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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Círio de Nossa Senhora da Tróia vivido em livro



“A Festa de Nossa Senhora do Rosário de Tróia tem a duração de três dias (sábado a segunda-feira) e a sua data é marcada nas três primeiras semanas do mês de Agosto, dependendo das marés, de modo a que os barcos de pesca de maior calado possam entrar na Caldeira de Tróia na tarde de sábado e saírem na tarde de segunda-feira para o regresso a Setúbal.” É assim que começa o livro Círio de Nossa Senhora da Tróia (2023), em texto assinado por José António Carvalho, o seu mentor.

São quatro os autores que colaboram nesta obra, cujos textos surgem em português e em inglês: José António Carvalho, Casimiro Henriques, Maria Miguel Cardoso e Inês Vaz Pinto.

O primeiro faz a apresentação da festa, com o seu programa detalhado, e contextualiza-a no âmbito das comunidades piscatórias setubalenses de Fontainhas e de Tróino, nascidas a partir de geografias diferentes (da zona da Murtosa, a primeira, e da região algarvia e de Setúbal, a segunda), cada qual com a sua romaria própria ao longo de muito tempo, separação entretanto esbatida, quer pelas alterações sociais, quer pelas mudanças resultantes do ordenamento - explica José António Carvalho, recorrendo a informação de Maria Miguel Cardoso, que a rivalidade entre os dois bairros “era essencialmente masculina”, uma vez que as mulheres e as crianças “rapidamente se misturavam  nas fábricas de conservas onde as relações sociais estabelecidas primavam pela solidariedade na pobreza”. Por outro lado, o reordenamento da zona ribeirinha setubalense acontecido na década de 1990, ao trazer os barcos de pesca para a Doca dos Pescadores, acabou por ser determinante para a aproximação entre as duas comunidades, de tal forma que, “actualmente, a comissão de festas é constituída por pescadores e descendentes de pescadores varinos, mas no círio fluvial e na festa participam pescadores de todas as comunidades.”

José António Carvalho é ainda responsável por cerca de uma centena de fotografias da festa, organizadas em três momentos (ou “narrativas fotográficas”), captadas nas cerimónias realizadas entre 2010 e 2019, verdadeira reportagem visual da totalidade das festas e do empenho posto pelos participantes, de tal maneira é forte e expressiva a presença humana nos tempos retratados, em que surgem os intantes da preparação, da oração e da alegria da festa.

O padre Casimiro Henriques assina o texto que se debruça sobre a experiência de fé dos romeiros, explicando o convívio entre o dogma e a religiosidade popular. A intensidade desta aproximação é visível no momento da experiência que vivencia a festa - “Para entendermos o sentido profundo dos romeiros e da romaria, é preciso estar lá. Olhar olhos nos olhos encharcados dos que dirigem ‘à santa’ as suas preces. É preciso contemplar as mãos trémulas ao acender as velas. É preciso saborear as palavras simples impregnadas das graças recebidas e agora agradecidas.” Eivado deste sentimento testemunhal, o texto funciona como um convite em que a emoção marca presença.

Maria Miguel Cardoso faz uma abordagem sociológica da festa, destacando o papel assumido pela população na preservação deste evento ligado à freguesia de S. Sebastião (não esquecendo o que foi a “reconquista” da organização da festa em meados da década de 1940, depois de, durante cerca de 15 anos, ter sido organizada por um padre de Melides, que não consentiria na participação dos setubalenses...). Interessante é ainda a leitura apresentada quanto ao sentimento comunitário que a festa tem e quanto ao seu papel na proximidade entre as pessoas e na construção de famílias.

O último texto, assinado por Inês Vaz Pinto, apresenta Tróia como “lugar sagrado”. Recuando às visitações da Ordem de Santiago, verifica-se que, já pelo século XVI, “a ermida não era apenas frequentada pelos habitantes da região, mas sim um lugar de peregrinação para gente vinda de longe”. O texto passa pela primeira referência explícita à festa em 1707 (por Frei Agostinho de Santa Maria), à presença do pregador bem conhecido na região que foi o padre Nabeto ou à retoma da organização da festa pelos pescadores de S. Sebastião em 1945. Para Inês Vaz Pinto, a capela de Nossa Senhora do Rosário da Tróia assenta num espaço que a História tem provado ser tradicionalmente religioso - “não só está muito perto da igreja paleocristã da época romana, como parece ter sido construída sobre um templo romano.”

O círio de Nossa Senhora da Tróia, cuja procissão é em linha directa, atravessando o Sado, da igreja de S. Sebastião para a Caldeira, e com passagem pelo Outão e trajecto costeiro no regresso às Fontainhas, surge bem documentado numa abordagem visual e interdisciplinar nesta obra, que fica como referência para esta manifestação religiosa setubalense, em fotografias que alimentam a memória e em textos de que não está alheia a vivência da festa.

* João Reis Ribeiro. "500 Palavras". O Setubalense: nº 1135, 2023-08-31, p. 10


sábado, 12 de dezembro de 2020

“Jóias do Passado em Portugal” - Quatro são na região de Setúbal


 

Na colecção “Edição Especial Viagens”, a National Geographic publicou o título Jóias do Passado em Portugal, obra que reúne 51 propostas de visitas a esse passado em 160 páginas assinadas por um leque de 16 autores.

Organizada em seis partes - “Pré-História”, “Idade dos Metais”, “Mundo Romano”, “Mundo Pós-Romano”, “Antes da Nacionalidade” e “Museus Inesperados” -, esta revista propõe quatro visitas no distrito de Setúbal: Quinta do Anjo (Palmela), Alcácer do Sal, Tróia (Grândola) e Miróbriga (Santiago do Cacém).

Os hipogeus (monumentos funerários do final do Neolítico) de Quinta do Anjo, escavados pela primeira vez em 1876 por António Mendes, são abordados no primeiro capítulo, em texto subscrito por Paulo Rolão - “este conjunto tumular, constituído por quatro hipogeus, é único no território nacional” e as construções “obedecem à arquitectura característica deste tipo de sepultamento, com topo aplanado, uma câmara subcircular dotada de abóbada com clarabóia superior central, antecâmara de planta ovalada e um corredor estreito com sentido descendente para a entrada da câmara”.

Já no segundo capítulo, é apresentado o recém-inaugurado Museu Pedro Nunes, em Alcácer do Sal, espaço que deve o seu nome a “um dos maiores matemáticos de todos os tempos” nascido naquela cidade. Pedro Sobral Carvalho garante que esta valência “é um daqueles espaços onde nos orgulhamos do nosso passado, onde todos nós, mesmo não sendo de Alcácer do Sal, sentimos e percebemos o que somos como povo e como país”.

As ruínas de Tróia integram a terceira parte, sendo consideradas por Inês Vaz Pinto “o maior centro de produção de salgas de peixe do Império Romano” - no que ainda existe, são identificáveis 29 oficinas de salga e cerca de 180 tanques, pensando-se que o enchimento destes tanques levaria 700 toneladas de peixe e 300 toneladas de sal, dados que conferem a este antigo povoado o estatuto de importante “motor económico do baixo vale do Sado” e ponto fulcral no desenvolvimento do Império.

Finalmente, a região de Santiago do Cacém surge pelo espaço das ruínas de Miróbriga, também incluída na terceira parte, referindo Filomena Barata tratar-se de complexo urbano que se estenderia até 9 hectares e que incluía um hipódromo, identificado em 1949, “raridade no contexto da Lusitânia”, com as dimensões de 359 metros de comprimento por 77,5 metros de largura.

Dirigida ao grande público, esta edição de Jóias do Passado em Portugal constitui uma acessível listagem de pontos relevantes da História de sítios que vieram a ser Portugal, com documentação fotográfica que passa também pela reconstituição dos espaços abordados.