“Colecção de Clássicos da Literatura Portuguesa contados às Crianças” é um projecto de doze títulos com que o semanário Sol começou a fazer acompanhar a sua edição desde ontem, com a marca editorial da Quasi e ilustrações de André Letria. Os autores escolhidos são Eça de Queirós (Os Maias, A Cidade e as Serras e A Relíquia), Gil Vicente (Auto da Barca do Inferno), Júlio Dinis (A Morgadinha dos Canaviais e Os Fidalgos da Casa Mourisca), Camilo (Amor de Perdição e A Queda de um Anjo), Padre António Vieira (Sermão de Santo António aos Peixes), Fernando Pessoa (O Banqueiro Anarquista) e Almeida Garrett (Frei Luís de Sousa e Viagens na Minha Terra). As adaptações das obras estão a cargo de José Luís Peixoto, António Torrado e Ana Luísa Amaral (para Eça), Rosa Lobato de Faria (para Gil Vicente), Possidónio Cachapa e Francisco José Viegas (para Júlio Dinis), Pedro Teixeira Neves e Albano Martins (para Camilo), Rui Lage (para o Padre António Vieira), Clara Pinto Correia (para Pessoa) e José Jorge Letria e Rui Zink (para Garrett).
O primeiro título saído foi a adaptação de Os Maias, de Eça, por José Luís Peixoto. Logo à partida, fiquei com curiosidade quanto à forma como seria resolvido todo o tempo da história anterior ao aparecimento de Carlos já com a formatura médica e quanto à maneira como sairia a história no caso da relação incestuosa, tendo em conta o destinatário. O início da narrativa recorre ao modelo do “era uma vez”, contado de forma feliz, a cativar o leitor (ou o ouvinte): “Foi há muito tempo. Foi antes de tu nasceres, foi também antes de eu nascer, foi antes de os teus pais nascerem e mesmo antes de os teus avós nascerem. Foi no tempo em que as casas tinham nomes. Nesse Outono distante…” e começa a história com o regresso da família Maia ao Ramalhete. A estratégia seguida no que diz respeito ao destino dos irmãos Carlos e Eduarda minimiza os efeitos, pondo Carlos a partir para Santa Olávia logo que sabe da proximidade familiar entre os dois (que impossibilitaria a continuidade do relacionamento), numa sucessão rápida e sem considerandos. Depois, Ega põe Eduarda ao corrente da descoberta e esta decide "partir para Paris e nunca mais regressar”, enquanto Carlos opta por "partir numa longa viagem, onde visitou grande parte do mundo”. Não tão bem conseguido é o final, graças à mudança brusca do ritmo da história e à quase impossibilidade de ligação das situações – “[Carlos] voltou então a reencontrar amigos e regressou aos lugares onde a sua vida se decidiu, Santa Olávia e Ramalhete. / Desencantado, na rua, junto do seu grande amigo Ega viu um eléctrico. Disseram os dois: / ‘Ainda o apanhamos!’ / E apressaram o passo. (…)”
Se o projecto destas adaptações parece interessante (e, felizmente, em Portugal temos alguma tradição na adaptação de obras literárias clássicas para a juventude), a verdade é que, ao ler esta versão de Os Maias, me lembrei várias vezes do que, há dias, o Público noticiou quanto a um estudo sobre os cuidados que muitas vezes são relativizados no tratamento da língua nas edições destinadas ao público infanto-juvenil: não seria de evitar a cacofonia em “tinha ouvido contar acerca dela e acerca do pai dela”? não seria de haver uma revisão que levasse ao não abuso dos pronomes? não seria recomendável, por vezes (quando a narrativa refere dois acontecimentos do passado, não simultâneos), usar também o pretérito mais-que-perfeito (simples ou composto) em vez de apenas o pretérito perfeito para os dois diferentes momentos? não seria necessário um maior cuidado na utilização de tempos verbais, de forma a não ser alterada a lógica do discurso por uso indiferenciado de tempos verbais diferentes para um mesmo tempo da história [“Castro Gomes chegou do Brasil e foi imediatamente falar com Carlos sobre uma carta anónima que recebeu no Rio de Janeiro. Quando os dois se encontram, Castro Gomes leu-lhe a mesma carta (…).”]?
O projecto é interessante. Os autores têm créditos. Há curiosidade quanto às saídas encontradas para algumas obras na adaptação. As ilustrações dão boa nota do ambiente. Mas, já agora, um pouco mais de cuidado no tratamento da língua também é (era) esperado.
O primeiro título saído foi a adaptação de Os Maias, de Eça, por José Luís Peixoto. Logo à partida, fiquei com curiosidade quanto à forma como seria resolvido todo o tempo da história anterior ao aparecimento de Carlos já com a formatura médica e quanto à maneira como sairia a história no caso da relação incestuosa, tendo em conta o destinatário. O início da narrativa recorre ao modelo do “era uma vez”, contado de forma feliz, a cativar o leitor (ou o ouvinte): “Foi há muito tempo. Foi antes de tu nasceres, foi também antes de eu nascer, foi antes de os teus pais nascerem e mesmo antes de os teus avós nascerem. Foi no tempo em que as casas tinham nomes. Nesse Outono distante…” e começa a história com o regresso da família Maia ao Ramalhete. A estratégia seguida no que diz respeito ao destino dos irmãos Carlos e Eduarda minimiza os efeitos, pondo Carlos a partir para Santa Olávia logo que sabe da proximidade familiar entre os dois (que impossibilitaria a continuidade do relacionamento), numa sucessão rápida e sem considerandos. Depois, Ega põe Eduarda ao corrente da descoberta e esta decide "partir para Paris e nunca mais regressar”, enquanto Carlos opta por "partir numa longa viagem, onde visitou grande parte do mundo”. Não tão bem conseguido é o final, graças à mudança brusca do ritmo da história e à quase impossibilidade de ligação das situações – “[Carlos] voltou então a reencontrar amigos e regressou aos lugares onde a sua vida se decidiu, Santa Olávia e Ramalhete. / Desencantado, na rua, junto do seu grande amigo Ega viu um eléctrico. Disseram os dois: / ‘Ainda o apanhamos!’ / E apressaram o passo. (…)”
Se o projecto destas adaptações parece interessante (e, felizmente, em Portugal temos alguma tradição na adaptação de obras literárias clássicas para a juventude), a verdade é que, ao ler esta versão de Os Maias, me lembrei várias vezes do que, há dias, o Público noticiou quanto a um estudo sobre os cuidados que muitas vezes são relativizados no tratamento da língua nas edições destinadas ao público infanto-juvenil: não seria de evitar a cacofonia em “tinha ouvido contar acerca dela e acerca do pai dela”? não seria de haver uma revisão que levasse ao não abuso dos pronomes? não seria recomendável, por vezes (quando a narrativa refere dois acontecimentos do passado, não simultâneos), usar também o pretérito mais-que-perfeito (simples ou composto) em vez de apenas o pretérito perfeito para os dois diferentes momentos? não seria necessário um maior cuidado na utilização de tempos verbais, de forma a não ser alterada a lógica do discurso por uso indiferenciado de tempos verbais diferentes para um mesmo tempo da história [“Castro Gomes chegou do Brasil e foi imediatamente falar com Carlos sobre uma carta anónima que recebeu no Rio de Janeiro. Quando os dois se encontram, Castro Gomes leu-lhe a mesma carta (…).”]?
O projecto é interessante. Os autores têm créditos. Há curiosidade quanto às saídas encontradas para algumas obras na adaptação. As ilustrações dão boa nota do ambiente. Mas, já agora, um pouco mais de cuidado no tratamento da língua também é (era) esperado.
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