segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mia Couto, "Pensageiro frequente"

São 26 crónicas de Mia Couto que tiveram já um primeiro aparecimento na revista Índico, das Linhas Aéreas de Moçambique, e agora dão corpo a Pensageiro frequente (Alfragide: Editorial Caminho, 2010), datando a mais antiga de Janeiro de 1999 (“Zambezeando”) e sendo a mais recente de Maio deste ano (“Fintado por um verso”, texto que abre o livro).
Em “Nota Introdutória”, Mia Couto não esconde o propósito que esta sua colaboração na revista teve: “fazer com que o meu país voasse pelos dedos do viajante, numa visita às múltiplas identidades que coexistem numa única nação”. Esta apresentação acaba por sintetizar alguns pontos comuns às crónicas ora reunidas em livro – a viagem pelas várias facetas de uma identidade, a mística dos lugares e das gentes, a poesia dos sítios, a partilha do mundo com a natureza, tópicos que resultam dessa viagem que o pensamento assume e de uma leitura do mundo também perfilhada pelo olhar do biólogo que Mia Couto é.
O leitor voa nestas crónicas contemplando e descobrindo segredos da paisagem, do reino animal, do mundo, da história e da vida, desvendando um país, encontrando-se com marcas de identidade(s) do outro e de si. São crónicas felizes estas, em que o cronista usa a palavra para a sua vocação de viajeiro e partilha as suas aprendizagens com outros intervenientes nas crónicas, com os próprios leitores, assim lhes apresentando um país, pintado com as cores da diversidade, num quase roteiro de moçambicanidade.
Sublinhados:
Beleza – “A beleza do futebol não está no golo. Como na arte do namoro: o fascínio está nos preparativos. O encanto está no que não pode ser traduzido nem em número nem em palavra.” (12)
Vida – “Pode haver um mister para as artes da bola. Mas o único treinador para as lides da Vida somos nós mesmos.” (16)
Paraíso – “O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós.” (23)
Acreditar – “Há coisas que fazemos por acreditarmos. Outras coisas passamos a fazer por deixarmos de ter crença.” (59)
Verdade – “Por vezes a resposta é errada simplesmente porque a pergunta é incorrecta. (…) Certas coisas são verdade numa dada relação, num dado momento.” (69)
Lugar – “Os lugares são da natureza, pensamos. E não há mais que pensar. Mas os lugares foram fabricados por histórias. E são fazedores de tantas outras histórias.” (75) “Os lugares só são nossos quando cabem num nome. Quando os reduzimos a palavras, simples como coisas que se arrumam na algibeira. Ao fim de um tempo, porém, o nome acaba substituindo o próprio lugar.” (108) “Não é o voarmos sobre os lugares que marca a memória. É o quanto esses lugares continuarão voando dentro de nós.” (115) “Os lugares não se comparam. Como as pessoas, cada um deles acontece num momento único, numa única e irrepetível vida.” (118)
Fotografia – “O mais importante nunca se pode fotografar (…). O que fica para sempre, o que nos revolve a alma é o que não pode ser capturado pela moldura.” (103)
Ilha – “As ilhas são como pessoas: querem existir por si mesmas mas receiam a lonjura.” (111)
Bichos – “A ética dos bichos não pode ser transferida para o nosso universo social, a não ser em texto de fábula.” (122)
Menino – “Ser menino é estar cheio de céu por cima.” (129)

domingo, 29 de agosto de 2010

Máximas em mínimas (64)

"Os dias são um prólogo se uma pessoa caminha
até que uma verdade lhe seja revelada."
José Tolentino Mendonça. O viajante sem sono (2009)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"Chumbar" ou "não chumbar"... eis a questão!

O Jornal de Letras de ontem (nº 1041) integrou o suplemento do “JL – Educação”, dedicado à questão dos “chumbos” ou “não chumbos” nos ensinos básico e secundário, que, no final de Julho, Isabel Alçada, Ministra da Educação, atirou para o centro da discussão, em entrevista ao semanário Expresso. Neste suplemento, pronunciaram-se cinco especialistas, em intervenções de que reproduzo alguns excertos:
1. João Dias da Silva (FNE) – “(…) O que há a fazer não é eliminar a reprovação; o que há a fazer é fomentar uma atitude de esforço dos alunos em relação ao trabalho escolar; o que há a fazer é aumen tar o envolvimento das famílias na sua responsabilidade de cooperar com a escola para uma cultura de exigência para a aquisição de conhecimentos e competências; o que há a fazer é organizar diferentemente a escola, com percursos diversificados e reconhecidos, com a disponibilização de apoios aos alunos logo que sejam detectadas insuficiências ou dificuldades em qualquer momento do seu percurso escolar. Deste modo, o que é necessário é garantir que quando os alunos transitam de ano, no seu percurso escolar, é porque dominam os conhecimentos e competências para o merecerem.”
2. João Mendes Pereira (psicólogo clínico) – “(…) O insucesso escolar é um sintoma com múltiplos significados e causas. Nele podem prevalecer factores individuais, relacionados com dificuldades específicas, cognitivas ou emocionais do aluno, ligadas, na maioria dos casos, a disfunções familiares ou sociais; mas também factores sociais associados à qualidade do investimento pedagógico e afectivo do professor na relação com este, à sua autoridade científica e pedagógica na promoção da eficácia das aprendizagens, ou à sua dignificação profissional e bem-estar na comunidade escolar a que pertence. (…)Suprimir por decreto a retenção sem os mecanismos de apoio que uma tal medida exige – e que estamos muito longe de ter – resultaria numa clivagem entgre alunos com um percurso regular e uma população escolar falsamente habilitada, com oportunidades sociais gravemente comprometidas. Taql como o metal, também o chumbo na escola pode lesar seriamente aqueles que afecta. Mas ocultar o sintoma sem tratar a doença constituiria um trompe-l’oeil perigosamente tóxico para muitos dos nossos alunos e para o nosso futuro colectivo.”
3. João Santos (professor do ensino secundário) – “(…) Cresce a função cedrtificação, em detrimento da função educativa e de transmissão de conhecimentos; aumenta o tempo de permanência na escola sem objecto ou finalidade educativa discernível; acentua-se o alheamento de jovens e famílias face às obrigações da vida em comum, de que a vida escolar tende a apresentar-se como um detalhe secundário e, para mais, oneroso. E tudo isto enquanto se consolida nos espíritos a perspectiva totalizante da ‘escola a tempo inteiro’. (…) É quase certo que os chumbos são tornados dispensáveis, mas não inexistentes, em sistemas educativos que seleccionam precocemente (…), encaminham uma fracção minoritária das crianças para formações de carácter geral no troço final do secundário, promovem formação especializada, diversificada e qualificante, nos patamares correspondentes ao 3º ciclo do ensino básico, ensino secundário e 1º ciclo do superior. (…) O mais obstinadamente igualitário dos sistemas europeus, enxertado numa cultura de complacência universal, é um dos mais ineficientes e também aquele que, precisamente, melhor replica e perpetua as diferenças herdadas, as tais que ninguém merece e que a escola deveria contribuir para neutralizar. É aqui que reside o problema. Que o fim dos ‘chumbos’ não pode resolver.”
4. Maria José Rau (Conselho Nacional de Educação) – “(…) Já não só frequenta a escola quem quer e pode, mas todos são obrigados a frequentá-la, pelo que a escola, os professores e os técnicos de educação têm de se organizar em função desta realidade, encontrando as respostas adequadas, não necessariamente fáceis porque os alunos são diversos, as sociedades multiculturais, o mundo mais competitivo e as certezas menos absolutas. Invocar chavões como o ‘facilitismo’ é absurdo. O que uma organização escolar sem ‘chumbos’ obriga é exactamente ao oposto: grande rigor e exigência, enorme empenho e competência profissional dos gestores das escolas e dos professores e o envolvimento esforçado dos restantes intervenientes no processo educativo. (…)”
5. Rui Canário (Universidade de Lisboa) – “(…) Não estamos condenados a escolher entre um sistema baseado no ‘chumbo’ e na ‘repetência’ ou na progressão por via administrativa de todos os alunos. Há um terceiro caminho: o de uma escola pública onde se garanta a todas as crianças e jovens o direito de aceder a um conjunto de aprendizagens básicas, com metas claramente definidas, através de um percurso escolar em que a detecção de dificuldades seja precoce e os processos de apoio imediatos. Este terceiro caminho define uma linha de horizonte da qual é importante que nos aproximemos. Estamos a aproximar-nos ou a distanciar-nos dessa linha de horizonte? É aqui que reside o essencial do debate a realizar. (…) Esse caminho exige mudanças profundas nos modos de governo e organização das escolas, na natureza e modos de interacção que definem o trabalho de alunos e professores, bem como na cultura escolar partilhada pelos diversos intervenientes. Exige autonomia das escolas e profissionalismo dos professores, exige condições e meios de trabalho equivalentes aos dos países apontados como exemplo (caso da Finlândia). Exige que as políticas educativas não tenham como objectivo principal melhorar as estatísticas. Exige o apelo ao entusiasmo, ao envolvimento e à criatividade dos protagonistas e das organizações escolares. (…) O que é paradoxal é que o anúncio, por parte do Ministério da Educação, do desejo de aproximação dos ‘bons exemplos’, como a Finlândia, seja coincidente com o encerramento cego de escolas e a criação de mega agrupamentos que configuram uma orientação de sentido contrário.”

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Máximas em mínimas (63)

"O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós."
Mia Couto. "O riso das baleias". Pensageiro frequente. Alfragide: Editorial Caminho, 2010.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Rostos (145) - Teixeira de Pascoaes

Monumento a Teixeira de Pascoaes, em Amarante (António Duarte, 1978)

sábado, 21 de agosto de 2010

Mira Amaral e o estado da educação

Mira Amaral foi o entrevistado da edição do mês de Agosto do jornal Ensino Magazine online, peça de que extraio três citações sobre o estado da educação.
Dinheiro e educação – “(…) Tem-se gasto muito dinheiro no sector do ensino, mas muito mal gasto. O sistema não precisa de mais dinheiro, precisa é de rigor e competência. Urge acabar com o facilitismo instalado. (…) Criou-se uma linha de pedagogos que têm sido sinistros para a educação em Portugal e que defendem que se exigir rigor, seriedade e avaliação, estamos a violentar e traumatizar os alunos. Olho para a minha geração e sinceramente não vejo nenhum traumatizado. Bem pelo contrário, vejo muitos exemplos de pessoas bem sucedidas na vida. (…)”
Pedagogias e exigência – “(…) O rumo pedagógico do sistema é funesto para o nosso país. Tudo o que se relacione com rankings e avaliações é automaticamente rejeitado, com o argumento que é prejudicial. Assim, promovemos uma sociedade sem incentivos. E quando assim é torna-se difícil fazer melhor e diferente. É trágico a bitola de exigência com que os jovens se deparam no seu percurso académico. Este é o grande drama do ensino em Portugal e que traduz uma irresponsabilidade incrível. (…)”
Vida real – “(…) A escola transmite sinais de facilitismo que a vida real não tem. A vida profissional dos jovens de hoje é muito mais dura do que foi a minha, mas não é essa a mensagem que passa durante as aulas. Estão a ver o filme ao contrário. O cenário lá fora é de tremenda competição e o desemprego agravou as dificuldades. (…)”

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Máximas em mínimas (62)

Escola - "Lá fora, nos bosques, predominavam, agora, os tons vermelho e ouro e o brilhante Sol outonal refulgia. Era o melhor tempo para caçar coatis e serigueias ou para subir, de canoa, o rio Holston à procura de frutos silvestres ou nozes, e ele ali preso, no seu quarto dia de aulas! Impaciente, suspirou; mas, lembrando-se de como a mãe ficara contente com a promessa que lhe fizera, de aprender a ler e a escrever, pegou na pena de pato e inclinou-se sobre o caderno de cópia, de papel grosso. No cimo da página, estava um nome. Era o dele, escrito pelo senhor Kitchen. Mergulhando a pena no tinteiro de chifre, Davy copiou-o, com cuidado, diversas vezes."
Cidade - "Que quantidade de coisas estranhas e surpreendentes encontrava ali um rapaz criado nos bosques! Casas alinhadas e juntas umas às outras; ruas pavimentadas com godos; um grande mercado onde abundavam hortaliças, frutas e bolos; lojas e igrejas; e havia mais gente nas ruas do que árvores na floresta."
Razão - "Depois de verificares que a razão te assiste, segue para diante."
Enid Lamonte Meadowcroft. Davy Crockett (1952).

domingo, 8 de agosto de 2010

Máximas em mínimas (61)

"Ser velho não é uma questão de idade, mas de ter vida em si."
José Gil (em entrevista a Luciana Leiderfarb). Expresso ("Atual"): 07.Agosto.2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

As reflexões de José Tolentino Mendonça

O hipopótamo de Deus e outros textos é um livro em que José Tolentino Mendonça recolhe crónicas diversas, normalmente curtas, que apresentam as características comuns indicadas no subtítulo “Cristianismo e Cultura” (Lisboa: Assírio & Alvim, 2010). São pouco mais de quatro dezenas de escritos, reelaborados a partir de colaborações diversas na imprensa e na internet, coligidos sob o título de um deles.
A leitura destes exercícios de reflexão não pode andar arredada do poeta que o seu autor (também) é e que busca a poética do cristianismo, a poética de Deus. Na sua maioria, os textos partem de registos de leitura de manifestações artísticas diversas – a literatura, é evidente, mas também a música, a fotografia, o cinema ou a pintura – por aqui passando pretextos como Steinbeck, Frei Angélico, Barthes, Benjamin, Valéry, Pascoaes, Sontag, Mozart, Péguy, Galileu, Steiner, Boticelli, Matisse, Herberto Helder, Ruy Belo, Flannery O’Connor, entre muitos outros, além de um motivo maior como a Bíblia ou os evangelistas ou vários teólogos, com Bento XVI a constituir centro dos dois últimos textos.
Os pensamentos de Tolentino Mendonça constituem um desafio aos leitores, mas também à Igreja, convidando a interpretações e atenções bíblicas e a um olhar o mundo de forma empenhada e assumida, partilhando reflexões sobre o ser padre, a política, o outro, o mundo do trabalho, a vida editorial, o ser peregrino, a construção do mundo, sempre numa perspectiva do “cristianismo como estilo” (título de uma das crónicas), modelado a partir da imagem de Cristo, que “potencia uma vida humana onde aquilo que pensamos serem coisas relativas, como o amor, a justiça, o bem e a beleza, podem ser vividas em absoluto ou como patamares do absoluto”.
Frases que ficam:
1. “Brincar significa agir, não a partir do necessário ou utilitarista, mas como pura expressão gratuita, amorosa.”
2. “As lágrimas são um mapa pleno de significação e de leituras. Temos muitas maneiras de chorar, e o modo como o fazemos revela não só a temperatura dos sentimentos, mas a natureza da própria sensibilidade. Ao chorar, mesmo na solidão mais estrita, dirigimo-nos a alguém: esforçamo-nos para que ninguém veja que choramos, mas choramos sempre para um outro ver. As lágrimas emprestam um realismo único, irresistível à dramática expressão de nós próprios. São um traço tão pessoal como o olhar ou o mover-se ou o amar.”
3. “Somos acessíveis e também de uma inacessibilidade irredutível. Cada um é uma palavra e ao mesmo tempo um segredo.”
4. “Vivemos triturados na digestão que o mundo faz de nós. Consumimos em vez de consumar. (…) Sem darmos conta, são tantas as correntes que nos prendem e as dependências que nos diminuem.”
5. “O crepúsculo da arte de contar liga-se à incapacidade crescente de trocar uma experiência autêntica. Por isto, será cada vez mais raro encontrar pessoas que saibam contar uma história como se deve. (…) O narrador toma aquilo que narra da experiência – a sua própria ou alguma que lhe tivesse sido referida – e transforma-a em experiência para aqueles que escutam a sua história. O que alenta a narração é a moral da história e o seu desfecho, que abre para a questão: ‘E em seguida, e depois?’ Não há narração à qual não se possa opor a pergunta da sua continuação.”
6. “O que mais ameaça o natal é o próprio natal, isto é, a sua representação diminuída, estagnada culturalmente entre a quinquilharia dos símbolos e a oportunidade comercial, domesticada pela pieguice das frases feitas e das boas-maneiras.”
7. “Se a linha azul do mar tanto nos seduz é também porque essa imensidão nos lembra o nosso verdadeiro horizonte. Se nos elevamos até aos montes é porque na visão clara que aí se alcança do real, nessa visão sem cesuras, reconhecemos parte importante de um apelo mais íntimo. Se buscamos outras cidades (…) é também perseguindo uma geografia interior. (…) É tão decisivo que as férias, tempo aberto a múltiplas errâncias, não se tornem um período errático e vago; tempo plástico e criativo, não se enrede nas derivas consumistas; tempo propício à humanização, não se perca na fuga a si mesmo e no ruído do mundo. (…) O repouso é uma oportunidade privilegiada para mergulhar mais fundo, mais dentro, mais alto.”
8. “O que caracteriza a obra literária é uma determinada relação com a linguagem, é o facto de transpor e transformar, mediante um sistema verbal, uma experiência humana, mais simples ou mais sofisticada, criando um universo próprio.”
9. “A amizade é singularíssima e mune-se de uma desconcertante simplicidade de meios. O traço mais universal da sua gramática é, talvez, o da presença: mas esta tanto se faz de muitos encontros, como de poucos; de muitas palavras ou de um silêncio espaçado e confidente; de um telefonema por dia ou por ano; de uma ou de incontáveis atenções… O importante é que tudo isso se torne, a dada altura, uma história que nos acompanha e por onde o essencial da vida passa.”
10. “A beleza é um experiência que os sentidos não circunscrevem completamente, mesmo quando palpam, pois ela permanece inexprimível.”

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A propósito dos "chumbos" na escola...

A entrevista da Ministra da Educação ao semanário Expresso (edição de 31 de Julho) ficou marcada pela questão dos “chumbos” e da vontade que Isabel Alçada mostrou de acabar com eles. Relativamente a este assunto, que o jornal puxou para título na primeira página, a entrevista é um tanto inócua, pois limita-se a dizer que poderá haver outras alternativas ao “chumbo”, que a questão vai ser apresentada aos parceiros, que “os chumbos quase nunca são benéficos”.
Começando pelo último ponto… é verdade. Todos sabemos do curto bem que pode advir de uma reprovação. Aliás, já em pequenos éramos brindados com máximas dos pais, dizendo que “chumbar” era um atraso na vida, quer pelo tempo, quer pelo dinheiro gastos; o remédio era… trabalhar, que o mesmo era dizer: estudar. Assim se valorizava o trabalho na escola e a escola ela mesma, assim se valorizava o percurso do estudante e o trabalho docente. Será que os argumentos devem ser diferentes?
Sobre a questão da audição dos parceiros… e porque não ter começado por aí? Valeria a pena, de resto, os parceiros estudarem e perceberem qual é o retrato do aluno que “chumba” em Portugal. A partir daí, talvez pudessem ser criadas as tais “alternativas”…
E, por falar em alternativas, aquelas de que Isabel Alçada fala são: “outras formas de apoio, que devem ser potenciadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado”, fazendo notar que em Portugal já existem muitas dessas medidas, tais como “aulas de apoio ao aluno, estudo acompanhado, projectos especiais com mais professores e técnicos”. Essas medidas já existem, de facto, mas o problema subsiste; donde, não sei se constituirão uma forte “alternativa”…
Percebe-se o apetitoso que este assunto dos “chumbos” é para os políticos – seja para os quererem eliminar, seja para os acentuarem, seja para esgrimirem pontos de vista ideológicos que se afastam, muitas vezes, da causa que é a educação. Percebe-se o apetitoso que este mesmo assunto é para os pais e para os alunos, seja por revelar preocupação de afirmação, seja por interferir com níveis de exigência, seja por poder passar pela alteração das regras de avaliação, seja por criar uma noção de facilitismo. O que não se percebe é sobre quem se está a pôr a pressão: sobre os estudantes, sobre as famílias, sobre a sociedade, sobre o sistema educativo, sobre as escolas, sobre os professores?
A política pode ditar muitas medidas. Até pode transformar em falso o que ontem era absolutamente verdadeiro. Sempre em nome da evolução (que nem sempre sabemos muito bem o que é!). Até pode acabar com as famigeradas “negativas” e o aluno transitar ou ser aprovado para o nível seguinte desde que tenha notas em todas as disciplinas, independentemente do quanto tem. As questões de fundo, no entanto, subsistirão: como deve o trabalho ser valorizado a partir da escola, como deve haver co-responsabilização nos apoios, deve haver diferenciação entre os alunos quanto aos diferentes estádios em que se encontrem num mesmo nível de ensino, o que valem as notas? Em conclusão: que sistema queremos?