sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ficha de leitura (2) - Luiz Pacheco em conversa

Em torno de Luiz Pacheco houve umas quantas (grandes) entrevistas, algumas reunidas nos dois volumes O uivo do coiote (ambos da Contraponto e ambos com trabalho gráfico de setubalenses; o primeiro, de 1992, com uma entrevista feita por Baptista-Bastos para o JL, em 1985, preparado por José Teófilo Duarte; o segundo, de 1996, com capa de Paulo Curto, republicando a do volume anterior e mais três, feitas por Clara Ferreira Alves e João Macedo, para o Expresso em 1988, por António Tavares-Teles, para A Capital em 1988, e por Rui Zink e Carlos Quevedo, para a K em 1992). Recentemente, uma dúzia de entrevistas saiu sob o título O crocodilo que voa – Entrevistas a Luiz Pacheco, edição organizada por João Pedro George (Lisboa: Tinta-da-china, 2008). Das que tinham já sido reunidas em livro em torno da bibliografia pachequiana, apenas a da revista K é republicada, sendo as outras de Baptista-Bastos (O Inimigo, Abril.1994), Mário Santos (Público, Março.1995), João Paulo Cotrim (Ler, Verão.1995), Claúdia Galhós (Blitz, Dezembro.1995), Paula Moura Pinheiro (, Julho.1996), Rodrigues da Silva e Ricardo Araújo Pereira (JL, Setembro.1997), João Pedro George (blogue Esplanar, Maio.2005), Pedro Castro (A Capital, Julho.2005), Pedro Dias de Almeida (Visão, Setembro.2005), Rodrigues da Silva (JL, Setembro.2005) e de Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes (Sol, datada de Novembro de 2007, apenas publicada em Janeiro seguinte, depois do falecimento de Luiz Pacheco).
As entrevistas a Luiz Pacheco foram sempre a pretexto da sua pessoa, ainda que, pelo meio, as conversas assumissem caminhos mais plurais, muito para lá da personalidade do entrevistado: a política, o meio editorial, a literatura, a sociedade, etc. Mas o mais importante que perpassa nas entrevistas a Pacheco é a veia (auto)biográfica, que emerge pelos relatos feitos, pela linguagem usada, pelos nomes convocados, pela explicação dos textos e das circunstâncias, numa quase anotação permanente ao rasto literário que ia deixando disseminado. Pacheco confessa-se, é certo, mas também se inventa, também cria a imagem que de si mesmo quer dar, também ilustra o prazer de conversar, de dizer e querer saber sobre o mundo, de mostrar o conhecimento do homem, numa rapidez de reflexos e de sinceridade que o expõem, muitas vezes num retrato cru e sempre surpreendente.
Este conjunto de entrevistas é um bom contributo para a memória de Luiz Pacheco, o homem que frequentemente revelou não ter inspiração e ter necessidade de transformar a sua vida em literatura, reportando-se a si próprio, e mostra a coerência, seja na forma de pensar, seja na fidelidade aos factos que relembra – em 15 anos de entrevistas, tempo que percorre as que neste volume se reúnem, os mesmos factos são referidos várias vezes, em tempos diferentes, sempre com os mesmos dados, muitas vezes com as mesmas observações. Pode ser a coerência “pachecal”, mas é.
Além das entrevistas, esta obra contém ainda, da responsabilidade do organizador, um texto introdutório (que percorre os caminhos do ser "excêntrico", da libertinagem e da obra do entrevistado), uma pequena biografia de Luiz Pacheco e um muito útil índice onomástico para as referências constantes nas entrevistas reunidas.
Luiz Pacheco – um retrato nas entrevistas

- “Sempre foi um hábito meu, dar o nome aos bois” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “Se escrevo um livro e não ponho ali ‘eu’ e não dou referências pessoais, o texto perde a qualidade de exemplar. É a tal coisa, o libertino faz da sua vida um espectáculo porque pensa que é exemplar, que contém uma lição para as outras pessoas: quer dizer, o libertino procura libertar.” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “O que há nos meus livros é a formação de um indivíduo.” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “Um tipo que se confessa tanto como eu não tem gostos inconfessáveis, tem gostos. E depois confessa-os, não por desplante, prosápia, gabarolice. Talvez por gosto.” (a Baptista-Bastos, O Inimigo, Abril.1994)
- “[Ser virtuoso] é ser como eu. Ser Luiz Pacheco.” (a Baptista-Bastos, O Inimigo, Abril.1994)
- “Gostava de viver mil anos, porra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Quando eu ataco o escritor avençado, não é porque um escritor não tenha que ganhar dinheiro! O avençado é uma funcionalização do acto de escrever!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Um tipo tem um certo sentido crítico, uma certa costela malevolente, um certo pendor para a caricatura, e não se cala: fala e escreve. (…) Se tenho uma opinião, digo-a ou escrevo-a! (…) Não conheço dois gajos como eu, porra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Se me dão calças compridas, visto-as, dão-me curtas, eu visto-as! Quero lá saber… São dadas! Essa carneirada acha de mim uma coisa, eu acho deles outra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Nunca editei quem não gostasse, gajos que eu não achasse com um mínimo de nível literário.” (a João Paulo Cotrim, Ler, Verão de 1995)
- “Não ando aqui a pedir desculpas a ninguém por estar vivo. Acho que ninguém deve andar no mundo a pedir desculpas por estar vivo.” (a Cláudia Galhós, Blitz, Dezembro.1995)
- “Arrepender? De nada. Também, do que é que adiantava? E mesmo que dissesse ‘arrependo-me’ podia estar a mentir, não é? Agora, um gajo tem a noção do que fez. Do bem, do mal, do pior. Mas o que está feito, está feito. Tenho é muito má fama.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Eu não nego que tenho um fundozinho malévolo.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Fui um óptimo pai na medida em que me cumpri como homem. E isso é o melhor exemplo que um pai pode dar aos seus filhos.” (158, entrevista a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Não tenho um único romance. Nunca fui capaz. Isso exigia-me uma disciplina e uma disponibilidade que nunca tive.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Eu não sou muito de me deixar influenciar… estou assim um bocadinho sempre do contra…” (a João Pedro George, Esplanar, Maio.2005)
- “Eu não tenho, creio, grandes dotes de imaginação. A minha fantasia é pobre. Sendo assim, os textos que considero mais conseguidos são autobiográficos. Reportagens de mim.” (a João Pedro George, Esplanar, Maio.2005)
- “A verdade é que eu tenho uma calma muito estudada, mas de repente passo-me. Sempre fui assim. (…) Eu não sou um marginal, porra. Sou um senhor.” (a Pedro Castro, A Capital, Julho.2005)
- “Não sei até que ponto serei conhecido fora de Lisboa. Mesmo a figura do Pacheco é uma figura da lenda lisboeta. (…) Eu não sou um gajo de cariz muito filosófico, pois não?” (a Pedro Castro, A Capital, Julho.2005)
- “O gosto que tenho é nos livros que vendi a cinco ou a vinte paus e hoje valem contos de réis.” (a Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes, Sol, Janeiro.2008)
- “O que um gajo escreve é sempre invenção.” (a Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes, Sol, Janeiro.2008)

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