sexta-feira, 28 de setembro de 2007

António Lobo Antunes, a escrita e a morte

"(...) Já não minto. Já não componho o perfil. Estou aqui diante de vós, nu e desfigurado. Porque a nudez desfigura sempre. Agora, jogo com as cartas abertas. Agora, jogo póquer com as cartas viradas para cima. Agora, já não há nada escondido, está tudo à vista. E ou a mão ganha ou perde.
Ao regressar ao livro [depois de operação e convalescença], sentiu-o como seu?
Claro. Ninguém escreve assim. Não tenha a menor dúvida de que não há, na língua portuguesa, quem me chegue aos calcanhares. E nada disto tem a ver com vaidade porque, como sabe, sou modesto e humilde. A doença trouxe-me isso. Já não estou a fazer tratamentos e só lá mais para o final do ano é que voltarei a fazer exames. Tudo isto dá-me uma grande serenidade, porque olho para as coisas com mais distância. Estive muito perto da morte e palavra de honra que é mais fácil do que se imagina. A ideia pode angustiar-nos e apavorar-nos, mas quando se está mesmo ao pé dela é muito mais fácil do que se pensa. Lembre-se do que diz a última frase de Os Thibault, o grande romance de Roger Martin du Gard: plus simple qu'on y pense, mais simples do que se pensa. E é, de facto, mais simples do que se pensa, menos assustador do que se pensa.
Quando ouve a palavra cancro, é a morte que vê à sua frente?
Por mais que racionalmente pensemos que o cancro se cura, associamo-lo à morte. Pedi sempre para não não me mentirem e, por isso, quando muito francamente me dizem que tenho um cancro, o que vejo à minha frente é a morte. Não é ver a morte à minha frente, é vê-la dentro de mim. Já está cá, é uma parte de nós. Não requer coragem, apenas dignidade e elegância. Perguntava muitas vezes: tenho-me portado de uma maneira digna? (...)"
António Lobo Antunes, entrevistado por Sara Belo Luís, em Visão, nº 760, 27.Setembro.2007, pp. 110-118.

Da educação, da cidadania e de outras coisas

Na edição de 25 de Setembro do diário Público, Santana Castilho zurziu no programa “Prós e Contras” que a RTP transmitira cerca de uma semana antes sobre o tema da educação, dizendo que o espectador teria “apreciado uma intervenção jornalística preparada e inteligente para confrontar [a Ministra da Educação] com o imenso contraditório a que nunca responde, senão com a demagogia que lhe toleram”. A conclusão do articulista encaminhou-se para o óbvio: em termos de discussão, o programa não teve interesse, porque acabou por “deixar ausentes as questões mais relevantes sobre a verdadeira situação da Educação em Portugal”. Confesso que não sei de onde vem a surpresa! Já desisti de ver este programa há muito, pois sempre que o vi desconfiei das tendências da sua condução e sobretudo das conclusões, algumas inenarráveis, que a jornalista era useira em tirar, sem ponta por onde se pegasse. Então, no que à educação diz respeito…
Tudo isto me faz lembrar a tristeza que é não haver em Portugal jornalismo especializado em educação – e a consequência não é inócua! É que grande parte das informações que os media fazem circular no que à educação respeita são incorrectas ou não contam toda a verdade, por desconhecimento de quem redige. Provavelmente, é este o tipo de informação que interessa para ofuscar os olhares, porque o pensamento e a reflexão, assim como o traçar da política educativa devem ficar para iluminados (?). Ainda hoje se não conhece, de forma inequívoca, o conjunto de razões que levaram uma editora a pôr fim à revista mensal Pontos nos is, que abordava “política educativa”, ela mesma dirigida por Santana Castilho, que teve 11 números, entre Janeiro e Fevereiro de 2006... mas, provavelmente, não foi só o aspecto financeiro da questão, como a editora quis fazer acreditar aos assinantes e eventuais leitores.
O panorama de se pensar a educação enquanto teia partilhada e discutida está longe de acontecer. Cada vez se tem mais a sensação de que a “política educativa” contém muito de deslumbramento afunilado e escassez de participação, de “coisa pública” e de cidadania. Veja-se como há vozes que se vão afastando por cansaço e por decisão própria, haja em vista o recente caso de Antero Afonso, colaborador do semanário Correio da Educação, editado pela ASA – no seu último número, de 24 de Setembro, na crónica “Despedida”, o final da colaboração era justificado com quatro razões, de que destaco a primeira: “Eu acho que esta equipa ministerial deve ter um sentido, que orienta a sua acção. Apesar de não conseguir vislumbrar o alcance da generalidade das medidas, avulso, com que tem sido presenteada a nossa acção como docentes, apesar de não percepcionar a bondade dos objectivos, apesar de sentir a desmotivação a generalizar-se. Apesar disso, talvez a senhora ministra e seus colaboradores estejam no caminho certo e, nesse sentido, não quero ser, com a minha narrativa, a pedra com a qual a Senhora Ministra e seus colaboradores construam o seu próprio desconforto”. E, já agora, menciono uma outra justificação para o abandono, que Antero Afonso apresenta, porque vem a propósito do que escrevi acima: “sou um homem do norte, habituado ao granito, à asma, à chuva, miudinha, que dá esta cor cinzenta à minha cidade. Estou longe da luz branca que inunda as ruas, as avenidas e os corredores da nossa capital. Falta-me a luz e, na escuridão, é mais difícil escrever.” Questiono-me se haverá o direito de nós, professores, nos sentirmos assim? Pergunto-me se alguém acredita na substituição do humanismo pela tecnologia na educação? Interrogo-me quanto às causas que lançaram este mal-estar que se vai acentuando (e que alguns prognosticam que virá a ser mais intenso) reinante na escola e entre o corpo docente? No caos das respostas possíveis, não há uma única linha de consistência e, como Lapalice advogaria, as leis e os governos passam (tal como os tempos), mas a educação ficará. É da nossa condição? É.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Bocage à vista (40) no seu mês



Rostos de obras bocagianas publicadas em vida de seu autor: Queixumes do pastor Elmano contra a falsidade da pastora Urselina (1791, ano em que também publicou o primeiro volume de Rimas); Rimas de Manuel Marbosa du Bocage correctas e aumentadas (1794, 2ª edição do primeiro tomo); Rimas de Manuel Maria Barbosa du Bocage dedicadas à amizade (1799, 1ª edição do segundo tomo); Rimas de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1800, republicação da 2ª edição do primeiro tomo) - colaboração de Fernando Marcos
Com este 40º postal intitulado "Bocage à vista" termino a série que iniciei neste mês de Setembro. Pretendi expor outras tantas situações com a marca bocagiana, que vão alimentando a memória do poeta, no mês em que se celebra o seu nascimento e cujo dia (15) foi, de há uns anos a esta parte, associado ao feriado municipal de Setúbal. O facto de serem 40 tem apenas uma explicação: tantas vistas como a idade de Bocage. A razão de serem estas 40? E porque não estas? Numa qualquer altura, poderá ser outra série e serão outras as imagens.

Pela língua portuguesa

"Porque vale a pena continuar a estudar a língua portuguesa?" A pergunta foi lançada assim, de repente, para os grupos de trabalho, com a incumbência de cada grupo apresentar sete razões. Sim, eu sei que a pergunta era orientada, não admitia a negativa; mas a intenção foi a que nela está expressa e não o seu contrário, por causa deste processo colectivo em que todos estamos envolvidos e que se chama identidade. Voltemos à história...
O ambiente era o da primeira aula de Língua Portuguesa do ano lectivo, com estudantes de 8º ano, na faixa etária dos 13/14 anos. Das respostas obtidas, escolhi um leque de argumentos em que são visíveis razões escolares e curriculares, utilitárias, sociais, de respeito pelo outro, históricas, cívicas, identitárias e de memória. Algumas andam próximas de outras, mas todas se cruzam neste cadinho que é o estudo de uma língua e nesse outro cadinho que é o saber que se vai adquirindo e trabalhando (com) a identidade, um mecanismo construtivo que, como registou Inês Sim-Sim no Congresso Internacional sobre o Ensino do Português (Maio de 2007), "é uma caminhada não terminada, sujeita aos conflitos, avanços e retrocessos de um processo em permanente progresso". E, entre as muitas coisas que ressaltam da argumentação destes alunos, uma delas, a valorizar, é exactamente a da identidade.
E vamos, então, às razões por que, na opinião destes alunos, vale a pena continuar a estudar a língua portuguesa:
- "para falarmos correctamente"
- "para interpretarmos correctamente o que lemos e o que nos dizem"
- "para enriquecer o nosso vocabulário"
- "para deixar de dar erros"
- "para sermos mais cultos"
- "porque, sabendo falar bem português, temos facilidade em aprender outras línguas"
- "para sabermos comunicar com o próximo"
- "para compreendermos a sociedade"
- "para conseguirmos enriquecer os nossos diálogos"
- "para aperfeiçoarmos o que já sabemos"
- "para que faça sentido aquilo que dizemos"
- "para defender e expandir a nossa língua mundialmente"
- "porque é a sexta língua mais falada no mundo"
- "para que o calão e o inglês não dominem a nossa língua"
- "porque é obrigatório"
- "para nos sabermos desenrascar em vários sítios públicos"
- "para passarmos de ano e fazermos os nossos pais mais felizes"
- "para se arranjar trabalho"
- "porque ainda não sabemos tudo sobre a nossa língua"
- "porque desenvolve a nossa capacidade mental"
- "para termos mais imaginação"
- "porque é a nossa língua-mãe"
- "porque um bom cidadão deve saber falar correctamente o seu idioma"
- "para preservar a nossa língua"
- "por ser o mínimo que podemos fazer por todos os que mudaram a nossa história e contribuíram para o conhecimento da nossa língua em todo o mundo"
- "porque... se não a soubermos falar correctamente, quem o saberá?"

Mapa da lusofonia, em Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda / Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses / União Latina, 1992)

Mourinho e o Vitória FC, com Santana Lopes à mistura

À chegada a Lisboa, os jornalistas quiseram saber de José Mourinho o que ia fazer, como ia ser a sua vida, se iria ao futebol, etc., etc., as perguntas do costume, na expectativa de descobrirem qualquer milagre que lhes desse mais notícia ou mais trica. Ao que vi na televisão hoje pela manhã, Mourinho foi comedido e, pedagogicamente, disse mesmo que, agora que estava fora dos bancos e dos treinos, não iria dizer nada sobre futebol, acrescentando que, durante este tempo (incerto) de repouso (de guerreiro), o único futebol em que marcaria presença seria para ver jogos do sadino Vitória Futebol Club.
Esta intenção, assim pacificamente manifestada a quem esperava não se sabe muito bem o quê, merece a minha admiração, mesmo porque vai ao encontro de um artigo que O Setubalense publicou na sua edição de segunda-feira, assinado por Giovanni Licciardello, intitulado "Pensar Setúbal" - é que, de acordo com o articulista (e eu subscrevo), ser setubalense não exige que a naturalidade no bilhete de identidade contenha a palavra "Setúbal", antes passa por "ter uma relação afectiva com a cidade e arredores, reconhecer as potencialidades inegáveis que tem e procurar dar o seu modesto contributo para que possa melhorar", por "gostar de Setúbal". Mostrar um pouco do vitorianismo que lhe vai dentro, como publicamente fez Mourinho perante uma turma de jornalistas sedentos do social (e do trivial), foi um acto de setubalense. E só esse bocadinho valeu a pena, quer para a auto-estima do clube, quer para a auto-estima de Setúbal.
A propósito desta chegada e da sua repercussão nos media, é ainda de assinalar a atitude de Pedro Santana Lopes (que não vi, mas sobre que li), ao abandonar a entrevista que estava a dar à SIC por esta ter sido interrompida para transmissão da chegada do treinador setubalense, afinal a atitude que muitos entrevistados deveriam ter quando são tratados de forma menos conveniente (mesmo em directo) e que, a troco de uma exposição efémera, aceitam a subserviência às câmaras, aos holofotes e à trituração dos acasos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Bocage à vista (39) no seu mês

Gravura inserida na obra Poesias Selectas de Manuel Maria Barbosa du Bocage, coligidas e anotadas por J. S. da Silva Ferraz, de 1864. Nela se pode observar a imagética criada em torno de Bocage na segunda metade do século XIX, não faltando um retrato de Camões colocado numa parede dos aposentos do poeta.

Bocage à vista (38) no seu mês


Bocage e as Ninfas, peça de Fernando Gomes, constituiu a 100ª produção do Teatro Animação de Setúbal (TAS), com estreia em Novembro de 2005 e com o desempenho de Célia David, Duarte Victor, João Gaspar, José Nobre, Margarida Videira, Maria João Sobral, Maria Simões, Miguel Assis, Sónia Martins e Susana Brito
[foto a partir da obra TAS - Histórias de Teatro - 30 Anos, Setúbal, 2005]

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Adiafa – A Festa das Vindimas

Na última canastra o capataz dizia: vai lá buscar a bandeira. Iam as pessoas que a tinham feito e lá vinha a bandeira. No último cesto de uvas a subir para o carro era apresentada a bandeira e rebentados os morteiros. E toda a minha gente nesta zona sabia que se tinha acabado a vindima do sr. Álvaro Cardoso.” Quem assim relembra é Marina Roque, feitora no Monte do Lau, uma das quatro herdades que integravam a Casa Agrícola palmelense de Humberto Cardoso (os outros montes eram os da Agualva, da Fonte Barreira e de Pegões, totalizando os quatro uma área de cerca de 650 hectares).
O testemunho da feitora é um dos vários que surge recolhido na exposição “Adiafa – A Festa das Vindimas”, patente na Biblioteca Municipal de Palmela até meados de Outubro. Tal como os outros testemunhos, este evoca um tempo que era o do final das vindimas porque final de um ciclo. Aí por meados de Outubro, acontecia o dia diferente, com a festa, havendo almoço (antigamente, resultando da partilha do contributo de cada trabalhador e, mais recentemente, oferecido pelos patrões) e baile, em que participavam todos os trabalhadores da vindima e os patrões.
Gesto simbólico mas de muito empenho era o da oferta da bandeira da adiafa aos patrões – uma bandeira em tecido sedoso, enfeitada com desenhos bordados, com flores e até fixando postais ilustrados emoldurados em bordado a propósito. Mais tarde, seriam os patrões a fornecer os materiais e a pagar o tempo de trabalho para a confecção da bandeira, coisa não pouca se pensarmos que três semanas era o tempo necessário para duas pessoas congeminarem a bandeira, período que começava a contar quando faltava esse prazo para o final da colheita.
A festa da adiafa era a alegria do fim de um ciclo, pois. E em muitas bandeiras havia registos de quadras simples, numa métrica por vezes irregular, associadas a desenhos naïfs, a assinalarem a alegria do fim da colheita, em que todos eram louvados, como se pode ler na bandeira do Monte de Fonte Barreira de 1984: “Acabamos a Vindima / Tudo fez o que foi capaz / Vivam os tractoristas / E o nosso capataz.”
Depois, havia ainda a adiafa das adegas, mais lá para o fim do mesmo Outubro, quando o tratamento das uvas era dado como concluído pelo adegueiro, festa mais reservada aos homens, com uma caldeirada e a exposição das bandeiras consideradas mais bonitas na adega.
As pessoas falam da adiafa já com saudade, como se pode verificar nos testemunhos que a exposição colecciona. Outros tempos, elevados custos, diferentes viveres. Fica a lembrança trazida para esta exposição, com bandeiras de adiafa da Casa Agrícola Humberto Cardoso, actual Carpal, feitas entre 1978 e 2004. A adiafa (palavra de origem árabe, com entrada bem antiga na língua portuguesa, a sugerir banquete) celebrava o fim do ciclo, mas, na verdade, não era mais do que um intervalo. É que, à porta, estava já a preparação do vinho, as podas e… um novo ciclo para a uva e para a vida agrícola.

Bocage à vista (37) no seu mês

Quiosque "Elmano Sadino" (Setúbal, Av. Luísa Todi)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Bocage à vista (36) no seu mês


Anis "Elmano Sadino", da Fábrica "Triunfo de Setúbal", composto por açúcar, álcool, baunilha, essências de laranjeira e anetol, com 27,9º de graduação, em garrafas de 0,75 l. No rótulo, a publicidade era feita em quadra: "ELMANO, vate SADINO, / Nas musas sempre feliz / Só bebia um licor fino / Um cálice de bom ANIS."
[colaboração de A. Cunha Bento]

domingo, 23 de setembro de 2007

Rosa Nunes: o que o pernilongo deixa ver

O pernilongo. Poisa sobre as águas do estuário e, em movimentos de geometria fina numa dança de requinte, procura o alimento e parte. Depois, é vê-lo no ar, qual fernão capelo gaivota, afagando o vento, em genial acrobacia. O caminhar sobre as águas e o voo livre do pernilongo constituem as duas sequências fotográficas (de 16 e 10 momentos, respectivamente) que iniciam a exposição intitulada “Águas do silêncio”, de Rosa Nunes, inaugurada ontem e ao dispor do visitante até 24 de Novembro, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (Av. Luísa Todi, Setúbal).
Depois da abertura de portas pelo pernilongo, a convidar-nos para um estuário onde a Natureza sugere arte, há mais dúzia e meia de fotografias que reflectem o passado e o presente do estuário do Sado, ora através das águas na sua função (também) especular, ora através da paisagem. E passam os olhos pelos sapais, pelo sal, pela pesca, pela avifauna local, pelas lamas e lodos, pelas marés, pelo património ambiental, pelo património construído, por pontos como Gâmbia, Carrasqueira, Barroca d’Alva, Faralhão e… pela indústria pesada, que se instalou no estuário (quando podia ser perto, mas fora dele) e que tem contribuído para a alteração das suas condições para pior.
Momentos de pausa ao lado de águas e paisagens inócuas que foram violentadas na sua essência e no seu ser, “águas de silêncio” que albergam segredos (de histórias) de vida, imagens com a calma das horas mortas que deixam que o espectador se desvaneça com as visões (que podiam ser) do paraíso, mas também fazendo com que se interrogue, fica destas fotografias a sensação de olhares sobre a beleza, mas também sobre a preocupação com a vida, com o mundo que (re)construímos ou que destruímos. Trata-se, assim, de uma exposição que acalenta a intenção estética, mas também abraça uma leitura pedagógica do ambiente e do meio, concretamente da área estuarina do Sado. À saída da exposição, o visitante cruza-se novamente com o pernilongo, dono de um andar e de um voo que permite um olhar ecológico sobre o (seu) mundo e que para isso nos lança o convite.
Antónia Coelho Soares, autora do nome Rosa Nunes com que assina a sua fotografia, é natural do Torrão (n. 1955), vive em Setúbal e trabalha na área da arqueologia. [fotos a partir do catálogo]

Bocage à vista (35) no seu mês

Bocage como marca - "Snack do Bocage", "Transportes Bocage" e "Escola de Condução Bocage", em Setúbal

sábado, 22 de setembro de 2007

Bocage à vista (34) no seu mês



Bocage como marca - "ServiBocage" e "Residência Bocage", em Setúbal, e "Livraria Bocage", em Lisboa

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Bocage à vista (33) no seu mês

Bocage, in O Panorama, 1846, nº 13

Minudências (4)

(Des)Encontros
Nas notícias de ontem, num canal televisivo, passaram instantes de uma discussão sobre o estatuto do jornalista na Assembleia da República, com um excerto de intervenção do ministro Santos Silva, em que dizia: "Quem está aqui de boa-fé é a maioria parlamentar". Logo depois, argumentava que as alterações sugeridas pelo seu partido iam "de encontro" às observações do Presidente da República.
Naturalmente, esta intervenção seria uma resposta a qualquer outra já havida na discussão. Mas não posso deixar de acentuar duas coisas: 1) a boa-fé é uma questão de íntimo, logo pessoal e individual, portanto, não se colectiviza nem se faz por decreto; 2) as sugestões do Presidente da República talvez devessem ser levadas mais à letra, porque, há dias, o Presidente da República sugeriu medidas de apoio à afirmação da língua portuguesa (não só ao inglês) e o que o ministro quereria dizer (suponho) era que as alterações "iam ao encontro das" das sugestões presidenciais e não "de encontro às" mesmas sugestões... não é apenas uma questão de alteração preposicional, porque as duas expressões remetem para passos contrários e um uso correcto muito iria ao encontro da opinião defendida pelo Presidente da República!

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Aquilino Ribeiro na Alemanha, há 87 anos, no dia de hoje

Dois anos depois de terminar a Primeira Grande Guerra, Aquilino revisitou a Alemanha (país em que vivera por uns meses em 1912, em Berlim e em Parchin, e em que casara, em 1913, com Grete Tiedemann, de Meclemburgo, que conhecera na Sorbonne). Dessa viagem deixou um diário, mais tarde publicado sob o título de Alemanha ensanguentada (1935). Neste texto, que constitui o início desse registo e que foi escrito há 87 anos, no dia de hoje, são visíveis as contradições e as hesitações num país saído de uma guerra havia dois anos, com difícil aceitação do acordado em Versalhes, assim como se evidencia a capacidade de perscrutar o ser humano, que Aquilino detinha, num exercício de leitura de rostos, de gestos, de tempos. Não sendo das obras mais conhecidas de Aquilino (tal como acontece com o É a guerra, que ontem referi), nem o género literário por ele mais praticado (o diarístico), ambas são um muito interessante retrato dos tempos e da maneira de olhar o(s) outro(s). Para lembrar a sua escrita, hoje, segundo dia de Aquilino no Panteão.

Aquilino Ribeiro visto por Diogo de Macedo (1918) [de couramagazinefoto.blogs.sapo.pt]

De Herbesthal a Berlim. Segunda-feira, 20 de Setembro de 1920.
Seis anos de ausência, subversão pavorosa de seres e coisas, como iria encontrar eu a Alemanha? Pungido de curiosidade, entro na gare de Herbesthal – antigo território do Reich - , com o tecto esburacado pelas bombas dos aeroplanos e os vastos cais difundindo uma impressão molesta de vazio e de silêncio. Onde param os latagões rosados, de vistosa e irrepreensível farda que,
pro forma
, se debruçavam de sorriso e luvas brancas sobre a nossa bagagem de passageiros? Em vez deles corre a esgadanhar-nos nas malas e estudar o passaporte com minúcia inquisitorial uma cáfila zumbidora e prolixa. São belgas, constelação nova do martirológio, a quem esta cidade teutónica com a respectiva comuna de Eupen coube em quinhão de partilhas. Lê-se-lhes nos olhos e ademanes uma faustosa mas desconfiada hipertrofia. A tragédia guindou-os a primeiros heróis do género humano, e ainda não estão bem persuadidos. Quando se persuadirem de todo, agora que já nos tratam com sobranceria, quem poderá afrontar-lhes a magnitude?
O comboio fica parado uma eternidade; finalmente descola, deixando não sei que arrelia a fuzilar nos olhos belgas, ou porque lhes seja desagradável ver-nos de rumo à Germânia execranda, como se fosse dever nosso não querer dares e tomares com semelhante raça, ou porque se lhes acabasse o diabólico regalo de nos massacrar com manápulas fiscais encardidas e o olho fero de argos fronteiriços.
A perder de vista, até os fuminhos baços do horizonte, névoa de céu ou orla de bosque, a campina estende-se com a riqueza de tom própria das pastagens outonais após as primeiras chuvas. Vamos ladeando a encosta com losangos de matagal e de cultivo agarrados aos flancos e vacas, inumeráveis manadas de vacas, quebrando com sua mansidão e brancura o sonoro e quente verde. À roda, pelas sebes e codeços, pincharolam corvos e gralhos; isolados uns dos outros, pelos saracoteios, idas e vindas sem explicação, dir-se-iam na terra, em que se não lobriga homem, os pastores da vacada. O comboio mete direito ao vale, amplo e liso como tábua, com a fita branca dum riacho a serpentear por entre a procissão dos choupos; no remoto horizonte miríades de pássaros sarabandeiam sob dormentes e roxas nuvens; cá temos a
deutsche Landschaft
.
No rápido, que antes da guerra tinha bem maior velocidade, gela-se; gela-se não porque faça frio; à baixa de temperatura junta-se o gelo interior, uma quase endoença baforada por esta terra do Norte que ainda não acabou de digerir o mortulho de quatro anos de açougada. Os viajantes parecem entorpecidos; calados, cabisbaixos, cada um irá a mascar no seu problema, enquanto as bielas e cem rodas vão batucando sobre os railhes a sua sinfonia altivamente bárbara. Em Aachen, cidade para que foi recuada a linha da fronteira, as formalidades de sempre; os alemães são ainda as mesmas pontuais e despachadas máquinas, mas seus rostos, gestos, movimentos afiguram-se-me trair má vontade pelo que estão a fazer, e uma brusquidão que lhes desconhecia ou sabiam disfarçar. Pela carruagem dentro rompem as faces glabras, deslavadas, dos oficiais que fazem parte das tropas de ocupação. Armados, reluzentes de correias e de metais, espartilhados no dólman de campanha
caca d’oie
, alevantam um eco marcial e dão ao mesmo tempo ao comboio certo ar de internacionalidade.
Ponho-me a examinar-lhes as caras, cujo taciturno ou seriedade, se quiserem, não é mais que contenção ou fisionomia do animal lançado numa determinada pista. Os britânicos têm sempre no sentido um alvo a tocar. Vão a reflectir, ou devaneando como eu? Qual! Vão embalados no seu inconsciente, ruminando porventura o
corned beef, e parece que se não dignam reparar que vai gente ao pé deles. A vigília e inquietação são apanágio do espírito; o motor inglês é instinto e aí está a sua força. Sobem sem olhar para nós; passam diante de nós sem uma vénia; o comboio como o mundo é ring
para eles; eis a gente de alto lá com ela a quem os pregadores alemães, durante a guerra, chamavam em suas imprecações ao Altíssimo ‘malandragem escrofulosa dos nevoeiros’.
Até Colónia mal se ouve falar alemão; é língua no índice; de Colónia em diante invertem-se os termos e só em voz baixa se fala outro idioma. Mutação, de resto, radical: a carruagem perde a feição neutra, cosmopolita; é alemã; roda com segurança alemã; vai cheia de alemães em que se converteram por metamorfose imprevista, além doutros, o cavalheiro sorumbático que vinha connosco de Paris, aquele rapaz que entrou em Vervier e arranha o castelhano, e a menina sardenta, de cabelos de oiro, que se me inculcara estudanta de Cambridge. Simultaneamente sinto em torno a reacção contra tudo o que cheira em nós a estrangeiro, a nossa cara, a nossa língua, as nossas malas. Explica-se: vindos de oeste, se não éramos franceses, éramos de país latino na mais provável das probabilidades. E passamos a ser, surda, mas furiosamente abominados; abominados menos no inimigo que venceu do que no inimigo que ditou a paz, e não pelo que esta representa de desdoiro para o germano, pois não se considera batido pelas armas, mas pelo que ‘revestiu de prepotência e falta de generosidade’.
Não nos molestam com um gesto; não nos jogam a mais leve injúria ou motejo; mas afivelam, apenas porque estamos na presença deles, a máscara que lhes ignorávamos de desdém e os torna alarves. E é curioso vê-los naquele fácies, povo que não sabe desprezar, porquanto o desprezo como sentimento furta-cores coaduna-se pouco com o génio dos fortes e é timbre das naturezas requintadas. Fingem ainda abstrair que vamos ao lado, e uns, em tom moroso, tom de pessoas convalescentes, conversam de tudo menos da guerra, outros, especados aos cantos, simulam dormitar.
Quatro anos de inferno, a terrível decepção, o
Diktat de Versalhes tinham passado por eles; tinham passado e apenas pela contractura e o salmodeado da voz se notava, que não por mais nada. Vestiam todos com decência e exibiam anafado e poderoso cachaço. A não ser que a cabina não levasse mais que Kriegs-Gewinner
, novos-ricos da guerra.
Noite fora, as estações vão discorrendo e com elas nomes rolantes como armões de artilharia, bufarinhados pelo mundo nos artefactos
made in Germany; todas cegas de luz e amplas, mas soturnas, vincadamente soturnas, quando eram animadas. A Alemanha, pressinto-o, cobriu a fronte com cinzas e está de pé diante do catafalco das suas ilusões e dos seus dois milhões de mortos. Com os alvores do dia, ouço vozear: Brandeburgo! Na manhãzinha, em ansioso sobressalto, vejo pular Spandau à retaguarda, depois às duas mãos os subúrbios meio estremunhados de Berlim.
” (Alemanha ensanguentada. Amadora: Livraria Bertrand, 1975)

Bocage à vista (32) no seu mês

Bocage (em madeira embutida) visto por Adelino Veiga (Setúbal, 2001)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Bocage à vista (31) no seu mês


Bocage, na Escola Secundária Sebastião da Gama (Setúbal, 2005)

Aquilino Ribeiro, no dia de hoje, há 93 anos

Há 93 anos, Aquilino Ribeiro estava em Paris a frequentar a Sorbonne. A Grande Guerra eclodiu no início do Verão e o escritor português registou em diário o que foi a vivência na capital francesa dos primeiros tempos da guerra, num tempo entre 1 de Agosto e 26 de Setembro, mais tarde (1934) publicado sob o título É a guerra. Hoje, Aquilino passou a estar no Panteão, mérito que lhe foi reconhecido pelo seu poder nas letras e na forma de retratar o homem na literatura. Divulgo o excerto desse diário relativo ao dia de hoje de há 93 anos, com Aquilino na efervescência e na tristeza da França, numa reflexão sobre o sofrimento, sobre o outro, sobre a memória, sobre a guerra.

Aquilino Ribeiro visto por Artur Bual (1964), reproduzido a partir de Boletim Cultural (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas, VI série, nº 5, Novembro.1985)

Sábado, 19 de Setembro [de 1914]
Ansiedade; prossegue a grande batalha ao norte de Reims. Nas gazetas lavra igual alarido ao da semana em que os alemães, ladeando Liege, avançavam nos plainos do Brabante. Então o eminente recontro libertaria a Bélgica, pois não podiam ser apenas fortuitas coincidências aquela dos exércitos se acharem em Waterloo e cair na altura o aniversário da batalha que pôs cobro à tirania sangrenta de Bonaparte. Depois, nos Campos Cataláunicos, em que sucumbiu Atila, os mesmos oráculos descobriram novo signo fatídico da vitória. Agora é a presente batalha que vai rematar a contenda, acabando com Nabucodonosor e as suas hordas.
Ontem e hoje a ansiedade transluzia, como névoa muito fina, nos rostos, nas conversações, no próprio ar, parece, coada mais pelo instinto do que pelo cérebro, uma vez que depois de seis semanas de furibundo e constante combate nada de positivo se sabe sobre a sorte da guerra, como raros são em França os que tiveram notícia de que os seus caíram mortos ou feridos na açougada. Os jornais levam a impudência a dizer que em Berlim o preto é a cor que mais está em moda e que as gazetas alemãs regurgitam com as listas das baixas. E o excelente povo francês, acarneirado por duas molícies, a riqueza e o comodismo, não conclui que, ao contrário do que sucede na imperialista Alemanha, as famílias aqui não são advertidas de quando lhes cumpre pagar aos seus mortos o tributo das lágrimas. Para o Memorial da Glória entram apenas, ao menos neste entretanto, nomes de celebridades de cenáculo, de sacristia ou gente da nobreza. A miuçalha que morre não é digna de ser memorada; o seu nome vai para baixo da terra com o corpo, se este não fica a apodrecer a céu aberto ou não oferece pasto aos corvos; mais tarde, quando muito, se escreverá em lápide de pedra a erguer no adro das igrejas.
A serenidade, a existir de facto, tem esta explicação; sabe-se que caem alemães em barda, pois o proclamam a cada passo os comunicados. Dos franceses, moita; caem do monte; e, como caem do monte, não se sabe; cada um, em particular, não sabe do seu filho, do seu irmão, do marido de Fulana, do cunhado de Beltrana, que são os que lhe falam ao sentimento; está inquieto; mas não alarma ninguém com lutos e prantos. Por isso, quando os jornais falam nos miasmas que se evolam dos mortulhos imensuráveis de Charleroi e do Marne, o francês tem a seráfica ideia de que semelhante fedor provém apenas de carcaças
boches. Não cabe no seu raciocínio que à defesa ou ataque sangrento do inimigo corresponde, com leve diferença, igual morticínio nas fileiras dos seus. Não, lá caem por milhares; cá, por dezenas. Esta proporção algébrica está no âmago duma consciência que, ultrapassando as raias do sacrifício e da abnegação, assiste de venda aos acontecimentos. E eis como se demonstra que podem coexistir no mesmo povo, paredes a meias, nada contraditórios, um estado superior de civilização, gosto requintado, espírito egrégio, malícia, finura de maneiras, e o mais crasso sendeirismo, como enunciámos paralelamente quanto à Alemanha.
Reprimir as demonstrações da dor é virtude; estancar a dor, sublimando-se as almas até tirarem contentamento do holocausto, é literatura barresiana e mais nada. Os alemães podem ser diferentes dos franceses no génio, na bravura, no patriotismo; na dor são irmãos gémeos. Os centros nervosos procedem da mesma cepa ária; mais uns graus ao Norte, menos uns ao Sul, pode variar a capacidade de sofrer de maneira apreciável? Por cima das diferenças físicas a dor nivela o mundo; não são mais igualitárias as religiões.
Devido à cegueira em que anda mergulhado o povo francês quanto ao diagnóstico da guerra, nada mais furta-cores que o seu estado de espírito, amálgama provável de ansiedade, esperança, fanfarronada, transitórios frenesis, desesperos. Uns tantos algarismos e podia ruir o maravilhoso castelo da conformidade. O silêncio, nesta hora, é a grande razão de Estado.
La lutte continue, e é quanto de barométrico se sabe da mortualha.
” (É a guerra. Amadora: Livraria Bertrand, 1975)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Bocage à vista (30) no seu mês

Escola Secundária Bocage (Liceu), Setúbal
"Magro, olhos azuis, carão moreno" - trabalho de alunos para a Semana Bocage na Escola Secundária Bocage (Setúbal, Abril 2005)

Bocage à vista (29) no seu mês



"Botequim du Bocage", na Praça de Bocage (Setúbal)

Bocage à vista (28) no seu mês


Bocage como tema da Feira de Sant'Iago, em Setúbal (Julho de 2005)

No "Correio de Setúbal" de hoje

Diário da Auto-Estima – 66
Espaços – Há cerca de duas semanas, em jeito de inquérito para a rubrica “Férias dos Famosos”, o jornal O Setubalense publicou as respostas da Presidente da Câmara de Setúbal. Ao referir-se àquilo que “Setúbal não tem e deveria ter”, a autarca mencionou, entre outras coisas, uma “grande superfície comercial”. Não sei que conceito subjaz a esta ideia, mas, se for o de uma superfície igual a tantas outras que por aí pululam, creio que o ganho e a vantagem serão escassos. Muita gente vai à “grande superfície comercial” que existe em Almada, mas não vai a Almada; aliás, o comércio em Almada parece não ter lucrado nada com o facto de muita mais gente acorrer para aquelas bandas. O mesmo me disseram que se passa em relação ao Montijo. O que me admira é que esta febre de consumo seja considerada uma prioridade para Setúbal, uma vez que o interesse imediato da tal “grande superfície” não é o regional, muito menos o local, mas a regra do lucro, que, não sendo um pecado, nem sempre é a mais conveniente. Recorde-se, aliás, o argumento que, há poucos meses, uma cadeia de distribuição das “grandes superfícies” usou para pressionar quanto à abertura desses espaços nas tardes de domingo – a liberdade que cada um poderia ter de ir comprar onde lhe apetecesse! Ironia, claro! Joga-se com a nossa “liberdade” para satisfazer uma pretensão que se sabe não colher graças. Aqui mesmo ao lado, em Espanha, quando quis ir a uma “grande superfície comercial” num domingo, confrontei-me com o seu encerramento com excepção das áreas dos cinemas e da restauração; países com melhor nível e qualidade de vida do que nós, na Europa a que pertencemos, não integram “grandes superfícies” nos centros comerciais e estes encerram às 19h00, com excepção de um dia na semana, em que o podem fazer às 21h00. Por cá, pensa-se na exploração do consumidor, ainda que usando, por vezes, também o argumento da criação de postos de trabalho… valendo a pena pensar também em quantos postos de trabalho desapareceram por causa desta filosofia comercial. Duvido frequentemente da marca de bem-estar atribuída às “grandes superfícies comerciais”…
Blogues – Durante as férias recebi uma mensagem com o endereço de um blogue e um anúncio que dizia estar o mesmo “a agitar Setúbal”. Consultei, li e não gostei, sobretudo pela forma como as coisas ali são ditas (com recurso à degradação da honra e da imagem dos visados, ao insulto, a uma linguagem por vezes baixa e soez) e também pelo anonimato a coberto de que as afirmações são feitas, estando o leitor quase perante um julgamento na praça pública. Os alvos são autarcas da cidade, mas nada impede que, com esta falta de regras, possam ser outros cidadãos. Na sequência desse blogue já houve inquérito na autarquia. Os blogues têm sido um marcado espaço de opinião, de informação, de aprendizagem e de cidadania, sendo pena que, a troco do insulto (irrisório e vão lucro, com deficiente sentido do que é estar no mundo!), sirvam também para albergar todo o contrário disso. Os blogues são também o retrato da sociedade em que estamos e daqueles com quem nos cruzamos, hipótese aqui reforçada pela desconfiança gerada quanto às fontes que se aquartelam atrás do anonimato… O facto de se poder recorrer à Internet sob forma anónima dará o direito de se poder violar os direitos dos outros?

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Bocage à vista (27) no seu mês

Bocage, realizado por Leitão de Barros (1936) - material promocional. Depois de ter realizado A Severa (1931) e As pupilas do Senhor Reitor (1935), Leitão de Barros lançou-se em Bocage, justificando: "tomou-se apenas o que desse génio se pode e deve reter - os momentos de pura inspiração do poeta, a volubilidade desconcertante do amoroso, a espontaneidade risonha do humorista." Ao longo de 124 minutos, contracenaram Raul de Carvalho (Bocage), Maria Castelar (Anália), Maria Helena (Márcia), Celita Bastos (Canária), Maria Valdez (Marquesa de Alorna), Araújo Pereira (Pina Manique), António Silva e Lino Ferreira (Tomé e Francisco, polícias da Intendência), Tarquínio Vieira (António Coutinho), Joaquim Prata (poeta Caldas) e João Villaret (D. João VI). Tomás Alcaide participou com "O amor é cego e vê". Teve estreia no S. Luís, em 1 de Dezembro de 1936. [Dados recolhidos em O cais do olhar, de José de Matos-Cruz - Lisboa: Instituto Português de Cinema, 1981].

Outra vida na escola

A escola ganha, de repente, outra vida: os rostos, os olhares, os risos, a alegria, o reencontro, a curiosidade, as dúvidas, a burocracia ainda por completar, os horários, as turmas, os novos, os profs, as férias que já lá vão, olá como está, professor vai ficar com a nossa turma neste ano, vocês cresceram hein, já tinha saudades do pessoal, sabe quem são os outros profs, que actividades vamos ter, quem é director de turma, o que faz falta, os rostos, os olhares, as ânsias, as vontades, a energia, os alunos, os alunos, os alunos.
Cruzam-se recordações, partilha-se um pouco do espaço temporal que nos separou, encontram-se regras, discutem-se pormenores, a gente já ouviu isso mas faz falta repetir, já temos os "setores" todos, não acha que devia haver o clube de e mais o de, cruzam-se ideias, cruzam-se vidas, há cá um colega novo na turma de onde é que ele vem ó pá tenho que lhe falar, temos que ir agora buscar as senhas para os transportes, olha a professora de, eh pá e já tens os livros e os materiais, hoje não trouxe esferográfica, e é hoje que elegemos os delegados de turma, não há direito a fotografia para a tomada de posse, foram eleitos vão assinar a acta e batemos-lhes palmas, ó "setorazinha" não vai ficar connosco, entrelaça-se vida e partilha.
Está o ano lectivo a começar e somos levados a entrar com olhos claros nesta efervescência de ritmo e de vida. É bom reencontrar a escola que tinha entrado de férias! E recordo-me o que Sebastião da Gama registou no seu Diário no seu primeiro dia de estágio, em 11 de Janeiro de 1949: "Vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar e conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. E dentro dessa convivência, como quem brinca ou como quem se lembra de uma coisa que sabe e vem a propósito, ir ensinando. Depois, esta nota importantíssima: lembrar-se a gente de que deve aceitar os rapazes como rapazes; deixá-los ser: porque até o barulho é uma coisa agradável, quando é feito de boa-fé."
Chega-se a casa e relembra-se o rol das emoções próprias e dos outros. E, numa navegação rápida, cai-se no Correio da Educação e lê-se, na edição de hoje, o artigo "Dicas para um bom ano lectivo", de José Matias Alves. Ainda que não sejamos muito atreitos a recomendações de virtude e exemplo, vale a pena mergulhar nestas "dicas" porque ajudam. E todos nós, professores e educadores, sabemos como o sucesso de um aluno ou de uma turma pode passar pela relação e pelo que ela implica. As "dicas" são breves, mas são um bom lembrete.

Bocage à vista (26) no seu mês

Bocage, por Laurinda Garradas (Setúbal, 2005)

Bocage à vista (25) no seu mês


Quartel do 11, em Setúbal, que, ao tempo de Bocage, tinha a designação de "Regimento de Infantaria de Setúbal" - Inscrição na lápide: "Regimento de Infantaria de Setúbal - Em Setembro do ano de 1781 assentou praça voluntariamente nesta Unidade com a idade de 16 anos Manuel Maria Barbosa du Bocage - Viria a ser um dos maiores poetas portugueses - 22-9-1908"

A propósito de premiados nas Olimpíadas da Matemática

Três estudantes portugueses foram os vencedores das Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática, sendo dois deles alunos de escolas públicas. Se chamo esta origem para aqui é para insistir no mérito que existe também nas escolas públicas, de tal forma ele é por vezes escamoteado, como se não pudesse ser um dos seus atributos! Obviamente, há que felicitar os estudantes que cometeram o feito, assim como todos os outros que com eles comungaram na peregrinação matemática ao longo do Verão.
Mas há também que pensar no que, no editorial de hoje [16 de Setembro] do diário Público, o seu director, José Manuel Fernandes, escreveu a propósito do assunto: “O nosso sistema de ensino não está, contudo, desenhado para estudantes como aqueles. Na maior parte dos casos, os bons alunos, os que podiam evoluir mais depressa, arrastam-se em turmas onde os professores têm, sobretudo, de tentar recuperar os que estão a ficar para trás. Ou, nalguns casos, em turmas onde há colegas com problemas reais de aprendizagem. O erro não está, como é óbvio, em não querer deixar para trás os mais fracos, mas sim nos preconceitos que impedem que sejam dadas aos mais válidos, aos mais talentosos, as melhores condições. Sem olhar à sua origem social, sem ficar condicionado pelo tipo de escola em que anda a estudar. Sem que isso aconteça, nunca teremos uma massa crítica mínima de talentos nas principais áreas do conhecimento. Teremos apenas excepções. Mas para criar essa massa crítica de talentos é necessário tratar de forma diferente alunos diferentes, não querer impor o mesmo padrão (necessariamente baixo) a todas as escolas (…)”
Não teria sido necessário ao editorialista chamar o caso das elites para o seu título. É que o problema indicado existe e a valorização dos alunos mais esforçados, dos “bons alunos”, não passa, com frequência, do que, no final de cada período lectivo, sai como avaliação. No entanto, teria sido útil a este comentário jornalístico o apontar de algumas pistas para essa criação de talentos, sem se resumir apenas à diferença.
A escola passa por isto todos os dias. E a imagem deste tempo, em que o trabalho nem sempre é valorizado, também paira nas escolas (onde, além dos tais alunos com "dificuldades reais", coexistem outros, os que seguem os ícones deste tempo).
Mas… que soluções adoptar para lá daquilo que possa ser a divisão do mundo na esfera das elites e nos outros? Por outras palavras: como levar a educação a pautar-se por um padrão mais elevado? Essa, creio, terá de ser uma preocupação profissional (na escola), política (na governação e na gestão) e social (na família e na comunidade).

domingo, 16 de setembro de 2007

Bocage à vista (24)

"Bocage e as ninfas", por Fernando Santos (1929)

sábado, 15 de setembro de 2007

Bocage à vista (23) no seu dia

O Elmano, Setúbal: 05.Março.1893 (1º número)
Viva Setúbal, Setúbal: Janeiro.2003 (1º número)

Bocage à vista (22) no seu dia

Ler Bocage