideia do tempo que mediou entre o nascimento de Cristo e a chegada destes visitantes. Na cidade brasileira de Natal, tiveram direito a fixação num monumento. A literatura tradicional da época natalícia não os esquece e Sophia de Melo Breyner Andresen deu-lhes guarida na narrativa “Os três reis do Oriente”, inserida em Contos Exemplares (1962).

domingo, 4 de janeiro de 2009

Professores que (nos) marca(ra)m

D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, 60 anos, é o entrevistado na última edição da revista Tempo Livre (Lisboa: Fundação Inatel, Dezembro.2008, nº 199), em trabalho conduzido por Eugénio Alves. Entre os muitos assuntos abordados, também a educação passou pela conversa. É esse extracto que apresento.
Tempo Livre: Em Agosto passado, e a propósito do início do novo ano escolar, afirmou que ‘o futuro da educação, dentro e fora de Portugal, estará mais do lado dos educadores e dos educandos do que das matérias em si mesmas’…
Manuel Clemente: Todos sabemos isso, graças aos professores que nos marcaram. Claro que as matérias também eram importantes. Mas marcaram-nos porque eram realmente grandes professores. Aquela matéria não era debitada, saía-lhes da vida e do seu próprio pensamento. Isso é que dá a riqueza do ensino. O resto podemos fazer em casa com o computador.
TL: Aí está um tema bem quente na sociedade portuguesa…
MC: O que notamos, até devido a essa mobilidade de pessoas e professores, é que há muito pouca integração comunitária. Se o ensino é basicamente transmissão de cultura intergeracional isso exige alguma estabilidade de agentes e profissionais. É um problema muito complicado.
TL: Os professores sentem-se muito maltratados…
MC: Se eles se queixam, alguma razão hão-de ter. E não se trata apenas destas questões correntes. Mas também se queixam de outras coisas que têm a ver precisamente com esse diálogo intergeracional ou falta dele. Sei de vários colegas que assim que puderam reformar-se não hesitaram, antes de mais porque estavam fartos, sentiam-se desgastados.

E havia esperanças de que fosse de outra maneira?

Escola: mais do mesmo
No início de 2009, nada de novo ou estimulante existe na escola portuguesa. Terminou o ano com mais do mesmo: falta de entendimento entre professores e Ministério da Educação (ME), alunos sem participação activa no quotidiano escolar, pais desinteressados da escola e só raramente integrados em associações de encarregados de educação. Uma iniciativa correcta do ME - a atribuição do Prémio ao melhor Professor do ano - não suscitou qualquer interesse na opinião publicada ou pública, arriscando tornar-se em mais uma operação rotineira sem qualquer impacte na vida da escola.
Os acontecimentos de uma escola do Porto, em que um aluno apontou um revólver de plástico a uma professora, foram de imediato desvalorizados por dirigentes do ME e classificados de "brincadeira de mau gosto". Parece que o facto de ser uma arma a brincar tranquilizou a tutela, na linha de outras declarações oficiais em que a indisciplina é sempre vista separada da violência e como tal considerada de menor importância. O risco é evidente: se não valorizarmos o pequeno incidente de indisciplina, se não respondermos de imediato com medidas correctivas de responsabilização, a desordem cresce dia após dia. Sabe-se hoje que a degradação do clima na escola progride por estádios, desde a recusa de regras na turma e pouco trabalho, até actos graves de delinquência (agressão a professores, destruição de material escolar), com etapas intermédias de pequenos delitos, comportamentos provocatórios e desafios à autoridade que denunciam uma violência latente. Ora a pistola de plástico insere-se num estádio intermédio de provocação que prenuncia momentos em que as regras podem passar a ser a dos grupos violentos e intimidatórios, em vez de serem construídas na sala de aula, a partir de um regulamento da escola organizado com a participação de todos.
O ME deveria criar as condições mínimas de funcionamento das salas de aula, dando aos professores força para combater a indisciplina, através da co-responsabilização de docentes, alunos e pais. Para isso o professor, amparado nas estruturas da escola (com particular realce para o Conselho de Turma), deveria ter poder para, de imediato, conseguir actuar no controlo disciplinar. Se o comportamento causador de perturbação for cedo diagnosticado, a medida correctora impõe-se com coerência e será apoiada pela maioria dos alunos e seus pais.
Concretizando: se a escola trabalhar o mais possível com a família, se os professores formarem um grupo coeso - a partir de acções de formação dirigidas à prática pedagógica com turmas heterogéneas e na consequência do trabalho no Conselho de Turma - se os alunos forem ouvidos com respeito sobre o funcionamento desejável na sala de aula, se o comportamento mínimo de indisciplina for logo detectado e respondido com medidas definidas previamente para aquele comportamento, o clima escolar poderá melhorar. Se, pelo contrário, tudo for remetido para o burocrático e aborrecido "Estatuto do Aluno" ou para o Ministério Público (não se vislumbra, até agora, qualquer sucesso na prometida e muito propagandeada acção desta estrutura), nada poderá melhorar.
Noutra perspectiva, interessa sempre a história relacional do incidente. Não é por acaso que aquela turma e aquele aluno escolheram o momento: todo o comportamento indisciplinado tem atrás de si a construção/destruição de uma relação pedagógica, só possível de compreender através de uma análise detalhada do que se passou com os diversos intervenientes. Por que razão as coisas correm mais ou menos bem com uns docentes e decorrem em catástrofe com outros? Por que motivo alguns professores sinalizam certos alunos como problemáticos em termos disciplinares e outros não concordam? Pela razão de que os mestres com sucesso ganharam tempo, no início do ano, a construir uma relação de respeito recíproco com os seus alunos.
Em derradeira análise, o episódio da pistola de plástico é mais um exemplo de como este ME se concentrou no acessório: enquanto se discutem grelhas de avaliação tornadas cada vez menos exigentes pela pressão dos protestos, os professores são deixados sozinhos e sem meios perante a indisciplina crescente.
Ficará para a história da educação em Portugal esta oportunidade desperdiçada e este arrastar da degradação até... às próximas eleições.
Daniel Sampaio. "Escola. mais do mesmo". Público (“Pública”): 04.01.2009

sábado, 3 de janeiro de 2009

Intervalo (11)

Crise em 2009
Mulher (entrando na peixaria): Bom dia, sr. Manel ! Tem jaquinzinhos?
Manel: Tenho sim, minha senhora!
Mulher: Dê-me então duas postinhas do meio, por favor!!!
(Acabada de receber, enviada por uma amiga)

Afinal, havia mais gente a querer dizer o que o Presidente disse...

«(...) Quem ler a reacção do porta-voz do PS, Vitalino Canas, à mensagem de Ano Novo do Presidente da República fica com a certeza de que com um pouco de rins todos os textos podem ser lidos ao sabor das conveniências. "Foi um discurso importante e realista, que fala dos tempos difíceis que aí vêm, mas também cria confiança. Existe, por isso, uma grande convergência entre o discurso do Presidente da República e o do Governo", afirmou o dirigente socialista. Convergência, quando Cavaco Silva denuncia "vulnerabilidades sérias" na economia portuguesa, enquanto dias antes José Sócrates se esforçara por garantir que o Governo está agora em condições de "responder melhor às dificuldades económicas que nos chegam"? Convergência, quando o Presidente reclama "uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos", dando suporte aos avisos que chegam via PSD ou de outros sectores da vida pública? Convergência quando (...) o discurso presidencial refere por diversas vezes a necessidade de "falar verdade" sobre a crise?
Apesar do uso ponderado de palavras ou expressões para não alimentar conflitos com o Governo, o discurso de Cavaco Silva trouxe a exigência da verdade para o centro de gravidade da vida política, lembrando que a verdade é uma condição imprescindível para "para a existência de um clima de confiança entre os cidadãos e os governantes". Ou, por outras palavras, "não é com ilusões que os portugueses podem ser mobilizados para enfrentar as exigências que o futuro lhes coloca". Com este argumento, Cavaco cola-se claramente às denúncias que a oposição em bloco, e principalmente o PSD, têm feito em relação ao que consideram ser a "propaganda" do Governo. E desvaloriza os recursos de que José Sócrates diz dispor para "ajudar as famílias, os trabalhadores e as empresas a superarem as dificuldades". (...)
O que o Presidente disse é que o país não pode continuar a viver a normalidade displicente dos últimos anos. Se as crises não surgem nem se sentem de um dia para o outro, estão à nossa frente todos os sinais de que desta vez os seus efeitos vão ser duros e que, pelo menos, todos sentiremos os efeitos do agravamento do desemprego ou da exclusão social. Por muito que o Governo nos tente tranquilizar com a folga orçamental - que é verdadeira -, saibamos também pela voz do Presidente que a vulnerabilidade do país impõe a recuperação de níveis de endividamento aceitáveis para a nossa realidade. Convergência nos discursos? Só se for nos apelos à energia e coragem dos portugueses para lidar com a dureza dos tempos que se anunciam. Apelos que fazem falta, desde que não nos levem a acreditar que, com a mão do Governo e uma boa dose de improviso, a crise será uma miragem. Falar verdade é responder a esta crença com um rotundo não.»
Manuel Carvalho. "Falar verdade". Público: 03.01.2009