"Era uma vez um granjeiro que criava galinhas. Era um granjeiro incomum, intelectual e progressista. Estudou administração para que a sua granja funcionasse cientificamente. Não satisfeito, fez um doutoramento em criação de galinhas. No curso de administração, aprendeu que, num negócio, o essencial é a produtividade. O improdutivo dá prejuízo; deve, portanto, ser eliminado.
Aplicado à criação de galinhas esse princípio traduz-se assim: galinha que não põe ovo não vale a ração que come. Não pode ocupar espaço no galinheiro. Deve, portanto, ser transformada em cubinhos de caldo de galinha.
Com o propósito de garantir a qualidade total da sua granja, o granjeiro estabeleceu um rigoroso sistema de controlo da produtividade das suas galinhas. Produtividade de galinhas é um conceito matemático que se obtém dividindo-se o número de ovos postos pela unidade de tempo escolhida. As galinhas cujo índice de produtividade fossem iguais ou superiores a 250 ovos por ano podiam continuar a viver na granja como galinhas poedeiras. O granjeiro estabeleceu, inclusive, um sistema de 'mérito galináceo': as galinhas que punham mais ovos recebiam mais ração. As galinhas que punham menos ovos recebiam menos ração. As galinhas cujo índice de produtividade fosse igual ou inferior a 249 ovos por ano não tinham mérito algum e eram transformadas em cubinhos de caldo de galinha.
Acontece que conviviam com as galinhas poedeiras galináceos peculiares que se caracterizavam por um hábito curioso. A intervalos regulares e sem razão aparente, eles esticavam os pescoços, abriam os bicos e emitiam um ruído estridente e, acto contínuo, subiam para as costas das galinhas, seguravam-nas pelas cristas com o bico e obrigavam-nas a agacharem-se. Consultados os relatórios de produtividade, verificou o granjeiro que isso era tudo o que os galos - esse era o nome daquelas aves - faziam. Ovos, mesmo, nunca, jamais, em toda a história da granja, nenhum deles tinha posto. Lembrou-se o granjeiro, então, das lições que aprendera na escola e ordenou que todos os galos fossem transformados em cubos de caldo de galinha.
As galinhas continuaram a pôr ovos como sempre haviam posto: os números escritos nos relatórios não deixavam margens para dúvidas. Mas uma coisa estranha começou a acontecer. Antes, os ovos eram colocados em chocadeiras e, ao final de vinte e um dias, quebravam-se e de dentro deles saíam pintainhos vivos. Agora, os ovos das mesmas galinhas, depois de vinte um dias, não quebravam. Ficavam lá, inertes. Deles não saíam pintinhos. E se ali continuassem por muito tempo, estouravam e de dentro deles o que saía era um cheiro de coisa podre. Coisa morta.
Aí o granjeiro científico aprendeu duas coisas:
Primeiro: o que importa não é a quantidade de ovos; o que importa é o que vai dentro deles. A forma dos ovos é enganosa. Muitos ovos lisinhos por fora são podres por dentro.
Dois: há coisas de valor superior aos ovos, que não podem ser medidas por meio de números. Coisas sem as quais os ovos são coisas mortas."
Ruben Alves. Gaiolas ou asas (Porto: Edições ASA, 2004)
Sem comentários:
Enviar um comentário