sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Ficha de leitura (2) - Luiz Pacheco em conversa

Em torno de Luiz Pacheco houve umas quantas (grandes) entrevistas, algumas reunidas nos dois volumes O uivo do coiote (ambos da Contraponto e ambos com trabalho gráfico de setubalenses; o primeiro, de 1992, com uma entrevista feita por Baptista-Bastos para o JL, em 1985, preparado por José Teófilo Duarte; o segundo, de 1996, com capa de Paulo Curto, republicando a do volume anterior e mais três, feitas por Clara Ferreira Alves e João Macedo, para o Expresso em 1988, por António Tavares-Teles, para A Capital em 1988, e por Rui Zink e Carlos Quevedo, para a K em 1992). Recentemente, uma dúzia de entrevistas saiu sob o título O crocodilo que voa – Entrevistas a Luiz Pacheco, edição organizada por João Pedro George (Lisboa: Tinta-da-china, 2008). Das que tinham já sido reunidas em livro em torno da bibliografia pachequiana, apenas a da revista K é republicada, sendo as outras de Baptista-Bastos (O Inimigo, Abril.1994), Mário Santos (Público, Março.1995), João Paulo Cotrim (Ler, Verão.1995), Claúdia Galhós (Blitz, Dezembro.1995), Paula Moura Pinheiro (, Julho.1996), Rodrigues da Silva e Ricardo Araújo Pereira (JL, Setembro.1997), João Pedro George (blogue Esplanar, Maio.2005), Pedro Castro (A Capital, Julho.2005), Pedro Dias de Almeida (Visão, Setembro.2005), Rodrigues da Silva (JL, Setembro.2005) e de Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes (Sol, datada de Novembro de 2007, apenas publicada em Janeiro seguinte, depois do falecimento de Luiz Pacheco).
As entrevistas a Luiz Pacheco foram sempre a pretexto da sua pessoa, ainda que, pelo meio, as conversas assumissem caminhos mais plurais, muito para lá da personalidade do entrevistado: a política, o meio editorial, a literatura, a sociedade, etc. Mas o mais importante que perpassa nas entrevistas a Pacheco é a veia (auto)biográfica, que emerge pelos relatos feitos, pela linguagem usada, pelos nomes convocados, pela explicação dos textos e das circunstâncias, numa quase anotação permanente ao rasto literário que ia deixando disseminado. Pacheco confessa-se, é certo, mas também se inventa, também cria a imagem que de si mesmo quer dar, também ilustra o prazer de conversar, de dizer e querer saber sobre o mundo, de mostrar o conhecimento do homem, numa rapidez de reflexos e de sinceridade que o expõem, muitas vezes num retrato cru e sempre surpreendente.
Este conjunto de entrevistas é um bom contributo para a memória de Luiz Pacheco, o homem que frequentemente revelou não ter inspiração e ter necessidade de transformar a sua vida em literatura, reportando-se a si próprio, e mostra a coerência, seja na forma de pensar, seja na fidelidade aos factos que relembra – em 15 anos de entrevistas, tempo que percorre as que neste volume se reúnem, os mesmos factos são referidos várias vezes, em tempos diferentes, sempre com os mesmos dados, muitas vezes com as mesmas observações. Pode ser a coerência “pachecal”, mas é.
Além das entrevistas, esta obra contém ainda, da responsabilidade do organizador, um texto introdutório (que percorre os caminhos do ser "excêntrico", da libertinagem e da obra do entrevistado), uma pequena biografia de Luiz Pacheco e um muito útil índice onomástico para as referências constantes nas entrevistas reunidas.
Luiz Pacheco – um retrato nas entrevistas

- “Sempre foi um hábito meu, dar o nome aos bois” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “Se escrevo um livro e não ponho ali ‘eu’ e não dou referências pessoais, o texto perde a qualidade de exemplar. É a tal coisa, o libertino faz da sua vida um espectáculo porque pensa que é exemplar, que contém uma lição para as outras pessoas: quer dizer, o libertino procura libertar.” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “O que há nos meus livros é a formação de um indivíduo.” (a Carlos Quevedo e Rui Zink, revista K, Julho.1992)
- “Um tipo que se confessa tanto como eu não tem gostos inconfessáveis, tem gostos. E depois confessa-os, não por desplante, prosápia, gabarolice. Talvez por gosto.” (a Baptista-Bastos, O Inimigo, Abril.1994)
- “[Ser virtuoso] é ser como eu. Ser Luiz Pacheco.” (a Baptista-Bastos, O Inimigo, Abril.1994)
- “Gostava de viver mil anos, porra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Quando eu ataco o escritor avençado, não é porque um escritor não tenha que ganhar dinheiro! O avençado é uma funcionalização do acto de escrever!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Um tipo tem um certo sentido crítico, uma certa costela malevolente, um certo pendor para a caricatura, e não se cala: fala e escreve. (…) Se tenho uma opinião, digo-a ou escrevo-a! (…) Não conheço dois gajos como eu, porra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Se me dão calças compridas, visto-as, dão-me curtas, eu visto-as! Quero lá saber… São dadas! Essa carneirada acha de mim uma coisa, eu acho deles outra!” (a Mário Santos, Público, Março.1995)
- “Nunca editei quem não gostasse, gajos que eu não achasse com um mínimo de nível literário.” (a João Paulo Cotrim, Ler, Verão de 1995)
- “Não ando aqui a pedir desculpas a ninguém por estar vivo. Acho que ninguém deve andar no mundo a pedir desculpas por estar vivo.” (a Cláudia Galhós, Blitz, Dezembro.1995)
- “Arrepender? De nada. Também, do que é que adiantava? E mesmo que dissesse ‘arrependo-me’ podia estar a mentir, não é? Agora, um gajo tem a noção do que fez. Do bem, do mal, do pior. Mas o que está feito, está feito. Tenho é muito má fama.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Eu não nego que tenho um fundozinho malévolo.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Fui um óptimo pai na medida em que me cumpri como homem. E isso é o melhor exemplo que um pai pode dar aos seus filhos.” (158, entrevista a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Não tenho um único romance. Nunca fui capaz. Isso exigia-me uma disciplina e uma disponibilidade que nunca tive.” (a Paula Moura Pinheiro, , Julho.1996)
- “Eu não sou muito de me deixar influenciar… estou assim um bocadinho sempre do contra…” (a João Pedro George, Esplanar, Maio.2005)
- “Eu não tenho, creio, grandes dotes de imaginação. A minha fantasia é pobre. Sendo assim, os textos que considero mais conseguidos são autobiográficos. Reportagens de mim.” (a João Pedro George, Esplanar, Maio.2005)
- “A verdade é que eu tenho uma calma muito estudada, mas de repente passo-me. Sempre fui assim. (…) Eu não sou um marginal, porra. Sou um senhor.” (a Pedro Castro, A Capital, Julho.2005)
- “Não sei até que ponto serei conhecido fora de Lisboa. Mesmo a figura do Pacheco é uma figura da lenda lisboeta. (…) Eu não sou um gajo de cariz muito filosófico, pois não?” (a Pedro Castro, A Capital, Julho.2005)
- “O gosto que tenho é nos livros que vendi a cinco ou a vinte paus e hoje valem contos de réis.” (a Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes, Sol, Janeiro.2008)
- “O que um gajo escreve é sempre invenção.” (a Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes, Sol, Janeiro.2008)

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Os professores nunca têm razão

Desconheço a origem do texto. Chegou-me por e-mail. É um intervalo em toda a confusão que está gerada. E um sadio intervalo.

Os professores nunca têm razão...
Se é jovem, não tem experiência; se é velho, está ultrapassado;
se não tem carro, é um coitado; se tem carro, chora de barriga cheia;
se fala em voz alta, grita; se fala em tom normal, ninguém o ouve;
se nunca falta às aulas, é parvo; se falta, éum 'turista';
se conversa com outros professores, está a dizer mal do sistema;
se não conversa, é um desligado;
se dá a matéria toda, não tem dó dos alunos; se não dá, não prepara os alunos;
se brinca com a turma, é palhaço; se não brinca, é um chato;
se chama a atenção, é um autoritário; se não chama, não se sabe impor;
se o teste é longo, não dá tempo nenhum;
se o teste é curto,tira a oportunidade aos alunos bons;
se escreve muito, não explica; se explica muito, o caderno não tem nada;
se fala correctamente, ninguém entende patavina; se usa a linguagem do aluno, não tem vocabulário;
se o aluno reprova, é perseguição; se o aluno passa, o professor facilitou.

É verdade, os professores nunca têm razão...
Mas se conseguiu ler tudo até aqui, agradeça-lhes a eles!!!

Entre a educação e a política - 5

"Sócrates e as crianças" é o título do artigo de Pedro Lomba no Diário de Notícias de hoje. O Primeiro-Ministro fala agora em nome das crianças, como se fossem os "interesses das crianças" que estivessem em causa naquilo que os professores têm contestado, como se não se percebesse que as inseguranças e inconstâncias demonstradas no decurso do "tsunami" legislativo (como já alguém lhe chamou) se têm reflectido na publicação de normativos e imediatas necessidades de revisão, de esclarecimento, de suspensão... que têm gerado todo este clima de um abismo cada vez mais escancarado! É correcto meter neste jogo o princípio de que se está "a pensar nas crianças"? É justo chamar as crianças para a demagogia?
"José Sócrates disse ontem, a fechar as jornadas parlamentares do PS, que as reformas da educação são para continuar "a pensar nas crianças". Mais uma vez Sócrates vem em socorro de um ministro em apuros, no caso a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Mas, além do termo demagógico e estudado ("crianças" em vez de estudantes ou alunos), o que disse Sócrates, a sua promessa de que o Governo irá continuar a agir "a pensar nas crianças", serve para perceber duas coisas: em primeiro lugar, o modo como ele encara o conflito aberto e ainda não sanado entre a Ministra e os professores por causa do novo regime de avaliação. Segundo, o que o primeiro-ministro pensa do papel do Governo na reforma do ensino. A ideia de Sócrates, com algum simplismo, é a de que os protestos dos sindicatos e professores contra o sistema de avaliação e as regras de gestão das escolas prejudicam as "crianças", para as quais as escolas existem e que os professores deviam fielmente servir. Não é por discordância (uma discordância política) contra a oportunidade e a racionalidade dessas medidas que os professores reagem. Sócrates não lhes reconhece legitimidade para tanto. Não se interessa sequer em rebater um a um os argumentos dos professores, limitando-se a gabar que o Governo tenha sido o primeiro a introduzir a avaliação dos professores nas escolas e acusando assim implicitamente os professores de não quererem essa avaliação. Não, o que diz Sócrates é que a oposição dos professores às medidas do Governo assenta num conflito de interesses. É assim que Sócrates vê o mundo do ensino: os professores contra as "crianças". Os privilégios dos professores contra os interesses das "crianças". O próprio método de avaliação que o Governo defende para os professores faz depender a apreciação do mérito dos professores do êxito das "crianças". Evidentemente que assim não há escolha possível. Os professores defendem-se a si próprios e ao seu estatuto de "irresponsabilidade", e o Governo defende "as crianças". É verdade que, depois disto, Sócrates e a Ministra da Educação deixam de contar com os professores. Estranhamente, trouxeram para a reforma da educação o mesmo quadro mental que têm aplicado na Administração Pública ou no Estado: a função do Governo consiste, num conflito entre agentes do "sistema" que o próprio alimenta, em enfraquecer e isolar os interesses ilegítimos. Esquecem-se que não se pode pôr os professores contra os alunos e vice-versa, tal como se confrontam os funcionários de um serviço do Estado com outros funcionários. O ensino exige que os professores mantenham uma autoridade e legitimidade institucional independente dos alunos. Muito diferente do que quer este Governo."

Entre a educação e a política - 4

Hoje, no Público, Miguel Gaspar alimenta ainda a questão do famigerado último debate do "Prós e Contras" que abordou o tema da educação. E, pelo meio, perpassam as diferenças entre a autoridade e o autoritarismo, entre a autonomia e a sua falta, entre a coerência e o que a prejudica, entre a democracia e a cegueira. Chama-se "O princípio da autoridade" e diz:
"O planeta da educação está outra vez de pernas para o ar. Quem viu o Prós e Contras e o crescendo de mobilização dos professores não tem dúvidas de que as pontes entre o Governo e os docentes já arderam todas. Não se pode negar que a ministra Maria de Lurdes Rodrigues é corajosa na defesa das suas ideias - isso ficou provado quando enfrentou sozinha uma audiência de professores no programa de segunda-feira da RTP1. Mas se a coragem e a determinação são virtudes políticas, não chegam para resgatar causas erradas. Sobretudo quando estas causas questionam alguns princípios básicos da vivência em democracia, que, por maioria de razão, devem ser aplicados na escola. E não é preciso muito para essas virtudes se transformarem em pilares de uma postura autoritária. Todos os governos sabem que lidar com os professores não é pêra doce e que os sindicatos tendem desde há muito a entrincheirar-se em posições corporativas. Foi isso que tornou os docentes vulneráveis quando este ministério começou a atacá-los através dos media, por exemplo divulgando informações sobre o volume das faltas ou ao número de professores destacados para a actividade sindical. Escolhendo esse caminho, o Governo começou a cavar o nível de ruptura a que se chegou hoje. Mais grave, desprestigiar os professores equivaleu a desprestigiar todo o sistema de ensino perante os alunos e perante as famílias. Não se dá melhor álibi a quem não quer assumir responsabilidades pela educação dos filhos do que servir--lhe a cabeça dos docentes numa bandeja. Chegou-se, portanto, ao grau zero do diálogo. A culpa não é certamente só do Governo. Mas quem governa tem que ter habilidade política para construir esse diálogo. Se Correia de Campos foi demitido (em linguagem oficial, "pediu para sair") por inabilidade para explicar as suas políticas, então não há qualquer explicação para a actual equipa da Educação continuar em funções. Até porque, ao contrário do que acontecia na Saúde, não sabe muito bem o que anda a fazer.É natural que um Governo que impõe sem ouvir tenha imposto um novo modelo de gestão das escolas que reflecte ele próprio uma concepção ideológica autoritária e funcionalista. "Liderança" é a palavra-chave para a ministra e um engodo fácil para os que acreditam na "autoridade" como resposta para os problemas do ensino. Criar as "condições para o aparecimento de boas lideranças e mais eficazes, com a autoridade necessária para desenvolver os projectos educativos", é a forma através da qual o Governo justifica a introdução de um director de escola não eleito, em substituição dos órgãos colegiais de decisão. Essa figura do director está no centro da polémica, até porque terá um peso decisivo na questão das avaliações, o outro tema quente da batalha política entre professores e executivo, para a qual este último parte fragilizado. O próprio discurso de defesa da figura do director, que a ministra retomou na RTP, mostra como a autoridade e a liderança são preferidas em detrimento da democracia interna e da autonomia, que são obrigatoriamente os princípios de uma escola pública democrática. Sim, precisaremos eventualmente de lideranças, na escola e na vida do país. Mas difícil é liderar em democracia; e o que o Governo quer é que a instituição mais estruturante do regime democrático passe a ter por base a negação da própria democracia. A mesma incapacidade de distinguir autoridade de autoridade democrática permitirá aos sindicatos resistir à sua óbvia tendência para rejeitar a avaliação; e a mesma cegueira administrativa deixará a ministra satisfeita por existirem aulas de substituição, sem perguntar para que é que servem. Mas não é necessária uma aula para compreender a utilidade da substituição da ministra."

Rostos (33)

Monumento a Alves Redol, em Vila Franca de Xira

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Entre a educação e a política - 3

Mais uma opinião: a de David Pontes, no Jornal de Notícias de hoje, sob o título "Os professores e a razão". Uma prova mais de que o debate que anda nas bocas do mundo não teve coerências, demonstrou fragilidades, não foi preparado. Por responsabilidade de quem?
"É grande a angústia sempre que me preparo para escrever sobre as recentes polémicas à volta dos professores. Sofro, porque tenho bons amigos que sei serem excelentes professores, dedicados aos seus alunos. Sofro, por dever de memória, já que guardo boas recordações da maioria dos meus professores de liceu. E, independentemente das polémicas, não sou insensível ao drama humano de quem construiu um futuro tendo por base expectativas que agora saíram goradas.
Mas quando vejo um professor no programa televisivo "Prós e Contras" dar como exemplo da falta de flexibilidade do sistema educativo o facto de no dia seguinte ao debate ter de comparecer no seu local de trabalho para dar aulas, eu percebo que há gente que estava mesmo mal habituada. Quando recebo um "mail" de um professor, em forma de manifesto, que gasta o seu início a explicar que "o principal erro que se comete em Portugal em matéria de Educação" é o facto de nós, contribuintes, nos atrevermos a discutir o sector, ou que não percebe por que é que a pasta da Educação não tem habitualmente um professor como titular (como se o habitual ocupante da Cultura fosse artista), eu percebo o ar de corporação ferida que se respira. E quando vejo os professores a insinuar que são capazes de dar mais boas notas aos alunos para serem melhor classificados, eu vejo que, por muitas asneiras que a ministra da Educação possa fazer, há quem não tenha pejo em ameaçar com asneiras maiores.
Dito isto, convém reafirmar que as generalizações são injustas e que acredito que as melhorias no ensino passam obrigatoriamente pela aposta nos professores. Por isso, aceito algumas das críticas que são feitas à condução política da ministra destas reformas, mas não deixo de pensar que se lhe faltou algum coração, não deixa de ter, na maioria dos casos, a razão do lado dela.
As mudanças doem, e há quem sofra com elas, muitas vezes injustamente. Mas isso não é razão suficiente para não as fazer.
"

Entre a educação e a política - 2

Intitula-se "O principal paradoxo da educação" e constitui também o editorial do Diário de Notícias de hoje. Termina com uma pergunta que não é descabida. Mas a política poderia ter pensado na resposta a essa pergunta. Era, pelo menos, o que se esperava da arte da política, diga-se. O editorial que colei no postal anterior pode ajudar a explicar o porquê desta pergunta do DN...
"Os resultados da escolaridade obrigatória pública entre 1995 e 2005 são desoladores: mais pessoal docente e não docente, mais recursos financeiros, menos alunos, abandono escolar persistentemente alto, níveis de conhecimento dos jovens na cauda da OCDE em provas internacionais de língua-mãe, matemática e ciências.
Perante o descalabro, duas teses entraram em choque: a dos professores culpa o ministério e as suas circulares, por dirigirem às cegas um sector que passou a abarcar toda a sociedade e suas contradições sociais, mesmo que nunca se tenham questionado sobre se há um nexo relevante entre o que vinham fazendo e os resultados obtidos; e a da ministra da Educação e do primeiro-ministro, que tudo fizeram, em actos e palavras, para pressionar os professores a mudar rotinas, impor cargas de tarefas diferenciadas adicionais, responsabilizando-os pelos bons e maus resultados.
Só que, de caminho, cortaram as expectativas, as possibilidades de progressão e, a prazo, as remunerações de topo na profissão, obrigando-os a partilhar o poder efectivo de condução das escolas com autarquias, pais e empresas locais. A inclusão das aulas de substituição nas tarefas normais ou o seu pagamento como trabalho extraordinário ilustram o antagonismo destas duas visões.
E em toda esta guerra chegamos ao paradoxo essencial da educação, neste momento: como conduzir a reforma da escola pública, quando os seus principais actores a ela resistem? (...)
"

Entre a educação e a política - 1

Editorial do Público de hoje, assinado por Manuel Carvalho. A análise pode não conter elementos inovadores, porque já há muito que se fala desta falta que foi querer definir as políticas sem envolver as pessoas. Mas contém a força do momento, depois de um "debate" televisivo que não soube a nada em termos de união de esforços em torno de uma causa que deveria ser de todos - a da educação.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Prós e Contras - 0

Foi pobre o debate do "Prós e Contras" sobre o sistema de avaliação de professores e o novo modelo para a gestão das escolas. Pobre, porque não foi dada continuidade às melhores intervenções - talvez as de Fernanda Velez e de Mário Nogueira. Pobre, porque houve intervenções mal preparadas ou que ficaram travadas pela angústia. Pobre, porque a Ministra da Educação usou os argumentos habitualmente repetidos (quando, no princípio, ao dizer que tentaria desmontar os equívocos, disse também que iria explicar e informar sobre os argumentos, deixando no ar a ideia de que muitas coisas ficariam claras) e apresentou um argumento que eu nunca tinha ouvido nem imaginava ouvir - o de que foram contados os últimos 7 anos para a candidatura a professor titular porque seria difícil aceder aos registos biográficos dos tempos anteriores. Pobre, porque o discurso do Presidente da Câmara de Paredes não foi explorado (nem por ele próprio) do ponto de vista das vantagens ou das coerências da presença de uma autarquia nas decisões da educação. Pobre, porque a moderadora revelou pouca informação sobre os assuntos que estava a moderar, porque quis elevar o professor Arsélio (que disse algumas verdades vitais) a um patamar alto em excesso (usou mesmo o argumento do prémio que lhe foi atribuído para lhe pedir para falar mais vezes, como se uma coisa tivesse a ver com a outra!), porque pouca importância deu aos outros três convidados para a discussão e porque revelou pouca (ou nenhuma) paciência para as palmas (como seria se fossem apupos?), demonstrando que um terreno onde há "prós" e "contras" tem que ser asséptico (o que não é verdade!). Foi pobre o debate do "Prós e Contras". Exigia-se mais, sobretudo pelo tempo em que ocorreu.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Associação Nacional de Professores solicitou audiência ao Presidente da República

A notícia é da LUSA:
Estrutura preocupada com “crescente crispação" no sector
Associação Nacional de Professores quer audiência com Cavaco Silva e partidos
A Associação Nacional de Professores (ANP) manifestou-se hoje apreensiva com "a crescente crispação" que se vive no sector da Educação, anunciando que solicitou audiências com o Presidente da República, Cavaco Silva, e com todos os grupos parlamentares.
O presidente da ANP, João Grancho, justificou os pedidos de audiência com "a crescente crispação que se sente e a completa insensibilidade do Ministério da Educação para abordar os problemas do sector de forma consistente, séria e aberta". "Esgotado o plano formal com o Governo, mais não há do que nos dirigirmos ao Presidente da República, que tem vindo a mostrar uma outra sensibilidade", afirmou João Grancho.
De acordo com o responsável, a ANP decidiu ainda solicitar audiências com todos os partidos com assento na Assembleia da República, a quem "compete a fiscalização, acompanhamento e controlo da acção governativa", no sentido de exigir a agilização de mecanismos para que no último período as escolas não descambem para uma situação de caos.
"Tudo aponta para isso, tendo em conta a instabilidade e intranquilidade que as escolas já vivem actualmente. A ministra, pelo simples facto de legislar e falar com um ou outro membro de conselhos executivos está convencida de que está por dentro da alma dos professores e que toda a dinâmica colocada nas escolas não interfere com a actividade lectiva", acrescentou João Grancho.
Segundo o presidente da ANP, o Governo deverá rever algumas das últimas decisões que tomou, nomeadamente a avaliação de desempenho, processo com o qual a associação afirma concordar em termos de substância mas não de implementação. "Se bem que concordamos com a substância, não concordamos com a forma de implementação, designadamente a quantidade imensa de critérios, instrumentos e formulários que vão ser utilizados", afirmou.
No último sábado, perto de dois mil professores concentraram-se nas Caldas da Rainha, Leiria e Porto em protestos convocados por telemóvel, correio electrónico e blogues, numa iniciativa à margem das estruturas sindicais para contestar a política educativa do Governo.
Já os sindicatos, organizam no dia 8 de Março, por iniciativa da Fenprof, uma manifestação nacional que designaram por "Marcha da Indignação", igualmente contra as políticas da equipa da ministra Maria de Lurdes Rodrigues e os "reiterados ataques à escola pública e aos professores".
Para a Associação Nacional dos Professores, o cerne desta questão é a forma "como o Governo encara a participação cívica". "O Governo só ouve os sindicatos, mas só ouve. Não acolhe qualquer tipo de perspectiva. A atitude da tutela é que tem de mudar. Esta equipa do Ministério da Educação peca um pouco por ausência de cultura democrática", acusou.

Rostos (32)

Marionetas, em Albufeira

Ficha de leitura (1) - Machado de Assis e as memórias de Cubas

Em 1881, Machado de Assis publicou Memórias póstumas de Brás Cubas (título surgido no ano anterior, “em pedaços”, na Revista Brasileira), romance por onde passa a vida de uma personagem excepcional, “um defunto autor, para quem a campa foi outro berço”. É a partir desta afirmação, logo no início do livro, que se constrói a lógica do título, depois de uma curtíssima reflexão sobre a escrita memorialística – “algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”. O narrador tem consciência da subtileza das memórias e da arte que é construí-las, seguindo uma perspectiva cronológica ou um itinerário de permanente analepse, ainda que as memórias exijam sempre esse olhar para trás e existam por isso mesmo.
História de amores, com adultério à mistura (na personagem Virgília), de ideias, de ironia, com referências a Portugal (onde, de resto, o narrador cursou Direito e onde uma outra personagem, mais velha, o Vilaça, privou com Bocage no “Nicola” em tertúlia poética), estas Memórias mantêm uma frescura crítica (em relação à sociedade, à literatura, às ideias), num ritmo narrativo que desafia o leitor e o põe continuamente à prova pelas invectivas do narrador, num caminho de onde desapareceram os heróis e o homem se confronta com um destino por si construído.
A este romance não é alheia a estrutura das garrettianas Viagens na minha terra (de 1846, também antes saída em periódico, na Revista Universal Lisbonense, entre Junho de 1845 e Novembro de 1846), pela ideia da viagem (ainda que à roda da vida e de uma dada sociedade) e de um ritmo oscilante entre o comentário, a história, a intrusão do narrador (com inúmeras interrupções da narrativa) e a crítica das ideias.

Sublinhados de Memórias de Brás Cubas
GLÓRIA – “Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a cousa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição.”
MÉTODO – “Isto de método, sendo, como é, uma cousa indispensável, todavia é melhor tê-lo sem gravata nem suspensórios, mas um pouco à fresca e à solta, como quem não se lhe dá da vizinha fronteira, nem do inspetor de quarteirão. É como a eloquência, que há uma genuína e vibrante, de uma arte natural e feiticeira, e outra tesa, engomada e chocha.”
OPINIÃO (DOS OUTROS) – “Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso, poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo.”
CONSCIÊNCIA – “O modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência.”
OLHOS (fechar os) – “Escrófula da vida, andrajo do passado, que me importa que existas, que molestes os olhos dos outros, se eu tenho dous palmos de um travesseiro divino, para fechar os olhos e dormir?”
BIBLIÓMANO – “Olhai: daqui a setenta anos, um sujeito magro, amarelo, grisalho, que não ama nenhuma outra coisa além dos livros, inclina-se sobre a página anterior, a ver se lhe descobre o despropósito; lê, relê, treslê, desengonça as palavras, saca uma sílaba, depois outra, mais outra, e as restantes, examina-as por dentro e por fora, por todos os lados, contra a luz, espaneja-as, esfrega-as no joelho, lava-as, e nada; não acha o despropósito. É um bibliómano. Não conhece o autor (…). Achou o volume, por acaso, no pardieiro de um alfarrabista. Comprou-o por duzentos réis. Indagou, pesquisou, esgaravatou, e veio a descobrir que era um exemplar único… Único! Vós que não só amais os livros, senão que padeceis a mania deles, vós sabeis mui bem o valor desta palavra, e adivinhais, portanto, as delícias do meu bibliómano. Ele rejeitaria a coro das Índias, o papado, todos os museus da Itália e da Holanda, se os houvesse de trocar por esse único exemplar (…), uma vez que fosse único. (…) Já prometeu a si mesmo escrever uma breve memória, na qual relate o achado do livro e a descoberta da sublimidade, se a houver por baixo daquela frase obscura. Ao cabo, não descobre nada e contenta-se com a posse. Fecha o livro, mira-o, remira-o, chega-se à janela e mostra-o ao sol. Um exemplar único! Nesse momento, passa-lhe por baixo da janela um César ou um Cromwell, a caminho do poder. Ele dá de ombros, fecha a janela, estira-se na rede e folheia o livro devagar, com amor, aos goles… Um exemplar único!”
VELHICE – “A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana.”
ADULAR – “A adulação das mulheres não é a mesma coisa que a dos homens. Esta orça pela servilidade; a outra confunde-se com a afeição. As formas graciosamente curvas, a palavra doce, a mesma fraqueza física dão à ação lisonjeira da mulher, uma cor local, um aspecto legítimo. Não importa a idade do adulado; a mulher há de ter sempre para ele uns ares de mãe ou de irmã – ou ainda de enfermeira, outro ofício feminil, em que o mais hábil dos homens carecerá sempre de um quid, um fluido, alguma coisa.”
AVENTURA – “As aventuras são a parte torrencial e vertiginosa da vida, isto é, a excepção.”

TEMPO – “O tempo caleja a sensibilidade e oblitera a memória das coisas.”
CARTAS – “Leitor ignaro, se não guardas as cartas da juventude, não conhecerás um dia a filosofia das folhas velhas, não gostarás o prazer de ver-te, ao longe, na penumbra, com um chapéu de três bicos, botas de sete léguas e longas barbas assírias, a bailar ao som de uma gaita anacreôntica. Guarda as tuas cartas da juventude!”
VIDA – “A vida é o maior benefício do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte.”
EPITÁFIO – “Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí vem, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anónima os alcança a eles mesmos.”

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Ainda Sócrates e os professores no Largo do Rato, há pouco mais de uma semana

Na revista que acompanha o Público de hoje, Daniel Sampaio escreve sobre "Autismos". Partindo de uma frase do líder da oposição, para definir o autismo e para exigir a discussão antes da adopção de medidas, Sampaio não esquece as opiniões do Primeiro-Ministroperante uma manifestação de professores, assim como não esconde o mal-estar que se sente na escola:
"(…) É evidente que eram dispensáveis as considerações de José Sócrates sobre as intenções dos manifestantes, com uma atribuição a origem partidária a lembrar, tristemente, o passado: o direito à manifestação é uma das grandes conquistas da democracia e nunca deverá ser posto em causa; e a facilidade das comunicações dos dias de hoje (sms, internet) tornam depressa viáveis encontros de manifestantes que outrora demorariam dias preparar. Há, no entanto, uma característica totalitária nos manifestantes que o Primeiro-Ministro detectou (embora não a tivesse denunciado com clareza): as vaias para os professores que entravam na reunião (colegas de ofício dos manifestantes) revelam incapacidade para aceitar opiniões diferentes e, por isso, merecem crítica.
Não ignoro o mal-estar de muitos docentes, facto que tenho denunciado, por escrito e oralmente, em múltiplos contextos onde intervenho: as escolas estão a ser transformadas em escritórios de papelada burocrática, com os professores a terem cada vez menos tempo para falarem com os alunos; a indispensável avaliação dos professores e o imprescindível estatuto do aluno foram transformados em mais fichas cheias de alíneas, com a agravante de porem professores uns contra os outros, com alguns a espreitarem as aulas de colegas, num ambiente de desconfiança apressada que não terá bons reflexos no clima escolar. Sei, no entanto, que há professores, sobretudo aqueles que pertencem às direcções das escolas, a apoiar algumas medidas actuais e que se apressam a cumpri-las: têm todo o direito de pensar desse modo e de se reunir a propósito! (…)
Temos sobretudo de denunciar o "autismo" de membros do governo que, todos os dias, nos querem fazer crer que tudo caminha pelo melhor, quando a realidade do quotidiano de muitas famílias mostra o contrário. A solução para esse "autismo" só pode ser uma: ouvir muitas opiniões, sobretudo daqueles que não têm acesso aos média nem às estruturas do Largo do Rato. E José Sócrates não precisaria de criticar professores que se manifestam se, lado a lado com os dirigentes do Ministério da Educação, se dispusesse a falar com professores de várias zonas do país, sem agenda prévia nem resumos dos assessores.

Ainda a entrevista do Primeiro-Ministro à SIC

"Tomar 'medidas'" é o título da crónica de Vasco Pulido Valente no Público de hoje, texto a abordar a entrevista que José Sócrates deu à SIC a propósito dos três anos do seu governo. Para traçar o retrato da entrevista e das ideias veiculadas, Vasco Pulido Valente agarrou a área da educação, uma das selecccionadas para essa entrevista. Da crónica, reproduzo o seguinte excerto:
"(...) Para começar, [José Sócrates] lembrou logo que sem ele não haveria aulas de substituição, como na "Europa" inteira. Sobre a importância, a utilidade e o efeito da coisa, nem uma palavra. Manifestamente, achava a medida "certa" ou, se quiserem, "correcta" e o resto não lhe interessava. A seguir, veio o encerramento de escolas rurais quase sem alunos, outra medida "certa" e "correctíssima". Mas nem uma palavra sobre a espécie de escolas para onde as crianças foram transferidas (professores, equipamento, instalações, dinheiro). Em terceiro lugar, com uma citação de Clinton a favor da "liderança", apareceu inevitavelmente a gestão escolar. Só que Sócrates não se lembrou de explicar o objectivo dessa "liderança" (o autêntico problema, como se calculará) e nem sequer tocou no risco e nos limites da experiência (aliás, legalmente diluída) num país como Portugal. Para ele, a história acaba na medida. Como na medida acaba a introdução do Inglês (de resto, uma disciplina não obrigatória), sem qualquer reverência a quem e como o irá ensinar. E, por fim, o argumento para a avaliação dos professores ficou reveladoramente reduzido à bondade intrínseca da medida pela medida: é melhor uma avaliação má do que nenhuma.
Sentado em São Bento, Sócrates não vê o país, vê a organização jurídica da "educação" (ou da saúde, ou da justiça) e um molho de estatísticas. Depois toma medidas, que julga aplicadamente pelo seu "bom senso" e pela sua racionalidade imediata, ou seja, superficial. Para ele, governar é "tomar medidas". Imagina com certeza que, "tomando medidas", reforma Portugal. A realidade não entra nesta história. Sem sair do seu mundo abstracto e asséptico, na televisão ou no Parlamento, Sócrates convence, até porque está sinceramente convencido. Mas cá fora, embora incomodado aqui e ali pela autoridade do Governo, Portugal continua igual ao que era.
"

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 77
Entrevista – A entrevista do Primeiro-Ministro na SIC revelou-se um acto de loas ao governo a que preside, em que até não faltou a possibilidade de o entrevistado fazer perguntas e responder-lhes ou de dizer aos entrevistadores que estavam a fazer as perguntas da oposição, como se ser oposição fosse crime ou, pelo menos, pecado. Pode um entrevistado seguir muitas técnicas de comunicação e ser assessorado por bons trabalhadores de imagem, mas isso não quer dizer que tudo esteja certo ou que a verdade seja só uma ou que seja a de quem fala. Também não sei se havia muito mais a esperar, mas uma coisa era desejada: que a entrevista não se confundisse com as emissões televisivas fabricadas.
Educação – A avaliação dos professores é importante, tal como são importantes muitas outras coisas para a escola e de que não se tem falado, como, por exemplo, uma reflexão sobre os curricula, sobre os programas e sobre a sua adequação à realidade, como, por exemplo, a união de esforços, por parte da sociedade em prol da educação e da valorização do trabalho e do estudo, sem a perspectiva do economicismo, mas sob a linha da humanização. E é esta última que tem faltado: o que tem havido é burocracia, vida transformada em papeladas e em exageros, suspeitas de preguiça e condenação antecipada da qualidade do trabalho desenvolvido, desvalorização da dedicação à causa educativa, omissão de uma responsabilidade colectiva no êxito da educação. Mesmo sobre a avaliação de professores, o que tem vingado no senso comum é a ideia da caça aos erros, numa linha muito pouco pedagógica e, sobretudo, muito pouco humana. Parece que não se está a falar de pessoas!...
Mal-estar – A SEDES, organização à beira de chegar aos 40 anos, divulgou ontem um documento que chama a atenção para o mal-estar em Portugal, em termos de democracia e de participação, em termos de “degradação da qualidade da vida cívica”. Questões como a falta de confiança dos cidadãos nos seus políticos (representantes de partidos) e a emergência de caciquismos, actuando em prol de interesses próprios e pondo na retaguarda a “promoção da qualidade cívica”, têm levado, segundo os signatários do documento, ao “empobrecimento do regime político e da qualidade da vida cívica”. Por outro lado, o próprio Estado não fica isentado de culpas, uma vez que ele “tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade, a ponto de não ser exagero considerar que é cada vez mais estreito o espaço deixado verdadeiramente livre para a iniciativa privada”. Preocupante ainda é o sentimento de insegurança generalizada, resultante de uma criminalidade contra a qual “não se vê uma acção consistente, da prevenção, da investigação e da justiça, para transmitir a desejada tranquilidade”. A SEDES prognostica a abertura do regime à sociedade civil, que tem de “escutar a sociedade civil e os cidadãos em geral”, de forma “clara, transparente e, sobretudo, escrutinável” e os cidadãos “têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito”, sob pena de se poder chegar a um tempo de conflitos sociais intensos. Nada disto será novidade; mas é importante que a análise venha de uma organização como a SEDES. Os responsáveis partidários têm sido, infelizmente, cada vez mais os causadores do afastamento da discussão plural, com particular incidência nos que têm ocupado as cadeiras do Governo. Bastará ver o fosso que se cava entre os políticos e os eleitores logo que passa um acto eleitoral… Bastará ver o abismo construído para separar governo e oposição… como se não fôssemos todos cidadãos do mesmo país!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Setúbal: as cheias de 18 de Fevereiro

Já foram na segunda-feira as cheias em Setúbal. O desastre foi grande. Houve quem atribuísse culpas, num sacudi-las para cima de uns ou para cima de outros. Certo é que a natureza não se compadece nem se conforta com os poderes humanos! E o homem sofre, continuará a sofrer. Seja porque a natureza é indomável, seja porque é impossível contrariá-la.
Começaram a circular as fotos por e-mail. Aqui deixo cinco que recebi hoje. Algumas são da minha amiga Cília Costa; outras chegaram-me sem indicação de autor.

Rostos (31)

Momento maternal, desenho no complexo SPA Sesimbra Hotel, em Sesimbra

Pela educação especial - uma entrevista e uma petição

Miranda Correia, especialista em ensino especial, foi entrevistado por Pedro Sousa Tavares, trabalho que é publicado no Diário de Notícias de hoje. O pretexto é o Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro, sobre os apoios especializados e sobre a inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais. Esta legislação tem sido objecto de críticas, sobretudo por parte dos pais e encarregados de educação de alunos envolvidos. Miranda Correia também não poupa comentários, tal como se pode ler nos excertos:
O Ministério da Educação disse que muitos alunos que as escolas incluiam no ensino especial não tinham dificuldades de aprendizagem permanentes.Terá negligenciado casos como os que referiu?
Há uma confusão muito grande neste País em relação ao que são problemas de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem específicas. Estes alunos existem. Não são inventados. Se os sujeitarmos a exames como imagiologias por ressonância magnética pode não acusar nada, mas vêem-se diferenças claras em relação aos alunos normais. Essas desordens provocam problemas no processamento de informação, que se reflectem, em termos académicos, nas áreas da leitura, escrita, cálculo e muitas vezes do próprio ajustamento social. Se calhar, muitas pessoas que vemos na rua a arrumar carros foram estudantes destes, que o sistema não acompanhou. São inteligentes, muitas vezes acima da média, mas não percebem porque os colegas conseguem ler e eles não. E isso nem o professor de apoio nem o professor de turma resolvem.
Partindo do princípio de que não considera benéfico, nem para estes alunos nem para os que têm deficiências permanentes, integrá-los no mesmo acompanhamento, qual é a alternativa para esses casos?
Existe um modelo que eu próprio propus há 15 anos. Permite dar apoio a alunos em risco educacional (famílias desfavorecidas, gravidez na adolescência), alunos com necessidades educativas permanentes e até a alunos sobredotados. Não se trata de ter serviços na escola, mas de levar os diferentes especialistas à escola em função dos casos. Já há um agrupamento no Norte a usá-lo, com bons resultados. Há dias, o secretário de Estado da Educação [Valter Lemos] disse que o ensino especial usa um modelo apoiado na CIF [Classificação Internacional de Funcionalidade]. Mas a CIF não é um modelo. É uma lista de verificação, que muitos consideram inadequada para a Educação. E que ainda por cima confunde os professores nas escolas. Imagine que tem um aluno com dificuldades de aprendizagem severas. Para o diferenciarmos de um aluno com deficiência mental temos de procurar saber o seu coeficiente de inteligência. Não é a CIF que vai fazer isso. É um psicólogo que vai avaliar. Um professor que preencha essa lista está a praticar um acto anti-ético. Como é que ele vai graduar, por exemplo, funções intelectuais?
(…) O anúncio da transferência de muitos alunos de escolas especializadas para a rede pública - o que o Ministério chamou de 'escola inclusiva' - tem gerado muita apreensão, sobretudo nos pais. Como avalia a medida?
Defendo a inclusão a 100%. Mas estou aqui como professor e investigador. E nessa condição diria que só será uma boa ideia quando as escolas tiverem a atitude, os conhecimentos e os recursos para poderem incluir a maioria dos alunos com necessidades educativas especiais. Houve uma precipitação muito grande no que diz respeito à publicação desta lei, e um orgulho, por parte do Ministério da Educação, que o levou a não ouvir ninguém a não ser os "seus" peritos.

Paralelamente, está a decorrer na net uma petição “pela melhoria do Decreto-Lei 3/2208”, que afirma que as “alterações em nada favorecem o atendimento à maioria dos alunos com NEE, desrespeitando até os seus direitos e os das suas Famílias”, princípio sustentado em dois pontos: a) “a condição restritiva e discriminatória da lei”, por “limitar o atendimento às necessidades educativas especiais dos alunos surdos, cegos, com autismo e com multideficiência” e “discriminar a esmagadora maioria dos alunos com NEE permanentes (mais de 90%)”; b) por causa do “uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF), da Organização Mundial de Saúde”, tabela que é apresentada como desajustada por estar adaptada a adultos e não a crianças e adolescentes.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Em tempo: hoje é o Dia Internacional da Língua Materna

International Mother Language Day was proclaimed by UNESCO's General Conference in November 1999. The International Day has been observed every year since February 2000 to promote linguistic and cultural diversity and multilingualism.
Languages are the most powerful instruments of preserving and developing our tangible and intangible heritage. All moves to promote the dissemination of mother tongues will serve not only to encourage linguistic diversity and multilingual education but also to develop fuller awareness of linguistic and cultural traditions throughout the world and to inspire solidarity based on understanding, tolerance and dialogue. (in www.un.org)
Nem de propósito: discute-se o acordo ortográfico para a língua portuguesa, a ser partilhado entre os países lusófonos. E também: cada vez mais línguas se cruzam com a nossa nos espaços que frequentamos. São também línguas maternas, que nos exigem um (novo) olhar sobre o outro.

Outra gestão para as escolas

O texto é da LUSA, citado no sítio do Público e diz respeito à aprovação em Conselho de Ministros de hoje da legislação sobre o novo modelo de gestão das escolas públicas do ensino não superior:
"O Governo aprovou hoje o decreto referente à autonomia, administração e gestão escolar, cujas principais linhas foram já apresentadas pelo primeiro-ministro, José Sócrates, no Parlamento, e que pretende abrir as escolas à participação das suas comunidades locais.
Falando em conferência de imprensa, no final do Conselho de Ministros, a titular da pasta da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, afirmou que o decreto proporcionará "uma abertura ao exterior" do espaço escolar. A ministra acrescentou ainda que "há agora uma abertura para uma participação qualificada de agentes da comunidade local, desde logo os pais, as autarquias e de outros agentes em relação aos quais faça sentido essa participação".
Segundo a ministra da Educação, o decreto irá também "reforçar as lideranças das escolas, através da afirmação de uma direcção unipessoal, que permite também responsabilizar os futuros directores das escolas". "O reforço das lideranças será também concretizado com a escolha ou designação dos coordenadores dos órgãos intermédios de gestão escolar", disse.
Já no ponto referente à organização interna de cada escola, Maria de Lurdes Rodrigues defendeu que o decreto "abre a possibilidade de existir uma grande flexibilidade". Na perspectiva da ministra, com a concretização da nova gestão escolar "serão dados passos muito significativos no reforço das lideranças em cada escola, na autonomia de cada estabelecimento de ensino e na abertura da escola ao exterior".
"
Duas observações apenas:
1) O decreto permitirá, segundo a Ministra da Educação, uma "abertura ao exterior" - Fica evidente que as escolas têm estado fechadas ao exterior; pela minha experiência, tenho visto provas do contrário, quer no que toca à participação dos pais (quando possível, porque os pais não trabalham na escola e as situações de emprego nem sempre são compatíveis), quer no que toca a protocolos com outras instituições (raros, porque as outras instituições, mesmo as empresas, também têm as suas lógicas de funcionamento, nem sempre se gerando situações de compatibilidades), quer no que toca à participação das autarquias (desde as Juntas de Freguesia a Câmaras Municipais). O argumento da "abertura ao exterior", podendo ser verdadeiro em alguns casos, não funciona em muitos outros como novidade, pois ela já existe. Obviamente, com as regras possíveis!
2) O "reforço da liderança das escolas" será feito através "da afirmação de uma direcção unipessoal" e "com a escolha ou designação dos coordenadores dos órgãos intermédios de gestão escolar". - O tal reforço da liderança passa pelo "unipessoal", então. Valha-nos a palavra "reforço", que admite a existência da liderança... O argumento é válido, sobretudo porque a liderança se afirma pela concentração de poderes. Percebe-se o que é ser líder hoje.

Ana Benavente, a escola pública e nós

Ana Benavente escreve hoje no Público sob o título “De quem é a escola pública?”. A pergunta é pertinente, sobretudo num tempo em que o conceito de “escola pública” tem servido para muitas opiniões derraparem no sentido de ser denegrido o trabalho e a imagem do ensino público não superior e num tempo em que, um pouco por todo o mundo, se questiona o que pode (e deve) ser a escola frente a todas as competitividades (como esta palavra dá jeito à sociedade em que estamos!) existentes e emergentes que nos inundam (e, obviamente, inundam as famílias, os estudantes, os trabalhadores da educação).
Naturalmente que vem à baila no texto de Ana Benavente a torrente legislativa dos últimos tempos – a avaliação de professores e a anunciada reforma do modelo de gestão. E o retrato que sustenta a escola presa por estes dois vectores é assim traçado: “uma escola centralizada e burocrática, sem autonomia e cega à diversidade social, centrada nas percentagens estatísticas, destruidora da profissão docente”, onde “os professores têm medo, os sindicatos encurralaram-se nas suas impotências, o Governo acha que é dono das escolas e capataz dos professores”.
Muitas vozes se têm erguido em defesa da avaliação dos professores às cegas, arremetendo apenas com a ideia de que deve existir a avaliação, mas não reflectindo sobre o que ela deva ser, agindo um pouco na linha de pensamento de que… nas escolas ninguém trabalha e o que se faz é mau, ideias que, de resto, foram alimentadas por sugestões existentes nos discursos dos responsáveis pela educação em Portugal, que alimentaram o tema da avaliação de professores com a carga do negativo e da punição.
O retrato que Ana Benavente traça das consequências (já sentidas) nas escolas com a legislação publicada sobre a avaliação de professores não é exagerado e vale a pena lê-lo para que se saiba o que está a acontecer, para que haja a noção do que não tem sido o melhor serviço para a dignificação da escola: “O diploma relativo à avaliação dos professores quer avaliá-los um a um observando as suas aulas. Com "quotas" para excelente, bom e por aí fora. E quem avalia? Colegas (os ditos "titulares") muitas vezes com menos saberes e experiência que os avaliados. Esses "avaliadores" reportam à inspecção (ou deveriam reportar, dado que a inspecção desapareceu misteriosamente no último documento que chegou às escolas). Embora sem regulamentação conhecida, o diploma "é para já". E já quer dizer a meio do ano, sem se terem previamente estabelecido objectivos, metas ou critérios. Está criado o caldo da desconfiança, da competição e das invejas. A escola, centro da vida educativa, lugar de equipas docentes que asseguram aprendizagens, torna-se numa repartição da 5 de Outubro. Sabiam, por exemplo, que na avaliação de quem passou ou não a professor titular (casta de que se desconhece a origem e o destino) foram penalizados todos aqueles que deram faltas por doenças devidamente comprovadas? E por isso as escolas estão à beira de um ataque de nervos; os professores mais velhos querem reformar-se, os mais novos angustiam-se com os "maremotos" legislativos.
Pese embora o tom do discurso político que diz pretender valorizar os professores e o seu mérito, o certo é que tal ideia parece cada vez mais afastada do horizonte de expectativa dos professores, que vão vendo a escola como algo cada vez mais incaracterístico. Nunca se viu na escola tanta gente a desejar a saída da legislação que permite uma aposentação antecipada como agora (o que vai acontecer nos tempos mais próximos, havendo a sangria de muitos professores dedicados e de muitos “titulares”, prevendo-se instabilidade no corpo docente das escolas); nunca se viu na escola tanta gente a duvidar da valorização do seu trabalho.
O que acontece é que outras lógicas estão a ser inseridas na escola, que nada têm a ver com o serviço público nem com a educação. E Ana Benavente, no final do seu artigo, deixa claros os caminhos que pretendem dominar a escola: “Qualidade e equidade são duas faces da mesma moeda. Nem uma nem outra são contempladas na actual política educativa. (…) Vejo, no fim deste puzzle, uma mistura de tentativa de retorno ao passado e de mercantilização de actividades educativas (que já começou, dos tempos livres ao inglês, por exemplo). É isso que realmente queremos?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

"Tristeza"

Chama-se "Tristeza", é assinado por Maria João Teles e pode ser lido na íntegra aqui. Mais coisa, menos coisa, creio que será o sentimento de muitos professores, sobretudo daquelas pessoas que abraçaram a educação e o ensino como causa, como convicção, como vida, como arte. E sem circo, sem representação, sem "faz-de-conta", sem carreirismo, sem burocracia, sem "lobbies". Vale a pena lê-lo na íntegra, vale. Subscrevê-lo-ia.
"(...) Pela primeira vez, questiono a sabedoria da escolha que fiz relativamente à minha profissão.
Escolha consciente, diga-se em abono da verdade...a culpa foi toda minha, ninguém me obrigou e pessoas avisadas bem me alertaram.
Mas, também existiam outras que pensavam de forma diferente.
Relembro nomes de antigos professores... daqueles que, por si só, já eram uma aula e não precisavam de recorrer a metodologias e estratégias inovadoras (já agora...se alguém souber de alguma que ainda não tenha sido tentada, não seja egoísta e partilhe-a comigo...eu já não consigo inventar mais!).
Recordo como esses professores me incentivaram a seguir esta carreira-"Foste feita para ensinar, miúda! Vai em frente!"- e como um deles, quando o encontrei já bem velhote, comentou com um sorriso "Eu bem sabia! Sempre lá esteve o bichinho!"
Que diriam, todos os meus professores que já partiram, sobre tanto decreto regulamentar que, em vagas sucessivas, vai transformando a nossa Escola e os seus professores num circo de muito má qualidade, cheio de artistas saturados, humilhados, mal pagos e fartos de trabalharem num trapézio sem rede? (...)
"

Rostos (30)


"Tentação de S.Bento" (figuras em tamanho real), na "Capela do Diabo", em Várzea (Barcelos)

A entrevista do Primeiro-Ministro e a avaliação de professores pela lupa de Santana Castilho

A entrevista do Primeiro-Ministro à SIC e as observações ali feitas sobre a educação são o motivo da crónica de Santana Castilho no Público de hoje, em crónica intitulada "Propaganda e Peter Pan". O ponto forte é sobre a avaliação de professores:
"(...) Não é verdade que durante 30 anos não tenha havido avaliação de desempenho dos professores, como [o Primeiro-Ministro] não se cansa de repetir, ou que os professores não queiram ser avaliados, como insinua. A questão reside na substituição de um modelo de avaliação ineficiente, o que existia, por outro, escabroso, o que propõe, que, se se consumar, trará mais caos ao caótico sistema de ensino. Nenhuma organização séria, seja pública ou privada, propõe mudar seja o que for, neste quadro, sem permitir (e mais que isso, fomentar e promover) o envolvimento dos visados na construção do processo. A avaliação do desempenho só vale a pena, se for concebida como instrumento de gestão do desempenho. Quer isto dizer que o seu fim primeiro é identificar obstáculos ao desenvolvimento das organizações, removendo-os, e não castigar pessoas. Dito doutro modo, as instituições maduras preocupam-se hoje mais com a apropriação por parte dos colaboradores dos valores que, intrinsecamente, geram o sucesso e melhoram o desempenho do que com os instrumentos que, extrinsecamente, o promovem.
Porque o primeiro-ministro não tem tempo para ler esses estudos, quando na SIC deu o exemplo dos Estados Unidos da América, ignorava, por certo, que a introdução, aí, do indicador "resultados obtidos pelos estudantes", logo fez aparecer professores a treinarem alunos nas técnicas de copiar nos exames. Ou ainda, quando invocou a França, se esqueceu que a avaliação do desempenho dos professores franceses (que mostrou desconhecer) não impediu o descalabro do respectivo sistema educativo. Lá, como cá (ainda não tivemos Lisboa a arder como eles já tiveram Paris), é a desregulamentação da sociedade e a desagregação da escola pública que tornou os menores franceses o grupo mais representativo nos delinquentes cadastrados (quase 20 por cento). (...)
"

Contra os anátemas

Chama-se João Alvim, é de S. João das Lampas e testemunha hoje, numa "Carta ao Director", no Público, que esteve no sábado no encontro de professores na rua, em frente à sede do PS, no Largo do Rato, escrevendo, em jeito de carta aberta, ao Primeiro-Ministro:
Ao contrário do que o senhor disse, nem todas os professores que sábado passado (dia 16) estiveram no passeio público, junto da sede nacional do PS, para demonstrar o desagrado com a sua política para a Educação - desagrado, já que não ouvi nem pactuaria com insultos pessoais - eram militantes de outros partidos. Eu estive lá, e no grupo de seis pessoas que comigo estavam, só uma é filiada... no PS. E fomos porque, na véspera, um amigo e professor que tinha sido convidado para estar presente na reunião com o senhor nos disse que seria bom saber que estavam professores cá fora a apoiar o que ele, e outros, dissessem lá dentro (disseram em esmagadora maioria estar contra a política do seu Governo na Educação, sei-o agora).
É lamentável que o primeiro-ministro de Portugal divida os cidadãos portugueses que lhe manifestam, felizmente cada vez mais, discordância das suas políticas em "sindicalistas da CGTP" ou "militantes de outros partidos". Esta é uma perspectiva redutora, maniqueísta e "clubística"; a realidade não é a preto e branco, é mais variada, senhor primeiro-ministro. Independentemente dos seus desejos e "análises políticas", existem também muitos e muitos cidadãos que, não estando filiados em partidos ou organizações sindicais, pensam e agem pela sua própria cabeça. Devo dizer-lhe que antes de o senhor nascer eu já lutava contra o regime de partido único e pelo direito à liberdade de expressão. Naturalmente que não me irei resignar agora que, em nome da democracia - o seu caso é ainda mais grave, porque fala em nome da esquerda -, me vêm colocar carimbos que não são mais do que artimanhas para condicionarem o meu direito à indignação.
P.S. - Sobre a ilegalidade do protesto invocado pelo porta-voz do PS, de referir que esteve presente um graduado da PSP que, depois de perguntar a alguns dos presentes o que se passava, entrou na sede do PS e saiu, sem que dessa presença tivesse resultado alguma intervenção policial. E há uma esquadra bem perto do passeio fronteiro à sede do PS.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Rostos (29)

Monumento aos Pescadores (porm.), por Anjos Teixeira (1981), em Sesimbra

O microfone

Numa determinada altura da minha vida, colaborei numa estação de rádio, na secção de informação. Muito aprendi (e muito mais me ficou por aprender, por certo) e não esqueço um ensinamento que me foi transmitido pelo Armando Pires, a propósito das entrevistas: nunca passar o microfone para a mão do entrevistado, sob pena de ele tomar conta do espaço e, em vez da entrevista, termos um monólogo.
Ora, o que se passou na entrevista de ontem, na SIC, ao Primeiro-Ministro foi um pouco a passagem do microfone para a sua mão, de tal forma as ideias apregoadas tiveram o dom da propaganda, do (re)dito, sem novidades. “Balanço de três anos” seria mais adequada definição, mas suficientemente lata para omitir o clima de descontentamento e de desconfiança (nas políticas, nas melhorias, nos políticos, nas tensões, nas dificuldades) que o país vive.
No que à educação respeita, o Primeiro-Ministro refugiou-se no óbvio, isto é, nas aulas de substituição, nas colocações de docentes por três anos, na escola “a tempo inteiro”, no “Estatuto da Carreira Docente”, deixando para trás o que serão os problemas do sistema educativo vigente e alcandorando-se nas novas leis da avaliação do corpo docente e da gestão das escolas. Quem o ouviu, facilmente percebeu que José Sócrates nunca terá estado no Governo (nem no poder) nos últimos 30 anos, de tal forma foi contundente na crítica à inércia e à preguiça que tem pairado no Ministério da Educação durante estas três décadas, onde nunca se fez avaliação de professores e onde – faltou dizer – tudo andava mal, porque ainda não tinha chegado o “momento histórico” (para usar uma alavanca tão do agrado do Primeiro-Ministro). Imagine-se que, a dada altura, o entrevistado até teve a ideia de dizer que os jornalistas (Nicolau Santos e Ricardo Costa) estavam a reproduzir as perguntas da oposição no que à área da educação respeitava, indicação importante não se estivesse a tratar com vozes que poderiam pertencer a corporações ou a “lobbies”!...
A verdade é que as perguntas não foram suficientemente incisivas para que o Primeiro-Ministro respondesse sem ser em jeito de “balanço” ou de propaganda. Na educação, não se falou de problemas que têm afectado o sistema e que são continuamente relegados para a retaguarda – coisas como a quantidade de disciplinas, as (des)vantagens das aulas de 90 minutos, a (in)adequação de programas, a condição física das escolas, a burocratização crescente da vida escolar, a colaboração e a responsabilização necessárias e indispensáveis (e a operacionalizar) entre pares na educação, as implicações resultantes de um conceito de “inclusão” em vez de “massificação”, as condições (e consequências) das responsabilidades das autarquias (tal como tem sido aventado)…
Na verdade, o microfone deu jeito. E a melhor síntese do que foi a entrevista é aquela que Luciano Alvarez apresenta no Público de hoje, logo no início do seu artigo: “Qual é o balanço que José Sócrates faz dos seus três anos de Governo, que se cumprem amanhã? Positivo, muito positivo. Que imagem tem o primeiro-ministro da sua acção e das suas políticas? Reformistas. Alguma coisa correu mal? Não, tudo correu lindamente.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Vidas de professores

Manuela Salvador Cunha, professora do ensino secundário e articulista de O Primeiro de Janeiro, escreve hoje sobre os professores. A história que perpassa por esta crónica é simples, é verdadeira (infelizmente), encontra razões e espelha o que se sente em muitas escolas. É caso para perguntar se o ambiente escolar está a contribuir para ajudar o tão propalado "sucesso" e se está a resultar do respeito pelo trabalho, pela educação e pela profissão?
"Os professores estão a viver nestes últimos meses numa bolsa de angústia, misto de revolta, espanto, incredulidade, dúvidas. Toda a legislação que tem saído sobre a avaliação do professor, precedido da proclamação do estatuto do aluno, deixam os professores perplexos, muito zangados. Os erros, as incongruências, a inexequibilidade de muitas orientações imanadas do ministério, a burocracia que transpira por todos os poros das novas legislações são tantas que tudo o que apetece é fugir e deixar tudo para trás. E depois, a legislação que o ministério da educação manda cá para fora em catadupas é tanta que nem dá tempo de ser convenientemente assimilada.
Ninguém acredita já que este ritmo resulte de um trabalho intenso que mereça todo o apreço dos portugueses. Não é que não haja trabalho da senhora ministra e dos seus colaboradores. Agora, uma revolução de fundo como a que ela está a tentar fazer exige maturação, muita reflexão, muito diálogo com as partes que têm formação e conhecimentos na área. Ora isto é impossível acontecer no tempo recorde em que a senhora ministra manda cá para fora despachos e decretos. Que está ela a pretender com isto? Concretizar uma reforma antes do governo entrar no estado de graça que precede as eleições? Deve ser isso.
Mas sobretudo os professores estão saturados de tanta reunião, (uma colega disse-me há pouco que só nas reuniões intercalares do primeiro período esteve 24 horas a mais na escola (prolongamentos, repetições etc). Direi que isto é demais. Os professores estão fartos de tanto papel, de tanta burocracia, de tantos parâmetros, de tanto tempo mal aproveitado que não lhes deixa tempo útil para a sua função primordial: preparar e dar aulas; estudar para ser mais capaz e melhor professor.
Não sei o que vai acontecer aos professores novos - se vão aceitar ser funcionários do ensino: escrevinhadores de papelada; acumuladores de reuniões; ensinantes nas horas que sobram – mas sei que os mais velhos estão a bater em retirada. Deram a vida pela educação e pelo ensino, estudaram, procuraram melhorar o seu desempenho, muitos deram algum do seu tempo livre para promover acções de valorização dos alunos, visitas de estudo etc e a maioria desempenhou, a gosto ou a contra-gosto, cargos na escola. E agora sentem-se injustiçados. Retiraram-lhes a autoridade que é fundamental em quem se pretende educador; desacreditaram-nos perante alunos e público em geral; fazem-lhe propostas de trabalho desinteressantes; propostas de avaliação completamente insensatas.
Dirá talvez a senhora ministra que vão-se os velhos, haverá sempre gente nova. E quem sabe, talvez pense que se poupa, assim, algum dinheiro.
Só que…. há sempre um mas. Sem tirar o mérito à energia e à criatividade da juventude, há uma verdade que todos com certeza reconhecem: é que o conhecimento e a sabedoria se vão acrescentando com a idade. Por isso nem só professores novos, nem só professores velhos. Mas parece que estes estão decididos, numa grande maioria, a bater com a porta. É pena, mas é compreensível.
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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Depois de ter escrito ao Presidente da República, Domingos Cardoso escreve ao Procurador-Geral da República, tendo a escola como motivo

Em Novembro do ano passado, pouco tempo antes de se aposentar, Domingos Freire Cardoso, professor de Físico-Química em Ílhavo, escreveu ao Presidente da República, traçando o retrato da vida na escola, depois de um discurso presidencial no 5 de Outubro em que a educação foi tema forte. O teor dessa carta correu por "e-mails" e pela blogosfera.
Agora, com data de 11 de Fevereiro, já aposentado, Domingos Cardoso volta à liça. Aposentado, mas não ausente nem demissionário; aposentado, mas cidadão que enaltece a profissão que teve e com que continua a preocupar-se. Desta vez, o destinatário foi o Procurador-Geral da República.
Transcrevo a carta, porque Domingos Cardoso ma fez chegar.

Carta aberta ao Sr Procurador-Geral da República
Ílhavo, 11 de Fevereiro de 2008

Senhor Procurador-Geral da República

Excelência:

Temos assistido, nos últimos tempos, a uma campanha de desmoralização, desautorização e humilhação dos professores.
Esta tentativa de “diabolização” dos professores assenta em duas mentiras:
Primeira - sendo funcionários públicos são gastadores dos impostos de todos os cidadãos (como se eles os não pagassem também);
Segunda - não fazem nada, trabalham pouco, têm muitas férias e os alunos não aprendem.
Debrucemo-nos sobre a segunda porque a primeira não merece a atenção de ninguém minimamente inteligente.
A - Aposentei-me no dia 1 de Novembro do ano passado e só no dia 21 de Janeiro deste ano entrou ao serviço um novo professor para me substituir.
Isto quer dizer que as cinco turmas que eu tinha (quatro do 1º ano dos Cursos de Educação e Formação - CEF e uma do segundo ano dos mesmos cursos) estiveram mais de oito semanas sem aulas de Ciências Físico-Químicas ( quatro semanas em Novembro, duas em Dezembro e duas semanas e dois dias em Janeiro).
Isto significa que, no primeiro ano, os alunos perderam, no mínimo, 24 tempos lectivos de 45 minutos cada (três por semana) e no segundo ano perderam, no mínimo, 16 tempos lectivos de 45 minutos cada (dois por semana).
Acresce o facto de no segundo ano a parte lectiva terminar no dia 31 de Maio para os alunos entrarem em estágio no dia 1 de Junho. Como terá de ser cumprido um número fixo de horas predeterminado o novo professor terá de dar aulas na Páscoa, aos sábados e, provavelmente, também aos domingos. Afinal, os professores nem são assim tão maus já que deles até se espera que façam milagres… No fim os alunos passam na mesma e foram quase três meses de vencimento que o governo poupou.
Mas desta falta de respeito que o governo mostra pelos professores, alunos e suas famílias o povo não sabe porque não convém que saiba para não estragar a imagem de sucesso tão querida dos governantes.
Quem pede contas ao governo por mais de oito semanas de aulas perdidas e por mais de dois meses e meio para a substituição de um professor? Quem é responsável por tamanha incompetência? Em que normas, regras, procedimentos, directivas, despachos e portarias esteve retida a simples substituição de um professor? Na classificação do desempenho do governo que nota lhe seria atribuída?
B - Quando os professores começarem a exigir cumprir as 35 horas de trabalho na escola, as escolas ficarão bloqueadas.
De facto, onde está escrito no contrato de trabalho entre o governo e um professor que o seu escritório será uma extensão da escola sem que receba pagamento pelo aluguer? Onde está escrito que terá de usar o seu computador, o seu tinteiro, a sua impressora e outro material no serviço da escola?
Quando os professores começarem a exigir gabinetes para preparem aulas, corrigirem testes, computadores para planeamento de aulas e elaboração de testes e relatórios onde estará o espaço para os albergar?
C - Se a progressão dos professores na sua carreira passar a depender, também, das classificações obtidas pelos alunos, Portugal correrá o sério risco de se transformar na aberração de ser um país só de génios com um QI, no mínimo, igual ao de Einstein.
De facto, qual será o professor que correrá o risco de dizer que, dos seus alunos, cinco, três, ou mesmo um só, não conseguiram transitar de ano? Um professor, tal como qualquer outro mortal, tem uma casa para pagar e uma família para sustentar e se o governo quer que o aluno passe mesmo sem saber, assim será feito.
Cairemos, então, no poço sem fundo da maior mentira e da maior vergonha do ensino público.
Se actualmente, nos CEFs, os alunos podem fazer o que lhes apetecer porque nem as faltas disciplinares assentes em participações relatando os comportamentos impróprios dos alunos aparecem registadas nas pautas, como se nada tivesse acontecido, para que é que hão-de estar com atenção e esforçarem-se nas aulas para aprenderem e assimilarem comportamentos sociais correctos se, no final do ano, o professor irá vender a sua assinatura a troco de pão na mesa? E quem lho poderá levar a mal já que é o governo que para isso o empurra encostando-lhe a faca ao peito?
Quem quer acabar com a dignidade dos professores? Quem quer destruir o ensino público? Quem anda a brincar com os professores, os alunos e as famílias? Quem anda a hipotecar o futuro do País?
Os professores não são, de certeza.
Agradeço que mande alguém investigar.
Grato pela atenção
Domingos Freire Cardoso (Professor aposentado de Ciências Físico-Químicas )

Um "e-mail" de um professor, a crónica de Daniel Sampaio e uma varanda para Sebastião da Gama

Sob o título "Vidros Foscos", Daniel Sampaio escreveu hoje a seguinte crónica no Público (revista Pública):

"E-mail" de um professor do Secundário "(...) sou professor de Matemática do Secundário há quase vinte anos e sinto que, cada vez mais, na minha tarefa de ensinar (continuo a chamar-lhe assim) enfrento obstáculos difíceis de transpor. Um desses obstáculos consiste na dificuldade de concentração que muitos alunos revelam durante as aulas (...). Vem isto a propósito de terem sido recentemente colocados vidros foscos nas janelas de algumas salas de aula da minha escola. Eu confesso que me senti horrorizado quando entrei numa dessas salas para dar a primeira aula do dia (um belo dia de sol) e me deparei com uns vidros que me pareciam completamente embaciados. O comentário recorrente dos meus alunos é: "Parece que estamos numa prisão." Procurei saber as razões junto do Conselho Executivo e foi-me dito que isso foi feito em resposta às preocupações apresentadas por alguns meus colegas pelo facto de muitos alunos se distraírem a olhar para o exterior (...) Vidros foscos na sala de aula? Qual será o próximo passo, impedir que as janelas se abram, mesmo nos dias quentes, para manter o efeito vidro fosco? Gostava muito de saber a sua opinião..."
Pois aqui estou a dá-la, caro professor. Começo por dizer que o seu "mail" me fez recuar cerca de 35 anos. Voltei ao Liceu Pedro Nunes e, bem ao longe, ouvi a voz da minha notável professora de Inglês, Maria do Céu Saraiva Jorge, a entrar na sala de aula: "Open all the windows! Put the blinds up! What a beautiful day, today"; ou senti o murmúrio da minha professora de Filosofia, Maria Luísa Guerra, a segredar-nos: "Olhem lá para fora, tentem compreender o mundo, não fiquem agarrados a esse velho compêndio de Filosofia..."
Sei que a escola de hoje é bem diferente. Na altura, éramos uns privilegiados, pois muitos ficavam pela quarta classe. Os que permaneciam não faziam grandes contas à vida, nem pensavam em agredir os professores. Havia indisciplina, claro, mas não existia a intenção de magoar quem nos dava aulas. Os pais e os docentes tinham autoridade, às vezes à custa da força. O professor do Secundário tinha prestígio cultural e era uma figura de referência na comunidade. Hoje é tudo tão diferente que nem se deve comparar: a escola é para todos, as turmas são heterogéneas e podem ter meninos com fome e maus tratos, o professor deixou de ser a única fonte de conhecimento, os pais estão inseguros na sua forma de educar. A indisciplina é tão grande que muitas aulas não são dadas, ou são ministradas a medo, sem cumprir objectivos mínimos. A escola transformou-se, para os professores, numa arena de burocracia sem sentido, onde quase ninguém se sente bem.
O futuro, contudo, nunca poderá estar nos "vidros foscos". Pensar que isolamento do exterior poderá conduzir a melhor concentração é errado. Os alunos sempre terão piores resultados nas disciplinas dos professores de quem não gostam, ou que sentem que não gostam deles. Educar é a pessoa dar-se como modelo, ser educado é a pessoa crescer e evoluir de maneira a constituir-se ela mesma como modelo. Por isso, o aluno cresce emocionalmente se conseguir ver naquele professor alguém que quer imitar, uma pessoa com quem faz sentido ser parecido "quando for grande": quanto mais o jovem for imaturo ou instável, mais crucial será este trabalho de identificação aluno-mestre. Esta relação entre duas pessoas é a base do êxito na sala de aula e pode ser conseguida através da confiança e do respeito mútuo, partindo da diversidade que caracteriza a escola de hoje.
Mais do que "forçar" a atenção dos alunos, impedindo o simples olhar para o pátio da escola por meio de um vidro fosco, a turma tem de ser transformada num grupo de trabalho que coopera, onde os alunos mais "atentos" serão os aliados do professor. Se todos estiverem a trabalhar na sala de aula (leia-se a pesquisar, a resolver questões em conjunto, a tentar compreender o mundo), haverá menos gente a olhar lá para fora, porque a verdadeira vida estará ali à frente.
Em derradeira análise, os vidros foscos são a metáfora do nosso actual sistema de ensino: querem que olhemos só para o que nos mostram de bom, tudo fazem para nos tapar a vista do que continua (tristemente) na mesma.
Acabei de ler o texto de Daniel Sampaio com um misto de riso e de prazer. Por muitas razões, de que destaco uma: os anos andam e a essência da vida - e da educação - continua a mesma. Quem, aliás, foi buscar o passado foi o próprio autor da crónica, ao relembrar-se de atitudes de professores que lhe ensinaram a olhar o mundo a (re)parar no mundo. De imediato, associei esta resposta de Sampaio a um texto do Diário de Sebastião da Gama, datado de 17 de Janeiro de 1949, quando estava em estágio na Escola Veiga Beirão, que relembro:
Verdade seja dita: não tenho muitas queixas a fazer do Destino. E aqui no estágio, além do mais, encontrei uma varanda linda. Linda porque Lisboa é linda e vê-se metade dela da varanda da sala 19. Uma vez subi a um quarto andar onde mora um tipógrafo; ia com ganas de lhe comer os fígados, porque me andava a enganar desde que o livro entrara na oficina. Pois recebeu-me, lá no alto, um sol magnífico a cair sobre Lisboa: isto tudo visto por uma pequena janela. Adeus, fúrias, adeus, palavras como punhais! Basta uma janela para me fazer feliz e foi o que me aconteceu, também, quando cheguei à sala 19. Era o Castelo, era o Tejo, era a cidade de mármore e granito (como dizem) a espreitar para dentro da aula. Vai, que fiz eu? Como queria tomar o pulso aos rapazes em matéria de escrita, propus-lhes aquele tema: 'Da varanda da nosss aula' podia muito bem ser o título da redacção; mas também podia ser outro, à escolha do freguês. O que eles escrevessem servia para eu ver como escreviam, como viam e como imaginavam. À maneira de preparação disse-lhes: 'Suponham que aqui está uma chávena da China. Vocês têm de escrever a partir dela e podem fazê-lo contando que ela tem este ou qauele feitio, esta ou aquela cor, um desenho que representa isto ou aquilo e tem a asa do lado esquerdo. Mas também não dizer a nenhuma destas coisas e imaginar, com os olhos nela, uma coisa passada na China: chinesinhos de rabicho, arroz comido com pauzinhos, sei lá o quê! Ou fantasiar um chá das cinco em que serviu aquela chávena; quem estava nesse chá, o que se disse, o que se passou durante essa hora. Posto o que, vão à janela um bocadinho, olhem, voltem, sentem-se e escrevam o que quiserem, com o título ou subtítulo 'Da varanda da nossa aula'.
Os rapazes, feito o honesto barulho de correrem à varanda, atiraram-se à obra. Eu fui pacatamente olhar Lisboa, porque começo a fazer-lhes sentir que eles não devem copiar.
E se a varanda estivesse envidraçada com vidros foscos?

Todas as mudanças são para melhor?

No Público de hoje, há duas "Cartas ao Director" que transcrevo, relacionadas com o que se vive nas escolas.
A primeira é assinada pelo professor jubilado do IST António Brotas, que sobre a avaliação dos professores, diz: “Uma má avaliação dos professores pode comprometer o futuro educacional do país por um larguíssimo período. É este o risco que corremos. Uma avaliação que tem a oposição da esmagadora maioria dos professores está certamente errada. Infelizmente, as oposições e os sindicatos empenharam-se em combater as propostas do Governo em vez de apresentarem propostas alternativas que, se fossem seriamente pensadas e debatidas, seriam certamente aceites de um modo consensual.
A segunda é subscrita por Miguel Alves e questiona a facilidade com que o poder pode fazer mudanças, assim como a consistência de muitas delas: “Se analisarmos cuidadosamente, teremos de concluir que, no ensino básico e secundário, foram poucos os diplomas e as ‘reformas’ da responsabilidade da actual equipa do Ministério da Educação que não tenham tido a discordância dos professores e da comunidade educativa de um modo geral. A ideia de que essa resistência da classe docente se justifica por uma correcta política do Governo de afronta a interesses corporativos instalados parece-me que tem cada vez menos apoiantes. Na verdade, cada vez mais gente começa a acreditar que essa constante afronta à classe docente apenas esconde a ausência de uma ideia estruturada de política para a educação e uma incapacidade de criar um ambiente construtivo e qualificado de trabalho. Será que a actual maioria parlamentar, que sustenta este Governo, está convencida de que as ‘reformas’ que se estão a propor ou a tentar implementar são correctas e têm alguma hipótese de durabilidade? Será que estão convencidos de que terão uma maioria eterna? Se não queremos que a educação pública esteja em constantes sobressaltos e reformulações ao sabor das pequenas vontades e de maiorias circunstanciais, se achamos que é importante a existência de um ensino público e queremos um sistema de educação público prestigiado e exigente, então chegou o momento de exigirmos a criação de um corpo legislativo que regule o ensino básico e secundário público, apoiado por uma maioria qualificada de deputados eleitos para a Assembleia da República, e, de preferência, que a Constituição obrigue a que qualquer alteração desse corpo legislativo necessite do voto de igual maioria qualificada.

Anátemas

Na reunião que o Secretário-Geral do PS teve ontem com professores da sua família política, terá sido dito pelo próprio, segundo a LUSA, que “mantém a política educativa porque o país precisa dela” e que, enquanto Primeiro-Ministro, “não estava a trabalhar para as corporações”.
Primeira observação: justificar as políticas com um argumento como “o país precisa delas” é o mesmo que dizer “porque sim”. Provavelmente, José Sócrates apontou mais razões, mesmo fundamentadas em alterações de rumos… mas que haja clareza, porque nunca foram apresentadas razões convincentes para que as alterações sejam tratadas como o têm sido.
Segunda observação (que talvez explique a primeira): o Primeiro-Ministro tem feito questão de referir, muitas vezes, as corporações e os “lobbies”, venham eles de onde vierem, integrem eles seja quem for. Em cada esquina de Portugal parece haver movimentos corporativos que o governo procura incessantemente combater. E essa é uma das razões que norteiam a tomada de decisões para o país…
Por mim, como diz um amigo, estou “livre, sem lobby, seita, loja, templo e partido”.