O livro termina com uma “inverdade” que pretende ser simpática: “aos dezanove de março de dois mil e oito imprimiu-se na EGRAFE, SA esta primeira edição portuguesa de poesia da Prisa Innova para comemorar o dia do pai e a chegada da primavera”. Ora, acontece que o livro foi impresso para assinalar esses dois acontecimentos mas não nesse dia; na verdade, o livro foi posto à venda ontem, dia em que saiu para a rua a acompanhar o diário Público. Fala-se de Em nome do Pai – Pequena antologia do Pai na poesia portuguesa, volume com cerca de 120 páginas por onde perpassam textos de meia centena de poetas que trouxeram o pai para motivo da sua poesia, organizado por José da Cruz Santos e prefaciado por Vasco Graça Moura, que, além desta função, é também um dos antologiados. A direcção gráfica é de Armando Alves.
O texto introdutório de Graça Moura chama a atenção para a raridade que foi a entrada da figura do pai na poesia portuguesa anterior ao século XX, altura em que surgiu esplendorosa no poema de Jorge de Sena “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya” (em Metamorfoses, de 1963). Por outro lado, é acentuada a ausência que envolve o tratamento da figura paterna na poesia – “embora alguns [poetas] façam a sua referência ao momento da morte, poder-se-á dizer que predominam as recordações da figura do pai na infância do autor e de um convívio determinante com ela.” A explicação de Graça Moura termina, aliás, com uma conclusão inevitável: “como se vê dos poemas aqui compendiados, todos os pais desaparecidos se tornaram fantasmas melancólicos”. Pelo caminho, ficou ainda uma explicação para o facto de a figura da mãe, essa sim, ter intensa presença na literatura poética portuguesa, fenómeno a que não está alheia a promoção da imagem materna “ao longo dos séculos pela devoção religiosa que veio mais tarde a encontrar a sua transposição laica para o plano da maternidade comum”.
O leque de autores reunidos começa com três nomes do século XIX – Camilo, António Nobre e Cesário Verde. Seguem-se nomes que entraram pelo século XX, logo a partir do quarto autor escolhido, Ângelo de Lima. Para falarmos de nomes relacionados com a região de Setúbal (um critério que justifica que não se liste a meia centena de autores seleccionados), citem-se António Osório (com fortes ligações à Arrábida e a Azeitão), Ruy Belo (que prefaciou o livro Pelo sonho é que vamos, de Sebastião da Gama, em 1970), Jorge Reis-Sá (o poeta que quase “fecha” a antologia e foi vencedor da 6ª edição do Prémio Literário Bocage, organizado pela LASA em 2004) e Amadeu Baptista (que foi o vencedor do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, organizado pelas Juntas de Freguesia de Azeitão em 2007).
Se o livro, enquanto objecto, é bonito, pena é que a antologia não contenha indicações sobre os autores (pelo menos as datas dos períodos de vida) e sobre os livros de onde os textos saltaram!
E, porque se está em Dia do Pai, dou a palavra a José Tolentino de Mendonça, aqui antologiado com o poema “A casa onde às vezes regresso” (reunido em A noite abre meus olhos, de 2006):
O texto introdutório de Graça Moura chama a atenção para a raridade que foi a entrada da figura do pai na poesia portuguesa anterior ao século XX, altura em que surgiu esplendorosa no poema de Jorge de Sena “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya” (em Metamorfoses, de 1963). Por outro lado, é acentuada a ausência que envolve o tratamento da figura paterna na poesia – “embora alguns [poetas] façam a sua referência ao momento da morte, poder-se-á dizer que predominam as recordações da figura do pai na infância do autor e de um convívio determinante com ela.” A explicação de Graça Moura termina, aliás, com uma conclusão inevitável: “como se vê dos poemas aqui compendiados, todos os pais desaparecidos se tornaram fantasmas melancólicos”. Pelo caminho, ficou ainda uma explicação para o facto de a figura da mãe, essa sim, ter intensa presença na literatura poética portuguesa, fenómeno a que não está alheia a promoção da imagem materna “ao longo dos séculos pela devoção religiosa que veio mais tarde a encontrar a sua transposição laica para o plano da maternidade comum”.
O leque de autores reunidos começa com três nomes do século XIX – Camilo, António Nobre e Cesário Verde. Seguem-se nomes que entraram pelo século XX, logo a partir do quarto autor escolhido, Ângelo de Lima. Para falarmos de nomes relacionados com a região de Setúbal (um critério que justifica que não se liste a meia centena de autores seleccionados), citem-se António Osório (com fortes ligações à Arrábida e a Azeitão), Ruy Belo (que prefaciou o livro Pelo sonho é que vamos, de Sebastião da Gama, em 1970), Jorge Reis-Sá (o poeta que quase “fecha” a antologia e foi vencedor da 6ª edição do Prémio Literário Bocage, organizado pela LASA em 2004) e Amadeu Baptista (que foi o vencedor do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, organizado pelas Juntas de Freguesia de Azeitão em 2007).
Se o livro, enquanto objecto, é bonito, pena é que a antologia não contenha indicações sobre os autores (pelo menos as datas dos períodos de vida) e sobre os livros de onde os textos saltaram!
E, porque se está em Dia do Pai, dou a palavra a José Tolentino de Mendonça, aqui antologiado com o poema “A casa onde às vezes regresso” (reunido em A noite abre meus olhos, de 2006):
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
1 comentário:
Bom post! abraços.
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