terça-feira, 27 de abril de 2010

Provas de Recuperação para que vos quis?

"As provas de recuperação, impostas pelo Estatuto do Aluno ainda em vigor, acabaram por ser um incentivo para os estudantes darem ainda mais faltas. A constatação é feita pelo Governo no preâmbulo da proposta de lei que altera o estatuto."
A notícia é do Público. Só vale por o erro ser admitido no texto normativo. Desde a sua criação, este tipo de provas serviu para o que o Governo agora verificou. A burocracia demora a ver... e, segundo o Público, este regime trouxe "para os professores uma sobrecarga de trabalho, sem que se vislumbre um impacto desse esforço na melhoria das aprendizagens e no sucesso escolar dos alunos". Outra evidência há muito esperada! Era preciso sobrecarregar os professores com trabalho, com papel, com coisas, coisas, coisas... enquanto a pedagogia esvoaçava ganhando distância e a imagem da Escola e dos professores era o que era...

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril: Portugal como "razão de esperança", diz Presidente da República

Do discurso do Presidente da República Cavaco Silva, pronunciado na Assembleia da República hoje:
SALGUEIRO MAIA – “(…) Como o retratou Sophia de Mello Breyner, Salgueiro Maia foi 'aquele que deu tudo e não pediu a paga'. Um exemplo notável para muitos Portugueses dos nossos dias, que tantas vezes cedem às seduções vazias e efémeras da sociedade de consumo e outras tantas vezes medem o valor dos homens pelo dinheiro ou pelos bens que ostentam. (…)”
36 ANOS SOBRE O 25 DE ABRIL – “(…) Neste dia, devemos ter presente um facto muito singelo: em 2010 completam 36 anos aqueles que nasceram em 1974. São mais de três milhões os Portugueses que não possuem qualquer recordação do que foi o 25 de Abril de 1974 porque, pura e simplesmente, não tinham nascido na altura. Vêem a democracia como um dado adquirido. (…)”
MEMÓRIA – “(…) Temos, pois, um dever de memória para com aqueles que nasceram já depois de 1974. Devemos ensinar-lhes o que custou conquistar a liberdade e que a defesa da liberdade deve ser um princípio de acção para os agentes políticos e para todos os cidadãos. (…)”
DESIGUALDADES - “(…) A sociedade portuguesa é hoje mais justa do que aquela que existia há 36 anos. No entanto, persistem desigualdades sociais e, sobretudo, situações de pobreza e de exclusão que são indignas da memória dos que fizeram a revolução de Abril. A sensação de injustiça é tanto maior quanto, ao lado de situações de privação e de grandes dificuldades, deparamos quase todos os dias com casos de riqueza imerecida que nos chocam. Na minha mensagem, no primeiro dia do ano de 2008, disse: “sem pôr em causa o princípio da valorização do mérito e da necessidade de captar os melhores talentos, interrogo-me sobre se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão, muitas vezes, injustificados e desproporcionados, face aos salários médios dos seus trabalhadores”. Embora este meu alerta não tenha então sido bem acolhido por alguns, não me surpreende que agora sejam muitos os que se mostram indignados face aos salários, compensações e prémios que, segundo a comunicação social, são concedidos a gestores de empresas que beneficiam de situações vantajosas no mercado interno. (…)”
DÚVIDAS – “(…) Deixámos o império, abraçámos a democracia, escolhemos a Europa, alcançámos a moeda única, o Euro. Mas duvidamos de nós próprios. Os Portugueses perguntam-se todos os dias: para onde é que estão a conduzir o País? Em nome de quê se fazem todos estes sacrifícios? (…)”
PERIFERIA – “(…) No mundo actual, a periferia está onde mora a ineficiência do Estado, a falta de excelência no ensino, a ausência de conhecimento, de inovação e de criatividade, em suma, a periferia está onde mora o atraso competitivo. (…)”
MAR – “(…) Que justificação pode existir para que um país que dispõe de tão formidável recurso natural, como é o mar, não o explore em todas as suas vertentes, como o fazem os outros países costeiros da Europa? (…) Temos de repensar a nossa relação com o mar. Repensar o modo como exploramos as oportunidades que ele nos oferece. Importa afirmar a ideia de que o mar é um activo económico maior do nosso futuro. Setenta por cento da riqueza gerada no Mundo transita por mar. Devemos pois apostar mais no sector dos transportes marítimos e dos portos. Mas também no desenvolvimento de fontes marinhas de energia, de equipamentos para a exploração subaquática de alta tecnologia, de produtos vivos do mar para a biotecnologia ou das indústrias de equipamento, de reparação e de construção navais. Temos de incentivar a prospecção e exploração da nossa plataforma continental, cujo projecto de levantamento se encontra em apreciação nas Nações Unidas. (…) É essencial que criemos condições e incentivemos os agentes económicos a investir no conjunto dos sectores que ligam economicamente Portugal ao mar. (…) Sem querer transmitir a ideia de que o mar é a panaceia para todos os nossos problemas, entendo que o mar deve tornar-se uma verdadeira prioridade da política nacional. (…)”
PORTO, OUTRO PÓLO – “(…) Além da capital do País, o Porto é uma cidade que dispõe de todas as condições para ser um pólo aglutinador de novas indústrias criativas, ligadas às artes plásticas, à moda, à publicidade, ao design, ao cinema, ao teatro, à música e à dança, mas também à informática, à comunicação e ao digital. Não é de hoje a vitalidade cultural portuense, como não é de hoje a capacidade empreendedora das gentes do Norte. O Porto sempre se orgulhou da sua vida intelectual e esse orgulho é legítimo: das letras às artes plásticas, passando pela arquitectura, aí existe muito do melhor que Portugal fez nas últimas décadas. Uma aposta forte dos poderes públicos, conjugada com a capacidade já demonstrada pela sociedade civil relativamente a projectos culturais de referência, poderão fazer do Porto e do Norte uma grande região criativa, sinónimo de talento, de excelência e de inovação. Aí existe um tecido humano feito de gente activa e dinâmica, um espírito de inovação e de risco, um culto do que é novo e diferente. Há capital humano de excelência, há estabelecimentos de ensino e equipamentos de qualidade. Só falta mobilizar esforços para transformar o Porto e o Norte numa grande região europeia vocacionada para a economia criativa e fazer desse objectivo uma prioridade da agenda política. (…)”
ASSUMIR O PAÍS, ACREDITAR – “(…) É nosso o País. Temos florestas e temos o mar. Temos jovens talentosos que aqui querem viver. Temos cidades e regiões à espera de se afirmarem. É desta matéria-prima que se fazem os sonhos. No dia de hoje, celebramos a esperança dos que acreditaram, sobretudo em si próprios. Sem ilusões nem falsas utopias, devemos acreditar porque temos razões para isso. Há uma razão, acima de todas. Motivo de ser como somos, ela é a nossa maior razão de esperança. Connosco a temos, há muitos séculos, com ela vivemos desde que nascemos. Essa razão de esperança tem um nome: chama-se Portugal.”

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Hans Christian Andersen em Setúbal...


... no Museu do Trabalho Michel Giacometti!

Livro ideal

Livro ideal? Logo que se diz isso, estamos a pensar no impossível, porque sabemos que, entre o possível e o ideal, há sempre aquele caminho que nos aponta a perfeição, que nos ensina a buscar o absoluto e a totalidade, em última instância, que nos leva até deus, seja ele qual ou o que for, ou que nos põe a confraternizar com esse mesmo deus.
As páginas do livro ideal estão escritas, muito escritas, de cada vez que ele está prestes a surgir. E as palavras adquirem formas tais que nos parecem combinações nunca ouvidas, ritmos novos exaltando e jorrando maravilhas, sons cantados por letras que sugerem histórias, que constroem histórias, que organizam poemas, que os fazem bailar em pautas – mais do que em linhas. Por essas páginas passam as verdades fundamentais, como alicerces, escritas com a sensibilidade permanente da tolerância e do apaziguamento, da história do homem e do universo. Passam as descobertas feitas e a fazer, um género de história do mundo e do sentir. Passam as dúvidas e as angústias, a tristeza e a euforia, as mulheres e os homens sem idade, cheios de uma sabedoria universal e em actualização permanente.
Percorrem-se os quilómetros de estantes em busca deste livro ideal – que seria o meu livro, ou livro de uma geração, ou de um tempo, ou de um povo – e, nessa distância de arrumações e ordem, o livro ideal nunca se revela, mas vai deixando pistas. Os nossos olhos são ajudados pela nossa história, pelo que sabemos, e, apesar de descobrirmos que o livro ideal não existe, continuamos a demandar a sua forma, num percurso que salta sempre de um para outro livro, de um para outro autor, de uma para outra biblioteca… Tudo, afinal, passos incessantes dos curiosos que somos em busca da perfeição que sabemos não existir mas que queremos que nos oriente. E cada livro de que vamos gostando ou que vamos escrevendo está cada vez mais próximo desse que será o livro ideal, mas que nunca será escrito.
[no ateliê "Conversas à volta de livros", da Academia dos Saberes, organizada pela Associação dos Idosos de Palmela, hoje.]

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sebastião da Gama no Montijo

Ontem, estive na Escola Secundária Jorge Peixinho, no Montijo, a apresentar a alunos de 7º e 9º anos a sessão "Sebastião da Gama - Meu caminho é por mim fora..." Do que senti, em grande parte devido aos alunos que participaram, testemunho aqui.

terça-feira, 20 de abril de 2010

António Barreto em entrevista

A edição do Jornal i de Sábado trouxe longa entrevista com António Barreto. A ler. Deixo aqui alguns excertos...

CONFIANÇA? «(…) Creio que [o momento actual] é um momento menos feliz, de mais cepticismo, de menor capacidade de investir, no sentido de prever o futuro, de ter optimismo para antecipar o futuro, para criar, construir projectos de vida para si próprio, para os filhos, para os netos. (…) A situação é muito difícil. Há fragilidades muito grandes nas instituições. As pessoas não têm confiança. (…) Nas instituições da Justiça, à cabeça. Reclamam bastante do sistema de Educação, apesar de este se ter alargado bastante. Mas a verdade é que há muitos licenciados e doutorados desempregados, jovens que fizeram o 12º ano e que estão desempregados. E a expectativa das pessoas, foi isso que lhes disseram os governantes nos últimos trinta anos, é que se estudarem arranjam emprego. Mas estas coisas não são imediatas. E as pessoas estudaram e depois não têm o emprego que esperavam. (…)»

DEMAGOGIA E MEIAS VERDADES «(…) A política portuguesa, desde há 30 anos, que é marcada por uma forte demagogia, por meias verdades, meias mentiras, muitas promessas. Nas últimas eleições já se calculava que o défice não era nada 3%, nem 5%, nem 6%. Já deviam saber o que se passava. E até não sei se a oposição não sabia também. O Banco de Portugal, as direcções-gerais e os institutos já sabiam que não era tão famoso como isso e decidiram ocultar. (…) Das duas uma. Ou não sabiam e são absolutamente incompetentes - não é possível, tecnicamente, em trinta dias, passar de 4% ou 5% para 9,4% -, e deviam ir para a rua imediatamente, ou sabiam e mentiram à população. Isto traduz uma parte da atitude demagógica que é tradicional desde há 30 ou 40 anos. A maior parte dos políticos usa muitíssima demagogia, promessas, falsidades, ocultações, enganos. (…)»

ESTADO EXEMPLAR? «(…) O país não dá bons exemplos. O país não poupa. O Estado gasta mais, tem os olhos maiores do que a barriga. O Estado quer fazer um TGV que ninguém pode pagar. O Estado fez auto-estradas como nenhum país da Europa. Há países muitíssimo mais ricos que têm muito menos auto-estradas do que Portugal. O Estado promete tudo e mais alguma coisa. São estes os exemplos que as pessoas recebem do estado. (…)»

MÉRITO «(…) Liquidar o mérito devido ao colectivo é das piores coisas que se pode fazer num país. E o mérito vai desde o electricista, ao soldador, ao gestor financeiro. Recompensar o mérito pelo trabalho bem feito, a tempo e horas, o trabalho honesto e sério, é melhor coisa que se pode fazer a um país. (…)»

PRODUZIR «(…) Portugal esgotou os seus recursos, não há. E durante cinco anos, vai ter que fazer muito mais, muito mais grave, muito mais duro e muito mais austero do que o PEC e do que tudo o que possa surgir. Vai doer muito mais. Porque há necessidade, não há dinheiro, não há produtividade, não há competitividade, não há produção. Produção mesmo, isto é, o que vem do mar, da terra, da indústria, os manufacturados, isso é 35% da nossa balança. O resto é serviços. Portugal não pode sobreviver assim, Portugal não produz. A política de austeridade, o corte de salários vai ser para toda a gente. Isto, por um lado é uma necessidade, desastrada, mas é uma necessidade, e, por outro lado, tem esse efeito, é apanhado pela mesma medida o preguiçoso e o eficaz, o diligente e o malandro, o cumpridor e o baldas. Vão ter exactamente a mesma sorte. (…)»

DOCE VIDA «(…) Há um fenómeno de moda e uma espécie de ideologia infantil. Penso que é moda pensar que a vida é uma coisa harmoniosa, doce de manhã à noite, que não há conflitos, que não há riscos, que não há gestos mais violentos. Não sou afavorável às bofetadas, não dou bofetadas a ninguém, mas sei que isso faz parte da vida. (…) Não é com a ideia de sociedade harmoniosa que se deve modelar a escola de hoje. Nas escolas são dados muitos maus exemplos. (…) O que é uma escola? É um sítio onde as meninas vão a correr e os cavalos a saltar e coisas desse género. Isso é uma estupidez total. É um sítio onde se aprende por prazer? Isso é uma total estupidez. Aprender não é lúdico, é trabalho, é esforço. Se cria uma escola deste género não tenho qualquer tipo de dúvida de que pode resultar em violência. (…)»

DISCUTIR? «(…) A maneira como se fazem discussões políticas no Parlamento é de uma total selvajaria. Os gritos e os berros dos deputados, o argumento mais doce é mentiroso, desonesto, os olhos esbugalhados, as veias a inchar no pescoço. O Muhammad Ali chamava o adversário de todos os nomes, metia-se com a mãe dele, com a mulher, com a filha. Até que um dia lhe perguntaram: “Por que razão insulta os adversários dessa maneira?” E ele, com o ar mais inocente do mundo responde: “Mas acha que posso estar durante 15 rounds a bater em alguém sem o odiar? Primeiro preciso de o odiar e só depois consigo bater-lhe.” Os deputados e os governantes em Portugal parece que têm que se odiar e isso tem um terrível efeito. Colocam o debate político e social nesses termos. Como é que os trabalhadores e os sindicatos falam dos empresários e vice-versa? É num tom parecido. Pode opor-se a alguém sem berrar. Isto quer dizer que as vias institucionais para gerir conflitos não estão rodadas. (…)»

MUDANÇAS «(…) Portugal nunca teve pluralismo religioso a não ser agora, que começa a ter. Mas nunca teve e nunca acho bem tudo o que é anti-plural. Portugal teve muito pouco pluralismo durante anos. Um regime politico, um partido, uma só língua, uma só cor de pele, uma só maneira de viver, de adorar, de amar Deus, um só Deus, uma só Igreja. Quando começa a haver muitas igrejas, muitas crenças, muitas cores de pele, muito feitio de cabelo, as sociedades são mais dinâmicas, mais interessantes, mais vivas, mais confrontacionais. Portugal só agora é que está a começar a ter disso, só agora, há 20 ou 30 anos, é que sai à rua e ouve falar línguas, vê brancos, pretos, amarelos, castanhos, o que é bom para a sociedade. (…)»

ESTADO «(…) A primeira obrigação de um Estado é criar regras para deixar as pessoas viver. Cria regras e depois retira-se. (…) O Estado devia deixar crescer, devia deixar ter ideias. (…)»

PRIMEIRO-MINISTRO «(…) Nas sucessivas crises e casos que ilustram o curriculo do primeiro-ministro nos últimos anos, acho que não se defendeu a tempo e quando se defendeu bem foi tarde demais, criou uma sensação de dúvida e desconforto. (…)»

OPOSIÇÃO «(…) Até há data, atribuo um mérito ao Pedro Passos Coelho, um pouco paralelo ao que atribuo a Sócrates. Ter conseguido ser eleito com uma grande maioria no partido,num partido que é habitado por lacraus, por barões, seja o que for, um termo à vossa escolha. E de repente, alguém consegue uma maioria de 60 e tal por cento dentro do próprio partido. Poderão vir dizer que é uma maioria periclitante, não quero saber nada disso, quero saber que foi feito algo que permite, em teoria, organizar um partido politicamente. Faz-me tanta falta um partido de oposição eficiente, bem organizado, com representatividade, como um governo com maioria absoluta. Um bom partido de oposição influencia o governo, como o governo influencia a oposição. É este jogo que eu quero ver jogado. Não sei se o Pedro Passos Coelho vai conseguir isto. (…)»

FAZER POLÍTICA «(…) A política tem regras próprias e comportamentos próprios. Não gosto da ideia de que os técnicos fazem boa política, da ideia do governo dos técnicos e das competências. Isso é um mito, que tem também muitas décadas, de que “devíamos varrer com os políticos todos e entregar o governo a bons técnicos de finanças e engenharia”. Essas pessoas não sabem fazer política e são desastres absolutos. Gosto é de uma boa mistura entre políticos, que sabem da política, conhecem os seus instrumentos, como se trata o partido, o eleitorado, a Constituição, os adversários, como se trata com os patrões e os sindicatos, mas que também houvesse gente da ciência, da técnica e da economia real. Um governo apenas com aparelhos do partido também é péssimo. (…)»

(IN)DEPENDÊNCIA «(…) Os apoios às presidenciais e às legislativas em Portugal têm o condão de fixar politicamente uma pessoa. Você tem uma opinião positiva sobre a maneira como um presidente ou outro agiu durante um certo tempo, se diz isso e se não o faz com cautela, automaticamente passa a ser um aficionado e ao ser aficionado está contra o outro. O que quer que você hoje diga sobre Cavaco Silva, Manuel Alegre, Fernando Nobre, fica imediatamente marcado, arrumado, vai fazer parte das comissões de honra, mandatários, e durante cinco, quinze ou 20 anos da sua vida, passa a ser um dependente daquele grupo politico. Um homem livre só declara apoios ou simpatias quando lhe apetecer, se lhe apetecer, incluindo não apoiar ninguém. (…) Em Portugal a política é uma forma de dependência e fazer política é aceitar ser dependente. E por isso que é difícil ser-se cidadão. O verdadeiro cidadão não tem dependências, tem liberdade de escolha.

CIDADANIA «(…) [Temos] muito poucos [cidadãos], voltamos sempre ao mesmo. Veja o que se faz no Parlamento. Como é possível que 250 criaturas sigam sempre quatro chefes partidários? E que no dia em que uma criatura decide pensar de outra maneira lhe caiam todos em cima, os jornais, as televisões, as rádios. Desrespeitou, faltou. (…) Aceito que um deputado deva respeito ao seu partido por uma ou duas coisas, se não também não era deputado desse partido: a moção de confiança ao governo, a moção de censura ao governo e o orçamento. (…) A regra de funcionamento do nosso Parlamento para ser um parlamento livre e decente devia ser a da liberdade de voto. Depois, dentro de cada partido haveria contratos. O meu partido quer-te como deputado, muito bem, dou-te tudo o que quiseres mas exijo o teu voto na moção de confiança, censura e Orçamento, porque põe em causa os governos. (…)»

PARTIDOS «(…) Um partido não pode ter um nome religioso, não pode ser de um só distrito, tem de cobrir não sei quantos distritos, não pode ser pequenino, não pode ser regional. Tem de se estar inscrito no partido ou nas listas como independente, o que é outra coisa horrenda. Está tudo feito e organizado para impedir a independência e a liberdade. Quando digo que sou favorável a candidaturas independentes, devo dizer que o resultado é desastroso. Um Parlamento só com deputados independentes é totalmente imprevisível. Não há racionalidade partidária, e os governos ficam lá um quarto de hora. (…) Vai-se para o Parlamento como se vai para o Bairro Alto. Ora bem, eu quero partidos políticos, que são uma maneira de organizar o pensamento e a acção, de ter programas, estratégias, racionalidade. Simplesmente não é obrigatório que um partido seja feito com servos. (…) Já ouvi dezenas de deputados a dizerem “pá, tive de votar por causa do partido!” Fico furioso, como é que é possível? Eles são servos, gostam de ser servos, sabem que são servos, e aceitam ser servos. Com estes exemplos, como é que quer ter cidadãos livres e independentes? E cidadãos que não têm medo e não têm receio? (…)»

SEXO E IGREJA «(…) É muito desconfortável a tentativa de encobrimento por parte da Igreja. Foi com satisfação que ouvi bispos, portugueses e não só, dizerem publicamente: o que é crime é crime e tem de ser julgado publicamente, além de ser tratado em tribunais canónicos. (…) O universo do sexo e das aventuras sexuais tem dado muito resultado, portanto, denuncia-se tudo, parece que o fenómeno da Igreja veio atrás. Mas há qualquer coisa mais incómoda quando se fala da Igreja porque a Igreja ou os sacerdotes defendem certos valores? (…)»

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Setúbal tem 150 anos de cidade

Cartaz do 150º aniversário da elevação de Setúbal a cidade, concebido sobre pormenor de desenho de Nogueira da Silva alusivo à recepção que Setúbal fez a D. Pedro V em 1860, ano em que Setúbal obteve esse estatuto. O desenho original foi publicado no Archivo Pittoresco (vol. 3, 1860, nº 38).

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quando Sebastião da Gama escreveu na imprensa…

"Portugal nas Trincheiras", uma exposição a ver (em nome da memória)


“Portugal nas Trincheiras” é o título de exposição patente nos Museus da Politécnica (Lisboa) até 23 de Abril, organizada pelo Museu da Presidência da República. Subintitulada como “a I Guerra da República”, a participação portuguesa no conflito mundial de 1914-1918 bem merece uma visita, seja por razões de contacto com a história e com a memória, seja por uma questão de identidade.
Esta exposição devia estender-se a outros sítios de Portugal. Na verdade, ela poderia dar vida e ajudar a justificar os monumentos que os nossos antepassados ergueram pelo país em memória dos homens que partiram rumo a África e à Flandres, num reavivar da História, uma vez que os quase cem anos que nos separam desse conflito, a passagem por outras histórias e alguma traição da memória nos têm levado a esquecer o que foi a saga portuguesa na Primeira Grande Guerra.
Nesta exposição “Portugal nas Trincheiras”, os núcleos temáticos são diversos – desde a contextualização dos acontecimentos até à forma como Portugal entrou na guerra, com chamadas de atenção para o quotidiano das trincheiras e para a batalha de La Lys, obviamente, mas também passando pelos Serviços de Saúde, pelo papel das mulheres, pelo estatuto dos capelães (com destaque para o caso de D. José do Patrocínio Dias, o chamado “bispo-soldado”), pelas ligações estabelecidas entre os portugueses e os naturais da região em que o CEP interveio, pelas dificuldades encontradas pelos portugueses para regressarem a Portugal, pelos políticos lusos envolvidos nas decisões da guerra, pela memória.
O visitante vê fotos (testemunho trazido pela objectiva de Arnaldo Garcez, sobretudo), desenhos (devidos a Sousa Lopes e a Carlos Carneiro, por exemplo), objectos, armas, utensílios, manuscritos, alguns livros... e sente o que foi o esforço da nossa participação.
Creio que teria valido a pena mostrar mais exemplares de escrita memorialística da nossa entrada na Grande Guerra (reduzir esses escritos a Jaime Cortesão, Pina de Morais, André Brun e Augusto Casimiro é pouco, apesar de serem os mais conhecidos e, talvez, os mais importantes). Creio ainda que teria valido a pena a edição de um catálogo a propósito (a exposição é apenas acompanhada por um jornal de quatro páginas que contém os textos introdutórios de cada secção, algumas fotografias e a ficha técnica e o visitante pode ainda adquirir a segunda edição do nº 4 da revista Visão – História, originalmente saída em Fevereiro de 2009, dedicada ao tema “I Guerra Mundial – Portugal nas Trincheiras”).
Ver a nossa passagem pelas trincheiras da Flandres é útil, em nome da História. Mas, sob o signo “A I Guerra da República”, também poderia ter cabido a nossa acção em África aquando da I Grande Guerra. E esse lado da nossa participação não ressalta na exposição.
Apetece destacar o penúltimo parágrafo do jornal da exposição: “Longe das apropriações ideológicas de outros tempos e de preconceitos em assumir o passado, importa reavivar um acontecimento e uma época que fazem parte da nossa memória colectiva. Assim o fazem as outras nações das quais Portugal foi aliado, com as comemorações anuais da Grande Guerra.” Este pode ser um apelo para a lembrança, porque esta fase da nossa História tem sido esquecida, ainda que, de vez em quando, ela seja lembrada (honra seja feita à literatura portuguesa, que, já no século XXI, produziu alguns bons romances históricos, com histórias contextualizadas na nossa participação na Grande Guerra!).
Felizmente, algumas acções se vão vendo por estes tempos! A realização desta exposição pode ser um sinal, claro. Mas, aqui bem perto, a Sesimbra, a memória chegou também: o dia 9 de Abril possibilitou uma conferência sobre o tema, devida a Abílio Lousada, e uma “evocação dos soldados participantes na I Grande Guerra” junto ao monumento ali construído recentemente.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sociedade de violência: a globalização no seu pior

Em Espanha, tem andado em discussão a violência cometida por alguns encarregados de educação sobre professores, sobretudo agora que foi conhecida a decisão da justiça relativamente a uma mãe que, em 2008, em Barcelona, agrediu física e verbalmente a professora da sua filha. Conclusão: dois anos de prisão (que não vai cumprir por não ter antecedentes criminais), uma indemnização à vítima de 8840 euros, uma multa e a proibição de se aproximar a menos de 1000 metros da ofendida. Esta decisão surgiu porque as agressões praticadas foram consideradas atentado à autoridade, coisa que por cá também se tem discutido.
Esta história das agressões a professores e a pessoal da saúde têm razões sociológicas, é certo, baseadas nos direitos do indivíduo que, levados ao limite, questionam as especializações, logo a autoridade. Mas há também o pormenor de cada um reagir às situações das maneiras mais diversas, sendo a violência uma delas. E aí, como escrevia José R. Ubieto, na crónica “Autoridad perdida”, publicada na edição do jornal La Vanguardia (Barcelona: 10.Abril.2010), cabe pensar que se cada um pode reagir como quiser também deve saber que cada um é responsável por essa decisão “y por lo tanto debe responder ante la sociedad y la justicia, si es preciso”.
Já no mesmo jornal, no dia anterior, Francesc-Marc Álvaro assinava o artigo “Pegar al profe sale caro”, título que funciona como advertência e como reflexão. Se, num dado momento, o articulista considera que esta condenação pode significar um avanço positivo “por lo que tiene de serio aviso a los energúmenos que consideran que el maestro o el médico es una suerte de esclavo al que pueden tratar a patadas”, a sua conclusão é mais pessimista, uma vez que a ocorrência destas situações se deve a um “tremendo fracaso social, de una gravedad comparable a los casos de corrupción política que dominan las portadas”. Isto é: para Álvaro, o recurso ao estatuto de “autoridade pública” é também “la certificación de una impotencia y de un naufragio colectivo cuyos efectos sobre el correcto funcionamiento de instituciones clave de la sociedad son devastadores”. E aqui o autor não esconde que, se a escola tem problemas, também é vítima de outros problemas pelos quais não é responsável, remetendo muitas das questões para a família, para aqueles que são “los primeros agentes educativos: los padres”. Álvaro chega mesmo a propor uma catarse, que poderia chegar através de um livro a escrever-se, intitulado La família contra la escuela, verdadeiro confronto para que se percebam muitas atitudes. E este desafio leva o autor a justificar o título da crónica: “Pegar al profe sale caro y es bueno que se sepa. Pero así no curamos la enfermedad social, solo mitigamos uno de sus síntomas molestos.”

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Diário" de Sebastião da Gama editado em Itália

Sobre o Diário de Sebastião da Gama e sobre a recepção que ele tem tido, escreveu um dia Maria de Lourdes Belchior: "Este Diário se tivesse sido escrito em francês ou inglês já teria dado ao seu autor jus a ser conhecido em largos sectores do mundo da educação." (in Resendes Ventura. Papel a mais. Lisboa: Esfera do Caos, 2009, pg. 191).
De facto, a importância dada a esta obra de Sebastião da Gama tem variado ao longo dos tempos, mas mantenho que deveria ser de leitura obrigatória para professores, educadores, pais e políticos (pelo menos, os ligados à área da educação, independentemente do lugar que ocupem na política).
Por cá, isto é, por Portugal, pode haver quem goste mais de citar os pedagogos estrangeiros, dando razão a esse traço que nos caracteriza de imitarmos o que chega de fora, mesmo que o seu grau de qualidade seja inferior ao que se faz por cá... Mas outros nos descobrem, felizmente.
Pois é! Em Itália, na Università degli Studi della Tuscia, em Viterbo, uma edição de excertos do Diário vai ser apresentada publicamente, trabalho preparado por Maria Antonietta-Rossi (Frammenti di "Diario". Viterbo: Sete Città, 2010). Ver mais pormenores aqui.

terça-feira, 6 de abril de 2010

10 de Abril, dia de Sebastião da Gama

Dentro de poucos dias, em 10 de Abril, passará o 86º aniversário do nascimento de Sebastião da Gama, o poeta que transformou o dia em que nasceu num "Pequeno Poema", que cantou a Arrábida, que deixou um Diário como obra pedagógica de referência, que deixou marca na poesia e na cultura portuguesa. A Associação Cultural Sebastião da Gama e a Câmara Municipal de Setúbal têm previstas várias actividades para esse dia. Consulte o programa aqui.

O "Guia de Eventos" sadino melhorado

Ora aí está o Guia de Eventos de Setúbal, editado pela Câmara Municipal sadina, em novo formato, mais apetecível do que o anterior, mais facilmente consultável e mais diversificado.
Este nº 63, respeitante ao mês de Abril, aparece sob o signo da cidade, reproduzindo na capa pormenor de desenho de Nogueira da Silva alusivo à recepção que Setúbal fez a D. Pedro V em 1860, ano em que Setúbal foi elevada a cidade. O desenho original foi publicado no Archivo Pittoresco (vol. 3, 1860, nº 38).
Mas este novo formato do Guia aparece ainda sob outros dois signos: o das celebrações de Sebastião da Gama e do 25 de Abril. Quanto ao primeiro, não falta mesmo o roteiro intitulado “Lugares do Poeta”, sugestão para ser acompanhada pela escrita do Poeta da Arrábida; quanto à segunda efeméride, merece o destaque em “programa especial”, assinalando as ocorrências em todo o concelho.
O novo formato é justificado em “Nota de abertura” com o facto de se pretender “tornar mais atractiva e eficaz uma publicação quase a completar seis anos de existência”.

Reconstruir a partir da educação, pensa Alberoni

"Bons professores e regras morais contra a sociedade liquefeita" é o título de crónica que pode ser lida no "Jornal i", assinada pelo sociólogo Francesco Alberoni, análise que parte de um retrato que é global, que também sentimos em Portugal. Deixo excerto, mas pode ser lido na íntegra aqui:

«(...) Há 50 anos, do encontro entre Dewey, a psicanálise e o vulgar marxismo, nasceu uma pedagogia segundo a qual não devem impor-se regras, mas apenas dar indicações. As crianças não devem decorar a tabuada, poemas, nomes das terras, datas da história, não devem estudar gramática nem análise lógica. Também não devem aceitar a autoridade dos pais e dos professores. Esses pedagogos achavam que, se o indivíduo fosse mais livre para criar, o florescimento cultural seria assombroso. Pelo contrário, gerou-se um vazio que foi preenchido pela cultura mediática.
As crianças não sabem poemas mas conhecem canções, não seguem os mandamentos morais, mas sim "o que dizem os colegas", não conhecem os clássicos, mas sabe o que dizem as personagens televisivas. Na verdade, a pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças teve como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas e privilegiar aqueles que podiam ir para a universidade e para escolas de excelência com professores respeitados e programas rigorosos. É por essa razão que há cada vez mais pessoas a quererem uma escola mais séria, mais rigorosa, com professores preparados e mais respeitados. Mas também começam a perceber que é essencial que existam normas morais básicas interiorizadas, aprendidas até ao fim da infância.(...)»

Alberoni não exagera. No entanto, a escola é um elo frágil contra todo este princípio do facilitismo que nos inundou. E a situação piora um pouco quando lida com pais que, eles próprios, já foram formados nessa onda. Depois, é o apoio ao enfraquecimento do saber, minimizando e desprezando mesmo o caso em que uma professora disse aos alunos para memorizarem um poema ou indagando o porquê de a professora ter mandado os jovens ler um livro por período lectivo...
Recordo-me de, há uns anos, uma mãe ter ido conversar com o professor de Português do seu filho, jovem no 11º ano, para lhe dizer que Os Maias era um livro tão grande, tão grande e lhe perguntar se não haveria outro mais pequeno para o rapaz ler... acabando por confessar que, apesar de tudo, o seu filho ficaria a conhecer o romance de Eça porque, todas as noites, quando se ia deitar, a mãe lhe lia um bocadinho d'Os Maias até o jovem adormecer...
Seria uma interessante anedota esta história se não tivesse a marca de ter sido verdadeira! As consequências destas prodigiosas práticas estão à vista: o jovem não ficou traumatizado com o peso do livro de Eça; a sociedade vai estando traumatizada e basta-lhe o que é nivelado por baixo...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Eduardo Lourenço - entre Portugal e a Europa, pensar o futuro

Na série de entrevistas que visam pensar o futuro, o Público divulgou na sua edição de hoje as palavras de Eduardo Lourenço, trazidas pela conversa com Teresa de Sousa. Reflexão pertinente, que passa pelo sentido da política, pela atracção entre a política e os “media”, pela ideia de Europa, pela crise, pela identidade, pelos valores. Aqui reproduzo algumas partes dessa entrevista, que pode ser lida na íntegra na edição online do jornal.

GOVERNAR PORTUGAL – “Tivemos um governo de inspiração socialista - é, em todo o caso, o que pensa a opinião pública - que governou em maioria até às últimas eleições e que teve uma oposição que não foi capaz de ser um contrapeso suficiente e isso foi mau para o funcionamento do sistema. Mas a verdade é que a nossa história de quase um século, desde a I República e, mesmo, no Constitucionalismo, sempre foi muito difícil. Portugal não é um país fácil de governar... (…) Não podemos estar outra vez em jogos unicamente políticos em função dessa hipertrofia dos partidos, porque sabemos que, no passado, isso nos custou muito caro.”
DEMOCRACIA – “Mas é preciso ter também em conta que a democracia nunca foi uma solução fácil, que caia do céu. A democracia é o mais difícil dos sistemas. Supõe um grau de consciencialização política alto e um consenso em torno do seu próprio jogo. Se não for isso, as pessoas pensam noutras soluções. Foi sempre assim.”
PORTUGUESES E EUROPA – “Os portugueses estão passivamente contentes com os benefícios da Europa. Mas foram sempre assim: é como se isso nos caísse do céu da forma mais natural do mundo. E não há consciência europeia. Há mesmo uma espécie de um discurso de alheamento ou de desinteresse profundo nessa nossa nova maneira de existir. Queremos os benefícios mas não queremos a responsabilidade dessa nossa situação de europeus.”
EUROPA E OS OUTROS – “Cada país europeu tem um tal passado e é tão ele próprio "Europa", cada um diferentemente, que não vê bem o que é que a Europa lhe acrescenta a não ser uma espécie de invólucro abstracto mas que não é vivido enquanto tal. (…) Não há uma paixão europeia, para além de uma minoria. Ainda nos vivemos como província e até - o que sempre me admirou muito - como país periférico. Periférico? Nós, que estivemos no centro do mundo? (…) A Europa funciona para nós assim como uma espécie de guarda-chuva político, que pensa por nós, que age por nós.
EUROPA E FUTURO – “Está sempre mudando mas está parada. Não sabe o que quer nem para onde vai. E essa paralisia suscita reacções de refluxo para aquilo que já se conhece, que é aquilo que nós fomos no passado. Estávamos em nossa casa, mesmo que a casa não fosse brilhante, mas pelo menos mandávamos na nossa casa. Na Europa, recebemos uma espécie de ordens que não são, muitas vezes, explicadas, que se metem em tudo, mas que nos privam, a nós, da nossa acção e de exercermos a nossa qualidade de cidadãos, sempre à espera que as coisas nos apareçam feitas.”
SER EUROPEU – “Por um lado, vejo que a classe jovem é muito mais europeia na prática - viaja, vai para aqui e para ali, não tem fronteiras. Está na Europa, passou a ter as mesmas regalias que tinha a grande burguesia europeia antes dos grandes embates da I e da II Guerras, quando se andava sem passaporte. Somos europeus no sentido empírico e há uma vida europeia, sobretudo para as novas gerações. Respiram as mesmas coisas.”
PORTUGAL – “Não há uma representação simbólica de Portugal à altura da nossa própria História. Quer na ordem interna, quer na ordem externa.”
CRISE – “Estamos confrontados com uma crise provavelmente inédita na História moderna, em que o coração da nossa civilização vive como um vulcão que não domina, que está em permanente erupção. (…) Nesta crise no coração do sistema, cuja essência simbólica era a necessidade de se caminhar para menos Estado, de repente o último salvador é o Estado. E ainda com esta coisa paradoxal: o Estado e os cidadãos desse Estado terem de vir em auxílio dos ricos. Os pobres virem salvar os ricos, nunca se viu na história ocidental. (…) Esse sistema só não capotou de maneira mais radical do que em 29 porque foi salvo, não só pelos mais pobres, mas pelos novos países que emergiram e que puderam garantir que o sistema continuasse a funcionar, que nem sequer fizesse o seu mea culpa, e que mesmo os sujeitos que estão na origem desse gangsterismo histórico-político continuem, na sua impunidade, a funcionar mais ou menos na mesma.
MEDIATIZAÇÃO E SOCIEDADE – “Na televisão, os programas existem para justificar os minutos de publicidade. Isto é a perversão total. O sistema inteiro vive em função dessa mediatização e dessa publicidade. Tudo lhe é subordinado. A política transformou-se numa espécie de máquina lúdica sem outra finalidade que não seja essa espécie de jogo de brincadeira hiper-séria. Veja que já não é no Parlamento que se faz a política. É na televisão. E não são pessoas legitimadas para ter esse tipo de discurso de efeitos políticos. É gente que tem um privilégio de que nem sequer se dá conta: têm uma espécie de pelouros e funcionam como os verdadeiros detentores do poder de opinião. Não sei onde é que isso vai levar mas é uma perversão. Quem não tiver expressão mediática não existe.
ALEXANDRE HERCULANO – “O Alexandre Herculano é quem é mas era um desgraçado no Parlamento, não tinha esse talento oratório... Era, aliás, por isso que admirava tanto o seu colega mais velho e brilhante, Almeida Garrett, que era um actor. Ele podia ser conselheiro de reis mas não podia ser um actor. Quantos "Alexandres Herculanos" não existem neste país? O melhor deste país são os "Alexandres Herculanos" que andam por aí. Não estão na política. Hoje nem sequer os querem como conselheiros do rei.”
IMIGRAÇÃO – “A Europa é curiosa. Com todo o desencanto que esta construção está a produzir, a Europa ainda está a funcionar como os Estados Unidos dos pobres deste mundo. Se a África inteira pudesse, vinha para cá. Vêm do Paquistão. Vêm de toda a parte, numa coisa que nunca existiu antes. Nós é que íamos lá. Vêm de muito longe, ficam ali em Calais à espera de passar para a Inglaterra, que é a América europeia. E Portugal é agora um país que também recebe - de toda a parte, da Ucrânia ou do Brasil. É a primeira vez que o Brasil imigra para cá...”
EUROPA E PAÍSES – “A política é uma guerra, é a mais cruel das guerras. E a Europa não é ninguém como actor político no sentido próprio e forte. Qualquer nação grande da Europa é maior que a Europa como actor político. A Alemanha é muito mais importante e a França é igual. A Europa não tem representação. Não tem número de telefone e os americanos são muito realistas e pragmáticos. Para eles, conta o que é eficaz. A Europa lá vai, muito puxada, lá os acompanha nessas aventuras na Ásia. Obrigada de algum modo, como os aliados de Roma eram obrigados a segui-la. Mas a Europa não consegue ser a Grécia dos EUA. É um museu e não pode ser um museu. (…) Estou admirado que a Europa prescinda de uma relação muito especial com a Rússia. Admitimos a perspectiva de que a Turquia entre na UE, e a mim parece-me inevitável que ela entre... Então ela entra e não entra a pátria de Tolstoi e de Dostoievski? A Rússia pertence-nos. A Alemanha podia jogar esse jogo sozinha... (…) No fundo, o único país que seria capaz de fazer outra vez desta Europa um actor a sério é a Inglaterra. Ela teve a visão do globo. Foi o único império moderno que realmente existiu. Para mim, a grande desilusão foi o papel da França. Não consegue dar a volta... A França foi o paradigma de tanta coisa. Foi uma espécie de Europa antes da Europa. Isso desapareceu em 50 anos. Perdeu-se o privilégio da língua que era a língua das elites. Perderam em Waterloo e perderam sobretudo em 1940. Têm elites fantásticas mas não têm nenhuma ambição. Como nós, não sabem o que hão-de fazer. É por isso que uma parte da Europa, se tiver de escolher, escolhe a América. Se houver aqui uma ameaça a sério, escolhe a América.”
GUERRA - “O mundo vive em guerra, sempre viveu, e a que hoje vivemos é uma guerra mais subtil e mais extraordinária, que é a guerra do poder mental, científico, tecnológico. Essa nunca pára, não tem noite nem tem dia. E os americanos pensam nela, nos seus think-tanks, 24 horas por dia.”

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Amorosa: um lugar com 100 anos

O livro Lugar da Amorosa (1911-1952-2008) – Ontem e hoje, de Maria Alberta dos Prazeres Gomes (Póvoa de Varzim: ed. Autor, 2009), é uma incursão na história das pessoas da Amorosa (freguesia de Chafé), sobretudo no seu núcleo autóctone, responsável pela manutenção e povoamento do lugar desde que, em 1911, o casal castelense Francisco Arezes Novo e Maria da Silva Vieira, vivendo da agricultura e da pesca, ali deitaram raízes.

Este estudo é, fundamentalmente, um repositório de memórias e de referências, por onde passa também a história da ligação (e dos afectos) da autora e da sua família ao próprio local. De facto, não é por acaso que o livro surge; é sobretudo por um acto de amor – ao lugar e às pessoas, é certo; mas também a José Teiga Mano (1917-2005), marido da autora, que teve responsabilidades na edificação urbana do lugar a partir da década de 50.

Assim, este livro aparece ao leitor como uma prova de dedicação a um local de adopção, com uma história construída graças aos testemunhos da população local, à experiência e vivência da autora e às poucas fontes que ainda podem constituir o acervo documental da Amorosa.

Pelos olhos do leitor passa ainda uma viagem no tempo, que assiste à evolução do núcleo populacional, desde sítio quase incógnito até ser dormitório de Viana do Castelo, ali a meia dúzia de quilómetros, passando naturalmente pela categoria de local de segundas residências ou de férias.

É por isso que este livro é também uma reflexão da autora sobre a identidade do local e sobre as alterações (ou sobre as eventuais ameaças) a essa mesma identidade. Simultaneamente, fica um desafio aos leitores, que pode ser partilhado por quem já viveu a Amorosa ou por quem lá queira rumar: “Quem admira hoje a Amorosa? Todos os que a viram. Todos os que nela viveram, pelo menos uma manhã, uma tarde ou uma noite.”

A mim, leitor que experimentei a Amorosa na infância, que lhe acariciei as águas e em cuja areia sonhei, que respirei o cheiro do seu sargaço e me deixei envolver pela cantilena do mar e pela companhia das rochas… este livro devolveu-me também um pouco da minha história. E um melhor entendimento da razão que me leva a visitar a Amorosa de cada vez que rumo a norte, independentemente da época do ano!

Violência escolar: o distrito de Setúbal em 3º lugar

O Setubalense: 02.Abril.2010

Hoje é o Dia Internacional do Livro Infantil...

... em homenagem a Hans Christian Andersen, nascido em Odense neste dia do ano de 1805, uns poucos de meses antes de, ainda no mesmo ano, ter morrido o maior poeta das margens do Sado, Bocage.
Quando em 1866 Andersen visitou Portugal, também Setúbal calhou no roteiro, uma vez que a família O'Neill, anfitriã do dinamarquês, também por aqui tinha poiso. E foi na Quinta dos Bonecos, em Setúbal, que Andersen se inspirou para um dos seus contos, "O sapo", um texto que começa assim:
"O poço era fundo, por isso a corda era comprida. A roldana rodava com dificuldade, quando se puxava o balde com água para a borda do poço. O sol nunca conseguia descer para espelhar-se na água, por muito clara que fosse, mas até onde conseguia brilhar, crescia a erva entre as pedras. Aí vivia uma família da raça dos sapos que imigrara e que propriamente viera de cabeça para baixo, com a velha sapa-mãe ainda viva. As rãs verdes, que há muito tempo aqui estavam instaladas e nadavam na água, reconheceram-nos como primos e chamaram-lhes 'hóspedes do poço'. Estes traziam bem o propósito de aí ficar. (...)"
E, um dia, um sapo resolveu viajar até ao exterior do poço para ver mundo e aprender vida. E, a acompanhar a peregrinação do sapo, o narrador vai ensinando ao leitor algumas verdades na vida aprendidas. Como esta: "Não há nada mais belo do que aquilo que é de nós próprios.". Ou esta: "Não temos olhos ainda para ver dentro de toda a magnificência que Deus criou, mas temo-los, e isso vem a ser o conto mais belo, pois nós próprios lá estamos!"

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O 1º de Abril, as mentiras e o calendário

Século Ilustrado: nº 484, 12.Abril.1947, pg. 25