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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O lobo de Gubbio contado por Bruckberger

Levei-lhes O Lobo Milagreiro, de Raymond Léopold Bruckberger (1907-1998), para lhes ler na aula, que isto de incentivar à leitura também exige que se lhes leia. Imaginei que a narrativa poderia ser um pouco extensa e, em consequência, desmotivá-los. Imaginei ainda que o facto de correr em torno de um eixo constituído por uma figura da Igreja poderia não captar o interesse até final. Bem sei que, para ultrapassar isto, lhes contei alguns pormenores sobre S. Francisco de Assis e a sua designação como padroeiro dos ecologistas; bem sei que, com igual intenção, lhes falei de histórias de animais. Mas…
Certo é que aqueles alunos de 8º ano ficaram presos ao fio da história. E, como não foi possível concluir a leitura da narrativa no tempo de uma aula, quiseram que fosse continuada na seguinte.
Pedi-lhes, depois, comentários. Gostaram. E até notaram que esta história deveria ser conhecida pelos homens, porque fala deles, porque fala de coisas que fazem falta à sociedade. Só depois, para mostrar que as suas observações eram bem realistas, lhes li a justificação que o monge dominicano francês escreveu para esta história: “Muitas vezes me tem sido perguntado em que circunstâncias escrevi a história do lobo de Gubbio. Foi no fim da Guerra depois da libertação de Paris. Sentia-me farto da guerra, das suas derrotas e vitórias, farto de andar no mundo, fatigado da covardia dos homens, da vaidade das mulheres e das mentiras de todos, farto e desiludido de mim próprio. Voltei-me para os santos e, entre todos, para Francisco de Assis, o Pobre que a mãos cheias dá a alegria. (…) Também muitas vezes me têm perguntado qual o significado desta parábola. Ora! Cada qual que se deixe levar pela narrativa, que medite nela no fundo do seu coração, e os significados brotarão para ele como um campo de flores. (…) Não posso crer que o lobo de Gubbio não esteja no Paraíso, e quando lá nos encontrarmos com ele é em francês que havemos de falar-lhe. Era de resto a língua predilecta do seu Mestre.”
A história contada pelo padre Bruckberger retoma aqueloutra que é contada nas Fioretti, em que Francisco de Assis estabeleceu a paz entre um lobo e a população de Gubbio. A edição utilizada (Col. “1001 Livros”. Lisboa: Lisboa Editora, 2007), com orientação de leitura, tem tradução de Jorge de Sena.
Sublinhados
* “As mães, mesmo as menos ternas, têm um instinto infalível para conhecer os filhos.”
* “Como o poder, como o próprio heroísmo, a beleza tem a sua fatalidade própria, que empareda os seres dela privilegiados numa intransponível solidão.”
* “A alegria de um povo é um espectáculo tão formidável como um incêndio de floresta ou uma inundação.”
* “Nunca são os que ganham as batalhas que celebram as vitórias.”
* “A decadência de um ser nunca é súbita. É preparada de longa data por múltiplos abandonos.”
* “Uma conversão não acaba coisa alguma. Pelo contrário com ela começa tudo, o mais difícil e o mais belo.”

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto VII

* “As circunstâncias insólitas ocorrem por vezes apenas para interromper a redundância dos dias: o destino não é maldoso: aborrece-se; quer ser criativo, inventa.” (est. 2)
* “São importantes as teorias, mas convém não esquecer os sentimentos.” (est. 7)
* “É a História de um país que dá a intensidade da ligação da árvore à terra. E cada país é uma árvore.” (est. 17)
* “O mundo não é claro e depois escuro, o mundo, cada pedaço dele, é claro e escuro.” (est. 21)
* “Do início da Europa ao fim do mundo o mundo é igual: ambíguo como tudo o que enoja e atrai.” (est. 32)
* “O consumo, por mais que o repitam, não é invenção do capitalismo: os deuses formaram homens incompletos, com estômago, frio e vaidade, como queriam outro resultado?” (est. 41)
* “Entre a ética de um santo e de um canalha, as diferenças são mais de direccionamento da habilidade.” (est. 45)
* “O que enoja varia menos, ao longo do universo, do que aquilo que entusiasma.” (est. 47)
* “A arte que repete o mundo e a realidade, que os copia como um principiante com a língua de fora a desenhar no papel a cadeira que está à sua frente, essa arte é errada, imbecil, inútil, decadente, miserável, mesquinha, vazia, estúpida, e fica bem nos catálogos.” (est. 55)
* “Os números não são compatíveis com melancolias, qualquer número a nível do coração é zero.” (est. 62)
* “Entre dois dias grandes há dias pequenos, e nesses dias individuais secretos reside a outra metade de um ser vivo.” (est. 66)
* “Um homem é as dez palavras fundamentais que usa, os três amigos que tem e as cinco acções mais importantes que fez.” (est. 67)
* “Uma casa pequena é uma casa essencial. O que não cabe numa casa pequena não é indispensável para a alegria, e o que não é indispensável para a alegria é dispensável.” (est. 73)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.