No Público de hoje, Idalina Jorge, numa carta ao director, testemunha sobre a sua profissão e sobre os motivos por que a rua é o último recurso. Razões, história e experiência que serão semelhantes às de muitos professores que, no sábado, vão passar pela mesma prova.
Exerço a docência desde Outubro de 1974 e nunca me vi obrigada a ir manifestar-me à rua por questões de natureza profissional. Sinceramente, sempre pensei que nunca seria necessário. As agendas sindicais nunca conferiram com as minhas agendas profissionais ou vice-versa. Saí à rua, ainda adolescente, para me manifestar contra a guerra colonial, saí à rua, já jovem adulta, pelo regresso dos militares das colónias, saí à rua, há oito anos, por Timor.
Ao meu 34.º ano de serviço, já passaram pelo Ministério da Educação mais de 20 ministros, uns melhores que outros, uns mais controversos que outros, gostei mais de Roberto Carneiro que de Diamantino Durão, geri escolas, exerci todos os cargos possíveis, formei professores em início de carreira e já integrados nela, ensinei funcionários a fazer requisições, balancetes e ofícios, recebi, divertida, altos funcionários que se deslocam a escolas da periferia de Lisboa, calçados de botas altas, como se fossem à apanha da batata ou à vindima, acompanhei à terra um ex-aluno ainda jovem adulto, que soçobrou à dependência de drogas, trabalhei muito, estudei muito e nunca tive de ir manifestar-me à rua.
Em toda a minha vida profissional participei em duas ou três greves que me causaram enxaquecas monumentais, em virtude do conflito ético em que me colocava ao fazê-las. Aos cinquenta e seis anos vou à rua pela primeira vez por motivos profissionais. Sou contra as aulas de substituição? Não sou. Já o manifestei publicamente, incluindo aqui. Sou contra uma direcção escolar unipessoal? Não sou, nem penso que a gestão colectiva seja necessariamente melhor ou mais democrática que uma gestão unipessoal. Sou contra a avaliação de desempenho? Não sou. Aliás, porque haveria de ser? O que não se consegue avaliar é ingerível.
Então porque é que, no próximo sábado, vou à rua? Eu acredito e entendo que os governos têm de ter uma agenda política, um programa, e que os devem levar à prática com firmeza e determinação: o que não está certo é que queiram fazê-lo à custa das pessoas, contra as pessoas, apesar das pessoas, atropelando, espezinhando e humilhando as pessoas, pondo em causa princípios de rigor, de justiça, de bom senso, desprezando as sucessivas chamadas de atenção dos profissionais, sobretudo daqueles que sabem o que dizem, e o dizem fundamentadamente. Quando todas as vozes dos melhores profissionais a chamarem a atenção para o caminho sem regresso foram ignoradas, quando todos os sinais de retorno foram de desprezo e de arrogância, como se pode esperar agora que os profissionais retribuam com tranquilidade e confiança? Este caminho está fechado.
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