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terça-feira, 2 de julho de 2013

Máximas em mínimas (99) - "Granta", nº 1


O primeiro número da edição portuguesa da revista Granta saiu em Maio (Dir.: Carlos Vaz Marques. Lisboa: Tinta-da-china), logo na abertura da Feira do Livro de Lisboa. Algumas máximas deste número ficam aqui registadas, por ordem alfabética do tema, que não por outra ordem.

Ajuda – “Uma pessoa que ajuda é alguém que desempenha tarefas fora da sua própria esfera de responsabilidade, por bondade, porque tem coração. A ajuda é perigosa porque existe fora da economia humana: o único pagamento para a ajuda é a gratidão.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Doença – “Adoecer fecha-nos mais sobre nós próprios, tornamo-nos menos capazes de compor as máscaras com que nos escondemos. Talvez, então, ao ficarmos doentes deixemos de ter grande parte da capacidade de mascarar de forma original o facto de sermos todos uma e a mesma coisa. Uma e a mesma coisa disfarçada por um amontoado de memórias diferentes. Cada um de nós com o seu amontoado de memórias e, por isso mesmo, com a sensação de ser único. Parece-nos tanto que somos únicos que nos dói a ideia de podermos ser todos uma e a mesma coisa. Mas a verdade é que não temos como saber se, em vez de indivíduos, não somos apenas uma ilusão criada por excesso de memórias acumuladas e excesso de composição de personagem. Apenas disfarces de um mesmo mecanismo que uma doença pode, em menos de um piscar de olhos, desmascarar.” (Dulce Maria Cardoso. “Em busca d’eus desconhecidos”).
Ficção – “A ficção – certa ficção – talvez seja a forma mais poderosa de exercitar o pensamento, de acelerar a realidade lenta do quotidiano. Escrita ou lida, a ficção escava-nos por dentro, rasga novos canais para o eu. Desacerta-nos com o que éramos. E tanto faz que sejamos nós a escrever ou a ler.” (Dulce Maria Cardoso. “Em busca d’eus desconhecidos”).
Guerra – “Há certas partes da vida de que não podemos ter presciência – a guerra, por exemplo. O soldado que parte para a guerra pela primeira vez não sabe como se comportará quando for confrontado com o exército inimigo. Não conhece essa parte de si mesmo. É um matador ou um cobarde? Quando confrontado, reagirá, mas não sabe a priori qual será a reacção.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
História – “A vida é um tédio quando não há histórias para ouvir nem nada para ver.” (Orhan Pamuk. “Gente famosa”).
Intolerância – “Há mais de uma maneira de se ser paciente e a intolerância pode ter várias formas.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Lucidez – “Manter-[se] lúcido é o que mais importa perante a estranheza.” (Saul Bellow. “Memórias do filho de um contrabandista”).
Mentira – “Despida, a verdade pode tornar-se vulnerável, desajeitada, chocante. Vestida de mais, transforma-se numa mentira.” (Rachel Cusk. “Rescaldo”).
Música – “Não há nada que crie mais comunhão do que a música. Podemos ter milhares embrulhados na mesma melodia, no mesmo ritmo. A música chega às multidões muito mais rápido do que outra coisa qualquer. Não há discurso que se lhe compare nesse aspecto.” (Afonso Cruz. “Jazz, rosas e andorinhas”).
Sonho – “É sempre além de mim o indescoberto / Porto ao luar com que se o sonho engana.” (Fernando Pessoa. “Sossego enfim”).
Tom – “O tom é uma coisa chata porque não se controla. Controlamos as palavras, a custo, o volume, a custo, mas não o tom. O tom é como os olhos, não engana.” (Ricardo Felner. “Mar negro”).

terça-feira, 24 de abril de 2012

Dina Barco: "Diário de Sara, a Verde"


“Mãe, tens muitos diários cá em casa?”, quis saber Sara, um dia. Pensando nos seus diários da juventude, a mãe confessou que já os destruíra, mas a adolescente logo corrigiu a pontaria – “Não é desses que estou a falar. Quero saber de diários como o de Anne Frank e o outro que andaste a ler!” E a mãe procedeu a rápido inventário do que podia ser encontrado nas estantes lá de casa: Miguel Torga, Sebastião da Gama, José Saramago. Mais tarde, nessa sexta-feira, Sara registaria: “Pelos vistos, a moda dos diários-livros não é coisa recente. Não sei se foi a Anne Frank que começou, embora involuntariamente, coitada, porque duvido que isso a preocupasse enquanto vivia escondida dos nazis. O certo é que, uns anos mais tarde, no meio de outra guerra, a Anne serviu de inspiração à Zlata Filipovic. Depois apareceram a Joana (da Lua), a Sofia (& Cª) e uma tal Bridget Jones (…) Agora há diários para todos os gostos: cruzados, secretos, de bananas, de totós, de vampiros…” E logo veio a decisão da jovem: “Mesmo assim, resolvi experimentar a receita para ver se acabo com as crises financeiras cá de casa. Se os outros escrevem, porque não eu, que até tenho sempre boas notas a Português?”
Está encontrado o pretexto para este Diário de Sara, a Verde, de Dina Barco (Ilustr.: Raquel Barco. Setúbal: ed. Autor, 2011), volume de oitenta páginas, corrido no tempo de um ano escolar, entre o primeiro de Setembro e o 25 de Junho. O género é a forma de escrita diarística juvenil sobre uma história ficcionada e os modelos são vários, como referido acima.
De leitura bastante acessível, transmitindo os sentires de Sara, uma jovem do 6º ano, que vive com a mãe, na cidade do Sado, neste Diário vai a protagonista partilhando com o leitor as preocupações da idade – as amizades, os amores, as zangas, a cumplicidade com a mãe, a escola, o espírito de grupo, a família, as descobertas, a ausência do pai, a identidade…
Por este caminho passam, sobretudo, as aprendizagens e os olhares de uma adolescente atenta à vida – sobre a amizade (“Sabe tão bem fazermos os outros felizes!”), sobre as dificuldades dos outros (ao saber a história de Fábio, desabafa: “deve ser horrível andar a viver daquela maneira, empurrado duns sítios para os outros, sem um único adulto em condições que se preocupe com ele… Como é que eu seria se tivesse uma vida assim?”), sobre os rapazes (“Parece que nem vives neste mundo. Então não sabes que quando os rapazes coram é porque estão apaixonados?”, ensinou-lhe a Inês), sobre o apoio da mãe (“Não ganha muito e portanto também não podemos ter luxos, mas eu não trocava a minha vida por nada! Damo-nos bem, divertimo-nos juntas, fazemos programas interessantes… Ela não sabe, mas é a pessoa que eu mais admiro no mundo.”), sobre os efeitos da paixão (“quando aparecem paixões pelo meio é normal que as amizades se ressintam um pouco”), sobre o primeiro beijo (“depois os lábios dele tocaram os meus e senti uma onda de calor que me deixou literalmente a flutuar”), sobre o sentido das aprendizagens (“já percebi que dentro e fora da escola a vida é assim mesmo, feita de mudanças que nos estão sempre a pôr à prova e a fazer aprender mais qualquer coisa”). E passam também as preocupações sociais (o custo de vida, a solidariedade, a amizade, as cautelas no uso da net, cuidados ambientais), as imagens sadinas (Arrábida, Teatro Animação de Setúbal, Coral Luísa Todi, Coral Infantil de Setúbal, Vitória Futebol Club, Parque Urbano de Albarquel, Museu Oceanográfico, Lapa de Santa Margarida, José Afonso, Casa da Baía), a pedagogia sobre a saúde (alimentação).
Quanto ao cognome “a Verde”, Sara adquiriu-o graças a um projecto que desenvolveu na escola, assumindo uma perspectiva crítica quanto às práticas pouco amigas do ambiente levadas a cabo no meio escolar. A sua forma de afirmação, o seu espírito crítico e a sua convicção granjearam-lhe simpatias e constituíram mesmo um passo determinante para o encontro com o rapaz de quem gostava, assinalando um momento de tal crescimento que, num registo de Junho, a levará a escrever: “Faltam só duas semanas para vermos terminado o ano lectivo mais feliz da minha vida!”
O final do livro é de encontros: apaixonada, Sara consegue reconhecer que a mãe estava perante o mesmo sentimento. E, perante as dúvidas de como poderia ser a sua relação com o namorado da mãe e com a filha dele, a Sara revela-se ainda um outro segredo que lhe traz alegria: o destino das duas jovens já se tinha cruzado, ainda que nenhuma delas o soubesse.
Diário de Sara, a Verde é livro de leitura fácil, que pode suscitar diálogos e momentos de escrita. Não sabe o leitor se Sara deu cumprimento à última promessa que deixou exarada na derradeira página do diário – perante o entusiasmo da descoberta final, que Sara conta já tarde, “cansada e com muito sono”, conclui o texto, dizendo: “Agora vou dormir. Feliz. O resto fica para depois.” Se o “resto” for a continuação do trajecto de Sara, pode ser que, um dia, o leitor se cruze com ele… Não se perderia nada, tanto vale a pena haver retratos de jovens felizes com as suas descobertas!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Urbano Tavares Rodrigues em "Os Meus Livros"

O mais recente livro de Urbano Tavares Rodrigues – Os Terraços de Junho (Publicações Dom Quixote) – constituiu pretexto para entrevista com João Morales na revista Os Meus Livros (nº 99, Junho.2011), em que o escritor fala da sua obra, de algumas memórias que o tempo de 88 anos permite acalentar. Sempre igual a si mesmo, eis algumas respostas:
Fernando Pessoa – «Ah, caramba!... Ele vai ao fundo, fundo, da mentalidade portuguesa. ‘A Tabacaria’, a ‘Ode Marítima’ são textos fantásticos sobre a nossa realidade. Ou o Bernardo Soares, com ‘O Livro do Desassossego’…»
Universidade – «As faculdades estão em grave crise e há a vontade de as tornar em serviços de fornecimento de quadros para empresas, como se só assim pudessem sobreviver. A cultura humanística está em grave crise, em parte pelo Capitalismo neo-liberal que produz subprodutos e lixo literário. A literatura de qualidade sobrevive com dificuldade… mas isso vai mudar! Não vai ficar sempre assim! Até porque tudo isso está em grande crise.»
Ficção – «Fala-se mais verdade através das máscaras. Eu tenho muitas máscaras nos meus romances e nos meus contos. E acho que dessa forma consigo contar melhor a realidade.»
Público – «Não se escreve para o público, mas não se pode esquecê-lo. Assim como a ideia estruturalista de evacuar o escritor da sua obra também era uma parvoíce, o escritor tem de lá estar.»

quarta-feira, 18 de maio de 2011

“Histórias daqui e dali”, de Luis Sepúlveda

Vinte e cinco crónicas compõem o volume Histórias daqui e dali, de Luis Sepúlveda (Porto: Porto Editora, 2010), numa ponte que nos remete para espaços, para os lugares, que se estende entre a América Latina e a Europa, pontos de fixação do próprio cronista.
Em grande parte dos casos, estas crónicas são visitações a tempos passados, num percurso através da memória, insistentemente mostrando a faceta do exilado. Por elas passam convicções, recordações, amigos, experiências, reencontros, histórias de livros, ironias da vida, chamadas de atenção, não esquecendo um pendor crítico sobre formas de viver de hoje.
Por Portugal e pela literatura em português passam também estas crónicas, havendo uma delas que toma o cenário do “Correntes de Escritas” poveiro e o contador de histórias que é o angolano Nelson Saúte.
Estas crónicas caminham sempre no sentido da procura de pontos de apoio, cimentados por referências comuns, independentemente das latitudes, atitude talvez justificada por esta afirmação de identidade – “Nós, os exilados, somos como os lobos, para onde vamos juntamo-nos às alcateias que não são as nossas, mas convivemos, caçamos juntos, e, no entanto, a lua convida a afastar-nos para uivar de solidão.”
Marcadores
Velhos textos - “Quando nos deparamos com velhos textos é como se nos encontrássemos de novo connosco, e estes reencontros são sempre comoventes.”
Exílio - “Todos os exílios duram demasiado tempo e cada experiência é única.”
Viajar - “O direito de viajar ou de permanecer é inerente ao ser humano. O visto para ir ou ficar é um golpe cruel e planificado na liberdade do indivíduo.”
Alfarrabistas - “As lojas de livros usados são pátrias especiais e necessárias.”
Ficção - “A ficção é sempre um prolongamento da realidade.”
Jornalismo - “A precariedade em que caiu o jornalismo faz com que ninguém seja responsável pelo que se escreve, diz, ou emite, salvo raras excepções, e com que sejam poucos os jornais feitos por jornalistas que, com absoluto rigor, assistem ao funeral de uma profissão tão bela quanto necessária.”

sábado, 15 de novembro de 2008

Missão: Salvar a Escola

Corria a Primavera de 1968 quando, na Escola da Rua Três, o jovem professor Benedict, director da escola e fã do movimento “peace and love”, com vestuário, mota e capacete a condizer e com um gabinete psicadélico, chama um colega professor e lhe diz que tem uma ideia para fazer subir as notas dos alunos: acabar com os recreios. O colega ouve-o estupefacto, pois até queria propor que as aulas fossem ao ar livre, e censura-o nesta sua intenção. Mas Benedict responde que tudo aquilo de paz e amor era treta e já tinha passado.
Ao saberem das intenções do director, os alunos e os pais protestam. E uma autoridade chega à escola, despede Benedict e põe no seu lugar o colega a quem tinha sido primeiramente confiada a intenção do fim dos recreios. A partir daqui, houve um ódio intenso por parte do director demitido, que deixou de ser professor e enveredou pela política, chegando a secretário de estado da educação.
Trinta anos volvidos, sem que os dois ex-colegas se reencontrassem, Benedict reaparece secretamente na escola para se vingar do seu sucessor, confessando-lhe que tinha agora um plano muito melhor: acabar com as férias grandes através de um dispositivo laser que alteraria as condições climáticas e que, às escondidas, já tinha instalado num espaço da escola. Era sua intenção chegar a presidente dos estados unidos e queria servir-se desta iniciativa para se projectar – só com a eliminação das férias grandes os alunos americanos passariam a ser os melhores e os resultados do estudo subiriam e daí advir-lhe-iam dividendos políticos.
A tramóia é descoberta por um grupo de alunos que tudo faz para derrotar Benedict, aliando-se mesmo ao director da escola, o tal de quem Benedict-secretário-político-e-futuro-presidente se queria vingar. Como “mau” que era, acabou tendo uma luta tenaz por parte dos alunos e do director e, no final, foi preso.
A história acaba com a vitória da pequenada. Os bonecos ajudam e a música também. É um filme da Walt Disney Pictures, disponível em dvd, que, há dias, ofereceram ao meu filho mais novo e que, ontem, nos divertimos a ver. Missão: salvar as férias é o seu título (Recess: School's Out, no original, de 2001, realizado por Chuck Sheetz). Obviamente, tudo o que se possa pensar sobre o paralelismo entre este filme e o que se está a passar com a educação em Portugal são meras coincidências. A única coisa que podemos admitir é o espírito alegórico, que não profético. A segunda grande diferença reside no facto de o filme ser divertido e entreter toda a família, enquanto o panorama que tem sido vivido na educação em Portugal não diverte nem entretém quem quer que seja…