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domingo, 25 de junho de 2017

"Vale a pena?" - Inês Fonseca Santos em conversa com escritores



“Este livro é o resultado de uma série de conversas que tive com escritores sobre os seus modos de olhar o mundo, de o imaginar, sobre os seus modos de criar e sobre as condições em que criam. Não é, por isso, um estudo sobre o funcionamento do mercado editorial, nem um esboço sobre o panorama da situação actual portuguesa no que à publicação de livros diz respeito.” Assim começa a “Nota Prévia” de Inês Fonseca Santos ao seu livro Vale a Pena? - Conversas com Escritores (Col. “Retratos da Fundação”. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017), em que a palavra “pena” surge em itálico, a chamar a atenção para o jogo de ideias que a palavra permite, entre o trabalho e o instrumento de escrita.
Parceiros de conversas foram Luís Quintais (n. 1968), António Mega Ferreira (n. 1949), Álvaro Magalhães (n. 1951), Mário de Carvalho (n. 1944), António Cabrita (n. 1959), Afonso Cruz (n. 1971), Helder Macedo (n. 1935), Paulo José Miranda (n. 1965), Catarina Sobral (n. 1985), Miguel Real (n. 1953) e Patrícia Portela (n. 1974), com entradas de Manuel António Pina, Eduardo Lourenço e de Alexandra Lucas Coelho e referências a muitos nomes do universo da escrita (Virginia Woolf, Paul Valéry, Jorge Luis Borges, Arturo Pérez-Reverte, Fernando Pessoa, Quino, Italo Calvino, José Cardoso Pires, Saramago, entre outros).
Poderá o leitor esperar resposta à pergunta que configura o título deste resultado de conversas, em género de reportagem desenvolvida? No final, é a própria autora que responde: “Não se espere, neste último capítulo, uma resposta. Para compor este livro, escolhi conversar com escritores que respondem às perguntas com outras perguntas. Por isso, se peço que me digam o motivo que os levou a escrever ou o motivo por que continuam a escrever, uns falam-me de revoluções e leituras, outros de rimas adolescentes e acasos... Recolho, portanto, a circunstância, não tanto o motivo, que todos sabemos insondável.”
Em 1985, o Libération publicou, em número excepcional (Março), a revista “Pourquoi écrivez-vous?” (retomando a ideia que a revista Littérature já tinha feito em 1919), reunindo as respostas recebidas de 400 escritores de 80 países, aí se contando os portugueses Augusto Abelaira, António Alçada Baptista, Almeida Faria, Agustina Bessa-Luís, José Cardoso Pires, Vergílio Ferreira, Lídia Jorge, António Lobo Antunes, Fernando Namora e José Saramago. Se a pergunta era simples, a resposta não o era tanto assim - e, por isso, os organizadores, Daniel Rondeau e Jean-François Fogel, concluíam a sua nota de abertura desta maneira: “La question n’est pas simple. La plupart des écrivains ont voulu faire plus qu’y répondre: la dominer. C’est pourquoi cette enquête est plus qu’un atlas littéraire ou un autre état des lieux. C’est un exceptionnel auto-portrait de la littérature d’aujourd’hui. Les écrivains s’écrivent. Tout va bien.” Na publicação francesa, não houve mediação nem filtros e os escritores tiveram via aberta (apenas cerca de uma vintena de depoimentos não tiveram publicação integral por se aproximarem mais do ensaio sobre literatura); no trabalho de Inês Fonseca Santos, a selecção dos segmentos e a montagem do “puzzle” ficou a cargo da autora. Contudo, a pergunta - como foi feita em francês ou como foi apresentada em português - nunca encontrará uma resposta óbvia, muito embora as justificações dadas possam permitir a construção de retratos; assim, o Libération concluiu que “les écrivains s’écrivent” e Inês Fonseca Santos remete-nos para o “insondável” do motivo - respostas mais próximas do que parece...
A matéria recolhida deu para cinco capítulos (e conclusão), todos eles abordando questões tão pertinentes quanto o papel e o reconhecimento do intelectual, as condições para se ser escritor, a leitura e a formação do escritor, a necessidade de uma “vida dupla” do escritor (a profissão de que viver e a criação), o mercado livreiro e os prémios literários e o papel dos leitores. No seu conjunto, uma visão multifacetada sobre a condição e a situação do escritor em Portugal. Ou de alguns escritores.
Há, pelo menos, duas certezas nesta teia que Inês Fonseca Santos construiu, ambas dadas por textos literários citados: a primeira, logo no início do livro, com o poema “A mão”, de Wislawa Szymborska (1923-2012, Nobel da Literatura em 1996), a propósito da criação e dos efeitos da escrita («Vinte e sete ossos, / trinta e cinco músculos, / cerca de duas mil células nervosas / em cada uma das pontas dos cinco dedos. / É quanto basta / para escrever Mein Kampf / ou A Casinha do Ursinho Puff.»); a segunda, ainda relacionada com a criação e também com a obra, poema devido a Manuel António Pina (1943-2012), que encerra o livro - «Senhor, permite que algo permaneça, / alguma palavra ou alguma lembrança, / que alguma coisa possa ter sido / de outra maneira, / não digo a morte, nem a vida, / mas alguma coisa mais insubstancial. / Se não para que me deste os substantivos e os verbos, / o medo e a esperança, / a urze e o salgueiro, / os meus heróis e os meus livros?» Bela forma de concluir um livro que, a partir de perguntas, deixa perguntas para que cada qual construa as suas respostas ou apenas porque a resposta é uma outra pergunta...

Sublinhados
Reconhecimento - “Qualquer chefe cozinheiro ou qualquer modista ou coisa parecida é mais importante do que um professor, e os professores são um dos aspectos da representação social do saber; o professor tem saber, mas é desvalorizado. E não são só os professores a serem desvalorizados; são desvalorizados os escritores, os cientistas, os pintores, os artistas das mais diversas áreas... Isto porquê? Porque o predomínio é o do negócio, o da traficância, que joga com o recurso aos impulsos mais básicos, mais primários, mais simples.” (Mário de Carvalho)
Surpreender o leitor - “As boas narrativas são aquelas em que o final desvia uns milímetros a expectativa do leitor. Não desvia completamente para não defraudar o leitor, mas desvia o suficiente para o surpreender, para o intrigar, para o espantar.” (Catarina Sobral)
Leitura e escrita - “A leitura é a grande escola da escrita. O que não quer dizer que não tenha havido notáveis escritores que tenham lido pouco. (...) É no acumular da leitura que vamos encontrando, e não é racionalmente, a nossa voz, feita de uma pluralidade de vozes. (...) A escrita é sempre tudo aquilo que lemos mais a diferença.” (António Mega Ferreira)
Ser escritor - “O escritor é, por essência, o herdeiro do intelectual dos séculos XVIII e XIX. Não é um profeta, mas, não raro, intui os caminhos negativos atravessados pela sociedade, denunciando-os, contribuindo para os corrigir. Não é um justiceiro, mas revolta-se contra desigualdades gritantes e apresenta alternativas sociais mais justas. Não é um sonhador, mas sofre de profundas doses de lirismo que humanizam as leis sociais.” (Miguel Real)
Literatura - “Precisamos da literatura, ou não continuaremos a ser humanos. Em tudo, encontramos linguagem. Talvez o apocalipse anunciado seja só uma provocação e uma orientação para se discutir o seu novo lugar na contemporaneidade, se é que ainda lhe resta algum lugar; e, ao mesmo tempo, apontar-lhe uma saída, a de uma outra forma de existir, nem que seja apenas resistindo.” (Álvaro Magalhães)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"Sermão do Desacordo" - a propósito do Acordo Ortográfico de 1990


Nunca fui fã do Acordo Ortográfico (AO 90) em que sou obrigado a escrever nos documentos sujeitos ao epíteto de "oficiais". Isto obriga-me, como a muitos outros, por certo, a ter de praticar a grafia anterior ao Acordo e a do Acordo, o que é jogar numa duplicidade absolutamente desnecessária e incompreensível, sobretudo porque não advieram vantagens - quaisquer vantagens - da prática do AO 90.
No Público de hoje, Rui Miguel Duarte assina o texto “Sermão do Desacordo aos Deputados”, começando por referir que está agendada para o próximo dia 20, a partir das 10 horas, a apreciação da Petição N.º 259/XII/2, pela Desvinculação de Portugal em relação ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90) e que "a petição , que conta já com mais de 15.000 subscrições, mereceu da parte do relator, o deputado Michael Seufert (CDS), um parecer exemplar, que merece ser lido e entendido."
Subscrevo a opinião da utilidade da leitura do parecer assinado por Michael Seufert e não posso deixar de assinalar o final do artigo de Rui Miguel Duarte, num apelo aos deputados para apreciações pautadas por rigor que nem sempre é evidente nem evidenciado e que aqui reproduzo:

sábado, 19 de outubro de 2013

Salman Rushdie e o poder da literatura no nº 2 da "Granta"



O nº 2 da edição portuguesa da revista Granta já anda por aí. Entre os muitos textos, um de Salman Rushdie, que li hoje, alberga-se sob o título de "Mas já nada é sagrado?" e o tema da revista é o "poder". Imagine-se sobre que poder Rushdie escreve... Isso mesmo: sobre o poder da arte que é a literatura.
Do que conheço sobre o assunto, é um dos textos mais bonitos que responde ao porquê de se escrever ou ao porquê de se ler... ou aos dois em conjunto. Vale a pena.
Deixo duas citações, profundas e intensas. A primeira: "O espaço interior da nossa imaginação é um teatro que nunca pode ser fechado; as imagens aí criadas compõem um filme que ninguém pode destruir." E a segunda: "A literatura é o único lugar em qualquer sociedade onde, na privacidade das nossas próprias cabeças, podemos ouvir vozes que falam de tudo de todas as maneiras possíveis."


quinta-feira, 11 de julho de 2013

Helder Moura Pereira: infância e adolescência em "Eu depois inventei o resto"



Helder Moura Pereira socorre-se da infância e da adolescência em cerca de uma dúzia e meia de poemas que compõem Eu depois inventei o resto (Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2013). Poemas de lembrança, com Setúbal à mistura. Eis o último poema, lindo e sensível, sobre a escrita e a justificar o título:

No meu tempo, ah, dizer no meu
tempo é engraçado, havia pais
que levavam os filhos às putas.
Sei que houve gente que adorou
e outra que ficou traumatizada
para o resto da vida. O meu pai não
me levou a coisa nenhuma dessas,
mas deu-me o primeiro vinho a provar
e ensinou-me a escrever. Eu
depois inventei o resto.

sábado, 24 de março de 2012

Máximas em mínimas (78) - Luis Sepúlveda

Dor – “As cicatrizes são monumentos à dor.”
Escrita – “A palavra escrita dá forças, une.”
Leitura – “As feridas dos heróis da literatura são rapidamente curadas com o bálsamo da leitura.”
Marginal – “Uma formidável lei da vida faz com que os lixados deste mundo se encontrem.”
Medo – “As sociedades que crescem no medo aceitam como legítimo tudo aquilo que provém da força, seja das armas, seja do capital.”
Pobreza – “A grande verdade solidária dos pobres nunca oxida.”
Ternura – “A ternura tem que ser protegida com dureza e a dor não nos pode paralisar.”
Luis Sepúlveda. As rosas de Atacama (2000, trad. portuguesa)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

“Histórias daqui e dali”, de Luis Sepúlveda

Vinte e cinco crónicas compõem o volume Histórias daqui e dali, de Luis Sepúlveda (Porto: Porto Editora, 2010), numa ponte que nos remete para espaços, para os lugares, que se estende entre a América Latina e a Europa, pontos de fixação do próprio cronista.
Em grande parte dos casos, estas crónicas são visitações a tempos passados, num percurso através da memória, insistentemente mostrando a faceta do exilado. Por elas passam convicções, recordações, amigos, experiências, reencontros, histórias de livros, ironias da vida, chamadas de atenção, não esquecendo um pendor crítico sobre formas de viver de hoje.
Por Portugal e pela literatura em português passam também estas crónicas, havendo uma delas que toma o cenário do “Correntes de Escritas” poveiro e o contador de histórias que é o angolano Nelson Saúte.
Estas crónicas caminham sempre no sentido da procura de pontos de apoio, cimentados por referências comuns, independentemente das latitudes, atitude talvez justificada por esta afirmação de identidade – “Nós, os exilados, somos como os lobos, para onde vamos juntamo-nos às alcateias que não são as nossas, mas convivemos, caçamos juntos, e, no entanto, a lua convida a afastar-nos para uivar de solidão.”
Marcadores
Velhos textos - “Quando nos deparamos com velhos textos é como se nos encontrássemos de novo connosco, e estes reencontros são sempre comoventes.”
Exílio - “Todos os exílios duram demasiado tempo e cada experiência é única.”
Viajar - “O direito de viajar ou de permanecer é inerente ao ser humano. O visto para ir ou ficar é um golpe cruel e planificado na liberdade do indivíduo.”
Alfarrabistas - “As lojas de livros usados são pátrias especiais e necessárias.”
Ficção - “A ficção é sempre um prolongamento da realidade.”
Jornalismo - “A precariedade em que caiu o jornalismo faz com que ninguém seja responsável pelo que se escreve, diz, ou emite, salvo raras excepções, e com que sejam poucos os jornais feitos por jornalistas que, com absoluto rigor, assistem ao funeral de uma profissão tão bela quanto necessária.”

terça-feira, 8 de junho de 2010

Do Jogo ao Texto - Quando os alunos se encontram com a literatura

Ontem, na minha Escola, foi a apresentação da antologia de textos literários escritos por alunos intitulada Do Jogo ao Texto, alusiva a este ano lectivo, sessão que contou com alguns dos autores a lerem os seus próprios textos e com as intervenções de três grupos musicais participados por alunos da Escola.
Do Jogo ao Texto nasceu há 20 anos, perfeitos em Maio passado. Nessa altura, Maio de 1990, saiu o primeiro volume desta antologia, reunindo colaborações de meia centena de jovens. Depois, anualmente, até 1993, saíram mais três volumes. Dez anos passados, em 2003, surgiu a quinta edição deste projecto. E, volvidos mais sete anos, agora, foi a vez do sexto. No total, até hoje, 430 alunos deixaram palavras de criação neste suporte, em cerca de 400 páginas, alguns deles nunca tendo chegado a pensar que iriam ter o seu nome num livro por edição escolar que fosse.
Ainda agora isso aconteceu: quando enviei um mail aos alunos autores a dizer o que ia acontecer, uma aluna pensou que seria uma piada que o professor estava a fazer e não quis acreditar… e teve de certificar a informação com outras pessoas e, depois, comigo. “Não imaginava ser possível, professor!”
Nutro um certo carinho por este projecto, porque lhe dei início, tendo, nos anos seguintes, passado a responsabilidade de o manter a uma equipa que partia do seguinte princípio: aproveitar os textos de qualidade literária produzidos pelos alunos para que, no final do ano lectivo, houvesse uma antologia dessas mesmas peças. E assim tem sido, com envolvimento de professores, de turmas, da Escola, com entradas pela fruição estética e pelo aprender a desvendar os segredos que a literatura insiste em guardar e revelar.
Por esta selecta passam trabalhos amadurecidos, nuns casos, trabalhos surgidos de repente, noutros casos. Há textos que foram produzidos, revistos, demoradamente elaborados; há textos que surgiram em momentos especiais, como em testes ou trabalhos feitos na lufa-lufa das aulas. Há textos individuais e textos colectivos, uns e outros agora dados à partilha. Todos valem pela criatividade, pela mensagem, pelo tema, pelo esforço, pela experiência, pela estética.
A edição deste ano aloja 60 páginas por onde passam poemas e prosa, diários simulados, cartas a personagens, continuações de textos literários lidos em aula, recriações sobre a vida, sobre o amor, sobre a felicidade e sobre as dores, em português, em inglês e em moldavo.
É uma gota, eu sei. Mas que valeu a pena pelas alegrias que transpareceram nos rostos dos alunos ao lerem-se e ao lerem o que os outros escreveram. E também nos olhares dos pais que, na tarde de ontem, assistiram à apresentação.
A edição deste ano lectivo, a sexta, teve ainda a colaboração de uma dezena de professores e da Câmara Municipal de Palmela, através do Programa de Apoio a Projectos de Escola.

OS ROSTOS DAS EDIÇÕES ANTERIORES

Capas de Do Jogo ao Texto, de 1990, 1991 e 1992

Capas de Do Jogo ao Texto, de 1993 e 2003