segunda-feira, 31 de março de 2008

Ainda a história do telemóvel... ou de como não vale a pena fazer de conta que não se sabia

Carla Machado escreve no Público de hoje texto intitulado "Um pouco mais de eduquês", que pode constituir uma reflexão sobre o assunto, sem o estigma de ter que tomar partido, mas chamando a atenção para o facto de ninguém poder fazer de conta que não sabia... A questão merecerá tanto mais cuidado quanto se soube, através do mesmo jornal, que a Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) terá sugerido que o 3º período da escola portuense Carolina Michaelis se iniciasse com uma reflexão sobre a história que tem sustentado o debate sobre a educação e a disciplina em Portugal, a propósito dos dois mais famosos telemóveis de que há conhecimento. Fica um excerto da peça de Carla Machado, mesmo para que ninguém faça de conta que a escola é outra coisa qualquer...
«(...) A escola é hoje palco de tensões e conflitos porque é a arena onde mais visivelmente tentamos realizar um projecto de integração social que está em crescente ruptura; o espaço onde se encontram aqueles que a percebem como um patamar para o futuro e aqueles que não vislumbram qualquer futuro possível. Na medida em que inclui e mistura, em que confronta mundos e expectativas díspares, a escola pública converte-se, paradoxalmente, num contexto em que o sentimento de exclusão, o ressentimento e a raiva se agudizam. E os professores, vistos como representantes "do outro lado", mas ao mesmo tempo como frágeis no seu estatuto social, no seu prestígio e na sua autoridade moral, tornam-se alvos privilegiados deste ressentimento. Suficientemente "acima" para serem percebidos como inimigos e suficientemente "abaixo" para poderem ser atacados com razoável segurança.
Muitos factores contribuíram para esta fragilização do seu papel: a banalização do "dar aulas" como forma de desenrascanço para quem não consegue outro emprego, a perda de reconhecimento social da profissão, a falta de empenho de alguns professores confundida com a conduta da maioria.
Mudar este estado de coisas exige dignificar a profissão docente e restaurar o seu prestígio social. Mas temo que tal não baste. Os conflitos que hoje têm a escola como palco não são só confrontos entre alunos mal-educados e professores enfraquecidos, são sintomas de um mal-estar social mais profundo. Quando a escola falha, a raiva dos perdedores não se dissipa; simplesmente deixamos de a ver. Se a escola falhar, para muitos destes miúdos, falhou a sua derradeira oportunidade de permanecer "do lado de cá". E é por isso que as medidas punitivas, embora legítimas e talvez necessárias, devem ser aplicadas de forma a não funcionarem como aceleradores deste processo. Sob a pena de ganharmos na escola para perdermos na sociedade.Talvez a linguagem da facilidade, do imediatismo e da falta de esforço tenha alguma coisa a ver com tudo isto. Seguramente. Mas essa não é a linguagem do "eduquês" nem da psicologia, é linguagem das sociedades ocidentais e da ética de consumo que tão avidamente perseguimos e entendemos como sinal de desenvolvimento. A mesma que quotidianamente produz os sonhos frustrados e o ressentimento de que a escola é palco.
(...)»

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